sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

LONGE, AS SERRAS...

 

Imagem: Honório de Medeiros


Longe, as serras. Acima, nuvens carregadas de chuva. O verde da mata. A estradinha de terra vermelha rasgando o chão. A água do açude. A árvore onde araras fizeram pouso. O perfume do ar carregado de umidade. Vou amarrar minha burra choteira aí, nesse presente de Deus. Eu e minha amada. Numa casinha simples, alpendrada, onde a passarinhada faça pouso, e, de noite, um ou outro saci venha pitar, quando for lua cheia...

terça-feira, 28 de novembro de 2023

ADEUS, SÁTIRO

 

Imagem: Carlos Duarte

Tão antiga era a relação de Padre Sátiro com meus pais, comigo, e minha irmã Emília, que começou antes que eu nascesse.

Sátiro assumiu a capela de São Vicente em 1956. Eu nasci bem dizer ao lado da igreja, em 1958. 

Minha mãe foi diretora da Escola 13 de Junho - criada por ele - ali na esquina da Rua Dr. Francisco Ramalho, a partir de sua instalação até quando adoeceu. Administrou a capela e integrou eu coro anos a fio; meu pai foi seu financeiro e lá serviu como Ministro da Eucaristia.

Até vir para Natal, em 1974, e desde o primeiro ano primário, tive Sátiro como Diretor e várias vezes professor.

Menino, junto com meus amigo de infância, brincamos todos os dias, chovesse ou fizesse sinal, no patamar da capela, destruindo os jardins que ele mandara plantar , o que nos custava infindáveis "carões" memoráveis quando éramos encontrados no Diocesano.

Não brincávamos, apenas. Lembro bem de Marcos Porto e eu, meninos, balançando o turíbulo sob nuvens de incenso, nas anuais noites da novena de Santo Antônio que ele oficiava, cujo hino ainda sei de cor.

Bem depois, em um gesto de grande carinho e delicadeza, abriu a capelinha do Colégio Diocesano para celebrar meu casamento.

Por fim, estava presente, solidário na dor, encomendando os corpos de Seu Chico Honório e Dona Aldeiza Sena, quando de suas mortes.

Mas a lembrança que sempre permanecerá comigo, foi a imagem dele rezando um terço, de cabeça baixa, sentado próximo ao altar da capela, em frente ao caixão no qual meu pai recebia as despedidas definitivas.

No final, fui cumprimentá-lo. Ele olhou para mim e disse: "você perdeu o pai; eu, um grande amigo".

Adeus, Sátiro. Ou até algum dia.

sábado, 25 de novembro de 2023

SAUDAÇÃO AOS PARTICIPANTES DO EVENTO EM HOMENAGEM A CÂMARA CASCUDO

 



Boa noite! Saúdo os integrantes do Instituto Cariri Cangaço, Instituto Câmara Cascudo, UNI-RN e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, assim como todos os outros participantes deste evento.

Historiador, jurista, antropólogo, etnólogo, folclorista, sociólogo, memorialista, crítico literário, biógrafo, filósofo, cronista, romancista, poeta, ensaísta, bastaria “Civilização e Cultura”, que completa 50 anos em 2023, para colocar Câmara Cascudo entre os grandes pensadores nordestinos. É pouco, porém, para tão grande obra, ampla, profunda e complexa. Ele congrega tudo isso e muito mais. Pela intensidade, quantidade e qualidade de sua produção intelectual, ele é, sem sobra de dúvidas, um dos maiores pensadores brasileiros.

Cascudo é um oceano.

Considero singular e apropriada esta homenagem, hoje, a Câmara Cascudo, vez que, pela primeira vez presencialmente, até onde sei, conecta-se o descortínio do pensador potiguar, com o fenômeno do cangaceirismo.

Cascudo, permitam-me chama-lo assim, como o fazemos desde sempre, carinhosamente, foi o primeiro norte-riograndense a escrever acerca desse tema, em Viajando o Sertão, sua sexta obra, cuja primeira edição é de 1934.

Nela tratou, pela primeira vez, do tema “cangaceirismo”[1], e escreveu não somente acerca de Jesuíno Brilhante, mas, também, Virgolino Lampião, em dois capítulos distintos[2].

Em Vaqueiros e Cantadores, cuja primeira edição é de 1939, Câmara Cascudo avançou um pouco mais no tema, tentando resolver a dicotomia entre o modo-de-vida de Jesuíno Brilhante e o de Lampião. Tentou, pelo menos.

É quando introduz a hipótese do “fator moral” como elemento significativo e diferenciador entre os tipos de cangaceiros, insight anterior de Felipe Guerra, mais tarde brilhantemente desenvolvido por Frederico Pernambucano de Mello em sua obra canônica acerca do cangaço, Guerreiros do Sol, por ele denominado de “escudo ético”.[3]

Câmara Cascudo voltou ao cangaceirismo em duas Actas Diurnas, escritas para o Jornal A República de 31 de maio de 1942 e 7 de junho do mesmo ano, escrevendo acerca de Jesuíno Brilhante.

