* Honório de Medeiros
Não seria impróprio considerar o instrumentalismo aqui aludido algo semelhante ao professado por J. Dewey, “cuja marca característica consiste em admitir que toda teoria é uma ferramenta, um instrumento para a ação e a transformação da experiência (conforme LALANDE, André; “Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia”; Martins Fontes; 3ª edição; 1999; São Paulo; p. 573/574) mas, somente em um certo sentido, vez que limitado por seu ceticismo ontológico. Melhor, talvez, compreender esse instrumentalismo como Popper o faz: “Acho que, seriamente, ninguém negará que as teorias sejam instrumentos. Porém, são também mais do que isso. Digamos que as teorias podem ser instrumentos, mas que nem todas o serão” (POPPER, Sir Karl Raymond; “O Conhecimento e o Problema Corpo-Mente”; Edições 70; Lisboa, Portugal; 1ª edição;1997; p. 30).
A
epistemologia sem sujeito cognoscente e o critério de demarcação entre ciência
e não-ciência, bem como o método científico, permitem-nos desmontar o aparato
das teorias que se fulcram em juízos de valor, em crenças subjetivas e, para
além desse desmonte, proporcionam a percepção de que o espírito que norteia o
engendramento e a utilização dessas teorias, às vezes, é constituído por
nítidas questões de Poder Político. ([2])
Sim,
porque teorias podem ser instrumentos e, em podendo ser instrumentos, podem
sê-lo do Poder Político, como o demonstra o profundo estudo da obra de Platão
feito por Popper (1974:34-35), bem como a análise de alguns fatos históricos do
universo jurídico.
Com
efeito, embora não seja objeto desta dissertação a análise da obra de Platão
feita por Popper, é interessante observar que este autor afirma terem sido a
instabilidade política da época na qual aquele vivia e as consequências que
esse fato acarretava na situação de sua própria família (Platão tinha sangue
real) a base de seu pensamento político.
Por
sua vez, essa base se exprimia através de uma deliberação: “deter qualquer
mudança política” (OAC:34), que alimentava seu desejo de implantar, em Atenas,
o arcaico modelo vigente em Esparta, e que era totalmente contrário às reformas
de natureza democrática empreendidas na principal cidade da Grécia Ática.
Por
outro lado, para que se perceba o uso que o Poder Político pode fazer dessas
teorias cujas premissas são argumentos retóricos - os “entimemas” -, aos quais
alude Perelman, basta lembrarmos o papel que a ideia de “Razão” prestou à
instauração do Estado Absoluto e à Revolução Francesa, cada uma a seu tempo e a
seu modo totalmente diferentes uma da outra.
Por
exemplo, Bobbio (1995:63), explica que:
“....
a ideia de codificação surgiu, por obra do pensamento iluminista, na segunda
metade do século XVIII e atuou no século passado: portanto, há apenas dois
séculos o direito se tornou direito codificado. Por outro lado, não se trata de
uma condição comum a todo o mundo e a todos os países civilizados. Basta pensar
que a codificação não existe nos países anglo-saxônicos. Na realidade, a
codificação representa uma experiência jurídica de dois séculos típica da
Europa continental”.
E
continua:
“É,
de fato, propriamente durante o desenrolar da Revolução Francesa (entre 1790 e
1800) que a idéia de codificar o direito adquire consistência política. Este
projeto nasce da convicção de que possa existir um legislador universal (isto
é, um legislador que dita leis válidas para todos os tempos e lugares) e da
existência de um direito simples e unitário. O movimento pela codificação
representa, assim, o desenvolvimento extremo do racionalismo, que estava na
base do pensamento jusnaturalista, já que à idéia de um sistema de normas
descobertas pela razão ele une a exigência de consagrar tal sistema num código
posto pelo Estado. Estas idéias, que apelavam não só para a razão mas também
para a autoridade do Estado, foram favoravelmente acolhidas pelas monarquias
absolutas do século XVIII, sendo estas, inclusive, uma expressão do fenômeno
histórico observado com o nome de despotismo esclarecido”. (Idem, p.65)
Para
o fortalecimento do Estado, lançou-se mão da codificação, portanto, com base na
noção de “Razão”, que tinha os seguintes contornos: leis válidas para todo o
tempo e lugares e um direito simples e unitário.
