sexta-feira, 5 de agosto de 2011

DE FÁTUOS E FÚTEIS



Honório de Medeiros


                                      Um certo conhecido meu confunde necessidade de auto-afirmação com vaidade. E, dessa forma, por banalizar aquilo que o recato considera mal-gosto, pretende não somente o beneplácito de todos quantos instados a lhe dar a atenção da qual é tão carente, como – suprema ousadia – transformar sua atitude em algo perfeitamente natural.

                                      Não por outra razão sua própria mentira terminou sendo, por ele mesmo, acreditada. Aquilo que é pura e simplesmente necessidade de alto-afirmação passa, por vaidade, e esse, digamos assim, pequeno desvio de conduta - segundo os padrões morais dos discretos - por algo até mesmo louvável.

                                      No final das contas, aquilo que para meu conhecido é vaidade termina sendo para os outros – não todos, é pena, por que alguns sucumbem ao modelo que ele exporta – pura chatice. Somos condenados a ver e ouvir demasiadamente as firulas da astúcia de sua pacholice quando gostaríamos, isso sim, de deixarmos o ambiente ser preenchido pela suave diversidade da contribuição, na conversa, de cada um.

                                      Esse tipo de chato, em dias como os de hoje, são quase onipresentes: a nossa realidade é, em decorrência da lógica do capital, excessivamente competitiva, e os homens, surpreendidos com o excesso de competidores nos ambientes sociais, tendem ao artificialismo da sofisticação para demarcar seu espaço, agindo como ansiosos pavões emplumados, por não saberem o que é requinte. Ao silêncio, optam pelo barulho; à discreção, preferem o exibicionismo; à gentileza, escolhem a arrogância.

                                      Assim é que nos tempos de hoje os homens se comportam cada vez mais como caricaturas de si mesmos. Exibem ostensivamente os sinais de sua ascensão social e se tornam plenos de vulgaridade em seu habitat superlotado. Tornou-se comum, por exemplo, a exibição grosseira do hábito de fumar charutos, quando tal não faz parte de nossa cultura; discutem vinhos, quando o costume de bebê-los não tem sequer uma geração em suas próprias famílias; expõem carros, roupas, festas e jóias, sem que sejam capazes de estabelecer a diferença entre o infinitivo e o gerúndio. Querem parecer "cidadãos do mundo" anunciando viagens à Europa e emudecem quando, em conversas, por essa ou aquela razão, lhes é exigido mais conhecimento do que a leitura de algumas orelhas de livros ou a leitura de jornais e blogs.

                                      Essa futilidade paga um preço – o desdém dos poucos para os quais eles nada mais são que atores de quinta categoria em uma peça de mau gosto em um teatro mambembe. E, embora pareçam ou não se incomodar, ou depreciem os críticos, a verdade é que a simplicidade de quem estabelece distância desse modus vivendi os desarma e desconserta.

 Dia desses um deslumbrado qualquer, ao chegar a uma roda, soube que comentavam acerca de um churrasco ao qual ele não se fizera presente. Imediatamente disse: “não sou homem de freqüentar churrascos, acho deselegante”. Alguém que escutava o ir e vir da conversa solta se virou para ele e retrucou: “meu caro, não há churrasco elegante ou deselegante, pela simples razão de uma coisa não ser feia ou bonita em si mesma; somos nós que damos elegância ou deselegância às coisas; tanto o é que cachaça, por exemplo, até pouco tempo, era bebida degradante, mas hoje é artigo de primeira grandeza na mesa de pessoas como você”. “Na verdade", continuou, "se você for elegante, torna igual o ambiente para o qual se destinou; se não o é, apenas se amolda ao ambiente e toma sua forma, como a água assume a do recipiente onde foi vertida”.


                                      E o nosso conhecido vaidoso, fátuo e fútil, sequioso de ser o centro das atenções, recolheu suas plumas de pavão sofisticado e murchou vencido pela simplicidade do argumento inesperado.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

ANTÍGONA E O DIREITO NATURAL

armonte.wordpress.com


François Silvestre

         Todos os mitos possuem várias versões. Assim como as lendas vão por veredas diferentes até o miolo da chegada ao quengo da imaginação.
         Na mitologia caldaica, bela e pouco conhecida, a deusa do amor, Ihsthar, ameaça Anhur, deus dos céus, de cortar por um segundo o condão do afeto, criando um hiato na sinfonia do erotismo universal. E com a ameaça consegue o benefício reivindicado.
         O mito de Antígona não foge à regra. São inúmeras versões. Porém todas, sem exceção, preservam o fato principal que move Sófocles no contexto da sua tragédia, onde o alvo é a pertinência ou não da desobediência ao tirano quando sua ordem se confronta com o Direito Natural.
         Fica no campo secundário a origem bastarda de Antígona, da união incestuosa de Édipo e Jocasta. Mais que incestuosa, relação que desafia todos os limites do puritano. Ou se os irmãos dela se mataram num conluio de terrível acerto macabro. Ou se eram mesmo inimigos, sendo Etéocles aliado do tirano Creonte, seu tio, e Polinice inimigo figadal do tio tirano. O certo é que se mataram.
         A Etéocles Creonte ofereceu funeral honroso, com todo o aparato que cabe ao enterro dos heróis. O tirano assim homenageava o sobrinho leal.
         Mas deixou ao relento, insepulto, o corpo de Polinice. E determinou, como ordem de Estado, que a ninguém era dado o direito de sepultar o sobrinho opositor.
         Não apareceu nenhum aliado de Polinice para desobedecer a ordem do tirano. Era Lei e tinha de ser cumprida. Até por que cada Lei se legitima na fonte de sua feitura. Nas tiranias o tirano é o constituinte. Nas democracias o constituinte é o Parlamento. Mesmo com toda a esculhambação das democracias. Como diz Vicente Pentelho de Alma “quanto mais esculhambada melhor democracia é”.
         Apareceu Antígona, irmã dos dois mortos. E decidiu que a lei do seu tio não poderia prevalecer sobre a ordem natural das coisas. O enterro comum dos mortos não se rege pela lei dos vivos. E só tiranos e ditadores ferem a determinação natural desse Direito que tem leis não escritas. Por isso a história nunca vai deixar em paz a memória de quem “desapareceu” corpos de oponentes políticos.  
         Antígona sepulta o irmão odiado. E vai pagar o preço da sua rebeldia, geradora de ódio muito maior contra si do que a ira do tirano ao rebelde morto.
         O Direito Natural independe da inscrição na palavra da lei. Mas acaba se transformando em norma por imposição das conquistas humanas nas lutas libertárias.
         É por isso que há direitos indisponíveis. Onde o indivíduo não pode abrir mão do que julga ser um direito seu. Não é. Não pode machucar-se nem no físico nem na honra. E exerce legítima defesa ao repelir qualquer dessas agressões.
         Cada um há de ser, no confronto com o Estado estúpido, a reencarnação de Antígona. E jogar o próprio risco na cara do tirano. Té mais.