Curiosamente, em 1944, citou Jesuíno em um verbete, na primeira edição do Dicionário do Folclore Brasileiro, quando, em rápidas pinceladas, expôs o perfil do cangaceiro, tratou um pouco de sua história, e elencou quais as fontes de sua pesquisa, sem acrescentar nada de novo ao que já havia escrito anteriormente.[4]

Vinte e dois anos depois, em Flor de Romances Trágicos, cuja primeira edição é de 1966, Cascudo inovou e apresentou Nota contendo a definição, digamos assim, positivista, diferente acerca do que seria Cangaceiro e Cangaceirismo.[5] Os tempos eram outros e ele, sempre atento, não ficou fora das novas correntes filosóficas que grassavam a Europa.

Obra notável, sob todos os aspectos, seja como historiador, seja como estilista, apresenta aos seus leitores Liberato, Antônio Silvino, Jararaca, Adolfo Rosa Meia-Noite, Jesuíno Brilhante, Lucas da Feira, Cabeleira, entre outros, valentões, cabras, jagunços e cangaceiros.

Ainda encontra tempo e lugar para tratar, até onde sei, pela primeira vez no Brasil, intuitivamente, exemplos de feminicídios que foram desdobramentos perversos do exercício do Poder privado, através da morte de Ana Freire de Brito e Dona Ana de Faria Souza.

Registre-se, no livro, a notável informação, típica de Câmara Cascudo, na qual aponta a definição mais antiga acerca do que seria “Cangaço” (cangaceirismo): a do Tenente-General Visconde Henrique de Beaurepaire-Rohan, explorador, geógrafo, soldado e político brasileiro, nascido em 1812 e falecido em 1894, autor do Diccionario de Vocabulos Brazileiros, publicado em 1889 pela Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro, conjecturando que cangaço é o conjunto de armas que costumam conduzir os valentões.

Antes, em 1955, Raimundo Nonato tinha visitado Câmara Cascudo para lhe entregar, antes mesmo de entrar em circulação, seu Lampião em Mossoró, que foi o primeiro livro escrito por um potiguar acerca do cangaço.

                   Nonato conta, na parte que denominou de “Breve Notícia Antes do Livro”, que Câmara Cascudo, ao receber o presente, o convocou para escrever “a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro”. Cascudo lhe disse, na ocasião:

                   No itinerário a percorrer, varando caatingas e estradas iluminadas pelos clarões dos tiros dos velhos bacamartes de pederneira, falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os oprimidos.

Tempos depois, precisamente quinze anos, naquele que foi o primeiro livro dedicado exclusivamente a Jesuíno Brilhante, Raimundo Nonato da Silva lançou, em 1970, Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro Romântico, sob instigação de Cascudo.[6]           

                   O livro repetiu a fórmula que Raimundo Nonato usou em Lampião em Mossoró, de 1955.[7]

                   Na trajetória tangencial, embora muito relevante, de Câmara Cascudo no estudo do cangaceirismo, alguns temas são muito importantes:

1)    Suas definições e hipóteses acerca do cangaceirismo;

2)    Sua teoria do “fator moral”;

3)    Os perfis de Jesuíno Brilhante e Lampião, antagônicos entre si, segundo sua perspectiva;

4)    Os perfis de cangaceiros menores, como Jararaca e Moita Brava;

5)    A hipótese do paralelismo entre coronelismo e feudalismo, nunca desenvolvida, mas insinuada;

6)    O esboço acerca de uma taxonomia dos cangaceiros, precursora da tipologia de Frederico Pernambucano de Mello.

7)    O esboço da presença do fator genético, assim como social na gênese do cangaceirismo.

8)    O esboço histórico de casos de feminicídio.

O cangaço é um fato social relevante: basta que o examinemos sob a ótica da nossa cultura popular nordestina sertaneja ou da expressão mundial do banditismo rural, fenômeno internacional.

Os problemas para estuda-lo são complexos, Cascudo percebeu isso quando escreveu acerca de Lampião, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e outros cangaceiros.

Precisamos ir além da crença injustificadas de que o cangaço é produto do meio, ou um movimento de resistência popular, uma narrativa inócua. Quem pensa assim conduz os verdadeiros resistentes, aqueles que não se entregaram ao crime, ao limbo da história.

Por que não há uma história desses homens comuns, os verdadeiros heróis?

Ressalte-se, por fim, que tudo isso é apenas o começo. O desafio, portanto, em estuda-lo, está lançado.

Uma vez dito isso, nós, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, saudamos todos os presentes e lhes damos as boas-vindas, colocando-nos à disposição.

Muito obrigado.



[1] Uso o termo “cangaceirismo”, mais preciso, no lugar de “cangaço”, para designar a conduta ou modo de viver do cangaceiro.

[2] CÂMARA CASCUDO, Luís da. Viajando o Sertão. São Paulo: Global Editora. 4 ed. 2009.

[3] PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa. 5 ed. 2011.

[4] CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário de Folclore. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura (MEC). 2 ed. 1962.

[5] O.a.c.

[6] SILVA, Raimundo Nonato da. O.a.c. Ver se houve prefácio de Cascudo.

[7] SILVA, Raimundo Nonato da. LAMPIÃO EM MOSSORÓ. Mossoró: Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005. 

domingo, 6 de agosto de 2023

ANDRÉ PIGNATARO: Comitiva do IHGRN - Nos Passos de Leão Veloso

 


Imagem: Bárbara Lima


DIÁRIO DE VIAGEM – NÚMERO 1


Macau, 27 de julho de 2023.

Após quase 3 horas de viagem, com uma rápida parada em João Câmara, a Comitiva do IHGRN chegou em Macau. Passava pouco das 11 horas da manhã, quando eu, Gustavo Sobral, Honório de Medeiros e sua esposa Michaella Lima (nossa fotógrafa), subimos a escadaria da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição para encontrarmos nossos anfitriões, o poeta Horácio de Paiva Oliveira, presidente da Academia Macauense de Letras e Artes (AMLA) e sua esposa Rosália.

A calorosa recepção foi feita pela Orquestra Filarmônica Monsenhor Honório, formada por talentosos jovens macauenses. Também estavam presentes Sebastião Alves Maia, acadêmico da AMLA, e Max Kennedy, secretário adjunto da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Macau.

Conhecemos a aconchegante igreja e vimos a antiga cruz trazida da Ilha de Manoel Gonçalves, em 1825, antes que a ilha fosse engolida pela força da natureza.

Pausa para almoço no restaurante M Marias. Em seguida, visitamos o antigo porto de embarque e desembarque das barcaças que traziam passageiros e mercadorias dos navios maiores, como explicou Horácio, e fomos à belíssima e abandonada Ponta de Camapum.

Por volta das 15h, despedimo-nos de Horácio, dona Rosália e Tião. Cruzamos a estreita e mal-cuidada Macau, avistando a Praça da Conceição e seu obelisco. Antes de sairmos da histórica cidade, cruzamos a ponte que leva para a Ilha de Santana, apenas para contemplarmos o Rio Piranhas/Assu, já próximo de fazer barra com o mar.

Uma rápida parada no moinho de vento e despedimo-nos de Macau, para seguirmos no rumo do Assu.


DIÁRIO DE VIAGEM – NÚMERO 2


Vale do Assu, 27 de julho de 2023.

Saindo de Macau, seguimos para Pendências. O objetivo era alcançar o Distrito de Pedrinhas, local atual da Fazenda Morros, por onde a Comitiva de Leão Veloso fez pouso. No entanto, não achamos seguro seguir pela estrada de terra. Recuamos. Fomos, então, conhecer aquela modesta cidade. Era, aproximadamente, 15:30h, e poucas pessoas se aventuravam a andar pelas ruas.

Descemos na Praça Levani de Freitas e caminhamos no sentido da praça da igreja de São João Batista, onde quatro estátuas de cimento, muito bem feitas, repousavam sob o forte sol da tarde. Três delas, ficavam logo no início da praça: Jesus Cristo, ao centro, Pôncio Pilatos, à direita, e um soldado romano, à esquerda. Todas elas estavam sem as mãos, provavelmente por algum ato de vandalismo. Mais próximo da igreja, fica a estátua do padroeiro de Pendências. A igreja estava fechada. Abastecemos 
o carro e seguimos viagem.

Na entrada de Alto do Rodrigues, devido a um erro de navegação, deixamos de cruzar o Rio Assu e seguir pelas RN 404 e RN 016, que nos levaria a Assu, passando por Carnaubais e pela Fazenda Poço Verde. Desse modo, continuamos seguindo pela RN 118, passando por toda a extensão da próspera Alto do Rodrigues e por Ipanguaçu, até chegarmos na BR 304, para tomarmos o rumo do Assu.

Esse erro de navegação em Alto do Rodrigues terminou sendo providencial, pois o que seria uma rápida passagem por algum lugar aproximado da Fazenda Poço Verde, e com uma fotografia sem qualquer exatidão registrando nossa presença, deu lugar a uma visita, no dia seguinte, ao local específico da Fazenda Poço Verde, o que será tratado no próximo relato da viagem.

Chegamos ao Hotel União às 17h. Passava das 19:30h quando fomos ao restaurante Coité, nas cercanias do centro histórico de Assu, onde nos aguardava o nosso anfitrião Ivan Pinheiro, sócio da Academia Assuense de Letras (AAL), e sua esposa Ceiça, além de Francisco de Assis Medeiros e Fernanda da Sá Leitão, também integrantes da AAL.

Após o jantar, combinamos de nos encontrar às 08h, na igreja matriz, para darmos seguimento aos trabalhos da Comitiva do IHGRN.


