domingo, 16 de novembro de 2014

NUNCA FALE COM ESTRANHOS

* Honório de Medeiros

Ela falou: minha mãe me disse que eu nunca falasse com estranhos. Ele riu. Não se desculpou. Não podia deixar de rir. Não falar com estranhos, ou desconhecidos? Podia ser um desconhecido estranho, mas também podia ser um conhecido estranho. Não importava. "É verdade que você não me conhece, mas não sou estranho a você. Somos, ambos, seres humanos, vivemos no mesmo País, temos amigos em comum, partilhamos alguns interesses que nem vale a pena elencar, de tão óbvios. Temos afinidades idênticas, inclusive: desejar o melhor para a humanidade que integramos, o fim das guerras, da fome, das doenças, nutrir esperanças em relação ao futuro... Em mim pulsa a mesma centelha de vida que pulsa em você. Temos tristezas, alegrias, decepções, como qualquer um... Como posso lhe ser estranho? Desconhecido, talvez. Pois bem, é acerca disso que quero lhe falar. Diga a sua mãe que não é possível não falar com desconhecidos. Antes que você conheça alguém, esse alguém lhe é desconhecido. Se você não fala com desconhecidos, como não há de ser uma ilha? Sua maior amiga, por exemplo: era uma desconhecida até que você rompesse a recomendação de sua mãe e, em rompendo, começasse a construir esse vínculo afetivo que lhe é, hoje, tão caro. Imagine, por instantes, você vivendo em um mundo em que não lhe fosse permitido falar com desconhecidos. Como seria isso? Como seria em supermercados, restaurantes, cinemas, shoppings... Falemos, então, um com o outro, mesmo que seja para você me dizer que não gosta de mim. Isso eu posso entender. E perdoar."