quinta-feira, 24 de julho de 2025

DE ESCREVER, POLÍTICA E XADREZ

 

Tigran Petrosian

* Honório de Medeiros


Cheguei em Natal para estudar, vindo de Mossoró, em fevereiro de 1974. Tinha 16anos incompletos.

Escolhi, depois de alguma hesitação, a antiga Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, e não o Marista, meu destino inicial.

Na Etfrn, dei três passos no rumo do que eu queria em minha vida, de uma forma ou outra: escrever, jogar xadrez, e a política.

Lá, eu e Rui Lopes criamos o jornal mural "A Capa", sucesso entre os alunos, que causou alguns incômodos à administração da imensa figura humana que foi o Professor Arnaldo Arsênio, seu diretor, por nossa postura, meio inconformista, digamos assim, ao ponto de sermos chamados a seu gabinete para uma "admoestação" carinhosa.

Fui, também, Presidente do Centro Cívico Escolar Nilo Peçanha, o que me introduziu na política estudantil.

Naquela época, plena ditadura, implantamos na Etfrn uma experiência inédita: debate direto entre a direção e os alunos, realizado sempre no Ginásio de Esportes, o que me levou a ser convidado pelo Padre Sabino Gentilli para dar uma palestra aos colegas do Salesiano. Foi minha primeira experiência nessa área.

Por outro lado, representei, após o maior enxadrista norte-rio-grandense de todos os tempos, Máximo Macedo, as cores da Etfrn e sua hegemonia nos disputadíssimos Jogos Estudantis do Rio Grande do Norte, o JERNS, juntamente com Alexandre Macedo. Naquele ano, 1975, conseguimos acrescentar a décima medalha de ouro consecutiva à coleção da Escola.

Ironia: no ano seguinte quebramos, eu e Gilson Ricardo de Medeiros Pereira, outro depois notável enxadrista potiguar, a hegemonia da Etfrn e conseguimos, para o Churchill, creio que sua primeira medalha de ouro no xadrez.

Gilson Ricardo, eu, Maurício Noronha, Wilson Roberto, Dilermando Jucá, João Maria "Tarrasch" e Jairo Lima constituíamos a turma mais jovem que frequentava o P4BR Clube de Xadrez, de saudosa memória, do qual cheguei, tempos depois, a ser presidente.

Funcionava no último andar do Edifício Barão do Rio Branco, lá onde Manxa, excepcional artista plástico do nosso Estado, tinha seu estúdio, e, assim como nós, invadia as madrugadas nos dias-de-semana e sábados até a hora de irmos embora a pé, sem medo de absolutamente nada, por uma Natal adormecida e tranquila. Ônibus somente até as onze da noite.

Conversávamos muito, na época, acerca do jogo de xadrez: seus jogadores do passado, os grandes feitos, a história do esporte/arte, a situação local, quais torneios participaríamos... O importante, entretanto, era discutir a grande questão: a qual estilo nós, individualmente, nos filiávamos: seríamos posicionais ou táticos? Privilegiávamos a defesa ou o ataque?

Quem defendia o estilo posicional tinha, como ídolo, Tigran Petrosian; quem assumia o tático incensava Mikhail Tahl. Ambos eram, se podemos dizer assim, os maiores representantes de cada um dos estilos, segundo o entendimento dos estudiosos do assunto.

Hoje sei que eu, mesmo mediocremente, poderia ser considerado um jogador de estilo posicional, aos moldes de Petrosian, apesar de todas as limitações que um amador ingênuo possa ter. Cheguei a essa conclusão muito mais pelas características da personalidade de Petrosian que, propriamente pelo seu belo e estranho estilo de jogar.

Esse "insight" veio quando li uma frase que ele proferiu em algum momento de sua vida: "Em meu estilo, como em um espelho, está refletido meu caráter". Caráter não somente enquanto moral, mas, sim, como forma-de-ser, muito embora Petrosian fosse muito respeitado por sua dignidade e postura.

De fato, seu xadrez era cauteloso, prudente, posicional, defensivo, mas ele não via o seu estilo como passivo. Nós dizíamos, no nosso tempo, que ele parecia uma jiboia: envolvia progressivamente seu oponente, e ia triturando-o lentamente, deixando-o sem espaço, cada vez mais sem opções de jogada, até o arremate final.

Um dos grandes feitos de Petrosian, interromper uma sequência de dezenove partidas ininterruptas de Bobby Fischer em seu auge, originou um precioso comentário do gênio americano em seu My 60 Memorable Games: "Eu estava pasmado no transcorrer do jogo. Cada vez que Petrosian conseguia uma boa posição, ele manobrava para obter uma melhor".

