sábado, 7 de novembro de 2009

O TWITTER E KANT


Kant


Carlos Santos me conta que um novo programa organiza as informações no Twitter.

Tal fato corrobora Kant, para quem a Razão organiza o Caos.


E demonstra que a idéia é anterior ao fenômeno que ela percebe e descreve.

Fantástico.

A LÓGICA PERVERSA DO OBREIRISMO


Obras

Há uma lógica perversa induzindo o obreirismo (aqui usado, o termo, no sentido de compulsão, por parte do administrador público, em fazer obras) no governante. Essa lógica é ainda mais perversa por praticamente excluir a opção pelas políticas públicas.



Em primeiro lugar o obreirismo é conseqüência de uma demanda específica: a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, como conseqüência de seus proprietários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, das elites governantes.



Em segundo lugar o obreirismo é conseqüência de outra demanda específica: a necessidade de encher os cofres raspados da elite política vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidatou e construir reserva para as futuras demandas político-partidárias.



Em terceiro lugar o obreirismo é conseqüência de outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção ou aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação de que eles não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o exercício de seus cargos.



Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, financia-las – consome o que sobra, no orçamento, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal. Na maioria das vezes praticamente não há sobra orçamentária para investimento e não por outro motivo a Lei de Responsabilidade Fiscal vem sendo sistematicamente desrespeitada. E engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir a sociedade acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos.



Assim, toda e qualquer obra surge como decorrência de uma “demanda social” e destina-se ao “desenvolvimento sustentado”. Obras através das quais circula o capital financeiro das elites para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia. Flatus vocis, diriam os romanos... E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, queda nos índices de mortalidade infantil, melhoria na qualidade do ensino e na segurança pública, que não dão retorno financeiro – embora dêem retorno eleitoral (e como dão) – são deixadas de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.



Quem duvida dessa opção por obra basta examinar com olho crítico o serviço público de sua cidade: como está a educação pública? A saúde pública? A segurança pública? Falta dinheiro para tudo isso, mas não falta para calçamentos, ruas, praças, construção de escolas, postos de saúde, asfalto, reformas em prédios públicos, delegacias, e por aí vai. Falta dinheiro para contratar médicos, professores, policiais. Falta dinheiro para remédios, pagar bem aos professores, armas e munições e computadores. Falta dinheiro para pagar ao servidor público uma remuneração que lhe permita sobreviver com dignidade.



Querem ver como é mesmo que as elites gastam nosso dinheiro? Observem bem um aeroporto e comparem com qualquer rodoviária. Os aeroportos são limpos, agradáveis, funcionais, climatizados. Enquanto isso as rodoviárias...






















CAOS


Caos

“Com isso, quero dizer coisas perfeitamente corriqueiras. Por exemplo, passado cada inverno, as flores desabrocham nos prados; terminada cada guerra, as cidades são reconstruídas. O caos sempre cede lugar à ordem” (A PARTE E O TODO; Werner Heisenberg).

A POSSÍVEL DEMISSÃO DE PROTÓGENES QUEIRÓZ

Deu no Blog de Luis Nassif, em 06/11/2009. Leia em colunistas.ig.com.br/luisnassif



Protógenes Queiroz

"A demissão de Protógenes

Em Observação



Não está confirmada a demissão, ainda.

Do Terra Magazine



Protógenes: “Vou ser demitido da PF. E o bandido está solto”



Claudio Leal



O delegado Protógenes Queiroz (PCdoB) afirma que recebeu, por telefone, a informação de que será exonerado da Polícia Federal na próxima segunda-feira. O responsável pela Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, em julho de 2008, foi avisado por um colega da PF. Sua esposa também foi alertada.

Desde a eclosão da Satiagraha, o delegado foi alvejado por processos disciplinares, também por participação em atos políticos. Em rápida entrevista a Terra Magazine, Protógenes reage:



- É um ato de tirania da cúpula da Polícia Federal contra a democracia. O verdadeiro bandido, o banqueiro bandido (Daniel Dantas), está solto, com a proteção de alguns agentes público, que deram decisões favoráveis a ele. Enquanto isso, o agente público que o investigou e prendeu está fora dos quadros dos serviços públicos. Este é o Brasil de hoje. Até o presidente Lula já admitiu que o Estado brasileiro falhou no combate às drogas e à corrupção – diz o delegado.



Indignado, Protógenes reforça: “É um processo injusto. Vou tentar recompor meu prejuízo. Além do constrangimento, é assédio moral. Vou recorrer pelas vias judiciais.”



Por Alex Prado



Nassif,



seu blog e o do PHA foram os primeiros a receber minha versão sobre o caso. Fui o responsável pela campanha de Paulo Tadeu à prefeitura de Poços de Caldas. E o delegado Protógenes nunca participou de comício na cidade. Ele esteve aqui, num domingo, a convite de amigos que eram próximos da nossa candidatura. Aceitou gravar depoimento, apoiando a proposta da nossa candidatura de se instalar uma delegacia da PF em Poços. As imagens foram veiculadas no penúltimo programa eleitoral e foram repercutidas pelos jornalões.



Nunca houve comício. O delegado não falou em nome da Polícia Federal.



Pelo que soube do inquérito interno da PF, o candidato Paulo Tadeu foi ouvido. Eu, responsável pelo programa de tv e editor específico daquele depoimento, nunca fui chamado a depor. Nem as imagens brutas ou editadas do depoimentos foram requisitadas.



É o que tenho a informar.



Por Paulo Tadeu, ex-prefeito de Poços



Nassif



Em meu depoimento à Polícia Federal, reafirmei a inexistência de comício ou ato público com a presença do Delegado Protógenes em Poços de Caldas. Disseram-me que ele estava sendo processado por ter infirngido uma lei de 1966, que restringe ação política de servidor público. Uma lei da Ditadura. Ignoraram meu depoimento, a carta estava marcada.



Esta história começou com uma delação, disfarçada de pedido de informação, do deputado Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, do PPS- MG.



Por João Vergílio G. Cuter



É fácil gostar do juiz Fausto de Sanctis. Ele não erra. Por mais que o ministro Gilmar Mendes o provoque, por mais que os advogados de Dantas lhe ofereçam ocasião para um deslise, ele não se desespera, não dá um passo em falso, não deixa que o ser humano se sobreponha ao cargo. Jamais escreveria uma carta aberta ao presidente Obama, sonhando com uma repercussão internacional que ele sabe perfeitamente que não existirá. O professor Pasquale (ou seu Ersatz) jamais catariam um errinho de português em seus despachos. Sabe sinalizar, nas entrelinhas de seu texto, o pano de fundo teórico de suas decisões, obrigando Gilmar Mendes a também ter que explicitar as suas, quando o combate. Leva o debate para um plano no qual um simples pé na bunda seria visto por todos como prova, não apenas de truculência, mas também de despreparo. Além disso tudo, é incorruptível. Quem não admira um homem assim?"






SALVEMOS A PRAÇA DO CODÓ

Por Franklin Jorge, em 6 de novembro de 2009, no http://www.franklinjorge.com.br/




Disse Francis Bacon [1561-1626] que Deus Todo-Poderoso foi quem primeiro plantou um jardim a que chamou de Paraíso e o destinou para residência de Adão e Eva. Assim, como as praças, o jardim faz parte da vida humana. E, desde que o mundo é mundo, servem ao embelezamento dos lugares e para o recreio e o repouso do espírito do homem. Estão para as cidades como os oásis para o deserto, ponto de convergência humana e refrigério das agruras da vida. É uma dádiva do divino ao humano.

