sábado, 3 de outubro de 2015

DO PERMANENTE NO IMPERMANENTE

Musashi

* Honório de Medeiros

No monumental "Musashi", de Eijy Yoshikawa, o "santo da espada" diz: "Ao mesmo tempo, um jovem tem o péssimo hábito de achar que não pode realizar seus sonhos no lugar onde está, e de sempre buscá-los por caminhos distantes. Grande parte dos preciosos dias da juventude se perde nessa insatisfação."

Lembrei-me, então, de um trecho há muito tempo lido em Sêneca. Está no "Da Tranquilidade da Alma": "Uma coisa sucede a outra, e os espetáculos se transformam em outros espetáculos, Como disse Lucrécio: 'Desse modo, cada um foge de si mesmo'. Mas em que isso é proveitoso, se, de fato, não se foge? Seguimos a nós mesmos e não conseguimos jamais nos desembaraçar de nossa própria companhia."

Ou seja, busquemos o permanente no impermanente.

Em tempos de "vida líquida", como a denomina Bauman, no qual o evanescente é a essência das coisas, buscar o permanente no impermanente pode parecer uma quimera arcaica. 

Entretanto se não nos dedicamos a tal por intermédio do submergir em si mesmo, outra coisa não fazemos quando investimos no conhecimento que nos possa trazer o Grande Colisor de Hádrons. 

Lá os cientistas buscam exatamente essa quimera arcaica ao fragmentar a tessitura da realidade.

O que acontecerá quando tudo for compreendido?

terça-feira, 29 de setembro de 2015

INATO OU ADQUIRIDO?


* Honório de Medeiros

Quem leu "A Tempestade", de Shakespeare, ou a assistiu, conhece o célebre jogo de palavras:

"É um demônio, um demônio de nascença, / em cuja natureza jamais pôde atuar a educação."

O solilóquio completo de Próspero é o seguinte:

"É um demônio, um demônio de nascença, em cuja natureza jamais pôde atuar a educação. Foram perdidos todos os meus esforços; sim, perdido completamente, sempre, quanto hei feito a ele por amor à humanidade. Seu corpo com a idade fica hediondo e cada vez mais ulcerado o espírito. Atormentá-los vou até que rujam."

Eis como a arte antecede a ciência. 

A essência desse solilóquio é aquela da filosofia: "inato ou adquirido?"

Richard Dawkins a descreve assim, em "Fome de Saber", o volume 1 de suas memórias: "Os filósofos vêm pelos séculos afora refletindo sobre essa questão. Quando do que sabemos é embutido de forma inata, e até que ponto a mente é uma tábula rasa, à espera de que algo seja escrito nela, como acreditava John Locke?"

Karl Popper encaminhou seu gênio para resolver essa questão. É a medula de sua epistemologia. Aliás, até onde sei, o termo "tábula rasa" foi criação dele.

Muito interessante esse jogo de conectar idéias oriundas de diversas fontes. Shakespeare, Locke, Popper, Dawkins...

* Arte: www.mallarmargens.com

sábado, 26 de setembro de 2015

A SOMBRA DE JARARACA

* Honório de Medeiros

POR QUE JARARACA PEDIU A UM POLICIAL, NA TARDE QUE ANTECEDEU SUA MORTE, PARA FALAR EM PARTICULAR COM O CORONEL RODOLPHO FERNANDES?

O quê Jararaca queria conversar em particular com o Coronel? Por que ele foi assassinado na noite seguinte ao pedido? Há alguma relação entre um fato e outro?

Façamos um intervalo e nos dediquemos a analisar o episódio da morte de Jararaca, que é bastante revelador.

Sérgio Dantas nos conta, acerca do episódio, o seguinte:

(...) "no mesmo dia em que fora preso, Jararaca concedera bombástica entrevista ao jornalista Lauro da Escóssia, do noticiário “O Mossoroense”. Não mediu palavras."

Mais a frente, continua o historiador:

"Jararaca pisou em terreno minado. Logo percebeu que tornara pública parte de uma teia intocável. Suas incisivas declarações puseram em dúvida a probidade moral de destacados chefes políticos de estados vizinhos. A repercussão das declarações, claro, fora inevitável. Decerto, o bandido temeu pela própria vida. Pressentira algum perigo. Chamou um militar, ainda cedo da tarde. Expressou-lhe o desejo de falar em particular com o Intendente Rodolpho Fernandes. O pedido, no entanto, lhe foi negado sem maiores explicações. A caserna tinha outros planos para o cangaceiro. À surdina, ensaiou conspiração. Tramaram abjeto extermínio e apostaram no sigilo. Sem mais demora executou-se o plano."

Em tudo e por tudo está certo Sérgio Dantas. 

Somente errou ao afirmar que as declarações de Jararaca puseram em dúvida apenas a probidade moral de chefes políticos de estados vizinhos e por essa razão temeu pela própria vida.

Não colocou Jararaca em dúvida somente a probidade moral de alguém fora dos limites de Mossoró ou circunvizinhança. Por certo sabia que esses chefes políticos tinham amigos poderosos em Mossoró e vizinhança. Colocou sim, provavelmente, em dúvida, a probidade moral de alguns próceres que estavam próximos, bem próximos ao Coronel Rodolpho Fernandes e aos fatos. 

Como seria possível as declarações de Jararaca chegarem ao Ceará, se a alusão for ao Coronel Izaías Arruda, com a rapidez necessária para que ele, ao perceber que falara demais, ficasse com medo de morrer? Naquele tempo não havia telefone. Havia telégrafo, que não estava funcionando no sentido do Sertão, danificado pelo bando de Lampião.

Quem, no entanto, enviaria informações comprometedoras pelo telégrafo e, através dele, discutiria um plano para a eliminação do cangaceiro que envolvesse a Polícia, comandada pelo Tenente Laurentino de Morais e o Governo do Estado do Rio Grande do Norte? Não parece óbvio que se houve o plano, necessariamente também houve a participação de quem pudesse mobilizar, no Rio Grande do Norte, em Mossoró, essas instituições?

Também não seria possível enviar, a cavalo ou de automóvel, notícias alusivas à entrevista de Jararaca para os estados vizinhos, em tempo suficiente – cinco dias - para que houvesse uma decisão acerca de sua eliminação pela Polícia do Rio Grande do Norte. 

Não. O que Jararaca disse e o que queria dizer ainda mais ao Coronel Rodolpho Fernandes provavelmente incomodou alguém ou alguns que estavam por perto, perto o suficiente para querer, planejar, decidir, e mandar mata-lo. Atribuir tudo isso ao Coronel Izaías Arruda é dar a ele um interesse e poderes que vão além do razoável.

Finaliza o pesquisador Sérgio Dantas: 

“Jararaca sucumbira. Morreu porque sabia demasiado.” 

