segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

DECLARAÇÃO DE ZAFFARONI SOBRE O JULGAMENTO DE BALTASAR GARZÓN


Raúl Zaffaroni


Do Substantivo plural
O jurista Eugenio Raúl Zaffaroni, um dos penalistas mais destacados do mundo contemporâneo, sem dúvida o mais expressivo da América Latina, membro da Suprema Corte argentina desde 2003, deu uma declaração que me parece cristalina sobre o julgamento de Baltasar Garzón na Espanha. Ela é particularmente importante porque suspende qualquer discussão sobre se Garzón estava ou não correto ao autorizar interceptações telefônicas no caso Gurtel (base para a sua primeira condenação pela Suprema Corte espanhola) e passa a discutir o que interessa: a exoneração de um juiz com base numa decisão tomada por ele. Como a declaração está no YouTube, em espanhol, achei que valia a pena transcrevê-la e traduzi-la ao português para facilitar sua circulação em nossa língua.
Zaffaroni é autor de vasta obra, incluindo-se aí um livro que este leigo cara-de-pau tem a petulância de sugerir a qualquer um que se interesse por Direito Penal: o Manual de Direito Penal Brasileiro (7ª edição revista e atualizada, Editora Revista dos Tribunais, 2008), a adaptação para o Direito brasileiro, feita em co-autoria com José Henrique Pierangeli, do seu clássico Manual do Direito Penal (agradeço a Túlio Vianna pela minha introdução inicial a esta obra). O primeiro, o segundo e o quinto capítulos da obra, “Controle Social, Sistema Penal e Direito Penal”,  “O Horizonte de Projeção do Saber do Direito Penal” e “Evolução da Legislação Penal”, são leitura obrigatória para quem queira ter uma introdução a esta perversa e fascinante máquina. Zaffaroni é fluente em português e entre seus inúmeros doutorados honoris causa, há um da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Já lecionou na Cândido Mendes e mantém inúmeros contatos com profissional do Direito no Brasil.
Aí vai, então, o pronunciamento de Zaffaroni sobre o julgamento de Garzón, relevante para todos os que se interessam por Direito e Justiça:
É muito alarmante para todos os juízes, para todos os juízes do mundo. Ou seja, aqui há um problema básico. Qualquer que seja a ideia que se tenha – de que Garzón estivesse errado, de que seu ponto de vista fosse incorreto etc., isso não importa. O que importa é que há uma ditadura de um organismo colegiado do próprio Poder Judiciário que, em vez de se limitar a revogar uma sentença com a qual ele não concorda, pretende exonerar um juiz. Isso é que é grave.
Isso significa transformar o Poder Judiciário numa corporação verticalizada. O Poder Judiciário não é uma corporação verticalizada. Os juízes temos a mais absoluta liberdade de critério para interpretar o Direito como sinceramente acreditamos que deve ser. Podemos errar, e para isso existem organismos colegiados: para corrigir as sentenças. Mas no dia em que se perca a independência interna, bem, o Poder Judiciário deixa de ser Poder Judiciário e há um grupo, um corpo que impõe os seus critérios de cima para baixo e que pune os outros porque os considera seus inferiores, seus amanuenses, seus subordinados.
Não. Entre os juízes, não há hierarquias, entre os juízes há diferenças de competência. Diferenças de responsabilidade pela competência, sim, é verdade. Mas não hierarquias. Há uma distorção temporal entre o processo, o requerimento do que seja, e a sentença definitiva. Para encurtar isso, vamos inventando coisas: os recursos, as medidas cautelares e, ao longo dos anos, estas invenções feitas para tentar reduzir esse hiato, que pode levar a uma absoluta injustiça, foram se ordinarizando, foram se transformando em comuns, e aparecem recursos que duram anos, quando se trata de uma medida urgente de proteção de um direito.
Então, cuidado. Acredito que estamos inventando uma cadeia de medidas urgentes em vez de agarrar o touro pelos chifres e sentar para dizer “olha, como faremos para conseguir uma aplicação mais rápida do direito de fundo e evitar todas essas coisas, ou pelo menos reduzir o seu âmbito”.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

TERIAM OS HOLANDESES VISITADO O SERTÃO DO APODI DURANTE SEU DOMÍNIO DO RN?