Quem viaja para instruir-se com os costumes alheios, percebe a importância que praças e jardins têm para os povos civilizados. Em Franca e na Inglaterra, onde podemos apreciar talvez os mais belos jardins da Europa, são praças fortificadas das quais os moradores do seu entorno, em muitos casos, chegam a ter uma chave que lhes dá acesso exclusivo ao seu usufruto. Noutros países, igualmente civilizados, são espaços abertos a todos, como em Roma, cujo nome invertido significa amor.

Ora, sem jardins e praças os palácios e demais edifícios seriam construções grosseiras e inumanas, enfatizou ainda Bacon que felizmente morreu antes do surgimento de Mossoró e, portanto, não teve o desprazer de saber que neste momento alguns dos empresários e políticos estão conspirando contra a existência da Praça Bento Praxedes. Querem-na transformar – avaliem o absurdo e a pobreza intelectual desses senhores – em estacionamento! Sim, em estacionamento de automóveis e motocicletas. Não em uma escola, por exemplo, o que já seria uma idéia absurda, mas em um vulgar estacionamento para meios mecânicos.

Embora atualmente reduzida a um lastimável estado de penúria que depõe contra a administração pública, a referida praça faz parte da história dessa cidade em diversos períodos, da Monarquia à República, lugar de celebrações cívicas e de reuniões populares, coisas naturais e imprescindíveis àqueles que vivem em sociedade e valorizam a comunicação que o convívio proporciona.

A destruição da Praça Bento Praxedes ou Do Codó, como é mais conhecida em Mossoró, constitui um crime de lesa-cidadania. Um lastimável mau exemplo. A cidade, que carece de espaços comunitários. Desmente a própria tradição de que se jacta o seu marketing político de cidade cultural, sempre na vanguarda de embates em prol da dignidade de seus habitantes, capitula diante da dificuldade de resolver um grande problema que afeta a todos — a falta de estacionamento, criando um outro igualmente grave, a falta de espaço para a convivência humana, que não pode faltar numa cidade tão arrogantemente orgulhosa de si e com a pretensão de tornar-se a “capital de cultura” do Rio Grande do Norte.

É um tremendo retrocesso e um acinte aos modernos paradigmas urbanísticos que se empenham na humanização das cidades, através a criação de espaços de uso coletivo, como praças e parques. Aqui, porém, despreza-se o humano em favor dos gananciosos e dos egoístas que pensam somente em seus próprios interesses.

Praza aos céus que tudo isso não passe de fuxico da oposição ou do desapreço dos que não amam Mossoró e desejam diminuí-la, destruindo-lhe um dos seus espaços públicos mais importantes — embora, sob a administração da prefeita Fafá Rosado, esteja completamente abandonada essa praça que é uma grife da cidade. Ora, caso venha isso a acontecer, a segunda mais importante cidade do estado estará andando de marcha-ré, como os caranguejos.

Queira Deus que em sua inocência reconhecida até por seus adversários, a prefeita Fafá Rosado diga não a essa sandice de empresários desprovidos de senso de cidadania, de civilidade e de respeito a Mossoró, defensores indefensáveis da destruição da Praça Bento Praxedes — um patrimônio do povo mossoroense. Alienar a praça do povo seria mais que andar para trás; é pura sandice. Tal proposta não pode merecer outro qualificativo. Sandice, sandice, sandice. A Promotoria de Defesa do Patrimônio precisa entrar em cena para defender a Praça Bento Praxedes. Para defender o patrimônio cultural da cidade e preservar a cidadania. Urgentemente, Doutor Eduardo Medeiros. Urgentemente.














sexta-feira, 6 de novembro de 2009

PADRE HUBERTO, OU A VITÓRIA DA VIRTUDE

Final da década de sessenta. Pelas ruas mal iluminadas de Mossoró um homem muito alto, magro, de aparência ascética, portando uma sotaina cinza clara, candeeiro a gaz na cabeça, puxa, sotaque forte, estranho, ante meus olhos infantis, a procissão em louvor a Santa Luzia. As formas têm contornos imprecisos, gerados pela luz parca e o hino, cantado em ritmo monocórdico, entremeado de aves-marias e pai-nossos, costura, em minha imaginação, uma auréola de mistério em torno do sacerdote já famoso por sua austeridade.

A imagem que minha memória havia guardado foi a que primeiro me veio aos olhos da mente quando meu pai me disse, tempos atrás, em tom de pesar, pelo telefone, que Pe. Huberto "descansara".

Até então éramos, mesmos os mais ausentes dos mossoroenses, cúmplices em uma mesma liturgia: sabermos notícias da sua saúde. Agora, ao nos encontrarmos, trocamos impressões, lembramos fatos... Porque, no final das contas, todos os de nossa geração, além dos muitos que nos antecederam, de uma forma ou de outra, em algum momento, estiveram sob o alcance daquele olhar claro, firme, pouco complacente.

Talvez ninguém venha expressar, como Emery Costa o fez, o sentimento de Mossoró por Pe. Huberto. Em uma sua coluna diária, nos contou como o mossoroense reagiu a sua morte. E observou, no final, emocionado com a demonstração de afeto que ele recebera quando do velório e do sepultamento: "ainda vale a pena ser bom".

É verdade. Eu apenas diria que mais que bom, Pe. Huberto foi virtuoso. Claro, todos nós sabemos que a bondade é uma virtude. Entretanto, ele foi mais que bom, porque viveu aquilo no qual acreditava, e sua vida foi um exemplo de coerência entre discurso e prática.

Assim, não sucumbia a qualquer tentativa de ser portador de uma "bondade" tipicamente nordestina, ou mesmo brasileira, relaxada, condescendente. Aquela mesma que é uma fuga aos compromissos com a verdade que liberta, fiel aos princípios morais.

Não que deixasse, ao molde de Spinoza, compreender, para não rir nem chorar, e tal compreensão fosse integrada pela bondade, como objetivo evangélico para melhor servir aos desígnios da Igreja. Mas em sua alma cartesiana, estudiosa, culta, de formação quase jesuítica, o rebanho de Deus também precisava de disciplina para escapar às tentações do mal. E, em assim sendo, a bondade não é apenas o afago do perdão, mas também o látego da advertência.

Mossoró se despediu de Pe. Huberto tendo entendido, dentro de si, aceito e respaldado, esse ser virtuoso que o caracterizava tão bem. Acompanhou seu caixão como se além da saudade, fosse conviver com a ausência de uma referência. Estabeleceu, como que fazendo um contraponto, a diferença entre o singelo, o humilde, o honrado que se ia, e a escória que fica e nos envilece como seres humanos. E o sepultou nos fazendo crer que há alguma esperança no gênero humano quando distingue tão claramente quais dos seus devem ser homenageados na hora da despedida final.

























A DESMORALIZAÇÃO DO SFT

Como se não bastasse o Senado se recusar cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o mandato do Senador Expedito Júnior, e que suscitou reações de vários órgãos da Justiça, inclusive a manifestação do moderado Ministro Celso de Mello afirmando que ninguém está acima da Constituição, outro fato chama a atenção do Brasil: a acusação, feita pelo Senador Eduardo Azeredo, de que o Ministro Joaquim Barbosa plantou uma prova contra si no processo ao qual responde.

Agora não é apenas descumprimento de decisão. É acusação de ação criminosa por parte de um Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Haveria esse tipo de atitude se o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, não tivesse inserido, com sua ânsia de atrair, desastradamente, os holofotes para si, o STF na mídia? Pois sempre temos a sensação, quando ele se manifesta, que seria muito melhor, para si e para a instituição, se permanecesse como os anteriores Presidentes do Supremo, respeitáveis e respeitados.