A seguir:

“Findou o terrível salteador nas primeiras horas da manhã. Sua morte, entretanto, já havia sido decretada há dias. O laudo do exame cadavérico, por exemplo, fora assinado ainda na tarde do dia dezoito. E assim foi. Horas antes da execução e sob escuso pretexto de rotina, examinavam-se ferimentos de um corpo, sofridos durante uma batalha. Logo depois se chancelava, com base em conclusões médico-legais, documento de óbito de homem ainda vivo.”

FONTES:

“LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal; RN.

domingo, 20 de setembro de 2015

HISTÓRIA DE UMA BUSCA

* Honório de Medeiros

As noites da minha infância, quando em férias, excetuando duas oportunidades nas quais uma prima distante que morava conosco me levou para o Sertão, foram passadas na Praia de Tibau, na mesma casa onde meus pais viveram sua lua-de-mel e provavelmente me conceberam. Eram noites típicas do nosso verão litorâneo, com muito vento e pouquíssimas nuvens, frio mais intenso quanto mais tardia se fizessem as horas, todas estas passadas à luz do lampião de gás no alpendre que nos agasalhava e no qual eu ficava entre dormitando e acordado, medroso com a escuridão, acompanhando de relance as figuras que o bruxuleio da luz desenhava nas paredes e ouvindo as conversas dos adultos.

Para lá eu ia como companhia oficial de Tia Liliosa tão logo chegassem os primeiros dias de janeiro. Nessa época o centro de poder familiar era plenamente exercido por Tio Ezequiel[1], irmão de minha avó materna, líder da família e homem considerado muito rico para os padrões de então. Ele era o principal quotista de Alfredo Fernandes Indústria e Comércio, uma empresa com sede em Mossoró e correspondente comercial até mesmo em Londres, que se dedicava, principalmente, ao beneficiamento de algodão. Nele me impressionava o distanciamento que sabia impor sem elevar a voz e seu vagão de trem permanentemente guardado em um galpão imenso vizinho ao escritório central da Firma, para ser usado em seus deslocamentos até o Sertão, nas suas férias anuais, em julho, Fazenda João Gomes, latifúndio encravado nas proximidades de Marcelino Vieira, cuja casa-grande foi construída por ancestrais nossos oriundos de Martins[2].

Era, então, no entorno de Tio Ezequiel, que a família se reunia quando ele ia a Tibau, para a casa de seu sobrinho Chico Sena[3], passar o final-de-semana. Conversava-se debaixo do alpendre a respeito de tudo: a vida, a morte, a seca, a invernada, a carestia, a fartura, a política, mas a noite sempre terminava com alguma história da família Fernandes, principalmente os episódios vividos por Tio Childerico na Amazônia, mais precisamente no Acre, ou Tio Childerico, o “Novo”, e seu encontro com o bando de Lampião[4]. Naquela época Tio Childerico “Velho” já era lenda aqui e na Amazônia. As histórias que se contavam a seu respeito diziam respeito a anos passados no meio da selva sem qualquer contato com a civilização, convivência com índios desconhecidos de hábitos indescritíveis, riquezas fabulosas amealhadas com a venda de borracha, quilômetros e mais quilômetros de terras adquiridas e perdidas em um passe de mágica, boa parte delas contadas por Calazans Fernandes em sua obra “O Guerreiro do Yaco”, primeiro volume do que se espera seja uma trilogia romanceada de sua vida[5]. Quanto a Tio Childerico “Novo”, sua história era recente e mais singela: dizia respeito à passagem do bando de Lampião, após o ataque frustrado a Mossoró, pela propriedade “Veneza”, gerenciada por ele e pertencente a um parente próximo. E dizia respeito à atitude de um cangaceiro, por nome Massilon, de quem Tia Bebela, esposa de Tio Childerico “Novo” se valera para proteger seus filhos, principalmente Fernando Fernandes, recém-nascido, das torturas que lhe infligia “Menino de Ouro”. Massilon fora, no dizer de Tia Bebela, seu “anjo-da-guarda”.

Ainda por outra razão minha relação com o cangaço é bastante antiga: nasci e cresci à sombra da Igreja de São Vicente, a igreja da “bunda redonda”, brinquei, assisti missa, novena de Santo Antônio, sem perder o contato com as marcas que o combate contra Lampião deixou em suas paredes e torre. Na mesma rua onde nasci e me criei e onde ainda hoje moram meus pais, em seu final, número 85, ali onde a Francisco Ramalho termina, do lado direito de quem vai e com a Igreja de São Vicente a sua esquerda, fica a casa onde Tio Ezequiel, Tio Chico Sena, que na época tinha dezesseis anos, e alguns empregados de Alfredo Fernandes, montaram resistência armada aos invasores[6]. Cenário bastante conhecido por mim e que me valeu uma nota 10, muitos anos depois, quando fazendo um trabalho escolar em cartolina, apresentei, junto com meus colegas de grupo, uma maquete no qual se vislumbrava como tinha acontecido a invasão de Mossoró e a posterior fuga dos cangaceiros.

Em 1977, ano do cinqüentenário do combate, foi inaugurada a Escola 13 de Junho tendo como sede, ironicamente, a casa que ficava exatamente no extremo oposto à de Tio Ezequiel. Minha mãe fora nomeada sua primeira Diretora e naquelas festividades conheci o primeiro ex-cangaceiro vivo: Asa Branca. Mas somente anos depois, graças a dois acontecimentos distintos embora relacionados, resolvi sair em busca de Massilon. O primeiro deles foi uma conversa em tom de brincadeira com o jornalista Jânio Rêgo, amigo de infância, acerca de um artigo que ele lera no Jornal “O Mossoroense”, escrito por Aléxis Gurgel, e que inovava quanto ao suposto motivo real que tinha levado Massilon a empreender seu projeto relativo à Mossoró[7]. E o segundo foi conhecer e me tornar amigo de Kydelmir Dantas e Paulo Gastão, o primeiro Presidente, à época, da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço – SBEC, e o segundo um dos maiores pesquisadores, acerca desse tema, no Brasil.

A essa confluência de acontecimentos se agregou o interesse de sempre acerca da história da minha família materna, da qual é momento precioso, segundo minha avaliação, desde a fundação de Martins até a resistência oposta por Rodolpho Fernandes à Lampião[8], passando pela luta de Agostinho Pinto de Queiroz[9], as aventuras de Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, a história política do interventor Rafael Fernandes, dentre outros, bem como os episódios conhecidos ou aqueles obscuros e nebulosos que ainda não vieram à luz relacionados com 1927 em Mossoró. E se agregou também, como algo que latejava permanentemente em minha memória, o fascínio pela história desse “cangaceiro” obscuro, valente, sem o qual, com absoluta certeza, jamais teria havido a invasão de minha terra natal.

Por todos esses motivos surgiu o livro "MASSILON".