André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes

GUSTAVO SOBRAL: Caderno de Viagem

 


Imagens: Gustavo Sobral

Caderno de Viagem

O escritor Gustavo Sobral embarcou numa aventura. Juntamente com Honório de Medeiros e André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes, acompanhados por Bárbara Michaela Ferreira Lima, seguiu numa comitiva do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte para refazer, em três etapas, o trajeto pelo sertão do Rio Grande do Norte que a comitiva do presidente da província Pedro Leão Veloso percorreu em 1861. Já foi à primeira das etapas, acabou de voltar e já publica, em primeira mão, este pequeno caderno preparado no calor da viagem, em versão digital, editado pelo Sertão, e disponível para download gratuito no site pessoal do autor gustavosobral.com.br

Caderno de Viagem. Sertão, 2023. 24p.

domingo, 23 de julho de 2023

LEÃO VELOSO

  


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

 

Leão Veloso (Pedro Gomes Leão Veloso) nasceu em Itapicurú, Bahia, no dia 1º de janeiro de 1828. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo. Filiou-se ao Partido Conservador e foi várias vezes Deputado Provincial pela Bahia. Presidiu a Província do Espírito Santo, Alagoas, Maranhão e, então, de 1861 a 1863, o Rio Grande do Norte.

Depois, ainda administrou o Piauí, o Pará e, por duas vezes, o Ceará. 

Em 1878, foi escolhido Senador do Império pela Bahia. Ministro do Império em 1882 chegou, finalmente, a Conselheiro de Estado em 1889.

O melhor relato acerca de Leão Veloso no Rio Grande do Norte é de Câmara Cascudo, em seu Governo do Rio Grande do Norte[1], no qual consta que ele visitou o interior da província, indo a Mossoró e, em julho de 1862, a Caicó.

É uma informação extremamente suscinta acerca da viagem que a Comitiva Governamental empreendeu ao interior do Rio Grande do Norte, chegando a entrar na Paraíba, visitando Macau, Açu, Acari, Jardim do Seridó, Caicó, Martins, Portalegre, Patu, Pau dos Ferros, e Mossoró.

Nessa viagem, que durou 44 dias, e que começou no dia 16 de julho de 1861, às 8 horas da manhã, no vapor Jaguaribe, fez-se acompanhar por João Carlos Wanderley, inspetor da tesouraria provincial; Ernesto Augusto Amorim do Vale, engenheiro; Manoel Ferreira Nobre, ajudante de Ordens; e Francisco Othilio Álvares da Silva, jornalista, que registrou tudo, em deliciosas crônicas, para o jornal O Recreio[2].

162 anos depois, neste ano da graça de 2023, Honório de Medeiros, André Felipe Pignataro e Gustavo Sobral, em uma comitiva do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), vão refazer o mesmo percurso e, ao final, da mesma forma que a viagem anterior de Leão Veloso originou um relatório governamental, desta vez um outro será apresentado formalmente, por eles, ao Instituto[3].

Cascudo lembra que durante a administração de Leão Veloso, a Província atravessava um período de grande depressão econômica e isso o levou a comprimir as despesas por todos os lados:

Diminuiu até a iluminação pública, cortou três cadeiras do Atheneu, demitiu dezenas de funcionários. Seu “Relatorio” (16-2-1862) é um dos documentos mais completos, elevados e nítidos que possuímos da administração Imperial. Nada conheço superior. A situação financeira era terrível. O funcionalismo estava morrendo de fome, (mas) Leão Veloso, energicamente, enfrentou o problema, atacando despesas inúteis e suprimindo tudo quanto lhe parecia adiável.

Por fim, arremata Cascudo: “Veloso tem (teve) ideias originais e justas”.

                 Difícil é tirar Leão Veloso do limbo da história. Entretanto, não é possível esquecermos a ousadia de sua viagem, a primeira do gênero no Rio Grande do Norte, que seria repetida no período de 16 a 29 de maio de 1934, pelo Interventor Federal Mário Câmara, em cuja comitiva oficial constavam Anfilóquio Câmara (Diretor geral do departamento de Educação); Antônio Soares Júnior (Prefeito de Mossoró); Alcides Franco (Chefe da segunda seção técnica do Serviço de Plantas Têxteis); e Oscar Guedes (inspetor do mesmo Serviço), e Luís da Câmara Cascudo.

                  Dessa viagem, surgiu Viajando o Sertão, publicado em 1934 no formato de livro e também como uma série de crônicas no jornal "A República" de 31/05 a 22/07 de 1934.

Pedro Gomes Leão Veloso faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de março de 1902.


[1] CASCUDO, Luís da Câmara. Governo do Rio Grande do Norte. Mossoró, Coleção Mossoroense, série “C”, volume DXXXI: 1989. 

[2] Com informações do jornalista e escritor Gustavo Sobral (gustavosobral.com.br).

[3] As peripécias da viagem estão em @comitiva1861


domingo, 16 de julho de 2023

SÉRGIO DANTAS

 


Imagem: lampiaoaceso.blogspot.com


* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros.blogspot.com) 

 

Sérgio Dantas é, desde algum tempo, o principal pesquisador e escritor acerca do cangaceirismo no Rio Grande do Norte, graças à seriedade e talento com o qual trata do assunto.

                   Autor cuidadoso, seus livros se tornaram referências em razão do zelo que é sua marca registrada, e, aos poucos, sua obra, ou seja, o conjunto dos seus estudos publicados ao longo do tempo, o creditam, pela relevância, como um nome de expressão nacional.

