sábado, 19 de março de 2011

OBTER O CONTROLE. ESTAR NO CONTROLE. MANTER O CONTROLE.


Honório de Medeiros

Obter o controle. Estar no controle. Manter o controle. Faz parte da doideira ideológica que é a tal da estratégia militar ou de combate. Quem tem o controle tem o Poder, dizia, para um dos seus escravos, o extraterrestre que governava a terra no romance de L. Ron Hubbard, aquele autor americano de ficção científica que ficou mais famoso como criador da Cientologia, estranha seita preferida de 10 entre 10 atores famosos americanos.


O controle está para o Poder como a célula está para o tecido, o átomo para a matéria, digo eu. É através do controle que se estabelece a hierarquia, seja qual seja o ser vivo, parodiando Popper e sua Teoria Evolucionária do Conhecimento, ou seja, da ameba ao humano. Lula, que não é lido, mas não é burro, deixou bem claro ao analisar Pedro Simon e sua quixotesca candidatura a Presidente do Senado: “ele não é confiável”. Confiável ou controlável? Dá no mesmo nesse contexto sórdido da política.



Na raiz desse controle está a tendência inata do ser humano de explorar, absorver, extrair, para si, tudo quanto, naquilo que o cerca, amplie sua possibilidade de sobrevivência. Dawkins – esse mesmo que desencadeou uma cruzada contra Deus a partir de Darwin – afirmaria que fazemos isso manipulados pelos nossos genes. Para ele, nós somos nossos genes. O resto é invólucro. Ou seja, o resto é resto. Há controvérsias. Alguns acham muito radical essa teoria.


Trazer para o mais íntimo de nós, no aspecto físico, o que está por trás – mesmo que remotamente – das ações humanas deu um corpo de vantagem a Darwin sobre o velho Marx. Este, como se sabe, coloca a divisão do trabalho na raiz do problema do controle. Esta, a divisão do trabalho, vai fazer surgir a propriedade privada, ou vice-versa, as relações de produção, a infra-estrutura material, a superestrutura ideológica, enfim, ufa!, a luta de classes e a exploração do homem pelo homem.



Mas o que estaria por trás do surgimento da propriedade privada? O que está no começo da exploração do homem pelo homem? Marx não disse. Talvez seu companheiro Engels tenha esboçado algo a respeito a partir da análise dos estudos de Morgan, um antropólogo e etnólogo americano que andou estudando os nativos de seu país no final do século XIX, em uma obra que é muito citada nos meios acadêmicos e pouco lida. Pois Darwin disse. Disse claramente. E com ele, começou um novo capítulo das ciências sociais e, mais especificamente falando, da Psicologia Social Evolutiva.



Pois bem: voltamos ao ponto de partida. Somos levados, instintivamente, a controlar para explorar. Isso tanto em nível pessoal quanto social. Quem controla estabelece hierarquia. O povo, que não é besta, há muito denuncia, como pode, a arrogância da elite que põe o dedo em riste e pergunta ao Zé Mane: “você sabe com quem está falando?”, para tentá-lo controlar.



E não há limite para a intenção de controle. O céu é o limite. “Quanto mais temos, mais queremos ter.” O povo diz, o povo sabe. O senso comum é o ponto de partida para o conhecimento. Quanto mais queremos ter, mais nos tornamos predadores.



Claro que os controladores dão nomes bonitos a tudo isso. Faz parte do jogo, é uma estratégia de controle. Chamam a esse impulso predatório de ambição social, luta para deixar o legado na história, defender os interesses da sociedade, luta para ascender na escala social... Tudo lorota. Na essência, é o ruim e velho capitalismo de guerra e sua teia de argumentos justificatórios. No âmago do âmago, como diriam os exagerados, está esse egoísmo inato cujas vísceras Darwin expôs.



E os santos, alguém perguntaria. O altruísmo, diria eu, é sempre uma espécie do egoísmo.

sexta-feira, 18 de março de 2011

BRINQUEDINHO DE R$ 1,2 BI AJUDA A MATAR MILHARES DE POTIGUARES

Por Carlos Santos (blogdocarlossantos.com.br):

O brinquedinho denominado de "Arena das Dunas", que vai ser construído em Natal, para abrigar jogos subalternos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, vai custar mais de R$ 1,2 bilhão.

O Governo do Estado garante a farra, que é a alegria de uns poucos, em detrimento de muitos.

A esperteza vence a sensatez.

Esses senhores e senhoras que estão incensando a obra deveriam passar um final de semana no Walfredo Gurgel e Tarcísio Maia, testemunhando uma carnificina própria de hospitais de campanha em Kosovo deflagrada, Cabul ou Teerã.

Falta até esparadrapo.

Gente agoniza nos corredores. Outros ficam amontoados em enfermarias, quartos etc.

Mulheres, homens, jovens e idosos, todos pobres, entregues à voracidade do capital. Vitimas de outras prioridades.

Só mesmo uma força divina para punir essa gente.

Na terra, impossível. Não acredito.

terça-feira, 15 de março de 2011

MINHA ALMA É CHAMA

abismo.jpg

Honório de Medeiros

A minha própria alma é esta chama,

Insaciável de infinitos.

Flameja para o desconhecido sua ânsia,

É preciso asas quando se ama o abismo.

DO OFÍCIO DE ENSINAR

decisivo.com.br

Honório de Medeiros

De todas as atividades profissionais que exerci, nenhuma me deu tanto prazer quanto a de ensinar. Não por outro motivo continuo ensinando, e até diria que o afeto pelo ensino me levou, incontáveis vezes, a construir inconscientemente obstáculos que me impediram de aceitar outros compromissos mais rentáveis ou mesmo de maior projeção curricular.