[1] Na residência de Ezequiel Fernandes de Souza houve uma trincheira na luta contra Lampião em Mossoró. Tio Ezequiel, que havia sido pai recentemente, viu sua esposa, Ester, ser acometida da febre puerperal que a vitimou, em decorrência da invasão. Informação de sua sobrinha Francisca Ida Fernandes Marcelino, irmã de minha mãe, casada com José Marcelino de Oliveira e cunhada do médico João Marcelino, o mesmo que tratou de Jararaca em Mossoró.

[2] Em 1742 FRANCISCO MARTINS RORIZ, morador da Ribeira do Jaguaribe, fundou no alto da serra uma fazenda de criar e plantar, a qual daria origem ao povoado que tomou seu nome: Martins. Lembra Manoel Onofre Jr. (“MARTINS, A CIDADE E A SERRA”; Editora Sebo Vermelho; 3ª. Edição; Natal, Rn; 2005) que a origem da Capela à margem da Lagoa dos Ingás e em torno da qual a povoação cresceu está envolta em lenda: Reza a tradição que a esposa de Francisco Martins, desapareceu de casa sem deixar vestígio. Desesperado, Martins fez uma promessa a Nossa Senhora da Conceição: se achasse a mulher – viva ou morta – mandaria construir no local do achamento uma capela em honra daquela santa. Pois, logo mais era localizado, bem à margem da lagoa, o corpo da mulher do sertanista, já em estado de putrefação. E Martins cumpriu o voto, mandando erigir a capela ali mesmo. A primogênita de FRANCISCO MARTINS RORIZ, falecido em 1786, MARIA GOMES DE OLIVEIRA MARTINS, casou-se com MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, nascido pela década de 50 do século XVIII, na freguesia de São João Batista da Vila de Princesa (atual Açu, Rn), filho do imigrante português vindo do Porto MANOEL FERNANDES (ver Revista nº 102, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volumes XVIII e XIX, dos anos 1920 e 1921) e JOANNA MARTINS DE LACERDA, esta, por sua vez, filha de FRANCISCO COSTA PASSOS e VIOLANTE MARTINS, citados na obra “POVOAMENTO E POVOADORES DO CARIRI CEARENSE, de Joaryvar Macedo, conforme nos lembra João Bosco Fernandes (“MEMORIAL DE FAMÍLIA”; Halley S.A. – Gráfica e Editora; 1ª. Edição; 1994). Do casamento nasceu, em 1778, MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO, que casaria com DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ. Por sua vez deste casamento nasceu, dentre outros, JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ E SÁ, que se consorciou com MARGARIDA GOMES DA SILVEIRA, os quais geraram CHILDERICO JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ. Do casamento de CHILDERICO JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ (falecido em 4.2.1890) com GUILHERMINA FERNANDES MAIA nasceu FRANCISCA FERNANDES DE QUEIRÓZ MAIA, que se casou com HIPÓLITO CASSIANO DE SOUZA (1863-1937). Este casamento originou MARIA EMÍLIA FERNANDES DE SOUZA (1887-1956), que consorciada com OSÓRIO BERNARDINO DE SENA, gerou ALDEIZA FERNANDES DE SENA MEDEIROS, mãe do Autor, casada com FRANCISCO HONÓRIO DE MEDEIROS. Sou, portanto, da nona geração desde Francisco Martins Roriz.

[3] Francisco Fernandes de Sena estava na trincheira de seu tio, Ezequiel Fernandes de Souza. Tinha 16 anos. Foi Interventor em sua terra natal, Pau dos Ferros, RN.

[4] Childerico Fernandes de Souza (1889-1978), filho de Francisca Fernandes de Souza e Hipólito Cassiano de Souza. Nos primeiros anos do século XX foi trabalhar no Acre com seu tio materno Childerico José Fernandes de Queiroz Filho, o ”Guerreiro do Yaco”. Esteve com seu tio na revolução de 1912, segundo nos informa Arnaldo Fernandes de Souza (“OS FERNANDES DE SOUZA”; Fundação Vingt-Um Rosado; Coleção Mossoroense; Série “C”; Volume 977; 1977) que depôs o prefeito de Sena Madureira, Acre. Morava na fazenda Veneza quando Lampião a invadiu, em 1927, após atacar Mossoró, em episódio por demais conhecido na literatura do cangaço. Era tio materno de minha mãe.

[5] Em 1939 Câmara Cascudo escreveu artigo acerca da morte de Childerico José Fernandes de Queiroz Filho (falecido em 26 de março de 1939), o “Guerreiro do Yaco”, título da obra homônima de Calazans Fernandes, e esclarece por que tantos “Childericos” na família Fernandes: Agostinho Pinto de Queiroz, agricultor na Serra do Martins, no Rio Grande do Norte, homem vivo e curioso, aderiu ao movimento republicano que rebentara em Portalegre no ano de 1817. Preso pelos legalistas cearenses, trazido para Natal, foi enviado aos cárceres baianos, onde sofreu até 1820 quando voltou aos ares da terra velha. Em 1831 marchou contra o caudilho Pinto Madeira e tal raiva lhe tinha que arrancou do nome Pinto e o substituiu por Fernandes. Presidente da Câmara Municipal de Martins, faleceu em 1869.  Desse Agostinho Pinto de Queiroz ou Agostinho Fernandes de Queiroz vem uma tradição comovedora na família inteira. Prisioneiro na cadeia da Bahia, Agostinho teve um grande amigo na pessoa de um oficial chamado Childerico. Dispensa de serviços, melhora na alimentação, livros para ler, notícias para Martins, tudo Childerico arranjava. Indultado, Agostinho Pinto de Queiroz fez a singular promessa de manter na família o nome daquele a quem devia tantos obséquios. Até hoje, há mais de cem anos, a família Fernandes cumpre a imposição emocional de seu antigo chefe. Há sempre vários Childericos, nome de reis merovíngios, entre os sertanejos norte-riograndenses. Childerico José Fernandes de Queróz Filho foi um dos fiadores da promessa secular. Usou nome feudal e guerreiro, tatalante e sonoro como grito de excitação e de arrancada. Setuagenário, esse Childerico acaba de falecer, a 26 de março de 1939, no Rio de Janeiro, com uma história atribulada e valente. Eram essas as histórias que devíamos contar nos livros escolares, a glória útil e serena, o combate político, a honra lavada nos santos suores do trabalho contínuo, as batalhas pela vida limpa sob a bandeira sem nódoa do esforço inextinguível. O “Guerreiro do Yaco” depôs, pela força das armas, em 1912, comandando mais de uma centena de homens, o prefeito de Sena Madureira (AC)”.
[6] Membros da trincheira: Pedro Fernandes Ribeiro, Francisco Fernandes Sena, Raimundo Nonato Fernandes e dois trabalhadores armados de rifles – Murilo Eufrázio da Costa e Velho Chico, além do meu tio-avô materno Ezequiel Fernandes de Souza e sua esposa.