                   Não há um livro “menor” dentre os que escreveu, seja Lampião no Rio Grande do Norte; ou Lampião na Paraíba – Notas para a História; passando por Lampião, o Processo de Martins; Antônio Silvino, o Cangaceiro, o Homem, o Mito; Lampião entre a Espada e a Lei; até Corisco, A Sombra de Lampião. Todos merecem ser presença certa na biblioteca de qualquer estudioso do cangaceirismo.

Lampião no Rio Grande do Norte, cujo subtítulo é “A história da grande jornada”, livro de estreia de Sérgio Augusto de Souza Dantas, é uma obra seminal, cujo tema central, o ataque a Mossoró em junho de 1927 liderado por Lampião, é analisado minuciosamente a partir de informações colhidas durante quatro anos de pesquisa, perambulações, visitas, entrevistas, cruzamento de informações, consulta à literatura hoje vastíssima acerca do cangaceirismo. Para coroar, um valioso acervo fotográfico é colocado à disposição do leitor.

Em relação a Massilon, cangaceiro cuja importância no ataque é muito relevante, Sérgio Dantas agregou informações valiosíssimas, dentre elas o “raid” que esse personagem singular empreendeu nos costados do Jaguaribe e Cariri logo após o episódio de Mossoró.

Isso significa dizer que a lenda segundo a qual Massilon, antes da célebre foto de Limoeiro, Ceará, já se separara de Lampião e teria ido embora para o Norte, não é verdadeira.

Detalhada, a história da “jornada” espanta pela riqueza de detalhes. Não por outra razão ficamos sabendo de cada passo do grupo cangaceiro por todo o território do Rio Grande do Norte, cidade por cidade, povoado por povoado, sítio por sítio, fazenda por fazenda.

Os acontecimentos nas cercanias de Martins e Umarizal, antiga “Gavião”, são relatados com precisão. E tudo quanto aconteceu em Apodi, antes da chegada de Lampião, protagonizado por Massilon, recebe tratamento de pesquisador sério e interessado.

A descrição geográfica e sociológica dos lugares pelos quais passou o bando de cangaceiros merece respeito. Através dela é possível perceber o dia-a-dia daquelas comunidades existentes no início do século XX. Os relatos dos mal tratos, arruaças, bebedeiras, torturas físicas e psicológicas nos comove e revela a sensibilidade do Autor.

                   Quanto a Antônio Silvino, o Cangaceiro, o Homem, o Mito, somos apresentados a um cangaceiro cru, recortado do contexto mítico inserido em sua dimensão humana, sem que restasse perdido tudo quanto o tornou um dos mais interessantes personagens da trindade básica que forjou a alma sertaneja – o cangaço, o misticismo, o coronelismo.

Louve-se a felicidade na escolha do “nome” de cada capítulo bem como o excerto que o acompanha, próprio para chamar a atenção do comprador desatento, em uma homenagem ao estilo jornalístico de outrora, e a indicar um texto enxuto, leve, de parágrafos curtos e bem encadeados.

Chamam a atenção episódios, trazidos a lume, que por si somente têm dimensão histórica, como a convivência entre Antônio Silvino e Gregório Bezerra, lendário líder comunista pernambucano, sua entrevista com Graciliano Ramos, e o assalto à Usina Santa Filonila na qual morreu Feliciana na flor da idade – crime do qual o cangaceiro jamais deixou de se arrepender.

O Antônio Silvino que emerge do ótimo texto de Sérgio Dantas é um personagem emblemático: é o retrato nítido de uma saga que nos permite identificar e compreender os nexos causais que originam certa circunstância histórica – o período do cangaceirismo – e até mesmo ir além, na medida em que também permite identificar o viés comum a entrelaçá-los, ou seja, a questão do Poder Político.

Basta colocar esses retratos sobre a mesa e examiná-los com olhar crítico: Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião; Coronel Zé Pereira, Coronel Isaías Arruda, Coronel Floro Bartolomeu; Pe. Cícero, Beato Zé Lourenço, Antônio Conselheiro, tomando distância de qualquer tentativa de tentar a lógica do fenômeno a partir de uma explicação oriunda exclusivamente a fatos alusivos à posse da terra ou luta de classe.

                   Afinal, a ideia antecede a ação. E a ação, antes de tudo, é sempre algo individual.

É difícil conjecturar se Sérgio Dantas vai se aventurar em novos resgates históricos ou cuidará de desbravar outras fronteiras. Sua obra tem estado, até agora, entre um ciclo e outro: a mera narrativa e a pura interpretação, no que diz respeito à literatura acerca do cangaceirismo.

Talento, não lhe falta.

A mera narrativa provavelmente está perto do fim: já não é mais possível, até onde sabemos, ressalvada a possibilidade de documentos desconhecidos surgirem inesperadamente, prosseguir com a literatura elaborada a partir de relatos, fotos, testemunhos ou escritos, ou seja, fontes primárias.

Dos sobreviventes daquelas “eras” já se extraiu mais do que tudo. Os papéis estão virando pó, vítimas da ação inclemente do tempo e da incúria das nossas elites.

Um outro ciclo está surgindo: a interpretação de todos esses dados, ou seja, uma literatura de tese, iniciado por Frederico Pernambucano de Mello com Guerreiros do Sol, onde se aliou pesquisa de ponta e interpretação dos fatos.

