sexta-feira, 6 de novembro de 2009

PADRE HUBERTO, OU A VITÓRIA DA VIRTUDE

Final da década de sessenta. Pelas ruas mal iluminadas de Mossoró um homem muito alto, magro, de aparência ascética, portando uma sotaina cinza clara, candeeiro a gaz na cabeça, puxa, sotaque forte, estranho, ante meus olhos infantis, a procissão em louvor a Santa Luzia. As formas têm contornos imprecisos, gerados pela luz parca e o hino, cantado em ritmo monocórdico, entremeado de aves-marias e pai-nossos, costura, em minha imaginação, uma auréola de mistério em torno do sacerdote já famoso por sua austeridade.

A imagem que minha memória havia guardado foi a que primeiro me veio aos olhos da mente quando meu pai me disse, tempos atrás, em tom de pesar, pelo telefone, que Pe. Huberto "descansara".

Até então éramos, mesmos os mais ausentes dos mossoroenses, cúmplices em uma mesma liturgia: sabermos notícias da sua saúde. Agora, ao nos encontrarmos, trocamos impressões, lembramos fatos... Porque, no final das contas, todos os de nossa geração, além dos muitos que nos antecederam, de uma forma ou de outra, em algum momento, estiveram sob o alcance daquele olhar claro, firme, pouco complacente.

Talvez ninguém venha expressar, como Emery Costa o fez, o sentimento de Mossoró por Pe. Huberto. Em uma sua coluna diária, nos contou como o mossoroense reagiu a sua morte. E observou, no final, emocionado com a demonstração de afeto que ele recebera quando do velório e do sepultamento: "ainda vale a pena ser bom".

É verdade. Eu apenas diria que mais que bom, Pe. Huberto foi virtuoso. Claro, todos nós sabemos que a bondade é uma virtude. Entretanto, ele foi mais que bom, porque viveu aquilo no qual acreditava, e sua vida foi um exemplo de coerência entre discurso e prática.

Assim, não sucumbia a qualquer tentativa de ser portador de uma "bondade" tipicamente nordestina, ou mesmo brasileira, relaxada, condescendente. Aquela mesma que é uma fuga aos compromissos com a verdade que liberta, fiel aos princípios morais.

Não que deixasse, ao molde de Spinoza, compreender, para não rir nem chorar, e tal compreensão fosse integrada pela bondade, como objetivo evangélico para melhor servir aos desígnios da Igreja. Mas em sua alma cartesiana, estudiosa, culta, de formação quase jesuítica, o rebanho de Deus também precisava de disciplina para escapar às tentações do mal. E, em assim sendo, a bondade não é apenas o afago do perdão, mas também o látego da advertência.

Mossoró se despediu de Pe. Huberto tendo entendido, dentro de si, aceito e respaldado, esse ser virtuoso que o caracterizava tão bem. Acompanhou seu caixão como se além da saudade, fosse conviver com a ausência de uma referência. Estabeleceu, como que fazendo um contraponto, a diferença entre o singelo, o humilde, o honrado que se ia, e a escória que fica e nos envilece como seres humanos. E o sepultou nos fazendo crer que há alguma esperança no gênero humano quando distingue tão claramente quais dos seus devem ser homenageados na hora da despedida final.

























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