[7] Artigo escrito em “A Gazeta do Oeste” de 17 de agosto de 2003 sob o título “O cangaceiro Massilon”.

[8] À época da invasão de Lampião a Mossoró era Prefeito de Pau dos Ferros meu tio bisavô materno Cel. Adolfo Fernandes. Manoel Rodrigues de Melo (“DICIONÁRIO DA IMPRENSA NO RIO GRANDE DO NORTE 1909-1987”; Cortez Editora/Fundação José Augusto; São Paulo/Natal; 1987; p. 240) informa o seguinte: A República, de 28 de junho de 1919, registrava o aparecimento deste jornal (“O Momento”) nos seguintes termos: ‘No dia 4 do corrente circulou na Vila de Pau dos Ferros o primeiro número d’O Momento, órgão do Partido Republicano Federal naquela localidade, sob a direção política do Coronel Adolfo Fernandes, tendo como diretor o Dr. Guilherme Lins e gerente o Sr. Galdino de Carvalho’. Segundo o jornal a República seu colega pauferrense viria dar suporte à política estadual do Desembargador Ferreira Chaves.

[9] Quanto à mudança do nome de Agostinho Pinto de Queiróz para Agostinho Fernandes de Queiróz, conforme João Bosco Fernandes (“MEMORIAL DE FAMÍLIA”; Halley S.A. – Gráfica e Editora; 1ª. Edição; 1994): quando o Desembargador Vicente de Lemos fazia a remodelação do Arquivo da Secretaria do Governo, encontrou a prova documental desse fato e a entregou a um bisneto daquele revolucionário. Esse documento foi publicado em “A República”, no dia 30 de abril de 1926. Ver HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE, de Tavares de Lyra, 3a. edição.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

DE PACTO SOCIAL

* Honório de Medeiros

Li o artigo do Desembargador Claudio Santos, intitulado "Caos à Vista", publicado na Tribuna do Norte de 15 de setembro de 2015.

Referindo-se a esse artigo, o Deputado Kelps Lima afirmou que viu o artigo como como um “chamado para assumir um pacto para salvar o Rio Grande do Norte”.

Em 12 de novembro de 2014, fiz a seguinte publicação aqui, neste blog: 
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2014/11/rn-de-pacto-social-e-reforma-de-estado.html

"Tendo em vista as informações que vão surgindo na mídia acerca da alarmante situação financeira do Estado, não enxergo outra alternativa, para o futuro Governador do Estado, a não ser liderar a construção de um novo Pacto Social no Rio Grande do Norte para alavancar a urgente, imprescindível, fundamental, Reforma do Estado.

Pacto Social, vez que todas as forças da Sociedade, representadas pelos poderes constituídos, precisam participar diretamente, sob a legítima liderança do futuro Governador do Estado, da elaboração de uma Carta de Princípios que nortearia a Reforma de Estado.

Reforma de Estado que permita a reconstrução do Rio Grande do Norte social, econômica e financeiramente, estabelecendo os parâmetros necessários a serem seguidos pelos poderes constituídos para assegurar o desenvolvimento do Estado.

Uma vez estabelecidos esses instrumentos fundantes da nova realidade política, social e econômica, todas as medidas necessárias a serem tomadas estarão naturalmente legitimadas e contarão com o apoio da Sociedade. 

É o que se espera de alguém que foi escolhido pelo povo para derrotar todas as forças políticas tradicionais do Estado." 

Em 3 de junho de 2015, voltei a abordar o tema do "pacto social":
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2015/06/por-um-novo-pacto-social-para-o-rio.html

"O problema fundamental do Rn, hoje, é antes de tudo, antes do social, do político, do econômico, de natureza orçamentária e financeira.

O Governo precisa de dinheiro e não tem de onde tirar. A entrada no Fundo Previdenciário prova isso. E a situação vai piorar, estamos beirando a recessão. Os repasses estão em queda livre. A arrecadação do Estado, com o declínio da atividade econômica, tende a diminuir lenta e inexoravelmente. As demandas dos servidores e da Sociedade tendem a crescer.

Se eu fosse o Governador Robinson convocaria os Poderes e a Sociedade para um novo Pacto Social.

Um pacto social no qual a renúncia e o trabalho de cada um, pensando no todo, fosse mais importante que qualquer demonstração de unilateralidade.

O Governador é o líder institucional apto a convocar e coordenar esse processo. Com os votos que recebeu, na situação em que isso aconteceu, é de se dizer, até mesmo, que deve assumir esse papel.

E com os pés firmemente fincados no presente, lançar as bases do futuro."

Levando-se em consideração as últimas notícias acerca da economia nacional, é urgente essa providência.

No mais é rezar. Esperar que chova. E esperar juízo nos homens...

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

WHERE IS BILLY JAYNES CHANDLER?



* Bárbara de Medeiros
* Honório de Medeiros       

Era hora do almoço quando papai pediu que eu traduzisse uma reportagem pra ele. Nessas horas, os quatorze anos de estudo de inglês geralmente se pagavam, e foi com prazer e uma certa confusão que li para ele uma reportagem policial de uma criança, Billy James Chandler, que fora assassinada por um de seus pais. O mistério estava em qual dos dois fora o responsável pele monstruoso ato, mas os testemunhos levavam a crer que o pai, William Chandler, tinha sido o verdadeiro algoz do pequeno ser de apenas seis meses.

Claro, a minha curiosidade não podia permitir que eu realizasse tal trabalho sem perguntar o quê papai queria com aquele casal louco e seu falecido filho. Balançando a cabeça com uma expressão de decepção, ele me disse que não era isso que ele procurava, e começou a me contar acerca de Billy James Chandler, o pesquisador, que teria escrito alguns dos livros mais importantes acerca do cangaço. Era ele quem meu pai procurava.

Bastou uma rápida procurada no Google pra descobrir que o nome do historiador era, na verdade, Billy Jaynes Chandler, e obviamente ficou claro que não havia nenhuma relação entre esse homem e a notícia que ele me colocara para ler.

Eu ainda não tocara na comida.

Fui atrás do meu computador para procurar mais acerca do homem que meu pai queria encontrar na rede social. Mas uma rápida pesquisa do seu nome apenas indicava sites onde os seus livros mais conhecidos estavam disponíveis para compra.

Foi aí que meus conhecimentos das ferramentas do Google vieram a calhar. Tirando as palavras chaves relacionadas às suas obras, sobraram poucos sites disponíveis, mas que aparentemente seriam mais importantes na minha pesquisa.

O primeiro deles foi o da editora Record, responsável pelos livros de Chandler (doravante denominado BJC) aqui no Brasil. Ela mantém uma página com informações de todos os escritores que publicam pelo seu selo. Obviamente, fui para a página do historiador, mas qual não foi a minha surpresa ao descobrir que nela não havia qualquer palavra. Nenhuma. Só o nome inteiro do americano como título, o resto era completamente branco. 