Trata-se
da positivação do Direito, ou seja, da instauração da norma escrita. Mas como,
ao mesmo tempo, o direito positivado pode ter sido baluarte ou instrumento para
a construção do Estado absolutista e arma importante do ideário liberal-burguês
e seu projeto hegemônico? A resposta é imediata: a possibilidade de sua
instrumentalização.
É
o que se depreende da leitura de Miaille:
“Todo
o sistema das idéias dessa época converge em um único ponto: contra os
preconceitos da feudalidade, é preciso fazer valer a Razão. A Razão propõe
naturalmente uma inversão da ordem das coisas. Enquanto que o terceiro estado
(SIEYÈS) que deveria ser tudo não é nada politicamente, a nobreza, que não é
nada, é tudo e reina verdadeiramente. Será preciso conferir ao terceiro estado
o lugar que logicamente deveria ter: Não se pode fazer nada sem ele, tudo se
faria infinitamente melhor sem os outros. Porque é que é possível admitir que o
terceiro estado seja tudo politicamente? Porque não representa de modo nenhum
interesses particulares, como a nobreza ou o clero, mas os interesses da quase
totalidade da sociedade. O terceiro estado abrange, pois, tudo o que pertence à
nação; e tudo o que não é terceiro estado não pode ser visto como sendo a
nação. O terceiro estado já não pode continuar a ter o lugar subalterno que a
sociedade feudal lhe reservara: tem de ser a realidade nacional de que não era outrora
senão a sombra. Como é possível que a razão possa admitir que uma nação de 25
milhões de pessoas seja governada por menos de 200 000 privilegiados? Se a
Nação é portanto a única noção que a Razão pode admitir, é que esta Nação será
doravante formada por indivíduos livres e iguais em direitos. Esta idéia de
liberdade e igualdade sobretudo é indispensável à constituição de uma sociedade
nova. Já não se trata de governar na base de privilégios, mas de direitos
próprios de cada indivíduo: Não se é livre por privilégios, mas pelos direitos
que pertencem a todos. Por outras palavras, o governo racional dos homens não é
senão possível se se admitir que cada um deles é titular de direitos
fundamentais cujo exercício a comunidade vai proteger. A liberdade no sistema
feudal não pertencia senão a alguns: eram outros tantos privilégios; doravante,
a liberdade pertencerá a todos: serão outros tantos direitos. A razão humana permitiu,
pois, repor a ordem numa sociedade mal organizada, ou melhor, instaurar uma
nova ordem fundada nos indivíduos, depositários de direitos inalienáveis e
sagrados, numa palavra, de direitos naturais. Não basta proclamar a existência
e a validade do direito natural como resposta às questões levantadas pela
França dos fins do século XVIII, há que passar essas exigências à prática: há
que romper o direito positivo. Nesse sentido, O DIREITO NATURAL É UMA ARMA DE
COMBATE [grifo original]. É com esta arma que a nobreza liberal e a grande
burguesia se vão bater a partir de meados do século XVIII e desenvolver as suas
reivindicações”. (Miaille, 1979:255-256)
Portanto,
essa mesma ideia de “Razão”, enquanto estratégia de combate a ser levada a cabo
por aqueles que a instrumentalizariam, através da positivação de alguns
direitos ditos inerentes ao ser humano, eternos espaciotemporalmente, serviu a
vários senhores.
Com
efeito, com ela o jusnaturalismo racionalista (o iluminismo) respondeu, à
época, o problema que lhe fora proposto: se antes engendrara a positivação do
Direito que, em uma primeira etapa, lastreou o absolutismo das Casas Reinantes,
em uma segunda etapa juridicizou as condições necessárias para a implantação da
nova realidade econômico-política – a burguesia.
Aliás,
outra não é a opinião de Ross (2000:307) a esse respeito, quando afirma que o
Direito natural é “primeira e principalmente, uma ideologia criada pelos
detentores do poder – os estadistas, os juristas, o clero – para legitimar e
robustecer a sua autoridade” podendo, portanto, tanto estar de um lado quanto
do outro em relação ao ordenamento jurídico em vigor, mas, sempre, com certeza,
sendo um instrumento do Poder Político.
