sábado, 20 de fevereiro de 2016

COLHEITA

* François Silvestre

Colheita.
Do plantio da estrada /
Uma roupa no corpo,/ outra na mochila. /
O destino: / nenhum ou a liberdade. /
Dos melhores, a saudade./ Pois mortos.
Dos menores, / a tristeza. /
Das madrugadas, / as grades. /
E a mochila pronta / pra outra estrada. /
O colhido? / Esse tempo sujo. /
Se valeu a pena? / Pergunto ao poeta: /
Qual o tamanho da alma? / E ele responde:
Pequena.

http://blogs.portalnoar.com/francoissilvestre/

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O STF AVANÇA!

* Honório de Medeiros

A OAB criticou a decisão do STF de acabar com a farra dos recursos para manter os bandidos na rua. Sou advogado. Há tempos que a OAB não me representa. Essa posição é a defesa dos grandes escritórios de chicaneiros...

Evidentemente ao me referir em meu comentário acerca da OAB eu estava aludindo à atual, não aquela de Raymundo Faoro, por exemplo. No mais eu acredito que a repercussão da decisão do STF deixará bastante entusiasmados aqueles que, ao longo do tempo, viram a camada mais humilde da população ser levada às prisões enquanto o topo, defendido por chicaneiros que se aproveitavam dos mais de cinquenta recursos possíveis antes do trânsito em julgado, desfilava sua impunidade pelas ruas do País. Isso é o que importa.

"No tocante ao direito internacional, o ministro relator do caso, ministro Teori Zavascki, ao negar o Habeas Corpus (HC) 126292 na sessão desta quarta-feira (17), citou manifestação da ministra Ellen Gracie (aposentada) no julgamento do HC 85886, quando (esta) salientou que 'em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte'."

Ainda, como se lê em NOTICIÁRIO STF:

"O relator do caso, ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. “Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado”, afirmou.

Como exemplo, o ministro lembrou que a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória proferida por órgão colegiado. “A presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”." 

Tamanho o descompasso do Brasil em relação ao resto do mundo, a privilegiar alguns poucos, que podem pagar excelentes advogados, em detrimento de muitos, a quem cabe ir para a cadeia.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

DA DELAÇÃO PREMIADA

* Honório de Medeiros

Peço licença para discordar de quem faz críticas ao instituto da delação premiada.

E o faço afirmando, inicialmente, que assim como outros, também tenho receio do Estado.

É como se lê: do Estado. Se bem me lembro, não somente anarquistas concordam quanto a todo Estado ser de exceção, uns mais, outros menos.

Mas não sei bem como se pode afirmar que o instituto da delação premiada seja característico de Estados de exceção.

Sei ainda, por outro lado, posto que a lógica o imponha, que uma análise crítica de um instituto como esse não pode ser feita sob o prisma da reserva moral aos delatores. Não faz sentido.

Alguns afirmam que a delação deu azo a todo o tipo de barbárie na história da humanidade.

Acredito firmemente que não podemos confundir a delação privada com a delação premiada, da mesma forma que não podemos confundir assassinato com matar em estrito cumprimento do dever legal (como o fazem os soldados nas guerras).

Sabemos disso: não por outra razão muitos aceitam a delação premiada, desde que submetida ao aparato ideológico dos direitos fundamentais individuais. 

Ora, assim o é em relação a qualquer instituto do Estado. Qualquer aparato do Estado que não esteja submetido a limites é “espelho da retaliação, perseguição”, como se diz.

Parece óbvio que nada é mal em si mesmo. E qualquer instrumento, seja ideal ou concreto, pode ser manipulado de acordo com diferentes faces da Moral.

Não por outra razão, a mesma enxada que rasga a terra para a semeadura pode ser instrumento de morte.

Discordo, pois, de quem afirma ser contraditório confiar em um criminoso que se submeteu à delação premiada.

Na verdade o Estado não está aqui ou ali para confiar em quem quer que seja: seu objetivo é trabalhar as declarações do delator confrontando-as com informações das quais disponha, para alcançar o objetivo almejado.

Crer que o Estado aja a partir de filtros morais é puro romantismo, e à pergunta que alguns fazem, acerca de ser ou não plenamente aceitável uma pessoa sob juramento denunciar seus cúmplices, apresentar um relato verdadeiro e ser perdoado por seus delitos eu respondo: claro que o é!

Assim aconteceu na história recente da Itália, para combater a Máfia. Lá, o instituto da delação premiada impediu, até onde sabemos, que aquela organização criminosa assumisse, de vez, o controle do Estado.

Não aconteceu o mesmo na Colômbia, em relação às FARC?