Meu primeiro instinto foi encontrar a página de contato da editora e escrever pedindo informações sobre Mr. Chandler. Embora sabendo que a maioria das companhias brasileiras têm o péssimo hábito de ignorar seus leitores, não custava nada pedir. Feito isso, prossegui na minha pesquisa. Nada obtive.

O próximo passo foi procurar a editora americana responsável pela primeira impressão dos seus trabalhos. Depois de pesquisar na Amazon, descobri que era a Texas A&M University Press, e foi para o site dela que parti. Não consegui achar nenhuma informação na página deles, mas me atrevi a lhes mandar um e-mail pedindo alguma informação que pudessem me conceder. Até o presente momento, nada.

Ainda mexendo nas páginas da web descobri o site da faculdade onde Billy Jaynes fez seu bacharelado em história: a Austin Peay State University. Na parte da Alumni, seu nome consta na lista de “perdidos”, e pede-se que qualquer pessoa que tiver alguma informação a seu respeito (e outros que também se encontram na lista), favor entrar em contato. Lá consta que o ano da sua graduação foi 1954. E agora eu sabia pelo menos mais uma pequena informação sobre esse homem que agora começava a me fascinar (mais pelo seu mistério, devo admitir, que pelo seu trabalho).

O próximo passo foi olhar no site da Universidade onde ele lecionou história - a Texas A&M University - Kingsville. Foi lá que descobri que o homem por quem procurávamos havia se tornado professor emérito em 1995. Dez anos atrás. Escrevi um e-mail pedindo informações, sem maiores expectativas. De todos os que eu enviara, esse era o que eu menos esperava que fosse respondido.

A única outra menção a Billy Jayne Chandler na história da Universidade na qual fora professor era em um livro de Cecilia Aros Hunter e Leslie Gene Hunter, contando a história da universidade. Algumas páginas estavam disponíveis no Google Books e foi lá que eu encontrei o nome do professor, no último parágrafo da página 155, contando que ele fizera circular uma petição para uma associação dos professores universitários americanos pedindo que um tal Robins explicasse a crise financeira que a escola enfrentava. A petição dele, segundo consta no livro, dizia que a secretaria da administração estava causando um sério declínio na moral da instituição.

Avisei papai do estado da minha pesquisa e agora só me restava esperar pelas respostas aos meus e-mails. Honestamente, a expectativa não estava alta.

Até hoje somente recebi uma resposta, um e-mail, surpreendentemente do único órgão do qual não esperava resposta: a universidade onde Chandler trabalhara. Robert C. Peña, diretor assistente de serviços da web, me respondeu dizendo que não fora possível encontrar nenhum tipo de informação de contato de Mr. Chandler, já que registros pessoais eram mantidos apenas por alguns anos. Ele sugeriu que eu tentasse contactá-lo pela Amazon (e anexou o fórum online do autor) ou pela editora que publicava seus livros.

Como já disse antes, eu já tentara essa segunda alternativa, e o fórum de Billy Jayne Chandler é constituído por duas pessoas tentando encontrá-lo: algum brasileiro, aparentemente, e alguém denominado Elizabeth, representando um antigo colega de trabalho (também ex-professor de história). Após uma conversa com papai, decidimos mandar um e-mail para essa mulher pedindo qualquer informação que ela pudesse nos repassar.

Os dias se passaram e eu não obtive retorno, mas para a minha surpresa o Robert C. Peña, da antiga faculdade onde Billy trabalhou entrou em contato novamente comigo, para me avisar que ele tentara encontrar no campus alguém que tivesse alguma informação a respeito do historiador, mas que ninguém parecia saber onde ele se encontrava.

Tendo agradecido a informação, só me restava aguardar alguém mais responder, quem sabe Elizabeth, do fórum de BJC na Amazon. E talvez por julho ter sido um mês tão bom, os meus pensamentos positivos se concretizaram e em dois ou três dias recebi uma resposta dela.

O e-mail não trazia grandes informações. Informou que ela trabalhava com esse tal professor que trabalhara com Chandler e que ele estava muito interessado em retomar o contato. Ela me avisou que não havia muito a ser dito sobre BJC, que estava na Europa, e quando voltasse responderia meu e-mail com as poucas informações às quais tinham eles acesso.

Eu preferi não responder nada por alguns dias, pois meu longo conhecimento em troca de e-mails assegurava que quase sempre as pessoas tendiam a esquecer de responder uma pergunta quando diziam que fariam isso depois. Então eu deixei para enviar um e-mail agradecendo sua prontidão em compartilhar suas informações praticamente uma semana depois, quando eu ainda não tinha recebido qualquer o retorno dela.

Foi o que fiz. E, até agora, nada.

Oh, my God, where is Billy Jaynes Chandler?

P.S. Billy Jaynes Chandler é um dos mais importantes escritores acerca do cangaço e coronelismo. Suas obras “Lampião, o Rei dos Cangaceiros”, e “Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns”, são canônicas, seminais. Tentando localizá-lo para uma entrevista via internet, esbarrei nessa dificuldade relatada acima, a meu pedido, por minha filha Bárbara de Medeiros. Ficou uma imensa curiosidade acerca de onde anda Chandler. Terá morrido? Por que se esconde? 

Encontrei no blog http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com.br/2012/12/livros-em-que-familia-feitosa-e-tema.html um artigo de Heitor Feitosa Macêdo que publico abaixo, parte dele, acerca de Chandler:

“O norte americano Billy Jaynes Chandler era um doutorando em história pela Texas A & University, tendo despertado seu olhar para o Brasil, como campo de estudo, em 1963, durante o curso de Introdução à Língua Portuguesa na Universidade da Flórida, pois era pré-requisito para o doutorado pretendido.

Inicialmente o autor cogitou o México para servir-lhe de objeto para a dissertação, contudo, durante um curso de Sociologia ministrado pelo Dr. José Arthur Rios, professor visitante da Universidade da Flórida, Chandler fora dissuadido, e terminou optando pelo Brasil.

Segundo o próprio autor, o Brasil oferecia outros tópicos de maior relevo do que os Inhamuns, porém Chandler queria familiarizar-se “com um aspecto mais amplo ou pelo menos diferente da vida brasileira.” Sendo seu objetivo estudar “uma comunidade fiel às tradições”, isolada ou isenta dos avanços do século XX, “onde tudo fosse como antigamente”.

Logo, em face desse anseio por um corpo social que fosse culturalmente mumificado, o Ceará apresentou-se bastante adequado, segundo a indicação do professor Rios.

A região dos Inhamuns foi escolhida depois de leituras adicionais, porque, conforme Chandler, esse espaço sertanejo caracterizava-se por ser uma “área rural, isolada e tradicional”, além disso, também era “a terra de uma numerosa família que mais de uma vez atraíra a atenção local e até do País inteiro”.

