quarta-feira, 5 de outubro de 2016

POUCOS SABEM VIVER SOZINHOS

* Honório de Medeiros


Houve um tempo no qual eu morei em uma cidade pequena. Sentia tédio, principalmente aos domingos, quando tudo parava e as pessoas se recolhiam as suas casas.

Um dia me perguntaram: “como suporta viver aqui? Não há nada para se fazer.”

Depois fui para a cidade grande. Às vezes também sentia tédio, principalmente aos domingos. Menos, entretanto, pois perambulava por lugares onde pessoas se encontravam, falavam, riam, cantavam, brigavam, se deslocavam em vaivém incessante.

Tentando compreender, eu pensava com meus botões: “deve ser porque, aqui, há movimento, pois lá também existiam coisas para se fazer, embora a sós.”

“Mas não, não é o movimento, o bulício, o frenesi, uma vez que, mesmo assim, sinto tédio, embora em menor quantidade.”

“Então não é algo que está fora de mim, ao contrário, está dentro.”

“É minha alma inquieta, que se entorpece, em alguns momentos, com a aparência do algo-sendo-feito fora de mim.”

Pois a noção de que não nos sentimos entediados em lugares onde muitos estão em atividade, de que sempre há algo para se fazer, típica da e na cidade grande, é uma ilusão, entorpece nossa alma inquieta, e nos permite sobreviver à rotina.

Na verdade o tédio é uma consequência de nossa alma inquieta, viciada em não ficar a sós. Queremos movimento, cores, sons, sentir que estamos participando.

Mas quem não parou em alguma festa, por um momento, e se perguntou: “o que faço eu aqui?”.

Como somos empurrados, algumas vezes sutilmente, outras brutalmente, para participar desse convescote que é a vida comum, somos eternos inadaptados.

Poucos sabem viver sozinhos.

Poucos têm serenidade na alma.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

CARLOS EDUARDO, O GRANDE VENCEDOR

* Honório de Medeiros


Carlos Eduardo foi, sem sobra de dúvida, o grande vencedor dessa eleição. Não somente pela vitória avassaladora, mas, também, por firmar como patrimônio seu um senso estratégico que os desprevenidos insistem em atribuir ao destino ou à sorte.

Nesta eleição, por exemplo, assumiu, obliquamente, a liderança de sua família. Garibaldi está encerrando a carreira, por força da idade. Henrique tem voo curto, enredado nas teias da justiça. Os primos são demasiadamente novos. Digo obliquamente porque não se percebeu, no seu jogo-de-xadrez, qualquer movimento que induzisse esse objetivo. Mas aconteceu. Queiram ou não.

Assumiu, também, de forma inconteste, mas sutil, a bandeira da esquerda que não é extremada, tampouco petista. Não há espaço vazio na política, sabemos, e, agora, a sobrevivência da esquerda no RN depende dos passos que Carlos, e seu PDT, irão dar.

Mas mesmo segurando a bandeira da esquerda, não perdeu a possibilidade de estabelecer alianças táticas com o espectro conservador da política potiguar, vez que suas arestas são poucas e escolhidas, o que mostra sua capacidade de enxergar longe. E seu trânsito no segmento econômico está em aberto.

Como ainda é novo, não afasta  os jovens; como é experiente, atrai os mais velhos.

Esperto, conduz sua administração de forma tranquila, discreta, fazendo o óbvio, sem cometer equívocos. Isso tem sido bastante, as urnas o demonstram. Quando quer, sabe sumir. Ponto para ele. Investe forte na Cultura: entendeu logo o potencial político dessa opção. Palmas e mais palmas.

Claro que há senões. Impossível não haver. O tipo de ação que lhe é próprio, e sua personalidade pouco propensa a intimidades ruidosas podem não fazê-lo um líder de massas, e isso deixa um flanco aberto para potenciais inimigos políticos que tenham o carisma necessário para subverter a ordem natural das coisas.

Mas como no horizonte imediato é pouco provável surgir esse novo Aluízio Alves, queiram ou não os que pouco gostem, Carlos Eduardo está aí, solidamente enraizado, com galhos e folhas voltados para 2018. 