ASTROLOGIA

“(...) a astrologia, por exemplo, baseia-se na concepção, aparentemente um tanto contraditória, de que o conhecimento de nosso destino nos pode ajudar a influir sobre ele” (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos; Sir Karl R. Popper; v. 1; 1974, Itatiaia/Edusp; pág. 266).

O RIO GRANDE DO NORTE NOS TEMPOS DOS CORONÉIS - IX

CONTINUAÇÃO...
 
Estamos em 1927. O Coronel Rodolpho Fernandes é o Prefeito de Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte. Mossoró rivaliza com Natal, a capital. Sua população, incluindo a do município, era de 20.300 habitantes. Natal alcançava 30.600, nos diz Raul Fernandes em “A Marcha de Lampião”; Editora universitária; Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 1981; 2ª edição; Natal, Rn. A ascensão ao poder do Coronel revela o predomínio político que sua família, descendente de um português casado com uma filha do fundador de Martins, Francisco Martins Roriz, adquirira ao longo do tempo, e que se baseava, fundamentalmente, na exploração industrial da cultura do algodão.
 
Aqueles eram novos tempos, o Coronel o pressentia. O Sertão, através de José Augusto Bezerra de Medeiros granjeara, para si, o poder que os Maranhão, ricos usineiros do açúcar, entregaram lentamente aos coronéis proprietários de terra onde o algodão brotava e enriquecia. Mas esse mesmo poder, calcado na terra, cedia, agora, pro sua vez, espaço a uma burguesia que se firmava por intermédio da industrialização e do comércio em larga escala. Os Fernandes estavam à frente desse processo de mudança e iriam viver seu apogeu logo mais, após a vitoriosa campanha do Partido Popular contra Mário Câmara, com a eleição do médico Rafael Fernandes para dirigir os destinos do Rio Grande do Norte.
 
Enquanto não se consolidava de vez o poder nas mãos dos Fernandes, na capital seguidores de José Augusto olhavam com preocupação esse avanço político da família alto-oestana em Mossoró, líder inconteste do Oeste Potiguar, sob o comando de Rodolpho, e no Alto Oeste, cuja cidade principal, Pau dos Ferros, já era dominada pelo Coronel Adolpho Fernandes, seu primo. De Mossoró para dentro, até a fronteira com a Paraíba, portanto de Martins a Luis Gomes, os Fernandes dominavam. Em Apodi, embora o Coronel Chico Pinto não fosse Fernandes, era correligionário e amigo pessoal do Prefeito de Mossoró.
 
A oposição não descansava, era aguerrida e chegava até os salões do Palácio do Governo, onde auxiliares diretos de José Augusto o intrigavam junto a Rodolpho Fernandes e vice-versa. Em carta dirigida ao escritor Nertan Macedo, Paulo Fernandes, filho de Rodolpho, chega a ser enfático quanto a essa intriga entre os dois líderes políticos: “O Governador do Rio Grande do Norte, Doutor José Augusto Bezerra de Medeiros e o seu chefe de polícia, Desembargador Manoel Benício de Melo, estavam à época, em franco dissídio com o prefeito de Mossoró (meu pai); O Sr. Mirabeau Melo, chefe da repartição do telégrafo em Mosssoró era irmão do chefe de polícia, e atuava como informante das coisas locais e porta voz do governo era um medíocre intrigante, inadequado para a missão que o destino lhe reservou pois tanto o governador do estado e seu chefe de polícia como o prefeito de Mossoró eram homens de bem e do mesmo partido político de modo só se compreende o dissídio entre eles em torno do problema de interesse público em virtude da ação maléfica de mexeriqueiros ” (...).
 
Tal oposição chegou ao cúmulo de tentar levar o Coronel Rodolpho, um homem sério, respeitado, ao ridículo, como nos lembra Paulo Fernandes na mesma carta: “As advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no, por exemplo, de velho medroso, por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade” (...). Raul Fernandes confirma: “Adversários políticos e maledicentes desfrutavam, com vantagem, o receio do Prefeito.”
 
A par dessa situação política tensa, na qual vivia o Prefeito, o futuro parecia promissor: sua liderança em Mossoró era inconteste, a cidade crescia a olhos vistos sob sua administração, dois dos seus três filhos homens faziam medicina fora e voltariam, brevemente, para dar continuidade a seu legado político, e sua família era, naquele período, uma das mais ricas do Estado.
 
Mesmo assim o Coronel Rodolpho não descuidava. Conhecia bem os meandros da política interiorana. Não saía de sua lembrança a forma violenta através da qual seus parentes de Pau dos Ferros tomaram o poder naquela cidade. As histórias acerca do cangaço corriam de boca-em-boca pelas praças e ruas da cidade, sempre envolvendo coronéis e disputas políticas como pano-de-fundo. Notícias vindas do Acre davam conta das aventuras de Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, irmão do Coronel Adolpho Fernandes, repletas de violência. O Coronel Chico Pinto lhe punha a par dos desmandos de seus adversários que iriam redundar na invasão da cidade por Massilon e em seu assassinato anos depois. As estripulias de Massilon em Brejo do Cruz, agindo a mando de pessoas que também tinham interesses políticos em Apodi; as histórias oriundas do Cariri cearense, de deposição de Coronéis por outros Coronéis através das armas, tudo isso lhe trazia profunda preocupação.
 
Assim, pareceu-lhe particularmente preocupante algumas informações que pessoas a si ligadas por laços comerciais e afetivos lhe fizeram chegar aos ouvidos por aqueles dias do começo do ano de 1927. É como nos diz seu filho Raul Fernandes, na obra mencionada acima: “Na última quinzena de abril, de 27, a notícia veio à luz de modo concreto. Argemiro Liberato, de Pombal , escreveu ao compadre Rodolpho Fernandes sobre a pretensão dos chefes de bandidos. Dos remotos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará surgiam indícios dos agenciadores da vergonhosa empreitada.”
 
Raul Fernandes diz mais a frente, em nota: “Ouvi de meu pai referências à missiva”. Quem agenciava essa empreitada? A mando de quem? Com qual objetivo oculto, escondido por trás da cortina de fumaça que era a invasão da cidade em busca de suas riquezas, agiam seus autores intelectuais? Com certeza Lampião não sabia do que se tramava contra Mossoró ou contra o Coronel Rodolpho Fernandes. Sérgio Dantas, em “Lampião e o Rio Grande do Norte”; Cartgraf Gráfica Editora; 1ª edição; 2005; Natal, Rn, é enfático quanto a isso, transcrevendo testemunho de Jararaca que ouvira as conversas do cangaceiro com o Coronel Isaías Arruda acerca do plano de invasão de Mossoró: “Lampião nunca tencionara penetrar nesse Estado porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por acaso, para evitar qualquer encontro com forças de outros Estados, tivesse que passar por qualquer ponto do Rio Grande do Norte, o faria sem roubar ou ofender qualquer pessoa, desde que não o perseguissem.”
 
O Coronel Rodolpho Fernandes sabia mais que deixou transparecer naquele momento. Não falou a seus filhos acerca de tudo quanto estava por trás desse agenciamento que acontecia no Sertão paraibano e cearense; tampouco disse qualquer coisa a seus interlocutores, nas reuniões onde expôs a possibilidade de invasão da cidade por Lampião e os convocou para a defesa, que tenha sido registrado para a história. Pressentia, entretanto, que o ataque à cidade, se viesse a acontecer, ocultava outro plano, cujo objetivo era ele. Que outra explicação pode ser dada, se não essa, para a excessiva concentração de forças defensoras no entorno de sua residência, quando era sabido que ele, individualmente, jamais teria, consigo, dinheiro suficiente para qualquer resgate que valesse a empreitada do ataque a Mossoró?
 