Petrosian dera um nó no genial Bobby Fischer!

Quando Petrosian derrotou Botvinnik, ganhando o título mundial, este comentou: "Petrosian possui um talento único em xadrez. (...) Mas enquanto Tahl tentava alcançar posições dinâmicas, Petrosian criava posições nas quais os eventos se desenvolviam em câmara lenta. É difícil atacar suas peças: as peças atacantes só avançam lentamente, atoladas no pântano que cerca o campo das peças de Petrosian".

Ou seja, para Petrossian, o primordial era primeiro defender, para depois atacar; enquanto que para Tahl, o ataque era a melhor defesa.

Pois bem, ao longo dos anos, canhestramente, passei a crer que Petrosian tinha razão quando dissera que o jogo de xadrez refletia a forma-de-ser de cada jogador. E, ousadamente, ampliei o espectro do alcance de sua teoria: estou convicto que qualquer esporte reflete as características pessoais dos jogadores quando de sua atuação, desde o xadrez até o futebol, passando pelo pôquer ou artes marciais.

Creio que hoje, no futebol, estão presentes as duas escolas tradicionais do xadrez, como reflexo da personalidade de seus protagonistas, principalmente os técnicos, quais sejam a posicional e a tática, a postura centrada na defesa, e a postura centrada no ataque. Seria o caso de Tite e Guardiola.

Com base em Anatol Rapoport, o psicólogo e matemático americano nascido russo, em seu famoso livro de 1960, Fights, Games, and Debates, defensor da tese segundo a qual os princípios que norteiam sua "teoria dos conflitos" se estendem, por exemplo, aos debates, vou ainda mais longe: podemos perceber a existência desses dois estilos até mesmo na política.

Basta nos lembrarmos de Tancredo Neves e Leonel Brizola.

Tudo isso, claro, sem abrir mão de que na realidade não há nunca somente preto e branco.

Há os infinitos matizes do cinza.

Quanto a escrever, essa é uma outra história...


@honoriodemedeiros
honoriodemedeiros@gmail.com

quarta-feira, 23 de julho de 2025

JOSÉ BRILHANTE (CABÉ), O PRIMEIRO CANGACEIRO NO RIO GRANDE DO NORTE E PRECURSOR DE JESUÍNO BRILHANTE



Honório de Medeiros

* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências, pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.


Em 28 de fevereiro de 1851, o jornal “A Imprensa”, do Rio de Janeiro, ao transcrever longa correspondência oriunda do Rio Grande do Norte, na qual se relatam as perseguições supostamente sofridas pelos “sulistas” no âmbito do município do Açu, dá conta de uma apreensão ilegal, feita pela polícia “nortista” da cidade, de correspondência encaminhada por líderes liberais lá residentes, ao Coronel José Fernandes de Queirós e Sá[1], líder político em Pau dos Ferros, informando-o “sobre plano de assassinato tentado contra o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti”.

Na mesma correspondência é transcrito "Mandado" expedido pelo Juiz Municipal de Assu com o seguinte teor[2]:

“Mando a qualquer oficial de justiça a quem este for apresentado, indo por mim assinado, em seu cumprimento varegem a casa do tenente coronel Manoel Lins Caldas, e capturem os réus José Brilhante e José Calado, que segundo a notícia dada a este juízo ali se acham no intuito de assassinarem o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti” (...).

Em 30 de janeiro de 1852 o “Correio da Tarde” transcreve, em sua “Parte Oficial”, correspondência do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, José Joaquim da Cunha[3], ao Ministro da Justiça Eusébio de Queiróz Mattoso Câmara, informando-o acerca da prisão de José Brilhante de Alencar e “mais oito dos seus sequazes” por “Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti e outras autoridades combinadas” que “convocando gente armada, e reunindo-lhes as praças do destacamento de primeira linha, ali estacionado, no dia 21 de novembro[4] último” os atacaram na “Casa de Pedra” e depois de “um fogo vivo não tiveram os insurgentes outro remédio senão render-se”. A mesma notícia foi divulgada pelo “Diário do Rio de Janeiro”.

Em maio de 1852 seguiu José Brilhante no vapor “Pernambuco” para o Ceará, para ser julgado pelos crimes lá cometidos em 21 de novembro de 1851.