Esperemos, então. E que sua obra, importante como é, além dos merecidos elogios semeie críticas e informações outras, alguma correção de rumo – se for o caso – retornando ainda mais rica para o acervo dos historiadores e sociólogos do Brasil.

É assim que ocorre quando uma obra deixa de pertencer ao Autor, por sua importância, e passa a fazer parte do referencial bibliográfico ao qual pertence.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

NÉVOA DE NADAS

 


Imagem: Honório de Medeiros


* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Quanto menos novo fico, quanto mais o tempo passa, aumenta o meu fascínio pelo Eclesiastes. Texto poético belíssimo, sapiencial, denso, condena muitos livros a sua real e diminuta dimensão. Incita-nos a questionarmos nossa vaidade tola em um mundo cujos alicerces estão firmados de tal forma, que parecem inexoráveis e eternamente incompreensíveis, alheios à nossa vontade e capacidade de entende-los.

 

1. Palavras § de Qohélet filho de Davi rei § em Jerusalém

2. Névoas de nadas § disse O-que-Sabe

névoa de nadas § tudo névoa-nada

3. Que proveito § para o homem

De todo o seu afã §§

fadiga de afazeres § sob o sol

(...)

7. Todos os rios § correm para o mar §§

e o mar § não replena §§§

Ao lugar § onde os rios § acorrem §§

para lá § de novo § correm

(...)

9. Aquilo que já foi § é aquilo que será §§

e aquilo que foi feito §§ aquilo § se fará

E não há nada de novo § sob o sol

10. Vê-se algo § se diz eis § o novo §§§

Já foi § era outrora §§

fora antes de nós § noutras eras

(...)

QOHÉLET/O QUE SABE

ECLESIASTES

Transcriado por Haroldo de Campos

 


segunda-feira, 10 de julho de 2023

DE "LIVES"

 


Imagem: Honório de Medeiros. Paris: Boulevard Saint Michel, abril de 2018

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

A pandemia impulsionou as "lives". São de todo o tipo e modelo. Abordam desde culinária a física quântica. Acrescentou a possibilidade de visualizar os participantes, e isso é significativo. Tornou o debate mais fragmentado, curto (tempo), democrático e raso. Bastante raso. Golpeou fundo esse velho companheiro, o livro, principalmente aquele que expressa o pensamento vertical, difícil de ser horizontalizado, próprio dos livros canônicos.

C'est la vie, c'est la belle vie, c'est la vraie vie, c'est ça la vie...


domingo, 9 de julho de 2023

FRANKLIN JORGE

 




* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


A obra literária de Franklin Jorge não permite uma leitura rápida.

No sentido absolutamente estético, convida a uma reflexão, suscitada pelo rigor da forma e profundidade de conteúdo que revela, ao leitor, o paradoxo do máximo, no mínimo.                               

                   Como um jogo de sombras e luz, metáfora da estratégia que o autor usa para nos apresentar uma realidade constituída de delicados, embora marcantes textos, através de uma escrita contida, elegante, ele proporciona, ao crítico literário, um ambiente de análise acerca do artista envolto no ato de criar.

                   A análise será refém dos conceitos de exclusão, contenção, reserva. Algo minimalista. Permite supor que Franklin Jorge constrói, deliberadamente ou não, uma misteriosa fronteira entre o trivial e o necessário, na qual se exclui o óbvio e se expõe uma espécie de ascese intelectual.

                   Assim, e por esse intermédio, através da leitura de seus textos, é possível resgatar-se o “modus operandi” da criação estética literária que parece perdido nos dias de hoje: teremos não mais a trama banal que consiste na utilização de ícones simplórios, mas, sim, um projeto de arte construído a partir da negação do superficial, para atingir a essência das coisas.

                   O texto de Franklin – seja Ficções, Fricções, Africções – ou qualquer outro, tem essa alquimia, revela um pouco daquilo que, na arte, é o belo, o simples, o harmonioso. Nada além, nada aquém. Nem a exuberância da sofisticação, tampouco o irracionalismo da ausência. Apenas um verdadeiro impulso de criação.

                   Mencionei Ficções, Fricções, Africções, a quem Ascendino Leite designou como inteligente e personalíssimo, e o comparou aos textos de Camilo José Cela, mas poderia ser o belo O Spleen de Natal (Romance de uma Cidade), onde Carlos Peixoto percebeu a cidade invisível da qual nos falou Ítalo Calvino em sua obra.

                   Ou, quem sabe, possa ser O Ouro de Goiás, onde Ubirajara Galli, entusiasmado com sua leitura, cognominou Franklin Jorge de “O Anhanguera Cultural”, lembrando, no dizer típico de um goiano, que “da sua colheita, nada se perdeu”. Bem como o Jornal de Bolso, apresentado por Jaime Hipólito Dantas:

                   Depois comecei a ler Franklin Jorge em livros, que ele passou a publicar, aqui e lá fora. Surgiu-me o poeta e surgiu igualmente o crítico exigentíssimo de artes plásticas. Enfim, o escritor Franklin Jorge. Com um detalhe, um escritor que principalmente sabe praticar a arte da boa escrita. Um artesão da prosa, como pouquíssimos, por cá. Um artista da palavra, sério, sem desleixos visíveis.