CONTINUA...












quinta-feira, 5 de novembro de 2009

FRAGMENTO

“Iluminar a realidade”, disse-me Gilson Ricardo de Medeiros Pereira, apontando o horizonte, quando lhe pedi ajuda. Ah, a poesia – como ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, apesar de até mesmo no comum e banal, dependendo do contexto, haver beleza. Muitas palavras lavradas em tecniquês diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e eu pude enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta.

HÁ OS QUE DEIXAM AS GRANDES CIDADES

Montaigne, Salinger, Hemingway, Kant, Musashi, Lao Tsé, brasileiros que vão morar no interior, são exemplos de alguns que deixaram as grandes cidades. Albert Schweitzer, Saint Exupèry. Vejam esse trecho da obra "O Segrêdo do Padre Brown", de G.K. CHESTERTON (Francisco Alves, 1.980, pág. 1): "O caso era que Flambeau, depois de todas as suas aventuras violentas, ainda possuia aquilo que é comum em muitos latinos, mas que não se encontra, por exemplo, em muitos norte-americanos, e que é a energia suficiente para se aposentar. Isso pode ser constatado em muitos proprietários de grandes hotéis, cuja única ambição é largar tudo para ser um pequeno agricultor. Isso é encontrado em muitos pequenos negociantes das províncias francesas, que se detêm no momento exato em que poderiam se transformar em detestáveis milionários comprando uma cadeia de lojas, mas, em lugar disso, preferem o conforto doméstico e os dominós com os amigos."

ARGUMENTO DA AUTORIDADE

“Santo Tomás notava que, salvo no domínio da Revelação, o argumento de autoridade era o mais fraco de todos. Temos sempre o direito de pedir as fontes e os fundamentos das asserções” (A Arte de Pensar; Pascal Ide; Martins Fontes; 1995; pág. 37).

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - VIII

O ATAQUE A MOSSORÓ

Continuação...

Começo de 1926. Como em todos os finais-de-tarde em Brejo do Cruz, no Sertão paraibano, formar-se-ia uma roda na calçada na frente da casa de Antônio Dutra de Almeida. Doutor Joca Dutra (João Minervino de Almeida), Paulino Dutra de Morais, José Targino, Doutor Francisco Augusto de Resende (Juiz Distrital) se fariam presentes. As cadeiras, dispostas dia-a-dia nos mesmos lugares, eram, pelo hábito, marcadas: receberiam sempre os mesmos ocupantes. Em certo momento daquela tarde José Targino e Doutor Joca Dutra, que já haviam chegado, levantam-se e vão tomar água no interior da casa. Nas cadeiras nas quais eles estavam sentados, inexplicavelmente sentam-se Paulino Dutra de Morais e Doutor Francisco Augusto de Resende que acabavam de chegar. Escurece. Um atirador solitário toma posição a alguma distância, do outro lado da rua, e, de rifle, depois de fazer mira cuidadosamente, atira nos ocupantes das duas cadeiras que lhe tinham sido previamente assinaladas, em conversa anterior. Doutor Francisco Augusto de Resende tomba morto. Paulino Dutra de Morais, ferido, faz menção de se levantar. O atirador aproxima-se e desfecha várias facadas em Paulino Dutra. Ao terminar observa atentamente o semblante do homem morto e grita: “matei um inocente”. Recolhe as armas, monta a cavalo, pica o flanco do anima com as esporas e some na escuridão da noite. Era Massilon.
 
Termina, ali, o domínio político dos Dutra. O poder migra para as mãos dos Maias e Saldanha. Massilon, que era comprador/vendedor de gado quando entrou no cangaço, ao voltar do Sítio Japão, para onde o pai emigrara, vindo de Pombal, na Paraíba, matara, em Belém do Brejo do Cruz, um soldado que fora mandado pelo pretendente ricaço de uma moça por quem se enamorara, e que gostava do rapaz claro, de cabelo fino, vaidoso, trabalhador, já conhecido na Região, para lhe tomar a arma e lhe desmoralizar no dia da feira . Essa morte teria sido depois de 1924, talvez 1925, antes de sua família ir para Luis Gomes, o que ocorreu em 1925. Tércia Guedes de Araújo, tia de Massilon, em entrevista gentilmente cedida pelo pesquisador e escritor Sérgio Dantas, afirma tê-lo visto em Pombal, Paraíba, depois do episódio.
Massilon sabia que na Paraíba não havia mais lugar para ele. Dos beneficiários dos seus crimes obteve passaporte e amparo para começar outra vida longe dali. Cortou o território do Alto Oeste potiguar e reapareceu no Ceará, mais precisamente em Alto Santo, sob a proteção de Benedito Saldanha, grande proprietário rural na Região, irmão de Quincas Saldanha, por sua vez latifundiário em Brejo da Cruz e Caraúbas, Rio Grande do Norte.
 
Alexandro Gurgel conta outra versão. Em artigo para o jornal mossoroense “A Gazeta do Oeste” acerca de Massilon, louvando-se em entrevista feita com Pedro Dantas Filho, falecido em 2002 com 88 anos, natural de Belém do Brejo do Cruz, que afirmava ter conhecido o cangaceiro, diz-nos que o Delegado dessa cidade, homem valente e hostil, havia proibido o povo de andar armado. Nada teria acontecido com Massilon se alguém não tivesse ido à polícia denunciá-lo. Cercado por trás da igreja local e segurado por um seu amigo chamado “Mané Forte”, que pretendia convencê-lo a se entregar, mesmo assim Massilon trocou tiros e atingiu um policial matando-o. A partir de então enveredou pelo crime.
 
Raimundo Nonato lembra que Jararaca dissera ter Massilon Leite declarado serem suas as mortes de Brejo do Cruz, o que corrobora o relato feito acima. Sérgio Augusto de Souza Dantas nos lembra que Massilon foi almocreve. É verdade. Entretanto, quando da morte do policial em Belém do Brejo do Cruz já era comprador/vendedor de gado. É o que nos relata o Capitão Viana, bem como os irmãos de Massilon Tércia e Zé Leite, em entrevista que o escritor gentilmente nos cedeu.
 
Fomos em busca de uma “memória viva”, para escrever a saga de Massilon. Quando chegamos à residência do Capitão Viana – Francisco Viana – em Macaíba, Rn, encontramos um velhinho seco de carne e temperamento, vestido com um pijama azul claro à antiga, daqueles cujas camisas são de manga comprida, sentado em uma cadeira de balanço e lendo a Bíblia. Recebeu-nos muito bem e logo mandou servir café. O Capitão Viana tinha, na data da entrevista, noventa e três anos muito bem vividos. Longa prole, alguns poucos bens, saúde saltando à vista, memória fantástica. Durante a entrevista em nenhum momento titubeou quanto as informações prestadas. Ao tentarmos falar acerca de sua atuação como policial em alguns casos mais escabrosos fechou a cara e disse, abruptamente: “isso é segredo de polícia, não posso dizer nada”. Foi delegado, entre outras cidades, de Apodi, Macau, Açu, Caraúbas, Nova Cruz, São Tomé, e Areia Branca.
 