Desta forma, depois da escolha, partiu para aquele rincão, chegando em novembro de 1965, onde foi ciceroneado gentilmente pelos filhos daquele sertão. Por isso ficando o autor admirado e agradecido pela gente que o hospedou e conduziu pelas sendas dos Inhamuns, citando-se Antônio Gomes de Freitas, Antônio Teixeira Cavalcante, Lourenço Alves Feitosa, Aramando Arrais Feitosa etc.

A obra, publicada no Brasil no ano de 1981, é considera a segunda[17]a ser forjada em moldes de verdadeira ciência, pois, em sendo tese de doutoramento em história, consubstanciou a aplicação do método científico frente a antigos fatos registrados nos alfarrábios e na oralidade. O estudo é considerado suficientemente amplo por compreender aspectos administrativos, econômicos e políticos.

A análise recai sobre o início da colonização em 1700, e vai até o ano de 1930, considerado como marco final da perda do poder hegemônico dos Feitosa sobre grande parte dos Inhamuns.

Paralelamente sob a ótica do conflito entre o público e o privado, esquadrinha as instituições sociais, sobretudo a família, e a sua relação com o poder estatal. Igualmente identificando causas e consequências, do apogeu ao declínio político-econômico, dos Feitosa no seu feudo continental.

Assim, parece que o declínio relativo dos Feitosas foi acelerado por dois fatores: a importância que davam às prestigiosas atividades pecuárias, mesmo quando outros haviam conseguido constituir uma base econômica mais sólida através da agricultura, e a destruição periódica de seus únicos recursos produtivos – os rebanhos de gado – pelas secas (Billy Jaynes Chandler)”.

Encerro fazendo minhas as palavras de Bárbara de Medeiros: “where is Billy Jaynes Chandler?

terça-feira, 1 de setembro de 2015

NÃO PODE USAR SALTO ALTO


* Bárbara de Medeiros



Tire os seus sapatos antes de entrar em casa.
Não quero sujeira no carpete.
É novo.
O outro estava sujo.
E eu não nasci pra ser empregada de ninguém.

Tire seu casaco.
Não há ventania aqui dentro.
Não precisa se proteger dentro da sua própria casa.
Mas deixe-o perto da porta.
Não saia sem ele, o mundo lá fora é cruel e estranho.

Coloque sua máscara antes de sair de casa
Cautelosamente
Não deixe que ninguém te veja sem ela
Não podemos nos dar ao luxo de demonstrar sentimentos
Finjamos ser de plástico.

Não esqueça da armadura
Contra palavras afiadas, olhares estranhos
(se você tiver sorte, no máximo uma cantada)
Você é humana, mas eles, não.
E eles sabem explorar sua solidão.

Tome cuidado,
não ande na contramão.
Olhe sempre pro chão.
Não dê atenção.

Seja invisível,
papel de parede,
esquecível.

Não seja mulher.
Não seja você.

Não seja.

sábado, 22 de agosto de 2015

UM LIVRO PUXOU A MANGA DA MINHA CAMISA

Entre Valério Mesquita, à minha direita, e Eider Furtado

* Honório de Medeiros

Em algum lugar defendi a hipótese seguinte: os livros nos procuram; engana-se quem supõe que nós os escolhemos.

Assim foi na noite em que o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o IHGRN promoveu sua Terceira Noite do Livro, sob a liderança do seu Presidente Valério Mesquita, contando com o apoio de nomes consagrados das letras potiguares, tais como o Professor e ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte Carlos de Miranda Gomes, o memorialista e escritor Ormuz Barbalho Simonetti, o ex-Presidente da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte Odúlio Botelho, a Presidente da Academia Cearamirinense de Letras Joventina Simões, dentre outros.

Nas mãos eu conduzia o "História e Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte", obra especial de Maria Arisnete Câmara de Morais e Caio Flávio Fernandes de Oliveira, e "Audiência de um Tempo Vivido", o primeiro volume das memórias do meu querido Professor Eider Furtado, leitura que recomendo a todos, em direção ao caixa, quando fui puxado pela manga da camisa. A responsável pela organização do evento me perguntou: "conhece este?"

Era o "Patriarcas e Carreiros", de Manoel Rodrigues de Melo. Eu o conhecia, mas não tinha lido, nem o possuía. Resolvi levá-lo, em respeito à hipótese exposta acima. Afinal ele, o livro, me procurara.

Faço, aqui, um interlúdio, para registrar minha alegria em reencontrar o Professor Eider Furtado na sua habitual elegância, acuidade mental e auto-ironia sutil, marca característica sua, carregando como poucos a experiência dos seus noventa e poucos anos. Quando fiz o gesto de lhe entregar seu livro para obter o autógrafo ele me olhou e disse "veio devolver?" Ri e comentei o quanto suas aulas, na minha época de aluno, eram esperadas pela qualidade do conteúdo e de sua verve. 

Pois bem, não resisti e folheei "Patriarcas e Carreiros" tão logo cheguei em casa, altas horas. Que "patriarcas" seriam esses, dos quais se ocupou Manoel Rodrigues de Melo? Ele mesmo o diz, incidentalmente, no início da obra: o "(...) patriarca sertanejo (...) varador de sertões, fundador de currais onde mais tarde se levantariam quase todas as cidades nordestinas".

Aí está. Ele, Manoel Rodrigues de Melo, pelo que eu pude perceber ao folhear seu livro, traça perfis, levanta histórias, apresenta fatos, descreve hábitos e costumes do século XVIII e XIX e começo do século XX. E, em o fazendo, coloca à disposição dos estudiosos uma fonte de primeira grandeza para o estudo desse personagem fundamental no entendimento do nosso processo civilizatório nordestino.

A segunda parte do "Patriarca e Carreiros" é dedicada ao estudo do carro-de-boi. Pelo que eu pude entender, escrita em anos anteriores à metade do século XX, o texto é aberto da seguinte forma, dando ideia imediata da importância do estudo do seu objeto: "Nenhuma cidade, vila, povoação, fazenda, sítio, margem ou leito de rio, litoral ou sertão, tabuleiro, caatinga, arisco, subida, descida ou chão-de-serra, várzea ou vale, canavial ou simples roçado de algodão, baixa de arroz, de capim ou de melão, vazante, cercado, qualquer que seja o seu nome, poderá dizer que ignora a existência do carro de boi."

Um clássico, sem dúvida, que me puno por não ter lido antes, mas ao qual sou grato por ter me puxado pela manga da camisa a tempo de corrigir essa desdita. 

Assim, aos poucos, o Instituto volta a cumprir seu mister após anos de obscuridade, seja enquanto fruto da obstinação dos seus dirigentes, seja pela imanência que seu passado evoca quando se põe enquanto permanente intermediária entre livros e leitores, idéias e estudiosos, história e pesquisadores. Longa vida ao IHGRN!

