sábado, 21 de abril de 2012

POSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO PELA CÂMARA MUNICIPAL DO PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO SOBRE AS CONTAS DO PREFEITO

Por Carlos Roberto de Miranda Gomes, advogado e escritor

          Assunto muito questionado nos últimos dias diz respeito à possibilidade do julgamento das contas de ex-Prefeito de Natal, onde existe parecer prévio favorável à aprovação pelo Tribunal de Contas do Estado, ainda que com recomendações e a possibilidade de rejeição desse parecer prévio pela Câmara Municipal.

           Sem delongas, indicamos o norteamento constitucional:

"Artigo 71: O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I. Apreciar as contas anualmente prestadas pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II. Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público."

          Tais disposições são repetidas nas Constituições estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios.

          Assim, fácil é constatar que os Tribunais de Contas exercem dupla missão – emitir parecer prévio sobre as contas dos Prefeitos e julgar as contas dos administradores e demais responsáveis pelos gastos e o patrimônio públicos. Desempenham papel preponderante e conclusivo em se tratando de órgão auxiliar do Poder Legislativo na fiscalização das contas públicas.

          Neste sentido já se pronunciou o TRF: "O TCU só formalmente não é órgão do Poder Judiciário. Suas decisões transitam em julgado e têm, portanto, natureza prejudicial para o Juízo não especializado"

          No primeiro caso o seu pronunciamento tem o condão de analisar a situação macro das contas dos Prefeitos, verificando a sua conformação com o orçamento, o cumprimento dos programas e projetos, respeito aos limites permitidos, para em seguida receber o julgamento de mérito pelo Poder Legislativo, sem prejuízo da apreciação posterior ou concomitante das questões de ordem numérica, financeira e da legalidade das despesas individualizadas dos processos de despesas, aplicando sanções, determinando devoluções, com possibilidade de execução pela via judicial, pois assim dispõe a Carta Política do País quando dispõe sua competência de JULGAR, entendendo-se como um julgamento político-administrativo, mas que tem efeito vinculante.

          Por conseguinte, em razão da competência constitucional que lhe concede a Constituição da República e a Estadual, o seu parecer prévio é soberano e imutável, caracterizando-se uma proposta de sua devolução pelo Legislativo para ser revisto, uma verdadeira afronta.

          No entanto, o parecer prévio não representa a decisão final, uma vez que a mesma Constituição assim dispõe:

”Art. 31. A fiscalização do Município será exercida Pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal,na forma da lei.

§ 1º. O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais e Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais e Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º. O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal”.

          Fica assim evidenciado claramente, que em se tratando de contas do executivo municipal, a competência final de julgá-las é do Poder Legislativo, por decisão fundamentada e com o resguardo da ampla defesa ao Prefeito do respectivo Município.

          Na decisão devem estar presentes dois direitos fundamentais – o contraditório e a fundamentação da reversão aos termos do parecer prévio do Tribunal de Contas, tendo em vista o comando da Lei Maior, em seu artigo 5º, inciso LV.

          Nunca é demais sugerir cautela aos Senhores Parlamentares Municipais!

segunda-feira, 16 de abril de 2012

OS LIVROS NOS ESCOLHEM!


Do nomundodoslivros.com

Por Honório de Medeiros

                   Muito poucas foram as vezes em que entrei em uma livraria sabendo o que buscava.
                   Ao contrário. A grande maioria das vezes entrei somente pelo prazer de entrar, de ver, de sentir o cheiro dos livros, de ouvir o murmúrio de outros apaixonados como eu para quem eles foram, desde sempre, um grande amor.
                   Poucas vezes saí sem nada nas mãos. Sempre – e isso é o que importa neste relato – fui buscado por algum ou alguns livros.
                   Sim, porque são eles que nos escolhem. Como poderia ser diferente se outra explicação não há para esse amor que surgiu quando minha mãe me colocava para dormir lendo estórias em quadrinhos do Pato Donald, enquanto nos balançava na rede, e, um dia, para sua surpresa, me pegou soletrando as sílabas?
                   Os livros dos meus vizinhos, abandonados, valeram-se de mim para saírem de sua solidão – em minha casa sequer Bíblia existia.
                   Os livros, ah!, os livros, eles nos escolhem, e da minha infância para a meninice, lá estavam eles: “O Mundo da Criança”; “O Tesouro da Juventude”; e, depois, logo depois, Julio Verne, Alexandre Dumas, Victor Hugo, Edgar Rice Burroughs, Karl May...
                   Pois bem, é como digo, os livros nos escolhem. Chegam a nós das mais estranhas maneiras, desde o presente de um amigo, que pensa ter acertado na escolha por um motivo qualquer, muito embora tenha acertado por outro totalmente diferente, a aquele decorrente do inexplicável oferecimento visual ocorrido quando, cansados de perambular pela livraria, nos sentamos em uma poltrona, a única vaga, e – como se fosse algo inesperado – aquele livro que nos escolheu aparece imediatamente no nosso campo visual.
                   Não há como resistir. Ele estava nos esperando. Agradecidos pela escolha pegamo-lo carinhosamente, e o folheamos, sentimos seu cheiro inigualável, sua textura, passamos uma vista d’olhos por suas páginas e o levamos conosco, ambos muito felizes.
                   Assim aconteceu certa noite quando, em um aeroporto qualquer, aguardando a hora de embarcar e vagando pela livraria, já imaginando que daquela vez eu teria que me contentar com as revistas – fraco sucedâneo – meus olhos foram atraídos por “Os Devaneios do Caminhante Solitário”, de Rousseau!
                   Quantas e quantas vezes não falara acerca do “Contrato Social” para meus alunos de Filosofia do Direito, ao lhes explicar em que crença se fundava nosso fé no Ordenamento Jurídico enquanto expressão da Vontade Geral da Sociedade. Antes Rousseau que Niklas Luhmann. Antes Rousseau, que dera um lavor inigualável à genial intuição de Protágoras de Abdera...
                   Agora, ali, outra vertente desse mal-amado e original filósofo francês, me convidava a, com ela, travar conhecimento. Abri o livro ao acaso. Li o que se me ofereceu aos olhos: “É dessa época que posso datar minha total renúncia ao mundo e esse gosto vivo pela solidão que não me abandonou desde então.”
                   “Como?”, me indaguei, “Vila-Matas escreve toda uma obra, Doutor Pasavento”, em homenagem à arte de desaparecer, que é a face mais exposta da renúncia, usando como pano-de-fundo a história de Robert Walser, e não cita Rousseau?”
                   Segurando firmemente o livro de Rousseau tomei o caminho que me conduzia ao caixa para compra-lo e, em seguida, feliz por ter sido escolhido, entrar no avião onde me esperavam algumas horas de voo e de leitura.