Pois bem, o Capitão Viana, quando menino lá em Alto Santo, então distrito de Limoeiro do Norte, conheceu Massilon – embora de longe, só de vista, como se diz no Sertão. Mas fornece vários dados importantes acerca do cangaceiro: “Massilon, depois do ataque a Apodi, nunca mais voltou lá. Em 1940, quando fui Delegado de Apodi, já não se falava mais nele. Massilon era jagunço de Décio Hollanda, lá de Pereiro, e foi jagunço de Benedito Saldanha. Antes de Apodi Massilon morava com Décio Hollanda, no Pereiro, Fazenda Bálsamo. Ele vivia de comerciar gado, era marchante, não tem cabimento essa história de sapateiro que o cangaceiro Bronzeado que você falou conta. Eu sou testemunha de tudo isso por que morei em Alto Santo até os quinze anos, quando fui para São João do Jaguaribe. Na época da invasão de Apodi eu estava em Taboleiro do Norte. De lá fui para São Paulo. Em 1934 voltei para o Rio Grande do Norte e sentei praça na polícia.”
 
Esse mesmo Massilon que foi apontado pelo Capitão Viana como tendo sido jagunço de Benedito Saldanha, era protegido de Quincas Saldanha, seu irmão, a quem chamava de “Padrinho”, segundo Deusdedite Fernandes Pimente, a quem entrevistei, juntamente com Franklin Jorge e Kydelmir Dantas, em Março de 2009, na sua Caraúbas natal. Conta-nos Franklin em seu “Blog”: “CARAÚBAS – Passei a tarde de sábado em Caraúbas, para onde fui a convite de Honório de Medeiros e Kydelmir Dantas, que iam com a missão de entrevistar Deusdedite Fernandes Pimenta. Ele nos recebeu em sua casa em animada “sessão nostalgia”, quando recordou que estivera nos braços do famoso Massilon Leite, incentivador de Lampião no ataque a Mossoró, fato ocorrido em 1927. Em voz clara e cheia de energia, evocou ainda outras figuras populares de Caraúbas, entre as quais a não menos famosa de Quincas Saldanha que há mais de cinqüenta anos aterrorizou uma vasta região, cuja casa forte, um digno exemplar da arquitetura rural sertaneja, centro político da sua propriedade rural retalhada por seus herdeiros, ainda continua de pé, incorporada já ao perímetro urbano do município. Homem corpulento e cordial, de 83 anos, Deusdedite tinha apenas alguns meses de vida quando a fazenda Timbaúbas, do seu avô Hipólito Fernandes, foi invadida por Massilon que se fazia acompanhar por oito ou dez cabras armados, onde pernoitou e trocou uma sela nova pela velha que trazia. Na saída, vendo-o nos braços da babá, tomou-o nos próprios braços e depois de alguns minutos o devolveu à negra que, assustada, tremia.”
 
Vamos encontrar o rastro de Massilon em São Miguel, Rio Grande do Norte, em 1926, conforme nos conta Zenaide Almeida Costa: “Eram quatro horas da tarde do dia 2 de fevereiro, quando João Grosso chegou correndo, esbaforido. Vinha de cima da serra, na estrada da vila, de onde avistara o mar de gente que se aproximava.”
 
“Na vila os Revoltosos abriram algumas portas de casas comerciais, tirando delas apenas os mantimentos necessários à sua alimentação naquele dia. Saíram à tarde, deixando somente o medo e alguns cavalos estropriados, trocados por cavalos sadios que, apesar de escondidos nas matas dos sítios, com os focinhos amarrados e de cabaça para cima, foram encontrados e surrupiados. Baixaram as águas, mas como sói acontecer, a epidemia chegou no dia seguinte muito cedo e sem aviso! Um marginal, alcunhado de ‘Sargento Preto’, embriagado, desgarrado da Coluna e em companhia de indivíduos da mesma estirpe, arrombou casas comerciais, distribuindo mercadorias com pessoas que estavam regressando à vila, despejando gêneros, tecidos, miudezas e bebidas no meio da rua. Saiu de porta em porta chamando quem ainda não tinha se apresentado (por timidez ou honestidade) para receber seus ‘donativos’. Abriu o cartório e em frente ao prédio, fez uma pilha de todos os livros e documentos, despejou querosene por cima, ateou fogo. Desapareceu depois do saque. Dois dias após chegou outro grupo vestido de mescla azul, com bonés do mesmo pano, dizendo-se ‘patriotas’. novo saque em todas as casas comerciais e de residência. tomaram armas, munições, animais, o que sobrou de víveres, provocaram brigas nas ruas. Era o grupo de Massilon, semelhante ao de Lampião, que imperava naquelas quebradas de serra e nos sertões, armado, fardado, e segundo eles próprios afirmavam, autorizados pelo Padre Cícero Romão Batista, do Juazeiro, a combater a coluna prestes. saíram deixando a desolação, o pânico, tudo depredado, arrasado!”
 
O que uniu Massilon, assassino confesso dos Dutra em Brejo do Cruz; contratado para matar o Coronel Francisco Pinto, de Apodi, Rn; lugar-tenente de Lampião na invasão de Mossoró, quando tentou entrar na casa do Coronel Rodolpho Fernandes pelos fundos; o Coronel Isaías Arruda, financiador da invasão a Mossoró e os Coronéis Quincas e Benedito Saldanha? Que foi Júlio Porto e qual sua participação nesses fatos históricos?

Estamos em 1927. Rodolpho Fernandes é o Prefeito de Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte. Sua ascensão ao poder revela o predomínio político que sua família, descendente de um português casado com uma filha do fundador de Martins, Francisco Martins Roriz, adquirira ao longo do tempo, e que se baseava, fundamentalmente, na exploração industrial da cultura do algodão.
 
Aqueles eram novos tempos. O Sertão, através de José Augusto Bezerra de Medeiros granjeara, para si, o poder que os Maranhão, ricos usineiros do açúcar, entregaram lentamente aos coronéis proprietários de terra onde o algodão brotava e enriquecia. Mas esse mesmo poder, calcado na terra, cedia, agora, espaço a uma burguesia que se firmava por intermédio da industrialização e do comércio. Os Fernandes estavam à frente desse processo de mudança e iriam viver seu apogeu logo mais, após a vitoriosa campanha do Partido Popular contra Mário Câmara, com a eleição de Rafael Fernandes para dirigir os destinos do Rio Grande do Norte.
 
Enquanto não se consolidava de vez o poder nas mãos dos Fernandes, na capital seguidores de José Augusto olhavam com preocupação esse avanço político em Mossoró, líder inconteste do Oeste Potiguar, sob o comando de Rodolpho, e no Alto Oeste, cuja cidade principal, Pau dos Ferros, era dominada pelo Coronel Adolpho Fernandes, seu primo. De Mossoró para dentro, até a fronteira com a Paraíba, portanto de Martins a Luis Gomes, os Fernandes dominavam. Em Apodi, embora o Coronel Chico Pinto não fosse Fernandes, era correligionário e amigo pessoal do Prefeito de Mossoró.
 
A oposição não descansava, era aguerrida e chegava até os salões do Palácio do Governo, onde auxiliares diretos de José Augusto o intrigavam junto a Rodolpho Fernandes. Em carta dirigida ao escritor Nertan Macedo, Paulo Fernandes, filho de Rodolpho, chega a ser enfático em relação a essa intriga entre os dois líderes políticos: “O Governador do Rio Grande do Norte, Doutor José Augusto Bezerra de Medeiros e o seu chefe de polícia, Desembargador Manoel Benício de Melo, estavam à época, em franco dissídio com o prefeito de Mossoró (meu pai); O Sr. Mirabeau Melo, chefe da repartição do telégrafo em Mosssoró era irmão do chefe de polícia, e atuava como informante das coisas locais e porta voz do governo era um medíocre intrigante, inadequado para a missão que o destino lhe reservou pois tanto o governador do estado e seu chefe de polícia como o prefeito de Mossoró eram homens de bem e do mesmo partido político de modo só se compreende o dissídio entre eles em torno do problema de interesse público em virtude da ação maléfica de mexeriqueiros ” (...).
 