Escritor Marcos Pinto


TERIAM  OS  HOLANDESES  ADENTRADO  O  SERTÃO  DO  APODI  DURANTE  O  SEU  DOMÍNIO  NO  RN (1633-1654) ?

Por Marcos Pinto

                A    leitura  amiúde  e  pacienciosa  dos  livros  que  enfocam  o  período  do  domínio  holandês  no  Rio  Grande  do  Norte  aponta  para  uma  excepcional  probabilidade  deste  povo  batavo  ter  pisado  o  solo  Apodiense,  durante  o  seu  domínio  em  terras  potiguares.

Cronistas  dos  Sécs.  XVI  e  XVII  como  GABRIEL  SOARES  DE  SOUZA, AMBRÓSIO  FERNANDES  BRANDÃO e  FREI VICENTE  DO  SALVADOR  assinalaram  informações  a  respeito  da  Capitania  do  Rio  Grande, todavia, restritas  ao  litoral  e  adjacências.

Foi  a  presença  holandesa  na  Capitania  que  propiciou  o  envio  de  dois  emissários ao  sertão, com  o  objetivo  de  dotar de  garantias a aliança  flamenga  com os  grupos  indígenas  do  interior.  O  primeiro  é  uma  figura  emblemática  comentada  pela  historiografia  regional.

Referimo-nos  a  JACOB  RABI, judeu  alemão  que  veio  para  o  Brasil  em  1637  com  MAURÍCIO  DE  NASSAU  e que  esteve  com  os  Tapuias  Paiacus da  nação  Tarairiús  no  sertão  por  um  período  de  quatro  anos, durante  os quais  chegou  a  casar  com  uma  índia  de  nome  Domingas, compartilhando  dos  hábitos  nativos  e  assumindo  comportamentos  indígenas.

Escreveu  uma  crônica  sobre  o  viver  desses  índios, contendo  informações  sobre  seu  hábitos cotidianos  e  as  terras  que  habitavam.  Esse  relato  foi  presenteado a  Maurício  de  Nassau  e serviu  de  base  para  as descrições  posteriores  de   GASPAR  BARLÉUS, GEORGE  MARCGRAVE, JOHN  NIEUHOF  e  GUILHERME  PISO.

RABI  atravessou  o  Rio  Grande  do  Norte  com  uma  força  de  160  holandeses  e centenas  de  índios. Os  colonos  ficaram  aterrorizados. Alguns  pagaram  Rabi  para que  não  os  importunasse. Outros  se  refugiaram  em fortificações  e  muitos  foram  mortos. Os  colonizadores  consideravam  RABI  "quase  bárbaro  como  estes  indômitos  e  cruéis  gentios,  que  com  eles  havia  muito  tempo  morado  no  sertão, e  exercitado  seus brutos  e  depravados  costumes.   Os  tapuias  paiacus  se  deram  conta  pela  primeira  vez  da  presença  dos  holandeses  quando  uma  nau  holandesa, que  navegava  ao  largo  da  costa  do  Ceará, capturou  um  português  e soltou 25  homens, mulheres  e  crianças tapuias  que  ele  estava  levando  para  serem  vendidos  como  escravos  no  RN.

Durante  alguns anos os tapuias  vinham  comerciando  com  os  portugueses,  trocando  cativos  por  mercadorias.  Em  1630  os  portugueses  já  exploravam  salinas  naturais  nas  imediações  de  Areia  Branca.