Destino que se revela, também, no gesto da sua funcionária ao me alertar, no momento em que me despedia desapercebido, da Terceira Noite do Livro, para o chamado mudo que me fazia "Patriarcas e Carreiros".  

terça-feira, 18 de agosto de 2015

TERCEIRA FEIRA DE LIVROS DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN

* Honório de Medeiros

Sexta-feira próxima, dia 21 de agosto, a partir das 18 horas, o INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE (IHGRN), na Rua da Conceição, 622, Cidade Alta, promoverá a TERCEIRA FEIRA DE LIVROS, com música ao vivo, bebidas e comidas.

Estarão lá, para autografarem seus livros a serem vendidos a preço de custo, com renda revertida para as obras do IHRGN, os escritores:

Assis Câmara
Augusto Leal
Bob Mota
Carlos Adel
Carlos Gomes
Claudionor Barbalho
David Leite
Eduardo Cunha
Eduardo Gosson
Gutemberg Costa
Honório de Medeiros
Jorge Veras
Jurandir Navarro
Marcos Aurélio Cavalcante
Manuel Marques
Manuel Onofre
Marcos Cézar
Ormuz Simonetti
Roberto Lima
Thiago Gonzaga
Tomislav Femenick
Valério Mesquita
Vicente Serejo
E os escritores da 

ACADEMIA CEARAMIRINENSE DE LETRAS E ARTES (ACLA)


Lá estarei autografando "Massilon - Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins".



segunda-feira, 17 de agosto de 2015

QUANTO ÀS MANIFESTAÇÕES

* Honório de Medeiros

Como disse a um velho e querido amigo, as manifestações nem foram o que esperávamos, tampouco foram o que o Governo desejava.

Ficaram pelo mais-ou-menos.

Três fatos, entretanto, me chamaram a atenção: a) a ausência de distúrbios; b) o afeto ao Juiz Moro; e c) a dessacralização de Lula.

Este último é muito significativo.

Lula já foi.

domingo, 16 de agosto de 2015

sábado, 1 de agosto de 2015

NÃO LHES PERGUNTO ACERCA DA MELANCOLIA

Foto do Autor


* Honório de Medeiros


Há músicos em todos os lugares pelos quais passam muitas pessoas, em Barcelona. Músicos, cantores, instrumentistas, crooners...


Estão ali, sempre, nas Ramblas, nos metrôs, nos Carré, nos pátios das igrejas, cantando e tocando instrumentos, desde "hits", até suítes sofisticadas de Vivaldi, em número muito maior que em Paris ou Lisboa.

E há algo além da da onipresença deles nas ruas de Barcelona. Há a melancolia no olhar de cada um deles.

Estaria eu fantasiando? Até pensei que sim, refém de tanta literatura estranha, desde Hawthorne até Baudelaire. Entretanto minha filha me fez cair na real, como se diz hoje.

Ao passarmos por um virtuose do violino que interpretava "Traumerei", de Schumann, ela observou: "papai, por que ele não sorri com os aplausos?" Imediatamente olhei para os olhos do músico. De fato.

Pois os olhos de quem canta ou toca, na noite, por lá, são melancólicos, penso eu.

Não tristes, mas melancólicos, mesmo quando sorriem. Há uma grande diferença entre um e outro. Tristes são aqueles mergulhados no presente.

Melancólicos aqueles que mergulham no passado. Como o filho de um amigo meu quando pega seu violino, se afasta, e inicia um diálogo com o instrumento ao qual não temos acesso, de olhos fechados e abertos ao mesmo tempo, insondáveis.

Para mim, todos eles estão mergulhados no passado, reféns de um futuro que não se realizou ou de uma ilusão que reluta em se tornar realidade.

São inteligentes, percebem a realidade das coisas com muita rapidez. Se, por um espasmo da sorte, chegam lá, não se adaptam, viveram demais, e o olhar, cansado, de quem tudo conhece, reflete isso.

Cato sempre minhas moedas e lhes pago o tributo do vôo da minha imaginação ou da verdade dos fatos. Peço-lhes intimamente desculpa, se erro na minha avaliação.

Não lhes pergunto acerca dessa melancolia enquanto resultado do cinza do dia-a-dia. Temo a falência da fantasia. Sigam, digo para mim mesmo. A intimidade geraria o desprezo.

Bom, é outro mundo. Nem mesmo noto, entre os de seu próprio povo, essa constatação. Passam todos eles, jogam moedas, como se cumprissem um ritual, mas nenhum olha os olhos de cada músico, mesmo quando resolvem parar e ouvi-los.

E aqui estou eu, me importando, devaneando, e eu sou a melancolia, somos um nicho no tempo, apenas uma ilusão, nada mais, senão palavras ao vento...


sexta-feira, 17 de julho de 2015

NINGUÉM ENSINA NADA A NINGUÉM

* Honório de Medeiros


Assim ninguém ensina nada a ninguém quanto ao que ele é, muito menos quanto ao que deve ser, e a verdade de cada um brota, solitária, de dentro para fora, e é uma conquista pessoal, e toda a tentativa de ensinar acerca de tudo isso sem que o outro a busque é uma invasão, uma tentativa de colonização, uma miséria da alma.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

À LEI NÃO BASTA SUA LEGALIDADE: TEM QUE SER LEGÍTIMA

* Honório de Medeiros

À Lei não basta sua legalidade: tem que ser legítima. Quando não o é, padece do mesmo vício que arruína a conquista pela força. Não há distinção entre a mão pesada do indivíduo arrogante e a do Estado. Assim não cabe agasalharem-se na capa covarde do estrito legalismo, os que o fazem, para justificar interpretações, produções e aplicações da norma jurídica que firam tudo quanto causa repulsa ao cidadão comum, à Sociedade, portanto. No âmago da ação de lidar com a norma jurídica, seja no começo, quando interpreta, seja no fim, quando aplica, está o ato de criar próprio de cada ser humano e estranho a qualquer lógica, que é anterior ao ordenamento jurídico; no âmago desse ato de criar está, e não pode ser diferente, tudo quanto constitui o caráter do ser humano. Ao concretizar a ação de sua vontade, dizendo a norma jurídica, o operador se revela ao mundo tal qual é em seu heroísmo ou vileza.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

OS LOBOS SEGUEM SE DANDO BEM, DESDE QUE O TEMPO É TEMPO

* Honório de Medeiros


A vocação do ser humano para se permitir ser manipulado é imensa.

Alvo dos predadores, sejam eles de que tipo sejam, desde políticos, passando por todos que falam em nome de Deus, até os coachs, sem esquecer vendedores e carreiristas profissionais, a ovelha humana segue sua saga, dia-a-dia, de ser enganado.

E os lobos continuam se dando bem, desde que o tempo é tempo.

Mais que nunca, hoje é o tempo dos inocentes úteis.


sexta-feira, 26 de junho de 2015

O HOMEM É MUITOS, MESMO SENDO NENHUM

Bachelard

* Honório de Medeiros


“Iluminar a realidade”, disse-me o poeta/filósofo. Ou seria filósofo/poeta? Não importa. Ele é sobrevivente de outras eras. Um humanista. Diz-me, hoje, com os olhos voltados para ontem: "a filosofia não mais se expõe poeticamente. Traja outras vestes, sem elegância."