domingo, 15 de abril de 2012

HISTÓRIA DA VIDA REAL



image-at-its-best.com


Por Honório de Medeiros


Nas Seleções do Reader Digest que meu pai colecionava na década de 40 eu lia, entre menino e adolescente, uma seção cujo título era “Histórias da Vida Real”.

Não me lembro mais de qualquer das “histórias”, exceto uma: durante a Segunda Guerra Mundial, as moças americanas eram incentivadas a participarem do esforço comum americano escrevendo para seus compatriotas combatentes mundo afora. Um deles começou a se corresponder com uma garota do interior de um daqueles estados americanos do Oeste. Passaram-se os anos e as cartas, que começaram cordiais mas distantes, assumiram um teor cada vez íntimo, com troca de confidências, sonhos, planos e tudo quanto diz respeito a, finalmente, uma correspondência amorosa.

                        Tudo correu perfeitamente bem exceto pela recusa obstinada da moça em enviar, para seu correspondente, uma fotografia e o nome da cidadezinha na qual morava. Todas suas cartas eram enviadas da Estação Central de Trem da capital do seu Estado. Ele argumentava dizendo que gostaria de ter, perto de si, não apenas suas cartas e tudo quanto de bom elas lhe traziam, mas, também, uma imagem sua para a qual pudesse olhar naqueles momentos terríveis pelo qual estava passando. Ela lhe respondia, justificando-se, que o amor, entre eles, começara pelo espírito, e assim deveria continuar até o momento em que, finalmente, pudessem se encontrar frente a frente, e uma fotografia poderia lhe dar uma falsa impressão que a realidade viria desmascarar.

                        Finalmente a guerra terminou. Ele lhe escreveu para combinar o encontro e ela lhe pediu que estivesse no dia e hora marcados, na Estação Central de Trem da capital do seu Estado, quando seria reconhecida por trazer, nas mãos, um ramo de rosas vermelhas. Esta seria a única forma de reconhecê-la que ele dispunha: não sabia como era ela, em qual cidade vivia, e, mesmo, se seu nome era real ou fictício.

                        Meio-dia em ponto, conforme combinado. O trem para. Ele salta e olha, ansioso, para todos os lados. Há poucos transeuntes na Estação. Ninguém que aparente ser uma moça desacompanhada portando um ramo de rosas vermelhas nas mãos. Começa sua frustração. Será que foi enganado ao longo de todos os anos? Será que tudo quanto ela lhe dizia por carta, o amor que nascera, os planos construídos, eram mentiras? Parado, a maleta aos pés, a expressão ansiosa, ele olhava em todas as direções tentando encontrar uma explicação para um possível atraso, como um acontecimento de última hora, um obstáculo inesperado...

                        O tempo passou. Uma hora depois, convicto que tinha sido iludido, ele começou a se dirigir para o guichê de vendas de passagens. Pretendia ir embora o mais rápido possível. Quando se aproximou do guichê viu, sentada, próxima ao local, uma senhora de aproximadamente sessenta anos trazendo, em suas mãos, um buquê de flores vermelhas. “Então é isso?”, se perguntou. “Ela é esta senhora, e por essa razão não teve coragem de me enviar uma fotografia sua?”
Parado, perplexo, pensou em se esconder – não era possível aceitar que aquela senhora fosse sua amada! “E agora?” disse a si mesmo, “deveria honrar o amor espiritual com o qual se comprometera e que independia de idade ou poderia justificar sua fuga alegando ter sido manipulado?”

                        Não resistiu. Aproximou-se. “Senhora, seu nome é Lucy?”, indagou usando o nome usado por ela nas cartas.

 “Não, ela me pediu para ficar aqui algum tempo, com essas rosas na mão, aguardando que alguém viesse a sua procura; ela está ali”, e apontou. Um pouco além, vindo em sua direção, com outro buquê de rosas vermelhas nas mãos, uma belíssima mulher lhe sorria, enquanto acenava discretamente.