Tal oposição chegou ao cúmulo de tentar levar Rodolpho, um homem sério, respeitado, ao ridículo, como nos lembra Paulo Fernandes na mesma carta: “As advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no, por exemplo, de velho medroso, por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade” (...).
 
A par dessa situação política tensa, na qual vivia o Coronel Rodolpho Fernandes, o futuro parecia promissor: sua liderança em Mossoró era inconteste, a cidade crescia a olhos vistos sob sua administração, dois dos seus três filhos homens faziam medicina fora e voltariam, brevemente, para dar continuidade a seu legado, e sua família era, naquele período, uma das mais ricas do Estado.
 
Mesmo assim o Coronel Rodolpho não descuidava. Não saía de sua lembrança a forma violenta através da qual seus parentes de Pau dos Ferros tomaram o poder naquela cidade. As histórias acerca do cangaço corriam de boca-em-boca pelas praças e ruas da cidade. Notícias vindas do Acre davam conta das aventuras de Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, irmão do Coronel Adolpho Fernandes, todas repletas de violência. O Coronel Chico Pinto lhe punha a par dos desmandos de seus adversários que iriam redundar na invasão da cidade por Massilon e em seu assassinato anos depois. As estripulias de Massilon em Brejo do Cruz, agindo a mando de pessoas que tinham interesses políticos em Apodi; as histórias oriundas do Cariri cearense, de deposição de Coronéis por outros Coronéis através das armas, tudo isso lhe trazia profunda preocupação.
 
Assim, pareceu-lhe particularmente preocupante algumas informações que pessoas a si ligadas por laços comerciais e afetivos lhe fizeram chegar aos ouvidos por aqueles dias do começo do ano de 1927.

Continua...




















AÉCIO NEVES BATEU OU NÃO NA NAMORADA?

É impressionante.

Ailton Medeiros, Juca Kfouri e o Blog do Paulinho dizem que sim.

Noblat, Paulo Henrique Amorim e Lauro Jardim dizem que não.

Nesse embate, algo chama atenção: fotos do governador com sua namorada, Letícia Weber, posteriores à surra, numa praia de Floripa, liberadas pela assessoria do Governador, e publicadas num site, eram de 2008, segundo Ailton, citando o Blog do Paulinho.

E agora?

ANAMNESE

“A teoria de Platão da anamnese, isto é, de que todo o conhecimento é recognição ou recordação do conhecimento que tivemos em nosso passado pré-natal, faz parte da mesma concepção: no passado reside não só o que é bom, nobre e belo, mas também a sabedoria” (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos; Sir Karl R. Popper; v. 1; 1974, Itatiaia/Edusp; pág. 238).

SÃO PAULO, RUA SÃO JOÃO COM A IPIRANGA

“Para se conhecer uma cidade, é necessário viver nela três dias ou trinta anos. Ao final dos trinta anos, verifica-se que o julgamento apos os três dias é que é o bom” (JEAN COCTEAU, Citado em “A biblioteca e seus Habitantes, de AMÉRICO DE OLIVEIRA COSTA).

À noite, todos os nuances da escuridão são ameaças, no centro de São Paulo. Os passos de quem lá aporta, por esse ou aquele motivo, desenham incompreensíveis percursos aos olhos de quem os observa. Mas não é embriaguez (ou é); não é o resultado de alguma droga (ou é). É a distância calculada que se toma de qualquer outro transeunte - esse desconhecido, o perigo.

Os bares da São João. Pequenos. Quase todos lotados apenas de homens. O cheiro de fritura no ar.

Os habitantes: bêbados, drogados, prostitutas, traficantes, decaídos, mendigos, travestis, menores, andarilhos, e a polícia, sempre a polícia...

Os hotéis e sua aparência. Qual aparência?

No meio da rua, noite alta, o adolescente franzino, entre muitos outros, de cabelos lisos e compridos incessantemente afastados dos olhos, vestido com uma irreal calça “jeans” extremamente folgada, cujos bolsos dianteiros e traseiros batiam-lhe nos joelhos, revoluteava, borbolético, entre um bar e uma casa de diversão de jogos eletrônicos. No dia seguinte, pela manhã, e já tarde da noite, novamente, lá estava ele, ininterrupto, como se ali fosse seu mundo ou então fizesse ele parte da paisagem local. Onde moraria? Quem seriam seus pais? Teria irmãos? Ninguém sequer aprisionava-lhe o olhar...

“Recanto dos Amantes”. Um nome em contraste com a cinza selva de pedra em plena transversal da São João. Ela me disse, olhando para algum ponto indefinido, enquanto segura o copo de conhaque: “talvez não nos vejamos nunca mais”. Havia melancolia nas suas palavras. Eu me dispus a lhe contar como encarava esses desencontros da vida: um imenso pátio, vazio, folhas secas pelo chão, uma rajada de vento, a dança delas no ar, o encontro, logo desfeito, casual entre uma e outra - eis como tudo ocorria. Não o fiz. Como ela engordara muito, esse tom não combinava com sua nova estampa.

A São João, à noite, causa medo aos que não lhe são íntimos. Além de curiosidade e repulsa durante o dia. Quando o sol se põe ela vira uma selva, onde cada um com o qual se cruza pode ser um predador - aquele que o destino lhe reservou. São os freqüentadores de bares suspeitos, inferninhos, prostíbulos disfarçados, pontos de droga... É o submundo vindo a tona.

Com a luz do sol, a vida surge frenética. Há um vai-e-vem intermitente, irritante. Uma profusão de cores e barulho e os incontáveis odores de frituras e churrascos infestam cada espaço da rua. Tipos exóticos fazem “performances”. Há desde o comuníssimo tocador de viola, até o singular dançarino imensamente feio que ostenta, como insígnia de sua estranheza, duas inacreditáveis marias-chiquinhas.

Nada diferente, ao que consta da realidade de toda grande cidade, mundo afora: Nova Iorque, Tóquio, Cidade do México... Nada diferente, em menor escala, em cada pequena cidade?









terça-feira, 3 de novembro de 2009

CANGACEIROS COR DE ROSA?

Deu no http://www.fatorrrh.com.br/, de Ricardo Rosado:

03/11/09




Honório vai responder

Aviso pros veadinhos de Serra Talhada, em Pernambuco, que lançaram o movimento 'Cangagay" e para o professor Rinaldo Barros:

O professor e pesquisador Honório Medeiros, estudioso do cangaço, nem bem chegou de São Paulo, ligou pro Fator RRH informando que ia responder aos provocadores.

Um grupo gay de Pernambuco estrelou uma peça de teatro, todos vestidos de cangaceiros, em tons rosa, conforme post publicado anteriormente aqui no Fator RRH.

Os gays pernambucanos garantem que o grupo de Lampeão tava assim de veadinhos.

Vou aguardar as respostas do professor Honório Medeiros.
 
VEJAM A RESPOSTA EM  http://www.fatorrrh.com.br/





ALIENAÇÃO

Do alemão “Entfremdung”: "Tornar-se estranho a si mesmo" (Karl Marx).

JABOR CONTRA BLOGS, TWITTERS, ORKUTS E OUTROS

Arnaldo Jabor no Estadão, hoje:

"Comunicar o quê? Ninguém tem nada a dizer. Olho as opiniões, as discussões 'on line' e só vejo besteiras, frases de 140 caracteres para nada dizer. Vivemos a grande invasão dos lugares-comuns, dos uivos de medíocres ecoando asnices para ocultar sua solidão deprimente.