Goyard-Fabre
(1999:289), constata o mesmo:
“A
história nos ensina ora que o princípio da legitimidade é invocado contra
o direito estabelecido – foi o caso dos partidários de Luís XVIII que
defendiam, contra o direito positivo da Revolução e do Império, o valor da
tradição dinástica -, ora que o governo é declarado ilegítimo por ser
ilegal – foi o caso do regime de Vichy na medida em que derivava da lei de 10
de julho de 1940, aplicada em violação da Constituição”.
Como
fecho, Bobbio (2000:229) nos conta que
assim se referiu Naudé, em "Considerazioni politiche sui colpi di stato" (1639)
acerca do massacre na noite de São Bartolomeu, praticamente construindo o
conceito de “razão de estado” para vergar a ordem jurídica, em 23 e 24 de
agosto de 1572: “Não terei escrúpulos em afirmar que esta empresa foi mais
que oportuna, importantíssima e justificada por razões mais que eficientes”.
São
muito variadas as fontes que nos permitem constatar esse epifenômeno
onipresente, qual seja o da instrumentalização política de aparatos teóricos,
na história da humanidade.
Faoro
(2000:11), em sua obra-referência “Os Donos do Poder”, na qual retoma e
aprofunda os conceitos de patrimonialismo e estamento burocrático analisando-os
a partir da formação política brasileira, desde suas mais longínquas raízes
portuguesas, observa o quanto o direito romano serviu aos interesses da Igreja que
trabalhou, e muito, para romanizar a sociedade, impondo um modelo de pensamento
e um ideal de justiça que servia a seus propósitos tanto mais quanto ambíguas
as premissa nas quais se fulcrava.
Diz
ele, textualmente:
“O
clero, desde o distante século VI, convertido o rei visigótico ao catolicismo,
trabalhou para romanizar a sociedade. Serviu-se, para esta obra gigantesca, do
direito romano, o qual justificava legalmente seus privilégios, revelando-se o
instrumento ideal para cumprir uma missão e afirmar um predomínio”.
Popper
empreendeu, por exemplo, ao longo da surpreendente aplicação de sua teoria do
conhecimento ao domínio da política, em “A Sociedade Aberta e seus Inimigos”,
uma heterodoxa e veemente crítica a Hegel, ao ponto de identificar o
historicismo hegeliano com a filosofia do totalitarismo moderno. (OAC:86)
Diz
Popper:
“A
dialética de Hegel, assevero, foi concebida em ampla medida com o fito de
perverter as idéias de 1789. Hegel estava perfeitamente consciente do fato de
que o método dialético pode ser utilizado para retorcer uma idéia em seu
oposto. (...) Como segundo exemplo desse uso da dialética, escolherei o
tratamento que Hegel dá à exigência de uma CONSTITUIÇÃO POLÍTICA[3],
que ele combina com seu tratamento da LIBERDADE e da IGUALDADE. (...) Vejamos
primeiro como Hegel retorce a igualdade em desigualdade: ‘A afirmação de que os
cidadãos são iguais perante a lei contém uma grande verdade. Expressa, porém,
desse modo, é apenas uma tautologia; apenas diz, em geral, que existe um
estatuto legal, que a lei rege. Mas, para ser mais concreto: os cidadãos ...
são iguais perante a lei apenas naqueles pontos em que também são iguais FORA
DA LEI. APENAS ESSA IGUALDADE QUE POSSUEM EM PROPRIEDADE, IDADE, ETC... PODE
MERECER TRATAMENTO IGUAL EM FACE DA LEI... As próprias leis ... pressupõem
condições desiguais ... Poder-se-ia dizer que o grande desenvolvimento e o
amadurecimento da forma dos estados modernos é justamente o que produz a suprema
desigualdade concreta dos indivíduos da atualidade’. (...) ‘A questão <a
quem cabe o poder de fazer uma constituição>? é a mesma que <quem deve
fazer o Espírito de uma Nação>’? ‘É pelo ingênito Espírito e pela história
da Nação – que é apenas a história desse espírito – que as constituições têm
sido e são feitas’. ‘A totalidade viva que preserva e continuamente produz o
Estado e sua constituição ... é o Governo ... No Governo, considerado como uma
totalidade orgânica, o Poder Soberano, ou Principado ... é a vontade do Estado
que tudo sustenta e tudo decreta, seu mais alto Cume e sua oni-penetrante
Unidade. Na forma perfeita do Estado, em que todos e cada um dos elementos ...
encontraram sua existência livre, essa vontade é a do INDIVÍDUO QUE
EFETIVAMENTE DECRETA; É A MONARQUIA. A constituição monárquica é, portanto, a
constituição da razão desenvolvida’”. Continua Popper: “E, para ser ainda mais
específico, explica Hegel, numa passagem paralela da sua FILOSOFIA DA LEI, que
a <decisão final ... à autodeterminação ABSOLUTA constitui o poder do
príncipe como tal> e que < o elemento ABSOLUTAMENTE decisivo no todo ...