                   Há outros, tal qual O |Livro dos Afiguraves; Isso é Que é; Fantasmas Cotidianos, com prefácio do magnífico Antônio Carlos Villaça, o estilista:

                   Franklin escritor, Franklin poeta, Franklin puro artista transcende a circunstância e vê o abismo, convive com o abismo. Vai ao fundo e enxerga longe. Argúcia muita. Um senhor analista, um mestre da instrospecção. Um ser proustiano.

Todos eles, assim como outras mais, formando uma unidade formal estilística, muito embora com conteúdo diverso, posto que constituído por ensaios, poemas, crítica literária, e assim por diante. 

E há, não poderia ser diferente, o meu predileto: O Verniz dos Mestres (Anotações e pastiches de um leitor de Marcel Proust) onde, em sua orelha, Franklin logo revela que suas páginas são egressas de O Escrivão de Chatam, seleção de ensaios curtos produzidos em mais de cinquenta anos de leitura, que infelizmente ainda não foi publicado.

Nesse pequeno e denso livro, contendo dez primorosos capítulos, Franklin Jorge aborda a música, arte e memória, crítica, imortalidade, comédia humana e escritura em Marcel Proust. Também escreve acerca do verniz dos mestres, título do livro, ao perscrutar o estilo do grande escritor francês, comparando-o a John Ruskin, o crítico de arte, ensaísta, desenhista e aquarelista britânico.

Saliente-se que os ensaios de Ruskin sobre arte e arquitetura foram extremamente influentes na era Vitoriana.

Lá para as tantas, Franklin observa, em O Verniz dos Mestres:

Em seus últimos sete anos, tentando amortecer os ruídos, Proust viveu enfurnado num quarto forrado de cortiça. Resignado à solidão, queria viver tão somente para ter valor e mérito. Acreditava que a imortalidade era possível, sim, mas somente através da criação de uma obra. Concordava com a ideia de Boudelaire de que a vida verdadeira está alhures, não dentro da vida, nem após, mas fora dela. Nos domínios da arte.

Sua obra, laboriosamente fictícia, transcria a realidade que seria pobre sem o recurso da imaginação. Suas notas lançadas sobre o papel, no curso de sua vida, dão suporte e carnação ao que escreve; compõe-se de brevíssimos insights; a princípio lançado sobre a página em branco, e, depois, obstinadamente em períodos mais longos, agoniantes em seu fluxo, até soar a hora final; em busca da vida verdadeira que só pode ser resgatada e interpretada pela arte. Proust cria um novo realismo, polifônico e impressionista.

                   Como descrever melhor a saga proustiana?

                   Mais além:

                   Olhando a sua volta, Proust viu o que ninguém antes vira. E o viu de maneira crítica, aprofundando-se e “indo mais além”, numa superação das “coisas usuais” que desmerecem o temperamento individualizador do artista de talento capaz de criar um mundo a partir da observação de um grão de areia.

Em outro momento, Franklin amplia sua reflexão e introduz o que seria uma observação plenamente filosófica, de caráter gnosiológico, acerca do alcance da obra de Marcel Proust:

Proust nos ensina que um livro nunca pode nos contar aquilo que desejamos saber, mas tão somente despertar em nós o desejo de saber, pois não é possível a nenhum indivíduo receber a sabedoria de outrem. É preciso cria-la por nós mesmos. E foi o que ele fez, escrevendo os sete volumes do seu “roman-fleuve” “Em Busca do Tempo Perdido”.

                   Perfeito. Conhecer é criar; o apreender é uma criação. Cada objeto apreendido é único e é tudo em sua singularidade.

                   Não se poderia esperar menos de Franklin Jorge do Nascimento Roque, um escritor para escritores: nada além, nada aquém da justa medida.

Natal, 5 de julho de 2023, no outono, quase inverno, da esperança.            

 


domingo, 2 de julho de 2023

RAIMUNDO NONATO DA SILVA

 

Imagem: "Relembrando Mossoró-RN"


* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros.blogspot.com)


Pensei que descobrira algo diferente, até mesmo estranho, acerca de Raimundo Nonato da Silva. Dizia respeito a sua ubiquidade. Ou predestinação. Deveria ter me precavido contra esse ataque de arrogância pueril e consultado meu Cascudo.  

Não o fiz, e tropecei, logo nos primeiros passos da caminhada. Ali estava, em uma Acta Diurna, no livro cujo título é Raimundo Nonato, o Homem e o Memorialista, organizado por José Augusto Rodrigues e publicado em 1987, pela Coleção Mossoroense, para o qual contribuiu a fina flor dos escritores norte-rio-grandenses da época, em homenagem aos 80 anos do grande escritor Martinense: 

Vida movimentada e curiosa. Está em São Miguel de Pau dos Ferros, 1927/28. (...) 1929/30 está em Serra Negra, até a Revolução de outubro, com a invasão dos bandos que exigem comida, bravateando. (...) Finalmente transferem-no para Mossoró, em 1931. Apodi, um ano depois.