É isso: um líder forte em uma realidade fragmentada.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

UMA GERAÇÃO SEM CULTURA GERAL

* Victor

Sou de uma geração sem cultura geral. Mas ela não sabe desse fato. Pior ainda: nem se importa.

Esses dias houve um debate na minha universidade: argumentos furados dos dois lados, paixões à flor da pele, aquele fla-flu de sempre (triste como as pessoas defendem coisas como poliamor ou pluriorientações sexuais mas são completamente maniqueístas no que toca a opiniões político-socias). Na parte de fora do ginásio, conversavam dois amigos meus: um da minha sala e um veterano, junto a outro cara de uma engenharia. Eu disse: a melhor parte do debate é brincar de "onde está o wally" no ginásio, procurando conhecidos.

Uma pessoa riu.

Os outros dois fizeram cara de paisagem.

Um era um veterano que conseguiu a proeza de jamais reprovar uma matéria, mesmo estando já na reta final de engenharia química. Uma pessoa inteligente e esforçada, sem dúvida. O outro era um colega de sala, que passa longe de ser burro. Ambos têm acesso a informações.

Quando confirmaram que não faziam ideia do que era "where's Wally", o cara falou: "como assim? Isso chega a ser falta de cultura geral."

Esse termo estalou em minha cabeça.

Eu comecei a pensar em algumas situações. Duas delas ilustrarão bem meu ponto: naquele mesmo semestre, meu professor de francês e eu falávamos sobre o ursinho Misha, ele comentava sobre a beleza do encerramento das olimpíadas e do que ele representou. Ninguém mais na sala sabia qual era um dos maiores símbolos do esporte de todos os tempos. Havia estudantes de engenharia, uma pós-graduanda em filosofia e uma professora secundária de biologia. Num país onde grande parte da população é analfabeta funcional, não considero exagero dizer que graduandos e graduados de uma das melhores universidades brasileira são a elite intelectual da nação.

Essa elite não sabe quem são Athos, Porthos e Aramis.

Esta mesma sala não fazia ideia de que existia um quarto mosqueteiro chamado D'Artagnan, e provavelmente jamais leu mais que um ou dois livros clássicos da literatura mundial (sendo realistas? Provavelmente não leem nada além das matérias acadêmicas e das mensagens que veem no whatsapp).

Minha teoria: isso decorre de principalmente dois fatores: a total falta de incentivo à leitura neste país e pela "acomodação cerebral".

Explico: com o facebook mostrando no nosso feed apenas o que costumamos gostar, ideias parecidas com nossas próprias (ou que inconscientemente copiamos dos outros, achando que são nossas), paramos de questionar. Somos jovens de vinte e poucos anos com mais verdades absolutas que anciões. Não nos interessamos em nos informar sobre nada que nos afete/interesse diretamente, mesmo tendo o acesso à informação praticamente ilimitado. No google cabem milhões de bibliotecas de Alexandria. Foi-se o tempo que o conhecimento era de posse de uns poucos.

Mas, ainda assim, nos negamos a saber. Cremos com veemência que de nada isso nos servirá. Estamos felizes em simplesmente falar sobre um jogo de futebol, uma música nova e a vida alheia, sem ligar para crescimentos espiritual ou intelectual.

O maior desperdício da história do saber humano está acontecendo agora.

E, sinceramente, isto me deixa triste.

domingo, 2 de outubro de 2016

A TIRANIA DA INFORMAÇÃO

* Honório de Medeiros

Tiranizados pela necessidade vertiginosa de estarmos e parecermos informados, sequer nos damos conta que cada vez mais sabemos mais superficialmente acerca do que nos cerca. Sabemos em maior quantidade e em menor qualidade. 

Pior: nós mesmos alimentamos incessantemente essa espiral, chamemo-la assim, sem que haja um retorno consistente. 

Lewis Thomas já havia notado isso, lá pelos anos 70, quando publicou o festejado "Notes of a Biology Watcher". Disse ele: "Todos nós estamos obcecados pela necessidade de alimentar a informação, tão rapidamente quanto possível, mas não descobrimos mecanismos que nos dêem muita coisa em troca".

Como dizem lá no Sertão, é muita farofa para pouca carne.