é um só indivíduo, o monarca>”.
Popper
entende que a filosofia de Hegel foi inspirada, portanto, em seu interesse na
restauração do governo prussiano de Frederico Guilherme III, a quem coube
comandar a reação ao vendaval revolucionário francês, razão pela qual
distorceu, a partir da manipulação dialética, a ideia de Estado, Razão,
Igualdade e Liberdade - herança iluminista daquele movimento político, para
concretizar, isso sim, o ideal absolutista do genial imperador.
Ao
fazê-lo, a partir de matrizes adulteradas do pensamento de Platão, Aristóteles
e Heráclito de Éfeso, instaurou uma nefasta e enganosa influência que ainda
hoje perdura.
E
apresenta, quanto a essa influência, o testemunho insuspeito, acerca de Hegel,
de ninguém mais, ninguém menos, que Schopenhauer, para corroborar sua
assertiva: “Ele exerceu, não só na filosofia, mas em todas as formas da
literatura alemã, uma influência destruidora, ou poder-se-ia ainda dizer,
pestilenta. Combater essa influência, com todas as forças e em toda ocasião, é
dever de todos os que forem capazes de julgar independentemente. POIS, SE NOS
CALARMOS, QUEM FALARÁ”?
Surpreendente
é considerar que se verdadeira a suposição de ter respondido Hegel ao problema
específico que a época e suas próprias circunstâncias históricas lhe
apresentou, qual seja o de engendrar a solução filosófica ao “problema” criado
pelo pensamento revolucionário francês, assegurando-se lhe, assim, o papel de
“pensador oficial” do império prussiano, ter-nos-emos deparado com um exemplo
paroxístico de instrumentalização do saber filosófico em proveito ideológico, a
par de uma extrema habilidade na condução de seu intento.
Uma
curiosidade histórica: Frederico II, da Prússia, com certeza sabia da
importância de respaldar sua política em lastro filosófico; é dele um
interessante livro no qual comenta “O Príncipe”, de Maquiavel.
Nos
escritos de Jena anteriores à “Fenomenologia”, Hegel, que não chegou a publicar
“A Constituição da Alemanha”, exalta Maquiavel com o firme propósito de lutar
pela unificação do seu país.
Para
tanto, insiste fortemente no combate à liberdade individual – característica,
segundo ele, do povo alemão – em defesa da guerra, este instrumento de coesão.
Essa
liberdade individual danosa somente pode ser combatida por um Estado forte.
Assim, e finalmente, não haveria uma lei moral ou um direito natural que se
sobreponha ao direito de um Estado. E o direito do Estado é proporcional a sua
força.
Um
outro exemplo de instrumentalização política de aparatos teóricos é a questão
dos direitos humanos. Em um artigo publicado na Folha de São Paulo, de 11 de
dezembro de 1998, cujo título é “Cultura ocidental é astuta”, Contardo
Calligaris começa lembrando a seus leitores que os direitos humanos não são
inerentes ao ser humano como o são nascer com pernas e braços.
Ao
contrário, dizer direitos inerentes ou naturais é um artifício retórico que visa colocá-los acima do diálogo ou
argumentação política. Após lembrar que a ideia de direitos humanos e sua
universalidade encontrou sua primeira formulação no século XVII, Calligaris
observa que eles se fizeram valer porque um grupo (Declaração de Independência
norte-americana) disse que valiam “e se fez polícia”.
E remata: “Desde a primeira declaração dos direitos humanos no século 18,
parece que progressivamente fomos perdendo o ânimo. Desistimos da coragem de
nossas escolhas políticas e morais e preferimos então encontrar para elas
justificativas naturais”.
Outro
exemplo começa com a hipótese de que a idéia de Justiça (THEMIS) é anterior à
de Direito (DIKE) escrito.
A
Justiça, como nos faz crer o texto homérico, é “o cetro e a lei”, ou seja, os
instrumentos entregues pelos deuses aos reis para que estes engendrem a coesão
social, façam, concedam Justiça.
Hesíodo
nos mostra, principalmente em seu épico pessoal “ERGA”, que a peculiar
estrutura política grega, onde o povo (aqueles que não pertencem à nobreza)
dispunha de uma rara independência de espírito, permitiu sua luta para a
concretização de um ideal de classe: o Direito escrito, que a todos submete,
reis, nobres, povo, realizando a Justiça, fundamentalmente alicerçado na noção
de isonomia.
Até
então, o desejável, mas não somente na cultura grega, quanto na egípcia,
hebraica ou nas civilizações de escrita cuneiforme era a “satisfação das
partes”, a reforçar a premissa do desejo, implícito, da classe dirigente de
promover a “coesão social” ([4]): a Justiça dada,
concedida pela elite sendo substituída por aquela buscada, almejada, pelo povo.
Trata-se
de uma ruptura, uma revolução.
Como
surgiu essa ideia de isonomia? Jaeger (1986:67) menciona que seria possível
acreditar na possibilidade de seu surgimento decorrer, por um processo oriundo
da associação de ideias, da compensação satisfatória em mecanismos de troca,
seja de mercadoria, seja para satisfazer uma perda decorrente de um atentado ao
equilíbrio entre as partes.
Essa
instrumentalização jurídica da isonomia foi resultante da compreensão, por
parte daqueles que não eram nobres, e ela é intrinsecamente política, de que
era necessário colocar esta classe também sobre o jugo da lei, ou seja, tornar
todos iguais debaixo de um só manto, para assegurar sua própria sobrevivência.
Ressalte-se
que, muitos séculos depois, essa foi a cruzada empreendida pelo jusnaturalismo
racionalista, enquanto ideário burguês – tendo como fio condutor a subjacente ideia
de “Razão” ([5]) - para quebrar os
privilégios da nobreza e implantar a hegemonia da nova classe ascendente
durante a Revolução Francesa: igualdade!
A “Razão”, essa reinvenção do iluminismo, criação grega ([6]), permitia a construção do discurso da isonomia, da igualdade, ele mesmo usado, séculos antes, pelos “demos” grego para criar a democracia, ou seja, o governo da maioria sob o manto da lei.
Assim, é fácil concluir que a ideia de Direito escrito para assegurar-se a obtenção da Justiça, é criação política.
Ironia
da história, melhor, dos seus protagonistas: uma mesma bandeira – a noção de
Razão -, duas práticas políticas distintas.
Ou seja, em síntese, um aparato teórico frágil pode ser instrumento político da estrutura de Poder Político vigente, qualquer que seja ele.
[2] “O poder de um indivíduo ou instituição é a capacidade de este conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou influência. O poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas para obter um certo resultado, e pode ser medido pela probabilidade de esse resultado ser obtido em face dos diversos tipos de obstáculos ou oposição enfrentados. Não é essencial à sua definição que o resultado seja conscientemente procurado pelo agente: o poder pode ser exercido na ignorância de sua existência ou efeitos, embora, claro, seja frequentemente exercido de forma deliberada” (BLACKBURN, Simon; “Dicionário Oxford de Filosofia”; Jorge Zahar Editor; Rio de Janeiro; 1ª edição;1997; p. 301).
[3]
Este, como os seguintes, no presente capítulo, são grifos de Popper.
[4]
GILISSEN, John; “Introdução Histórica ao Direito” 1988; p. 53. O “Maât”, modelo
do direito não escrito, o objetivo a ser perseguido pelos detentores do poder,
tem poressência ser o “equilíbrio”; o ideal, a esse respeito, é por exemplo
“fazer com que as duas partes saiam do tribunal satisfeitas”.
[5]
Vejam-se os escritos do Abade Sièye.
[6] A civilização grega distingue-se das outras pela invenção da filosofia: a realidade explicada não mais através de mitos ou religião e, sim, da Razão.
* Texto constante do "Poder Político e Direito (A Instrumentalização Política da Interpretação Jurídica Constitucional)"; MEDEIROS, Honório de. Belo Horizonte: Dialética Editora. 2020. À venda na Amazon.