O que espanta é a velocidade da luz para a lentidão dos pensamentos, uma movimentação 'em rede' para raciocínios lineares. A boa e velha burrice continua intocada, agora disfarçada pelo charme da rapidez."

A IGREJA COR-DE-ROSA NA FREI CANECA, EM SÃO PAULO

Por Bárbara Lima.


O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - VII

O ATAQUE A MOSSORÓ PELO BANDO DE LAMPIÃO

CONTINUAÇÃO...


Nos anos vinte ocorreram várias mudanças significativas em termos de poder político no Rio Grande do Norte. José Augusto Bezerra de Medeiros, do Seridó, herdeiro político do Coronel José Bernardo de Medeiros, transferiu o centro das decisões para o Sertão, correspondendo, quanto ao econômico, à ascendência da cultura algodoeira no Estado. É o que lemos em “História do Rio Grande do Norte”, de Luiz Eduardo Brandão Suassuna e Marlene da Silva Mariz; Sebo Vermelho; 2ª. Edição revisada; 2005; Natal, Rn.



José Augusto e Juvenal Lamartine de Faria, seu sucessor e herdeiro político, com o apoio do Presidente Artur Bernardes, conseguiram impedir Joaquim Ferreira Chaves, da oligarquia Maranhão, de chegar ao poder pela terceira vez, e, assim, praticamente decretaram seu fim. “A linha política do governo José Augusto insere-se na conjuntura nacional, com a oligarquia local em plena harmonia com a oligarquia que detém a hegemonia nacional. Um exemplo desse entrosamento é a visita de Washington Luis, em 1926 (após ter sido eleito Presidente da República), ao Rio Grande do Norte”, diz-nos Suassuna e Mariz, acima citados. O poder de José Augusto virá a ser bruscamente interrompida pela Revolução de 1930, embora venha a estar no cerne da vitoriosa campanha do Partido Popular contra Mário Câmara, tão cuidadosamente retratada por Edgar Barbosa em “História de Uma Campanha”.



No que diz respeito a Mossoró a historiografia é avara em relação a essa época, excetuando-se as obras de Raul Fernandes e Raimundo Nonato, que tratam do episódio específico da invasão da cidade por Lampião. Não há, como se constata, mesmo quando consultamos “Notas e Documentos para a História de Mossoró”, de Luis da Câmara Cascudo, ou “História de Mossoró”, de Francisco Fausto de Souza, nada alusivo aos anos vinte.



Sabemos, entretanto, com Cascudo, que o começo da ascendência dos Rosados nasce como século XX, como nos mostra a constituição da Intendência Municipal de Mossoró entre 1917 – 1919, “Presidente da Intendência, ou seja, da Câmara dos Vereadores: Jerônimo Rosado; Vice, doutor Antônio Soares Junior. Intendentes: Sebastião Fernandes Gurgel, Francisco Xavier Filho, Francisco Borges de Andrade, Raimundo Leão de Moura e Camilo Porto de Figueiredo”. “Em 1917 a população do município era de cerca de 16.000 pessoas, 13.000 com residência dentro do perímetro urbano ”, prossegue Cascudo. Observe-se a importância de Jerônimo Rosado em Mossoró, na qual chegara em 1890 a convite do Dr. Almir de Almeida Castro, líder político já nos idos de 1917. Em 1920-1922 Jerônimo Rosado foi intendente (vereador).



1926-1928: Presidente, Rodolpho Fernandes de Oliveira Martins; Vice, Hemetério Fernandes de Queiroz. Intendentes: Luís Colombo Ferreira Pinto, Francisco Clemente Freire, Antonio Teodoro Soares Frota, Manuel Amâncio Leite e Francisco Borges de Andrade ”.



Assim descreve Raul Fernandes a Mossoró da segunda metade dos anos vinte:



“Nos idos de 1927, Mossoró competia com a capital do Estado do Rio Grande do Norte. A população, incluindo a do município, somava 20.300 almas. A de Natal alcançava 30.600. (...) Ligada ao litoral por estrada de ferro que se estendia ao Povoado de São Sebastião, atual Dix-Sept Rosado, na direção oeste, percorrendo quarenta e dois quilômetros. Estradas de rodagem convergiam de vários recantos, sulcadas por caminhões que, aos poucos, substituíam as bestas de carga.”


“Possuía o maior parque salineiro do país. Três firmas descaroçavam e prensavam algodão. Centro comprador de peles, algodão e cera de carnaúba. Exportava pelo porto de Areia Branca. Longos comboios de mercadorias chegavam pelo interior da Paraíba e do Ceará. Voltavam levando sal e variados produtos. A energia elétrica alimentava várias indústrias nascentes. Havia repartições públicas federais e estaduais. A agência do Banco do Brasil era o único estabelecimento de crédito da região.”


“Circulavam três jornais: “O Correio do Povo”, o “Nordeste”, e “O Mossoroense”, o mais antigo do município, fundado em 1872. Existiam dois estabelecimentos para ensino secundário – a Escola Normal e a de Comércio. Dois colégios com internato – o Diocesano Santa Luzia para rapazes, e o Sagrado Coração de Mari, dirigido por religiosas franciscanas, portuguesas, para moças.”



“No “Cine-Teatro Almeida Castro”, rodavam filmes mudos, acompanhados ao piano e ao violino. Dois clubes de futebol – Humaitá e Ipiranga – nas suas disputas e festas, apaixonavam e dividiam a cidade. O folclore mantinha presente fatos distanciados que impressionavam a região. A canção Corujinha evocava o lendário e romântico cangaceiro Jesuíno Brilhante, dos idos de 1876. A música mais conhecida era a melodia Vassourinha, com letra adaptada à campanha política contra a oligarquia dos Maranhão .”



Entrevistei, acerca dos anos vinte em Mossoró, Dona Bernadete – Maria Bernadete Leite Duarte – que guarda, aos oitenta e cinco anos, a beleza dos traços que a fotografia – tirada no verdor de sua mocidade - pousada em cima de uma cristaleira antiga, muito bem conservada, revela. Ela nos recebeu a mim, Carlos Duarte e Cleilma Fernandes, estes do jornal mossoroense “Página Certa”, e Paulo Gastão, fundador da Sociedade Brasileira de Estudo do Cangaço – SBEC, em sua residência, no dia 18 de dezembro de 2006, em um final de tarde tipicamente sertanejo, tornado mais fresco pela presença do vento Nordeste e mais agradável pelo lanche com o qual nos brindou após a entrevista. Dona Bernadete é filha de Manoel Duarte, um dos heróis da resistência a Lampião.



“Nasci em Mossoró”, diz-nos ela, “em 1921, e aqui morei até 1950. Quando completei quinze anos fui estudar na Escola Doméstica em Natal. Minha mais antiga lembrança em Mossoró é dos meus pais. Minha infância foi igual à de todas as crianças daquela época: pulei corda, brinquei de roda, de boneca, gostava de bonecas de pano, fazia teatrinhos, aperreava o pavão de Dona Filomena de Seu João Carrilho.”

“Dormíamos cedo, às 19:00 horas. Tomávamos café da manhã às 7:00 horas, almoçávamos às 11:00 e jantávamos às 17:00. Comíamos pão, biscoito, leite de vaca, ovos, cuscuz, coalhada no café da manhã; feijão de arranque temperado com carne, cebola, alho, coentro, cominho, arroz, farofa no almoço; mucunzá, cuscuz, coalhada no jantar. Comíamos frutas e bolachas pretas.”