O  renomado  historiador  VINGT-UN  ROSADO  escreveu  um  livro  intitulado "OS  HOLANDESES  NAS  SALINAS  DO  RIO  MOSSORÓ", em  co-autoria  com sua  esposa  Professora  América  Rosado (Vide  Google - Arquivo  PDF).  Conta  que  os  rios  que  delimitavam  a  produção  salineira  de  GEDEON  MORRIS  DE  JONGE  e seus continuadores  pseudo  descobridores  das  salinas  são  o  IWIPANIM, O  MEIRITUPE  e  o  WARAROCURY.  Na  linguagem  travada  dos  Tarairiús  o  primeiro  é  o UPANEMA, com  outra  barra, entulhada  no  correr  do tempo.

O  Upanema  passou  a  receber  o  nome  de  APODI, caindo  no  atlântico  em  Areia  Branca. Mas  a  zona  das  salinas, sabidamente  identificada  pelo  português  desde  fins  do  Séc. XVI, é  que teve  rápida  ocupação  pela  mão  dos  holandeses, ajudados  pela  indiada  que  depois  se  revoltou e  matou  os  brancos. Essa  era  a  zona  das  únicas  salinas  holandesas, terras  litorâneas  no  município  de  Areia  Branca.  As  salinas de  Macau  não  foram  trabalhadas  pelos  flamengos.

O  Holandês  ADRIANO  WERDONCK,  que  era  morador  no  Recife  desde  o  ano  de  1618, deixou  informações  sobre  as salinas  da  região  de  Areia  Branca, cuja  descrição  está  inserida  num  livro  de  memória  intitulado "DESCRIÇÃO  DAS  CAPITANIAS  DE  PERNAMBUCO, ITAMARACÁ, PARAÍBA  E  RIO  GRANDE", apresentado  ao  Conselho  Político  do  Brasil, em  20  de  Maio  de  1630.

Esta  memória  foi  publicada  na  Revista  do  Instituto  Arqueológico  e  Geográfico  Pernambucano -  Ano  1901 - nº 55, traduzida  pelo  historiador  ALFREDO  CARVALHO.  Eis  um  trecho  do  depoimento  WERDONCKIANO  sobre  as  salinas  do  Rio  Apodi (Upanema, daquele  tempo):  "Quando  ali  há  falta  de  sal, o Capitão-Mór  do  dito  Forte  do  Rio  Grande  manda  uma  ou  duas  barcas  de  45  a  50  toneladas  a  um  lugar  a  60  milhas  mais  para  o  Norte  onde  há  grandes  e  extensas  salinas  que  a  natureza  criou  por  si. Alí  podem  carregar, segundo  muitas  vezes  ouvi   de  barqueiros  que  dalí  vinham  com  carregamento  de  sal mais  de  mil  navios com  sal  que  é  mais  forte  do  que  o  espanhol  e  alvo  como  a  neve.

Vejamos  o  que  nos diz  outro  credenciado  historiador  potiguar  FRANCISCO  FAUSTO  DE  SOUZA: "Um  fato  inédito da  invasão  holandesa  foi  a  rebelião  tapuia  de  1644, com  a  destruição  do  Forte  de  Paneminha (atual  rio  do  Carmo)  e  o  trucidamento  de  GEDEON  MORRIS  e  de  todos os seus  companheiros.  Alguns  tapuias,   nessa  época, de  volta  do  Outeiro  da  Cruz, no  Maranhão, onde  tinham  estado  em  combate, empenharam-se  em  luta  com  os  trabalhadores  nas  salinas  de  Mossoró,  degolando  indistintamente  a  quantos  alí   encontravam.(FONTE: Vide  livro "BREVE  NOTÍCIA  SOBRE  A  PROVÍNCIA  DO  RIO  GRANDE  DO  NORTE" (autor: FERREIRA  NOBRE).

É  possível que tenham  sido  os  tapuias  paiacus  que  habitavam  as  margens  da  lagoa  e  do  rio  PODY  os  autores  deste  massacre.  É possível  que  estes  holandeses  tenham  adentrado  os  sertões  do  Apodi, acompanhados pelo  JACOB  RABI, nestas  barcaças  que  tinham  a  capacidade  de  carregar  até  50  toneladas  de  sal.