sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

BALADA DO RETORNO

* Honório de Medeiros

Agora retorno.
 Recolho as velas da minha nau imaginária. 
Solto a âncora.
 Desço ao cais.
 Respiro fundo a solidão.
 Olho o começo da noite, as luzes, as construções, e sigo.
 Caminho lentamente.
 A neblina molhas as pedras, me molha. 
Chego à minha porta. 
Entro.
 Enxugo o rosto molhado com o braço.
 Tomo um grogue. 
Eis que chega seu sorriso luminoso.
 Seu colo perfumado.
 Seu olhar de madrugadas.
 Nossa história comum. 
Faz-se, primeiro o silêncio.
 Depois, há vinho, cantigas e risos.
 Dança-se. 
Estou em casa.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

DISTINGUIR PARA CONHECER

* Honório de Medeiros                                    


Nós distinguimos para conhecer, e o conseguimos na medida em que somos capazes de descobrir tudo quanto o “Objeto[1]” que queremos apreender possui diferenciado de todos os outros.

Somente conseguindo perceber essas distinções entre um “Objeto” e outro é possível avançar no conhecimento[2].

Às vezes não percebemos, mas a todo instante estamos distinguindo para conhecermos.

Quando, por exemplo, conhecemos alguém, e somos capazes de descrevê-lo para outrem, nada mais estamos fazendo que relacionar suas características intrínsecas e as utilizando para distingui-lo de qualquer outro.

Poderemos dizer: ali está João, branco, alto, magro, cabelos e olhos castanhos, usando óculos, vestido com calças jeans, camisa pólo amarela e tênis.

Essa descrição permite-nos distingui-lo de José. Quanto mais distinguirmos João, mais poderemos distingui-lo de todos os outros.

Não é errado afirmar que se não fôssemos capazes de distinguir e, em assim o sendo, conhecermos, não teríamos sobrevivido como espécie.

Na aurora da história do homem, distinguir entre os inimigos naturais e aqueles outros que não ofereciam perigo à sobrevivência talvez fosse a diferença entre voltar vivo ou ficar morto na caçada.

Esse processo demanda encontrar aquilo que os antigos chamavam a “essência” de cada coisa. Tal “essência” era única, inigualável, e tornava um Objeto diferente de qualquer outro.

No âmbito do Direito, por exemplo, podemos perceber que uma das suas características intrínsecas, essenciais (se é que existem outras), é a existência da norma jurídica – sem ela, apenas sem ela, não há Direito.

Usando uma imagem não muito sofisticada, mas reveladora, podemos dizer que a norma jurídica está para o Direito como a célula para o tecido, e o átomo para a matéria.

No universo do Direito, como em qualquer outro ramo do conhecimento humano, essa atividade ou atitude, de distinguir para conhecer, chamemo-la assim, é fundamental. 

É através da identificação das características essenciais do Direito que podemos estabelecer sua diferença da Moral, por exemplo. É através dessa identificação que podemos estabelecer diferença entre a norma de poder e a jurídica. Entre a norma religiosa e a jurídica.

Conhecer um Objeto é também dizê-lo. Se esse “diálogo” do Sujeito Cognoscente com o Objeto Cognoscível é puramente subjetivo, ou seja, existente apenas para aquele que tenta conhecer, a Filosofia ou a Ciência aqui não existem.

É como a poesia que somente o poeta que a fez conhece: nada dela podemos falar, por que nunca nos foi apresentada.

Quando, entretanto, no processo de conhecer, dizemos a alguém ou aos outros tudo quanto apreendemos, estamos expondo, de forma objetiva, seja falando, seja escrevendo, aquilo que, no nosso entendimento é o “Objeto”, e submetendo essa exposição à crítica.

Dizer o “Objeto” somente é possível através de juízos de fato, juízos de fato que não podem ser testados, ou juízos de valor. (Os juízos dizem nossas conjecturas, teorias acerca de nós mesmos; do outro (s); das coisas ou dos fenômenos).

Os fenômenos decorrem das coisas[3]: a luz diurna, do sol; o Direito, da sociedade, etc. No primeiro caso, nossos juízos ou proposições ou afirmações podem ser verdadeiras ou falsas, conforme sendo submetidas a testes, venham a sobreviver.

Se eu digo: “o consumo de bebida alcoólica nos finais-de-semana amplia o índice de acidente automobilístico”, este é um juízo de fato que poderá ser verdadeiro ou falso. Se verdadeiro ou falso, de qualquer forma o conhecimento avançou.

No primeiro caso, por que passamos, a saber, qual o efeito da bebida alcoólica no trânsito e, assim podemos prognosticar o futuro; no segundo, porque excluímos definitivamente uma afirmação das nossas tentativas de conhecer – já não será mais necessário testar essa afirmação, vez que isso já foi feito e já sabemos o resultado.

Enquanto os juízos de fato são do mundo da ciência, os juízos de fato que não podem ser testados e os juízos de valor não o são.

Com efeito, os juízos de valor são afirmações ou proposições às quais nós agregamos um valor que é nosso e que nos dizem não como a realidade é, mas, sim, como nós queremos que ela seja e fazem eles parte do “mundo” da persuasão ou convencimento; da retórica, enfim.

Quando eu digo: “Maria é bela”, esse juízo de valor não é falso ou verdadeiro em si mesmo e nada acrescenta quanto ao conhecimento real de Maria. Até por que muitos poderão achar que ela não seja bela. Trata-se de uma opinião pessoal, com a qual se pode ou não concordar.

Os juízos de fato que não podem ser testados fazem parte da filosofia. Se eu digo: no ano 3.000 não existirá Direito, aqui não há um juízo de valor, tampouco um juízo de fato, mas, sim, um juízo de fato que não pode ser testado.

Os juízos de fato, se verdadeiros ou não, agregam conhecimento para todos. Os juízos de valor podem agregar conhecimento acerca de quem os proferiu, mas, com certeza, não agrega acerca do “Objeto” analisado.

O conjunto sistematizado dos juízos forma uma teoria/conjectura acerca do “Objeto”. Essa teoria somente será verdadeira se testada e, portanto, comprovada suas afirmações. 

Se houver o teste, e as afirmações revelarem-se verdadeiras, a teoria é provisoriamente perfeita, embora possa ser limitada quanto ao alcance de sua abrangência. É por exemplo o caso da teoria de Newton que continuou sendo verdadeira, mesmo após a teoria da relatividade de Einstein, embora limitada à velocidade inferior à luz.

Assim, tanto na ciência como no dia-a-dia, estamos permanentemente elaborando teorias acerca de algo ou alguém.

Essas teorias podem ser formadas por juízos de fato, juízos de fato que não podem ser testados, ou juízos de valor. No primeiro caso, podem ser verdadeiras ou falsas e, no segundo e terceiro, aceitas ou não, de acordo com a persuasão de quem as elaborou.

[1] É indiferente, para esta discussão, se o Objeto é algo real ou um processo.

[2] Em “A Arte de Pensar”, o notável Pascal Ide nomina o processo de “distinguir” como “dividir”, e considera que é um dos instrumentos fundamentais para aprender a pensar.

[3] Kant.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

SILÊNCIO, O MEU

* Honório de Medeiros


Não me exporei, mas aqui estou.
Venha a mim, se puder.
Busque-me.
Assim farei eu, se o desejar.
Mas aviso: nada tenho.
Nada tenho que valha a pena dizer.
Por enquanto.
Nem mesmo sei se tive.
Ou terei.
Eu lhe digo mais, agora,
com este meu silêncio.