“Já mocinha escutávamos, enquanto arrodeávamos a praça do Pax, a banda no coreto. Os rapazes ficavam em pé, de frente para a parte interior da praça. Às 21:00 horas todo mundo ia embora. Freqüentávamos o Clube Ipiranga e íamos ao cinema diariamente com meu pai, Manoel Duarte. Eu adorava os musicais. Gostava também muito de ler historinhas, o Tesouro da Juventude.”



“Quando eu estudei em Natal, na Escola Doméstica, saia nos finais-de-semana para a casa da esposa de Rodolpho Fernandes. Lembro-me da passagem do Zeppelin e do Hindenburgo por Natal. O Hindenburgo, que era mais grosso, ficava parado, suspenso no ar e soltava malas para o pessoal da terra.”



“Quando da invasão de Mossoró papai levou a família para Tibau e voltou para participar da resistência. Rodolpho Fernandes era compadre de papai, padrinho de meu irmão Antônio Leite Duarte. Nunca ouvi falar na história de Massilon ser apaixonado por Julieta, filha de Rodolpho. Papai ficou na casa de Rodolpho, na parte de cá (que dava para a Igreja de São Vicente) e havia outros na Igreja. Estes não alcançavam os cangaceiros postados na parede lateral da casa de Alfredo Fernandes, esquina com a Avenida Alberto Maranhão, mas apontaram Colchete que já estava com uma garrafa de querosene na mão para jogar nos fardos de algodão. Papai atirou em Colchete e Jararaca. Muita gente correu da luta.”



Dona Iracema – Iracema de Assis Duarte – com seus oitenta e poucos anos, magra, espigada, alerta, faz coro ao depoimento de Dona Bernadete. Estamos na calçada em frente à casa na qual ela mora sozinha. Não quer sair de lá e render-se ao chamado dos filhos em hipótese alguma. É o dia 19 de dezembro de 2006 e estamos quase ao lado da histórica sede da Prefeitura Municipal de Mossoró, antiga residência de Rodolpho Fernandes, na Avenida Alberto Maranhão, cujo tráfego, mesmo àquela hora crepuscular, não esmorece. Passantes vão e vêm. Não se dão conta de que há setenta e nove anos atrás o movimento, naquela avenida, deu-se por motivos bem diferentes dos habituais.



“A casa em frente à de Alfredo Fernandes era de João Hollanda. Os fundos davam para a casa de João Marcelino – o médico que cuidou de Jararaca. Naquele tempo, no entorno da Igreja de São Vicente havia a casa da esquina da Rua Francisco Ramalho com a Alberto Maranhão do lado de cá (no alinhamento da Igreja); havia a minha casa (várias geminadas vizinhas ao palacete de Rodolpho), a de seu Artur Paula (palacete cuja frente dava para a lateral da casa em frente aos fundos da Igreja) , a casa onde hoje funciona a Escola 13 de Junho, outra de umas catequistas.”


“Não havia pudim, bolo, doces na minha infância. Era rapadura, cocada, pão doce, bolacha preta. Galinha aos domingos. Coalhada de manhã para o pai. Não havia o hábito da verdura. A hora das refeições era essa mesma que Bernadete falou. E as brincadeiras também. Meninos não participavam. As brincadeiras: escravos de Jó, tique, esconde-esconde, teatro infantil (representavam contos de fadas). O cinema era o Almeida Castro, no Grande Hotel. Esse Grande Hotel concentrava a nata da sociedade nos grandes eventos. Os filmes eram mudos.”



“Manoel Duarte, um homem muito sério, achava graça com os retratos dos heróis nas trincheiras. Dizia que a máquina fotográfica era muito boa, pegava fulano e sicrano em Areia Branca... Zé Otávio – o que fotografou as trincheiras – era o fotógrafo da época. Os Fernandes eram os ricos de Mossoró. Dizia-se que Tertuliano era o mais rico.”



É dezembro de 2006. Irmã Aparecida nos recebe, a mim e a Carlos Duarte, em seu gabinete no Colégio Sagrado Coração de Maria – o Colégio das Freiras, onde estudavam as filhas das elites de Mossoró, geração após geração. Tem o mesmo tipo físico de Dona Bernadete e Dona Iracema. Nela, entretanto, o hábito de comandar deixa-se perceber através das frases pontuadas de forma mais incisiva, como a evitar contestações. Irmã Aparecida, apesar da idade, ainda comanda o Colégio. Nada leva a crer, observando-se sua agilidade física e mental, que a aposentadoria esteja próxima.



“Merendávamos às 9:00 horas: coalhada, copo de leite, ovos batidos, fubá de milho com mel, ou gema de ovo com mel de abelha. Almoçávamos às 11:00 horas. Não se conhecia feijão preto e não se comia bode por que fedia. Comia-se melhor no campo que na cidade. Nas refeições, silêncio: era preciso manter-se o respeito.”



“À mãe competia a educação. O pai quase nunca se metia. Os castigos: ficar atrás do guarda-roupa e a palmatória. A educação era feita através da tradição oral: não mentir, por exemplo. Rezava-se o ofício, particularmente, todos os sábados. Mas não se misturava moral com religião.”



“A diversão dos homens era jogar sueca. A dos meninos ir para o terreiro. Líamos, quando muito, os livros didáticos. Assistíamos filmes mudos pelo menos duas vezes por semana.”


“As grandes famílias de Mossoró eram os Fernandes, os Leite, os Duarte. Ainda não havia Rosado. Não se sabia quem eles eram. Os ricos eram Costinha Fernandes, João Marcelino, Miguel Faustino, Tertuliano Fernandes...”



Entretanto nada tão instigante a respeito da Mossoró da década de 20 do século passado quanto a leitura das “Memórias” de Sebastião Gurgel . Em seu diário do ano de 1927, no qual começa, no ano da invasão de Mossoró, escrevendo em Março, alude, desde logo, à inauguração, em 1º de novembro de 1926, ao serviço da estrada de ferro Mossoró/São Sebastião (atual Governador Dix-Sept Rosado). Informa que o inverno está sendo bom e que a estrada de ferro progride até Caraúbas. Em Julho noticia a invasão de Apodi por Massilon, a 10 de maio, e a de Mossoró, a 13 de junho, por Lampião e seu bando. É avaro nas informações e mais ainda na análise do fato. Convém, segundo ele, consignar um voto de louvor “aos srs. Cel. Rodolfo Fernandes, prefeito da cidade, Julio Maia, que melhor que outro qualquer dirigiu a defesa, Mirabeau Melo que como encarregado do telégrafo, prestou enormíssimo serviço, Dr. Gilberto Studard Gurgel, tenente Abdon Nunes, Cornélio Mendes, João Fernandes, etc.”. E acrescenta, irônico: “Eu, já se sabe, nestas ocasiões, sou sempre o herói da retirada.” Ainda em Julho relata um acontecimento “sensacional – o casamento de Monsenhor Almeida Barreto com a senhorita Maria Nazareth de Oliveira”. Imaginemos o impacto que esse acontecimento deve ter ocasionado na provinciana Mossoró do início do século XX!



Somente em Outubro de 1927 Tião Fernandes volta a escrever em seu diário. Critica o governo do Ceará por não tomar providências contra o cangaço. Registra ter deixado suas duas filhas em Natal, para estudarem na Escola Doméstica. Em Dezembro, no dia 4, lembra que “Em virtude de uma lei séria que garante o voto a mulher, nesta semana (passada) requereu o título de eleitora do município, a professora dona Celina Viana, sendo ela a primeira eleitora do Brasil.” E, também, que “Em substituição do presidente da intendência Rodolfo Fernandes que morreu no dia 10 de setembro, foi eleito para o mesmo lugar Luiz Colombo Ferreira Pinto.”



CONTINUA...