Alguma coisa escapou ao olhar atento de Luís da Câmara Cascudo? 

Eis a ubiquidade de Raimundo Nonato, flagrada e descrita pelo mestre: Raimundo em São Miguel, e, depois, escreveu Os Revoltosos em São Miguel 1926; Raimundo em Serra Negra do Norte, e, depois, escreveu A Revolução de 30 em Serra Negra; Raimundo em Mossoró e, depois, veio Lampião em Mossoró, o primeiro livro escrito por um potiguar acerca do Cangaço. 

Raimundo Nonato é um portento, eis o que se extrai do que se lê nos textos dos que lhe homenagearam. Memorialista, romancista, poeta, historiador, cronista, biógrafo, etnógrafo, jornalista...

 Em sua lendária produção literária, contam-se mais de oitenta livros, mas esse é um número duvidoso: somente pela Coleção Mossoroense, foram mais de 30, prego batido, ponta virada. 

Estava em todos os cantos, no momento certo, e abordou muitos temas, como se percebe ao ler Histórias de Lobisomem (folclore); O Pilão (etnografia); Bacharéis de Olinda e Recife (história); Quarteirão da Fome (romance); Memórias de um Retirante (memórias); Província Literária (crônicas); Jornalista Martins de Vasconcelos (biografia); Lampião em Mossoró (história); Terra e Gente de Mossoró (pesquisa acerca do 30 de Setembro de 1883); Visões e Abusões Nordestinas (folclore); História Social da Abolição em Mossoró (história); Serra do Martins (história); Negociantes e Mercadores (história); Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro Romântico (cangaceirismo), um livro canônico, referencial, e por aí vai, sem levar em conta os artigos, perfis, discursos, conferências e outros textos publicados em livros e revistas, enquanto participação, bem como jornais do Brasil adentro e afora.

Repita-se, e acrescente-se, para que não reste dúvida: Raimundo Nonato foi o primeiro escritor norte-rio-grandense, salvo algum equívoco, a escrever acerca do Cangaço (Lampião em Mossoró); Coluna Prestes; e Revolução de 1930, no Rio Grande do Norte, bem como o primeiro escritor a lançar uma biografia, por instigação de Câmara Cascudo, de Jesuíno Brilhante.

É, portanto, com méritos, o patrono dos estudiosos do cangaceirismo no nosso Estado.

Ubíquo, prolífico, atento, presença certa durante um longo tempo no meio intelectual potiguar, até mesmo brasileiro, integrante de tantas quantas instituições culturais houve, e fundador de tantas e quantas outras, Raimundo Nonato da Silva, apesar de tudo isso, marcha lentamente para aquele limbo terrível onde habitam os escritores que o tempo encaminha para a penumbra.

Merece, sem dúvida, um estudo de sua vida e obra que é, a seu modo, um painel instigante, um retrato à contraluz, do Rio Grande do Norte no qual viveu, e de onde nunca se afastou sentimentalmente, mesmo quando foi residir no Rio de Janeiro. 

Sobrevive, ainda, graças a leitores contumazes, pesquisadores renitentes, estudiosos teimosos que às vezes, por dever de ofício, outras vezes por curiosidade malsã, percorrem sebos em busca de um ou outro título citado em nota de rodapé.

Entretanto, quem há de escrever acerca do cangaceirismo no território potiguar, sem consulta-lo. E quanto à abolição em Mossoró, ou mesmo a Coluna Prestes e a Revolução de 30, este, por sinal, valioso até mesmo por um relato incidental, mas nem por isso menos importante: as relações entre os coronéis da época, fundamental para proteger Serra Negra do Norte ante a invasão iminente dos revolucionários.

A Revolução de 30, aqui no Nordeste, E Rio Grande do Norte, sabem alguns poucos, foi uma briga de coronéis que se estendeu até o Estado Novo... 

Enfim: a vasta obra de Raimundo Nonato da Silva, o menino pobre nascido na Serra da Conceição e sobrevivente a duros custos, amante dos livros, escritor, alguém que mais do que qualquer outro, excetuando Luis da Câmara Cascudo, foi uma testemunha do seu tempo, não merece o esquecimento. 

Este artigo é minha homenagem a ele.

sábado, 1 de julho de 2023

É PRECISO MUITO POUCO PARA SERMOS FELIZES

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros: honoriodemedeiros.blogspot.com


Deslizo por sobre a superfície das coisas. Não sei nada, nada, de nada. O pouco que sei é inconsistente. Entretanto, enquanto me espanto com minha própria ignorância, fico perplexo com o conhecimento e poder dos outros. Há muita gente sabida mundo afora. Como sabem, eles! E eu, cá, tosco. Algumas pessoas, não muitas, trazem, esculpida no rosto, a tragédia de intuir, no outro, essa quimera da arrogância intelectual. Para elas, a quem foi dada a sensibilidade enquanto dom, a vida é apenas um lapso temporal. Entendem que não vale a pena qualquer tipo de arrogância e poder. E entendem, também, a solidão terrível dos que acham que sabem e podem e não percebem que por não saberem, verdadeiramente não podem...

É preciso muito pouco, às vezes, para sermos felizes.