sexta-feira, 20 de março de 2015

DE SOLIDÃO E REDES SOCIAIS

* Honório de Medeiros

No final das contas essa entrega às redes sociais é mais uma declaração pungente da solidão que nos define. Somos, em essência, solitários. Incapazes de estabelecer pontes entre nós, conseguimos dialogar virtualmente sem olhar nos olhos de nosso interlocutor. Um biombo imaginário nos protege do olhar do outro. Assim perdemos a possibilidade de sermos ternos, cúmplices, amorosos, partícipes de um projeto comum que resgate o imenso abismo que separa cada um do outro desde que nascemos.

quarta-feira, 18 de março de 2015

"É PRECISO DUVIDAR DE TUDO", KIERKEGAARD

Kierkegaard

* Honório de Medeiros

“Na cidade de H... viveu há alguns anos um jovem estudante chamado Johannes Climacus, que não desejava, de modo algum, fazer-se notar no mundo, dado que, pelo contrário, sua única felicidade era viver retirado e em silêncio”.

Assim começa “Johannes Climacus”, ou “É preciso duvidar de tudo”, delicioso texto do escritor – meio esquecido – Soren Kierkegaard, nascido em 1813, e morto quarenta e dois anos depois, em 1855, um típico excêntrico pensador do século XIX.

O pequeno livro que tenho em mãos é da Martins Fontes, Coleção “Breves Encontros”, que vem publicando opúsculos de autores variados, como Schopenhauer, Cícero, Sêneca, Schelle, dentre outros menos conhecidos, como o Abade Dinouart e Tullia D’Aragona.

O prefácio e notas, cuidadoso no que diz respeito ao levantamento da história da produção do texto e a um leve perfil do autor, está assinado por Jacques Lafarge – me é desconhecido – e a tradução por Sílvia Saviano Sampaio professora da PUC/SP, doutora em filosofia pela USP com a tese “A subjetividade existencial em Kierkegaard”, e membro da AMPOF – Associação Nacional de Pós-graduandos em Filosofia.

“É preciso duvidar de tudo” é dividido em três partes: "Introdução", "Pars Prima" e "Pars Secunda". A parte primeira contém três capítulos e o primeiro é uma afirmação: “A filosofia moderna começa pela dúvida”. A segunda parte, contendo somente um capítulo, Kierkegaard lhe nomina interrogando: “O que é duvidar?”

A mim, particularmente, interessou a seguinte proposição: “a filosofia começa pela dúvida”, que é o Capítulo II, da "Pars Prima". A conclusão de Kierkegaard, falando por intermédio de Climacus, é de que essa proposição se situava fora da filosofia e a ela era uma preparação. Perfeito.

No próprio texto Kierkegaard alude ao fato de os gregos ensinarem, aludindo a Platão, no "Teeteto", que a filosofia começa com o espanto. Eu traduziria espanto por perplexidade, mas talvez haja diferenças sutis entre os dois termos que não valem a pena serem esmiuçadas.

Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam a partir do conhecimento antigo, ou seja, da expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Elaboramos uma nova teoria que explique esse "algo" e, assim, surge o conhecimento novo.

Bachelard diz tudo isso de forma profunda e elegante: "o conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão".

Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin. Pressupõe, ainda, dando-se razão a Kant, que o Conhecimento, em última instância, antecede a Realidade.

Em certo sentido estão certos não somente os gregos, como Kiekergaard, Bachelard e Popper. Resta saber se, no início, há o espanto com a dúvida, ou a dúvida com o espanto.

Cabe também observar que Johannes Climacus é um típico caso de personagem acometido da Síndrome de Bartleby, algo que, com certeza, interessaria bastante à Enrique Vila-Matas, referência contemporânea do romance-ensaio.

 * Republicação

terça-feira, 17 de março de 2015

A ESQUERDA BRASILEIRA E O NACIONALISMO DE DIREITA

* Honório de Medeiros

O tempo passa e o ser humano não muda: esses que estão aí se dizendo de esquerda jamais leram sequer a biografia de Marx. Prisioneiros da própria ignorância, são meros joguetes nas mãos e mentes de quem manipula suas consciências. Inocentes úteis. Ou inúteis. O discurso que eles esgrimem, sem entender, poderia ser utilizado, sem que fosse necessário mudar uma vírgula, pelo mais atrasado nacionalista de direita.

segunda-feira, 16 de março de 2015

DE QUANDO FUI MONITORADO PELA DITADURA

Amaro cavalcanti



Fui Presidente do Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Na verdade o primeiro Presidente eleito via processo eleitoral normalizado após a reconstrução do Centro Acadêmico.

Antes tínhamos, em Assembléia Geral Extraordinária realizada na famosa Sala F1, do Setor I, reinstalado o Centro Acadêmico, fechado pela ditadura, e entregue a João Hélder Dantas Cavalcanti a responsabilidade de formalizar e normalizar sua existência até a primeira eleição a ser realizada via eleição direta, ampla e geral. 

Belos tempos, aqueles. Muita discussão filosófica e política nos corredores do Curso. 

Pois bem, para minha surpresa me deparei com essa postagem do "Recanto Virtual" do Centro Acadêmico (https://amarocavalcanti.wordpress.com/2015/03/12/60anos-documentos-da-ditadura-militar-sobre-o-caac/#comment-6884).