Em 1859 a Justiça do Ceará encaminhou “Cabé” para o Rio Grande do Norte, no vapor “Paraná”, provavelmente para responder os processos-crime que contra ele tramitavam nesse Estado[5]. O Tribunal da Relação da Província do Rio Grande do Norte abre sessão para julgamento de José Brilhante em 5 de julho de 1861[6].

Em 1862 o “Correio Mercantil” do Rio de Janeiro, edição do dia 18 de junho, informou que no dia 29 de maio José Brilhante fugiu da Cadeia Pública de Natal, sem aguardar o resultado do julgamento[7]. Passara nove anos preso.

Por essa época Jesuíno Brilhante tinha 18 anos de idade. Dos nove aos dezoito cresceu escutando as histórias que lhe eram contadas acerca do tio famoso e violento. Fez-se homem embebido no “ethos” de violência e honra próprios do Sertão daquela época.

Passou-se um hiato de dez anos, durante os quais não se teve notícias precisas de José Brilhante. Entretanto, como fugitivo que era da Justiça, com certeza continuou perambulando pelo Sertão a cometer crimes.

Outra impressão não decorre da leitura do trecho seguinte, transcrito do “Jornal do Recife”[8]:

“A 25 de dezembro último[9], no distrito de Patu, foi barbaramente assassinado com facadas em pleno dia, Honorato de Tal[10], pelo célebre facínora José Brilhante de Alencar e seus sobrinhos Jesuíno de Tal e mais dois irmãos (...). A crônica sanguinária de José Brilhante e seu séquito é mui conhecida nesta e outras províncias, sendo o terror da população pelos lugares onde anda”.

Menos de seis meses depois, José Brilhante e Jesuíno Brilhante, com outros, atacaram, no Boqueirão de Tapera, Termo de Triunfo, o Tenente Francisco Cezar de Rego Barros, que fora a Patu prendê-los e, não o conseguindo, recrutara, à força, Antônio Brilhante de Alencar e Souza, filho do primeiro, e Lucio Alves, irmão do segundo, para libertá-los[11].

Aproximadamente um ano após[12] José Brilhante, Jesuíno Brilhante e o bando assassinaram, por emboscada, o Delegado de Polícia Tenente Ricardo Antônio da Silva Barros em Pombal, Paraíba.

No jornal “A Reforma”, essa morte é atribuída a uma encomenda do Coronel João Dantas, por ter o Delegado prendido um seu correligionário, Capitão Athayde de Siqueira, acusado de passar dinheiro falso.

Pela primeira vez, até onde consta, apareceram as ligações do clã dos Brilhantes com o Coronel João Dantas, grande proprietário de terras no Rio Grande do Norte e Paraíba.

Finalmente o “Jornal do Recife”, edição do dia 28 de março de 1874, informou que foi assassinado, por dois ladrões de cavalos, José Brilhante de Alencar e Souza. 

Raimundo Nonato no seu “Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro Romântico” lembrou uma divergência quanto ao ano da morte de José Brilhante: 1873 ou 1877?

Segundo Barroso morreu em 1873, no Pão de Açúcar, Alagoas, trocando tiros com uma quadrilha de ladrões de cavalo cujo chefe oculto era o Delegado de Polícia da localidade.

Câmara Cascudo, na obra acima mencionada, disse que sua morte ocorreu em maio de 1877. Com a matéria do “Jornal do Recife” se desfez o equívoco de Cascudo.

Jesuíno Brilhante, portanto, estava com José Brilhante ao seu lado, desde seus primeiros passos no mundo do cangaço. Essa a razão pela qual Jesuíno, com a morte do tio, assume seu sobrenome.

E, ao mesmo tempo em que o homenageia assegurou, para si, ao usar seu sobrenome, a permanente lembrança aterrorizante de seus feitos, que eram notícia no Sertão e nos jornais da época.

[1] Tetravô do Autor.

[2] Com grafia atual. 

[3] Conservador. 

[4] De 1851.

[5] Jornal “Pedro II”, de 2 de fevereiro de 1859.

[6] Jornal “O Constitucional”, de 9 de julho de 1861.

[7] Jornal “Correio Mercantil”, Rio de Janeiro, 18 de junho de 1862.

[8] De 24 de janeiro de 1872. 

[9] Portanto, 1871. 

[10] Honorato Limão. 

[11] “Jornal do Recife” de 11 de julho de 1872 e “Diário de Notícias”, do Rio de Janeiro, de 4 de setembro de 1872.

[12] “Diário do Rio de Janeiro”, de 5 de agosto de 1873, e “A Reforma”, de 19 de agosto de 1873.

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