Não é isso que pretende fazer a Polícia do Rio de Janeiro para erradicar os soldados que o tráfico infiltrou e infiltra em suas fileiras?

Em relação ao suposto delator sociopata, hipótese com a qual alguns lidam para condenar o instituto, não posso concordar com sua plausibilidade.

Ora, os depoimentos dos delatores não são verdades com as quais irão lidar ingênuos, inocentes policiais ou promotores, em somente uma etapa de um processo criminal.

Qualquer declaração de alguém em uma investigação é avaliada a partir de tudo quanto compõe o problema com o qual a Polícia e o MP estão lidando. Chamam a isso de “contexto”. Isso é óbvio.

Quanto ao mais, principalmente no que diz respeito aos comentários críticos feitos pelos que afirmam que nos faltam “freios morais”, lamento, mas também vou discordar.

Como não sei quem há de me impor “freios morais”, e não nasci com eles, assim como ninguém nasceu, prefiro os “freios legais”.

Nunca é demais lembrar que os Estados nos quais há um melhor índice de desenvolvimento humano, nos moldes pensados por Amartya Sen, são aqueles em que as leis são, tanto quanto possível, respeitadas.

Assim e correndo o agradável risco de me ter colocado enquanto contraponto a amigos queridos deixo claro que sou a favor do instituto da delação premiada.

E torço para que esse instituto possa ajudar no combate à corrupção metastática que infesta o Estado brasileiro, seja no Executivo, seja no Legislativo, seja no Judiciário.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

A VIDA É LÍQUIDA

* Honório de Medeiros

“A vida é líquida”, diria Zygmunt Balman, aludindo à consistência das relações entre nós e os outros, ou entre nós e as coisas e/ou fenômenos. Líquida, posto que essa consistência não tem forma definida, assume aquela que o recipiente (o contexto) impõe.


Não seríamos estruturas rígidas que atravessam o tempo imutáveis ou pouco atingidos pelas circunstâncias, somos proteiformes, somos difusos, somos evanescentes.

Vivemos em uma época na qual as gerações mais novas escrevem tudo em uma linha. No máximo algumas poucas linhas. E somente lêem, e são treinadas pela realidade virtual com a qual convivem “full time” exatamente para isso, algumas linhas, umas poucas linhas. Tal é o ser (e o dever-ser) que essa realidade virtual impõe: tudo é frenético, tudo é descartável, tudo é cambiante, imediato. É a maximização das potencialidades, negativas ou positivas, da nossa espécie sobrevivente e dominante, conforme descrito pela teoria da seleção natural.

O ensino, hoje, está em ruínas por vários motivos, mas desconfio que o modelo que ainda predomina está fadado ao fim, entre outras razões, mais ainda, em decorrência do descompasso com essa realidade que aos poucos se impõe, no qual não há mais lugar para uma educação que se estrutura a partir de livros, com textos pesados, longos e que exigem tempo e estudo profundo, bem como o tratamento do “pensar” típico dos escolásticos medievais que moldaram as bases do nosso ensino ocidental e cristão.

As gerações mais novas, que herdarão o mundo, ou o que restar dele, e sua forma de apreender e expressar a realidade, estão em processo de descompasso com aquela construída pelos nossos antepassados. Não se trata de estarmos certos e eles errados por não quererem ler livros como “Ulisses”, de Joyce, “Paidéia”, de Jaeger, ou “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust.

São elas, as gerações mais novas, mutações engendradas pelo meme que é a realidade virtual: caracterizam-se por viver em ritmo alucinante, pensar freneticamente, falar acelerado, em contraposição ao lento viver, pensar e falar arcaico, que vai sendo deixado para trás.

O livro de papel sobreviverá, claro, como sobreviveu o ritual do chá no Japão moderno que a restauração Meiji instaurou, e atirar com arco-e-flecha, algo excêntrico, típico de verdadeiros “outsiders”, a partir do qual hão de se criar seitas e seus inevitáveis rituais iniciáticos. Livros em ambientes virtuais existirão cada vez mais, óbvio. Mas nunca serão consumidos como o foram os livros de papel após Gutenberg.

Assim como os monges que salvaram a civilização como nós a conhecemos, na Alta Idade Média, copiando os textos antigos e os deixando para a posteridade, será em ambiente monacal que os iniciados lerão obras em papel como as que foram citadas acima.

O velho mundo está morrendo, viva o novo mundo, do qual serei espectador privilegiado, posto que, quando menino, fui apresentado ao milagre da televisão já completamente cativado pelo livro de papel, e, agora, cinquentão, me maravilho com as infinitas possibilidades de uma realidade sequer possível de ser imaginada antes, domínio e prisão dos que, hoje, ainda são apenas adolescentes.