Tratei logo de trazê-la para o honoriodemedeiros.blogspot.com:



RECANTO VIRTUAL DO CA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – CAMPUS NATAL


Os documentos em referência podem ser encontrados no Acervo documental da Comissão da Verdade da UFRN, originários do Arquivo Nacional – Agência do Distrito Federal.

Os documentos acima se referem a produções de grau confidencial emitidos por órgãos de vigilância da Ditadura Militar sobre o I e II Fórum de Debates do Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti (CAAC), realizados nos meses de março e setembro de 1982.

Neste ano, o CAAC retomava suas atividades desde sua extinção em 1974. Um dos Informes foi emitido pelo Ministério da Marinha, Comando do 3º Distrito Naval de Natal e o outro pela Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação. Apesar do país, naquela época, já vivenciar um clima de abertura politica iniciada em 1979, tais relatórios procuraram descrever os posicionamentos políticos adotados pelos palestrantes dos eventos, bem como suas filiações partidárias, como forma de captação de informações da Universidade e subsidio ao Governo Militar. Nesta época, exercia a presidência do CAAC o aluno Francisco Honório de Medeiros Filho."

DE COMETAS POLÍTICOS

* Honório de Medeiros

Alguns políticos são líderes de um sistema de forças políticas.

Porque sistema? Para diferenciá-lo de conjunto, um aglomerado de alguma coisa reunido sem qualquer propósito específico. Um monte de pedras, por exemplo, largados em algum lugar.

“Forças políticas”, por sua vez, são segmentos constituídos por militantes expostos ou não, que embora integrantes do todo que é o sistema, atuam em espaços e tempos distintos: há o âmbito municipal, o estadual, o federal; há o judiciário, o legislativo, o executivo; há a Igreja Católica, a Evangélica, o Candomblé; há os homossexuais, os negros, as mulheres, os jovens; há os intelectuais, os técnicos, os carregadores-de-piano, há os servidores públicos e os celetistas; há as associações de classe e os sindicatos, e assim por diante. Cada segmento desses é uma força política em si mesma.

O líder de um sistema de forças políticas possui seguidores firmes, no topo e/ou na base, em todos esses segmentos, que são elos de ligação, pontos de intersecção, núcleos irradiadores e receptores da teia ou rede que é como visualmente podemos conceber o ambiente e o tempo onde o sistema se espraia ou se concentra. Tais seguidores podem ter herdado seu próprio “status” ou mesmo tê-lo conquistado ao longo de um processo às vezes demorado, às vezes rápido, mas plenamente absorvível, desde que respeitada a tessitura, o bordado que o compõe e que é seu limite natural de sobrevivência.

Sabe-se acerca da existência de um sistema de forças políticas por intermédio de vários meios, mas o apropriado, realmente, é utilizar o princípio da exclusão ao se analisar o quadro político onde supostamente ele estaria inserido. Basta, então, nos perguntarmos, ao analisarmos um determinado espaço delimitado geograficamente, como o Rio Grande do Norte, qual grupo político nele não poderia faltar, sob pena de descaracterização da pesquisa.

Da mesma forma, podemos utilizar o mesmo princípio da exclusão para localizarmos, sem qualquer dúvida, qual o verdadeiro líder de um sistema político: será sempre aquele sem o qual há um vazio de poder inaceitável, uma fragmentação de toda a rede ou teia, um desmoronamento de todo arcabouço construído.

Obviamente dentro do próprio sistema de forças políticas às vezes o líder é conduzido, embora sempre pareça o oposto; da mesma forma, pode ocorrer, em vida, abruptamente ou não, o deslocamento do bastão de comando das mãos do antigo líder para as de outro mais jovem. Em sistemas de forças políticas razoavelmente sofisticadas, apesar de alguns abalos de percurso, esse processo ocorre naturalmente, embora também haja o contrário, situação esta que, o mais das vezes, conduz a rupturas que iniciam o seu desmanche.

O certo é que há políticos, em contraposição, que não lideram sistemas de forças, mas um conjunto de agregados, vez que não comandam, coordenam ou dão direção à teia, rede, ou malha, com algum propósito que não seja a mera e instintiva sobrevivência.

Não possuem núcleos de Poder nos quais se firmem; não conhecem intercessões técnicas nos processos nos quais estão inseridos; não recebem e enviam informações através de mecanismos de busca e recepção confiáveis.

Por não possuírem recursos humanos qualificados dos quais se valham em qualquer situação, tais líderes políticos supõem comandar quando, na realidade, são pautados ou manipulados a uma distância além da possibilidade do seu entendimento; por não compreenderem que o instante não faz a história; a força não cria o Poder; a circunstância não elabora o definitivo; o presente não engendra o futuro ansiado; o efêmero não constrói o permanente; e a decisão solitária não tece a sabedoria.

Firmam-se, em contraposição à perenidade concreta dos sistemas planetários, para usar uma analogia pobre, mas consistente, como cometas[1] que brilham majestosos por algum tempo, mas logo se desfazem em pó, sequer deixando sua marca no imenso espaço do Universo.

[1] Introdução aos Cometas (http://www.if.ufrgs.br/ast/solar/portug/comet.htm): cometas são corpos pequenos, frágeis e irregulares, compostos de uma mistura de grãos não-voláteis e gases congelados. Eles têm órbitas altamente elípticas, que os trazem para muito perto do Sol e os jogam profundamente no espaço, freqüentemente para além da órbita de Plutão.

* Republicação