Assim, nada me deu tanto orgulho quanto a obtenção, com louvor, do título de mestre através da defesa de dissertação acerca do tema “Poder Político e Direito” ante uma banca de examinadores formada por dois doutores e um livre-docente, este último, inclusive, visceral adversário da minha linha de pensamento no âmbito do Direito, claramente externada anteriormente em memorável prova oral de admissão ao curso de mestrado que durou quase quarenta e cinco minutos! Contou-me o Dr. Paulo Lopo Saraiva, depois, em jantar comemorativo, que ele insistira em compor a “minha” banca. Uma honra, com certeza.

A vida acadêmica seria, portanto, uma opção natural para mim quando terminei o curso de Direito em Natal. Seria se já naquele tempo do qual os professores universitários de hoje têm saudade, a profissão não fosse tão mal remunerada. E eu não precisava fazer muitas indagações para constatar essa realidade. A professora Elza Sena, minha tia, com quem eu morara durante meu curso universitário, ainda era viva, estava no penúltimo degrau de sua carreira, e ganhava muito mal. Tomei, portanto, outros caminhos, mas não escondia meu desejo de ensinar. Até que, em 1999, entrei, através de processo simplificado, na Universidade Potiguar, onde, desde então, ensino Filosofia do Direito, com raras incursões em outras disciplinas, quase sempre da área propedêutica, por opção própria.

Tenho ensinado, desde então, às vezes com sacrifício pessoal, mas sempre com renovado prazer. E tenho encontrado, sempre, compensações para o parco salário: as controvérsias em sala-de-aula, que enriquecem o conhecimento; a descoberta de talentos fulgurantes entre os alunos; a convivência com a diversidade de opinião entre colegas, no ambiente acadêmico; os laços de afeto que se formam entre professor e alunos; a criação do hábito de estudo para a preparação das aulas. Mas tenho sentido, na pele, dia após dia, o pouco compromisso da grande maioria dos nossos políticos com a educação, através da falta de investimento em recursos humanos, seja quanto ao básico, à parca remuneração dos professores, seja quanto ao complexo, o distanciamento da opção pela pesquisa científica.

Pedindo desculpas pelo texto auto-referente concluo observando que é inacreditável termos, no Brasil de hoje, ilhas de excelência na área de educação, resultado da abnegação, do sacrifício, da determinação de alguns. São estes, verdadeiros sacerdotes do saber, heróis anônimos, para recuperar uma definição surrada, batida, estropiada, mas absolutamente verdadeira. A eles, a nossa eterna e sincera homenagem.

domingo, 13 de março de 2011

A ARTE DE DECLAMAR E RAMIRO GUEDES

essênios.wordpress.com

Honório de Medeiros

Dia desses alguém tocou no nome de Ramiro Guedes. Nada sei a seu respeito, exceto que foi poeta, seus poemas cantavam estórias de conteúdo moral, e minha mãe os declamava com uma intensidade, uma carga dramática, um ritmo tal que invariavelmente nos conduzia às lágrimas. Ela tinha a arte de declamar.
 
Arte sim, sem dúvida. Como arte, com certeza, são os poemas de Ramiro Guedes, que foram feitos para serem declamados em saraus literários nos quais a sociedade ouvia, com raro deleite, versos às vezes não tão sofisticados – que importância teria o rigor formal? – assim como a estória em si – também não importa – e percebia aquele amálgama de talentos que torna grande o orador ou cantor: voz, presença, gestos, capacidade dramática, domínio de palco, interação com a platéia, noção de momento – esta, então, rara, vez que dom – ou seja, o declamador.

“D’antes, lá longe, nos confins d’Arábia,

Que se estendem do Líbano à Caldéia,

Vivia um velho sábio, d’entre os mais sábios,

Dos essênios da Síria e da Judéia.


Um dia uma lenta caravana,

Surgiu do horizonte pela calma,

Trazendo em canjirões de porcelana,

Essências de Bagdá, e óleos de Palma.”

E a declamação fluía lenta, nesse primeiro e hipnótico instante, transportando-nos para um Oriente misterioso onde dromedários, um atrás do outro, pacientemente, coroavam as dunas do deserto enquanto o sol morria suavemente. O poema prosseguia. Ramiro Guedes quer nos encaminhar ao sentido da vida através do mercador, dono dos animais, que busca, há muito tempo, resposta para essa pergunta angustiante; ele soubera que ali, no local de onde se aproximava, vivia alguém que lhe poderia responder.

O mercador consegue encontrar o eremita. E este se dispôs a escutá-lo. Ouviu-lhe o relato de uma busca incansável, por terras distantes e estranhas. Fora muito o tempo empreendido e os recursos gastos na busca. O mercador nada encontrara. Ninguém conseguira trazer-lhe o conforto e a paz tão ansiados pela sua alma inquieta.

O sábio o escutou em silêncio. Depois, pede-lhe que empalme a areia do deserto sobre a qual está prostrado e a amolde à conformação de sua mão. Diz-lhe que do consegui-lo depende a resposta para o que busca. O mercador tenta. Pega a areia fina, branca, segura-a firmemente, mas quando descerra os dedos ela escorre entre suas falanges até o chão. O mercador percebe que há algo muito importante nesse pedido do sábio. Aos poucos, torna-se frenético. Desesperado tenta outra, outra, e muitas outras vezes, mas sempre a areia escorre entre seus dedos. Em seu desespero, as lágrimas fluem. Uma delas, em um instante mágico, cai sobre a areia que começara a escorrer da palma de sua mão. Naquele local onde a lágrima caiu, as partículas se agrupam e jazem unidas, repousando. Nesse momento, como que acordando de um longo sonho, o sábio diz: “eis o sentido da vida: pó inconsistente e frágil, basta uma só lágrima, um sentimento, para que a areia do deserto se torne sólida e permanente na palma de sua mão”.