A obra literária de Franklin Jorge não
permite uma leitura rápida.
No sentido absolutamente estético,
convida a uma reflexão, suscitada pelo rigor da forma e profundidade de
conteúdo que revela, ao leitor, o paradoxo do máximo, no mínimo.
Como
um jogo de sombras e luz, metáfora da estratégia que o autor usa para nos apresentar
uma realidade constituída de delicados, embora marcantes textos, através de uma
escrita contida, elegante, ele proporciona, ao crítico literário, um ambiente
de análise acerca do artista envolto no ato de criar.
A
análise será refém dos conceitos de exclusão, contenção, reserva. Algo
minimalista. Permite supor que Franklin Jorge constrói, deliberadamente ou não,
uma misteriosa fronteira entre o trivial e o necessário, na qual se exclui o
óbvio e se expõe uma espécie de ascese intelectual.
Assim,
e por esse intermédio, através da leitura de seus textos, é possível
resgatar-se o “modus operandi” da criação estética literária que parece
perdido nos dias de hoje: teremos não mais a trama banal que consiste na
utilização de ícones simplórios, mas, sim, um projeto de arte construído a
partir da negação do superficial, para atingir a essência das coisas.
O
texto de Franklin – seja Ficções, Fricções, Africções – ou qualquer
outro, tem essa alquimia, revela um pouco daquilo que, na arte, é o belo, o
simples, o harmonioso. Nada além, nada aquém. Nem a exuberância da
sofisticação, tampouco o irracionalismo da ausência. Apenas um verdadeiro
impulso de criação.
Mencionei
Ficções, Fricções, Africções, a quem Ascendino Leite designou como
inteligente e personalíssimo, e o comparou aos textos de Camilo José Cela, mas
poderia ser o belo O Spleen de Natal (Romance de uma Cidade), onde
Carlos Peixoto percebeu a cidade invisível da qual nos falou Ítalo Calvino em
sua obra.
Ou,
quem sabe, possa ser O Ouro de Goiás, onde Ubirajara Galli, entusiasmado
com sua leitura, cognominou Franklin Jorge de “O Anhanguera Cultural”,
lembrando, no dizer típico de um goiano, que “da sua colheita, nada se perdeu”.
Bem como o Jornal de Bolso, apresentado por Jaime Hipólito Dantas:
Depois comecei a ler
Franklin Jorge em livros, que ele passou a publicar, aqui e lá fora. Surgiu-me
o poeta e surgiu igualmente o crítico exigentíssimo de artes plásticas. Enfim,
o escritor Franklin Jorge. Com um detalhe, um escritor que principalmente sabe
praticar a arte da boa escrita. Um artesão da prosa, como pouquíssimos, por cá.
Um artista da palavra, sério, sem desleixos visíveis.
Há
outros, tal qual O |Livro dos Afiguraves; Isso é Que é; Fantasmas
Cotidianos, com prefácio do magnífico Antônio Carlos Villaça, o estilista:
Franklin escritor,
Franklin poeta, Franklin puro artista transcende a circunstância e vê o abismo,
convive com o abismo. Vai ao fundo e enxerga longe. Argúcia muita. Um senhor
analista, um mestre da instrospecção. Um ser proustiano.
Todos eles, assim como outras mais, formando uma unidade formal estilística, muito embora com conteúdo diverso, posto que constituído por ensaios, poemas, crítica literária, e assim por diante.
E há, não poderia ser diferente, o meu
predileto: O Verniz dos Mestres (Anotações e pastiches de um leitor de
Marcel Proust) onde, em sua orelha, Franklin logo revela que suas páginas
são egressas de O Escrivão de Chatam, seleção de ensaios curtos
produzidos em mais de cinquenta anos de leitura, que infelizmente ainda não foi
publicado.
Nesse pequeno e denso livro, contendo
dez primorosos capítulos, Franklin Jorge aborda a música, arte e memória,
crítica, imortalidade, comédia humana e escritura em Marcel Proust. Também
escreve acerca do verniz dos mestres, título do livro, ao perscrutar o estilo
do grande escritor francês, comparando-o a John Ruskin, o crítico de arte, ensaísta,
desenhista e aquarelista britânico.
Saliente-se que os ensaios de Ruskin
sobre arte e arquitetura foram extremamente influentes na era Vitoriana.
Lá para as tantas, Franklin observa, em O
Verniz dos Mestres:
Em seus últimos sete anos, tentando amortecer os
ruídos, Proust viveu enfurnado num quarto forrado de cortiça. Resignado à
solidão, queria viver tão somente para ter valor e mérito. Acreditava que a
imortalidade era possível, sim, mas somente através da criação de uma obra.
Concordava com a ideia de Boudelaire de que a vida verdadeira está alhures, não
dentro da vida, nem após, mas fora dela. Nos domínios da arte.
Sua obra, laboriosamente fictícia, transcria a
realidade que seria pobre sem o recurso da imaginação. Suas notas lançadas
sobre o papel, no curso de sua vida, dão suporte e carnação ao que escreve;
compõe-se de brevíssimos insights; a princípio lançado sobre a página em
branco, e, depois, obstinadamente em períodos mais longos, agoniantes em seu fluxo,
até soar a hora final; em busca da vida verdadeira que só pode ser resgatada e
interpretada pela arte. Proust cria um novo realismo, polifônico e
impressionista.
Como
descrever melhor a saga proustiana?
Mais
além:
Olhando a sua volta,
Proust viu o que ninguém antes vira. E o viu de maneira crítica,
aprofundando-se e “indo mais além”, numa superação das “coisas usuais” que
desmerecem o temperamento individualizador do artista de talento capaz de criar
um mundo a partir da observação de um grão de areia.
Em outro momento, Franklin amplia sua
reflexão e introduz o que seria uma observação plenamente filosófica, de
caráter gnosiológico, acerca do alcance da obra de Marcel Proust:
Proust nos ensina que um livro nunca pode nos contar
aquilo que desejamos saber, mas tão somente despertar em nós o desejo de saber,
pois não é possível a nenhum indivíduo receber a sabedoria de outrem. É preciso
cria-la por nós mesmos. E foi o que ele fez, escrevendo os sete volumes do seu
“roman-fleuve” “Em Busca do Tempo Perdido”.
Perfeito.
Conhecer é criar; o apreender é uma criação. Cada objeto apreendido é único e é
tudo em sua singularidade.
Não
se poderia esperar menos de Franklin Jorge do Nascimento Roque, um escritor
para escritores: nada além, nada aquém da justa medida.
Natal, 5 de julho de 2023, no outono, quase inverno, da esperança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário