sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

BELEZA SERELEPE



Honório de Medeiros
Para B.M.F.L.

Ela, toda serelepe, explica por que não freqüenta academia: “esse povo pensa que vai ficar igual a essas modelos famosas. Não se tocam que não há musculação nem plástica que dê jeito em quem não nasceu para a passarela. Não há milagre que resolva o problema de quem nasceu baixa, por exemplo”. “Eu acho que você está sendo radical”, provoco. “Que nada”, responde, “estão todos é jogando dinheiro fora”. “E os saradões, as malhadas, com tudo em cima?” “Eu acho é graça; de que adianta tudo isso se esse povo só vê o próprio umbigo? Não se fixam em ninguém? Você não vê os atores e atrizes? A rotatividade nos relacionamentos? É como os adolescentes: a fila tem que andar”.

“Então esse negócio de beleza...” “Olhe”, ela interrompe, “se o cara está apaixonado, não está nem aí para a celulite ou a estria. Aquela modelo do Rio Grande do Norte, linda, Fernanda Tavares, não tem celulite? E não está noiva com um ator global? E se a pessoa ama esse negócio de beleza também é extremamente relativo. Quantos homens e mulheres não amam pessoas que não são nenhum padrão de beleza! Isso por que eu imagino que o amor é algo que se constrói dia-a-dia, uma cumplicidade, tipo uma sociedade bem firme, e então não se acaba por conta de uma barriguinha qualquer”.

“Além do mais”, continuou num fôlego só, “se eu fizer plástica, lipoaspiração, cuidar dos dentes, for à academia religiosamente, emagrecer, ficar nos trinques, nada disso me garante que eu vou conquistar quem quiser. E se a pessoa que eu quiser gostar de um outro tipo? De que adiantou todo meu esforço? Esse negócio de cultivar a beleza é uma armadilha. Nela só se dá bem dono de academia, cirurgião plástico, dentista, nutricionista, dermatologista, esse pessoal que vive da vaidade alheia. Muito mais importante do que isso tudo é você ter cabeça! Quantos homens e mulheres que não foram bonitos conseguem todos que quiseram...”

Ela argumenta e argumenta. Cita o caso de A, de B, de C... Lembra casamentos que se acabaram, traições, paixões que nasceram do dia para a noite nos lugares e entre as pessoas mais inesperadas, tudo sem que a beleza realmente importasse. Atribuiu o sucesso na conquista a algo que denominou de “atitude”. Disse-me ela: “você precisa ter atitude; se você tiver, vai conseguir”. Perguntei-lhe o que ela entendia por “atitude”. Ela respondeu que se eu não sabia, não adiantava explicar. “Isso é como paixão, se você está apaixonada, sabe que está, não precisa se perguntar”.

E, talvez cansada, mas mesmo assim lépida e fagueira, levantou seu corpo da cadeira, dardejou uma despedida através de um olhar negro como seus olhos, e danou-se no mundo, totalmente indiferente aos olhares de admiração dos homens e de inveja das mulheres que a viam passar.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A NATUREZA É EQUILÍBRIO?

stcsociedade.blogspot.com

Honório de Medeiros

Embora pura metafísica, ou seja, além da possibilidade de explicação científica, pelo menos por enquanto, é possível que todos os sistemas, inclusive nós mesmos, tendam para o equilíbrio, como parece demonstra-lo a capacidade de auto-organização da sociedade próxima ao limite do caos social.

Observando a realidade social, parece fazer sentido essa tendência. Se nos lembrarmos das revoluções, insurreições, irridências acontecidas ou acontecendo mundo afora, constatamos que em todas elas há a fragmentação do tecido social seguida de uma ação espontânea organizadora que ergue, dos escombros, uma nova configuração para a sociedade. Foi assim com a Revolução Francesa, Bolchevique, a queda do regime comunista, e está acontecendo no Haiti, Iraque, Afeganistão e em outros países.

Qual seria a causa do início do processo de ruptura do equilíbrio? Platão diria que é cíclico e permanente. Algumas das modernas teorias acerca da realidade afirmam a infinita permanência desse processo no qual a Ordem sucede ao Caos e que não diria respeito apenas ao nosso Universo material, ao contrário, existiria inclusive dentro de cada um de nós. Outro filósofo lembra que nosso conhecimento é sempre dependente da fragmentação das nossas expectativas em relação a como tudo se comporta: se, por exemplo, uma determinada pessoa não se conduz como imaginávamos, buscamos saber qual a causa dessa contradição e, então, passamos a conhece-la melhor.

A posição desse filósofo permite-nos trazer a discussão acerca do equilíbrio como lei universal para o campo pessoal. Assim, a tese seria que o equilíbrio que nos mantém lúcidos e vivos precisa ser mantido e ele pode ser comprometido, por exemplo, quando dizemos algo e fazemos diferente. Ou seja, quando nossa teoria é diferente da prática.

Óbvio que nada aqui dito é novidade. As filosofias orientais há muito apontam para a busca desse equilíbrio como meta a ser alcançada. Na Grécia, base de nossa cultura ocidental, já havia o conceito de “homeostase” como algo a ser percebido e constatado. E a própria psicanálise teoriza acerca da “unidade do Eu”.

O que há de novo é a ressurreição dessa metafísica: haveria uma lei natural única, absoluta e eterna regendo desde o comportamento do universo às relações pessoais, passando pela interior da matéria. Não por outro motivo, alguns teóricos da psicanálise admitem que muitas doenças são originárias da ruptura no equilíbrio psíquico do indivíduo.

Quanto ao mundo biológico, mais precisamente em relação à teoria da seleção natural, a tendência comentada pode ser percebida nos processos adaptativos das espécies: quando se rompe o equilíbrio no meio-ambiente, aparece a “doença” ecológica: são os desastres dos quais nos dá notícia, quase todos os dias, a mídia.

Não é à toa que o sempre bem lembrado Aristóteles nos apontava o caminho do meio como o caminho a ser seguido. Esse meio é equilíbrio, simbolizado pela balança cujos pratos estão nivelados por igual, núcleo da idéia de democracia, legado maior da Grécia imortal à humanidade.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O QUE LEVA O JOVEM AO CRIME

wellington-rodrigues18.blogspot.com

Honório de Medeiros

Uma das conseqüências possíveis relacionadas com a teoria da Antropóloga Alba Zaluar, Coordenadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências), ligado ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de que apenas a pobreza e a desigualdade social não explicam a ida de jovens para a criminalidade, é dar razão ao senso comum do povo quando clama pelo endurecimento da legislação penal.

A teoria, exposta em matéria assinada pelo jornalista Antônio Góis, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, apresenta como uma das causas do envolvimento de jovens com a violência a estrutura cultural que induz o surgimento do que ela chamou de “etos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”.

É algo decorrente da chamada “cultura machista”: os filhos homens são criados em ambientes que reproduzem condutas herdadas de desrespeito sistemático às mulheres, aos homossexuais, aos negros, às minorias, enfim, e valorização direta ou subliminar dos ícones da masculinidade distorcida; a música, a tradição oral, o lazer, a literatura, a própria postura passiva das minorias contribuem para a construção desse perfil medíocre e ameaçador.

A antropóloga lembra que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus (conjunto habitacional favelizado na zona Oeste do Rio de Janeiro) e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime.” É outra comprovação científica que respalda o senso comum: se apenas a pobreza fosse passaporte para o crime, não haveria Sociedade da forma como conhecemos. Melhor, não haveria tantos ricos criminosos.

De posse do trabalho apresentado por Alba Zaluar talvez pudéssemos pelo menos iniciar a discussão em torno da ampliação das penas no Brasil. Quem sabe instaurarmos a prisão perpétua: não outra punição merece uma quadrilha de assaltantes recentemente presa em São Paulo, todos na faixa dos vinte anos, especializados em condomínios, que se tornaram conhecidos por torturarem suas vítimas, fossem elas novas ou idosas. Prisão perpétua com alimentação, saúde, lazer, tudo pago com trabalho – há tantas estradas para ajeitarmos, Brasil afora, tanta terra para ser arada...

E o maior empecilho, para aumentarmos a dosagem das penas no nosso país, para criarmos a prisão perpétua, é exatamente esse remorso social – quando não é a defesa em causa própria, como por exemplo, o caso dos nossos congressistas, grande parte respondendo algum tipo de processo – hipócrita que nos corrói a capacidade de enxergar o óbvio agora corroborado cientificamente. Sempre achamos, segmentos da elite, que a criminalidade tinha ligação direta com a pobreza. Recusávamos-nos a perceber, com o povão, que sofre nas mãos da delinqüência e nas mãos da polícia, que não era assim, afinal não se justifica que haja tortura e morte desnecessária em cada assalto realizado: a crueldade é um ritual de passagem na hierarquia do crime, dependente da admiração dos companheiros: quanto mais cruel, mais admirado, quantos mais homicídios, mais enaltecido.

Agora é tempo de ir atrás do prejuízo antes que seja tarde demais: contamos nos dedos as casas e condomínios onde não há cerca elétrica e cães, isolamento e medo. Fazemos de conta que não há guerra civil em São Paulo e Rio de Janeiro. Iludimo-nos pensando que o Estado é soberano em algumas áreas das grandes cidades do Brasil.