Dou-lhe razão. Foi-se o tempo de Heráclito de Éfeso: "não se pode entrar duas vezes no mesmo rio", célebre fragmento que tanto impressionou Wittgenstein. "Tudo flui"... Quão bela é a filosofia dos gregos arcaicos...

Quem terá sido o último dos filósofos/poetas? Talvez Gaston Bachelard: "o Conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão". Ou mesmo: " O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro é o pensamento do nada."

Suprema gnosiologia...

Certa vez, quando exposto um senão, o horizonte foi apontado, naquela linha onde se fundem mar e céu, e a resposta enunciada pelo poeta/filósofo: "procure iluminar a realidade"; "somente então podemos enxergar."

Simples assim.

A poesia – ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, o trivial. Muitas palavras lavradas na árida linguagem técnica diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e foi possível enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta, onde antes nada havia além de escuridão e ignorância.

O Homem é muitos, mesmo sendo nenhum.

A TRINCHEIRA DE EZEQUIEL FERNANDES QUANDO DO ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ

* Honório de Medeiros

Ocorreu que Raimundo Nonato Alfredo Fernandes, nascido na fazenda “Cantinho”, ali entre Pau dos Ferros e Encanto, no Alto Oeste do Rio Grande do Norte, em 2 de junho de 1910, estando na roça, no apogeu dos seus quinze anos, encostou no terreiro de sua casa um Ford 1922 com duas pessoas dentro: seu primo Elias Fernandes, irmão de Alfredo Fernandes, proprietário da empresa homônima em Mossoró, no mesmo Estado, e da residência na Avenida Getúlio Vargas vizinha a celebre casa do Coronel Rodolpho Fernandes, de quem era cunhado, que hoje é a sede da Prefeitura da Cidade, e um motorista ao volante, o depois cangaceiro que participou dos ataques a Apodi e Mossoró e que atendia, na época, pelo nome de Julio Porto.

Elias vinha convidá-lo para ir trabalhar na empresa Alfredo Fernandes, a convite do seu proprietário.

Atentemos para o detalhe: em 1922 Júlio Porto, natural de Aurora, no Ceará, já conhecia, e bem, Mossoró, onde era motorista dos Fernandes.

Elias e Alfredo Fernandes eram filhos do Coronel Adolpho Fernandes, protagonista do “Fogo de Pau dos Ferros”, quando sua família, por ele liderada, expulsou o líder político Coronel Joaquim Correia da cidade, em 1919. O Coronel Joaquim Correia jamais voltou a Pau dos Ferros. E o Coronel Adolpho Fernandes era seu Prefeito (Intendente) quando Lampião atacou Mossoró.

Passam-se cinco anos. Estamos em 1927. Junho. No dia 13, Lampião invade Mossoró. No final da Rua hoje denominada Dr. Francisco Ramalho, no sentido de quem vai para o centro da cidade, na última residência, do lado direito, reside Ezequiel Fernandes de Souza, sobrinho do Coronel Adolpho Fernandes e sócio de Alfredo Fernandes. Nela, a poucos passos da Igreja de São Vicente, montou-se uma tosca trincheira para aguardar os cangaceiros. 

Sob a liderança de Ezequiel Fernandes lá estava sua esposa Ester, que havia dado a luz, e padecia de febre puerperal, o chofer de um caminhão da Prefeitura que aguardava condições para retirá-la da cidade, mas que fugiu tão logo aconteceu os primeiros tiros, um freguês da empresa Alfredo Fernandes chamado de “Velho Chico”, um amigo da família, Maurílio, que lá estava porque tinha raptado Isabel, sobrinha de Afonso Freire e a depositado sob os cuidados dos donos da casa. Os demais, quinze pessoas, recolheram-se em um quarto no centro, no entorno da cama da doente: Ezequiel Fernandes, Pedro Ribeiro, seu primo, seus filhos Laete, Luís e Aldo, Chico Sena, seu sobrinho, Isabel, as domésticas Leonila e Esmerinda, as vizinhas Maria Leite e sua filha Laura, Julieta, filha de Delfino Fernandes, Alzenita Fernandes e Raimundo Fernandes, então com vinte anos.

Os integrantes da trincheira, que se posicionaram no telhado da residência foram o “Velho Chico” e Maurílio. 

Dessa vez Raimundo Fernandes não chegou a ver Julio Porto, mas o ex-motorista estava com os cangaceiros de Lampião e Massilon no ataque a Mossoró.

Ester Fernandes não resistiu à doença e faleceu quatorze dias depois, no dia 27 de junho, cercada pela família.

Tudo aqui contado conforme o livro “RAIMUNDO FERNANDES, ANTEPASSADOS E DESCENDENTES”, da lavra de Inês Maria Fernandes de Medeiros, ainda a ser lançado, tiragem de junho de 2015, sem outras informações acerca de sua edição, com alguns acréscimos do autor do artigo. 

domingo, 21 de junho de 2015

POUCOS SABEM VIVER A SÓS

* Honório de Medeiros

Houve um tempo no qual eu morei em uma cidade pequena. Sentia tédio, principalmente aos domingos, quando tudo parava e as pessoas se recolhiam a suas casas. Um dia me perguntaram: “como suporta viver aqui? Não há nada para se fazer.” Depois fui para a cidade grande. Às vezes também sentia tédio, principalmente aos domingos. Menos, entretanto, pois perambulava por lugares onde pessoas se encontravam, falavam, riam, cantavam, brigavam, se deslocavam em vaivém incessante. Tentando compreender eu pensava com meus botões: “deve ser porque, aqui, há movimento, pois lá também existiam coisas para se fazer, embora a sós.” “Mas não, não é o movimento, o bulício, o frenesi, uma vez que, mesmo assim, sinto tédio, embora em menor quantidade.” “Então não é algo que está fora de mim, ao contrário, está dentro.” “É minha alma inquieta, que se entorpece, em alguns momentos, com a aparência do algo-sendo-feito fora de mim.” Pois a noção de que não nos sentimos entediados em lugares onde muitos estão em atividade, de que sempre há algo para se fazer, típica da e na cidade grande, é uma ilusão, entorpece nossa alma inquieta, e nos permite sobreviver à rotina. Na verdade o tédio é uma consequência de nossa alma inquieta, viciada em não ficar a sós. Queremos movimento, cores, sons, sentir que estamos participando. Mas quem não parou em alguma festa, por um momento, e se perguntou: “o que faço eu aqui?” Como somos empurrados, algumas vezes sutilmente, outras brutalmente, para participar desse convescote que é a vida comum, somos eternos inadaptados. Poucos sabem viver a sós. Poucos têm serenidade na alma.