sábado, 16 de agosto de 2014

BALADA DO RETORNO



* Antônio Gomes

Agora retorno. Recolho as velas da minha nau imaginária. Solto a âncora. Desço ao cais. Respiro fundo a solidão. Olho o começo da noite, as luzes, as construções, e sigo. Caminho lentamente. A neblina molhas as pedras, me molha. Chego à minha porta. Entro. Enxugo o rosto molhado com o braço. Tomo um grogue. Eis que chega seu sorriso luminoso. Seu colo perfumado. Seu olhar de madrugadas. Nossa história comum. Faz-se, primeiro o silêncio. Depois, há vinho, cantigas e risos. Dança-se. Estou em casa.

Arte em 10temidos.blogspot.com

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

RESTA RESISTIR!

* Honório de Medeiros

Resta resistir antes da coisificação final - é isso mesmo, "coisificação" -, quando todos seremos meras mercadorias: resistir por resistir, pois a própria resistência será apropriada e cumprirá seu papel de elemento do mercado. Mas seguir resistindo é o que nos resta para assegurar aos que virão a possibilidade de criar fissuras no sistema por onde a consciência-de-si penetre e, qual vírus, devaste os alicerces do Estado, esse instrumento alienante e manipulador. A arma com a qual se há de resistir é o ceticismo permanente, exponencial, crítico.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

FILHOS, MELHOR TÊ-LOS...

* Honório de Medeiros

Conhecidos, tenho muitos. Muitos, mesmo. Não sei se em decorrência do tempo vivido, dos meus defeitos ou qualidades, se é que tenho algumas. Talvez uma mistura disso tudo.

Amigos, entretanto, tenho poucos. Conto nos dedos. Alguns, antigos. Outros, mais recentes. A todos dispenso o mesmo afeto que pretendo gentil e leal. Pretensão? Talvez. Entretanto tenho como isso como certo posto que recebo, de volta, além do que mereço.

Percebo que, com o passar dos anos fico mais ensimesmado, o que pode parecer, para alguns, distanciamento, sem o ser. Ao contrário. Nessa amiudada conversa comigo mesmo há sempre muito espaço para o afeto tão especial que é a amizade. Mas agora já não há a necessidade juvenil do contato pessoal constante, tão comum nos anos em que precisávamos viver todos os dias como se não houvesse um depois-de-amanhã.

Digo tudo isso tendo em vista que para eles, meus amigos, escrevo essa notícia singela, dando conta de uma semana, já passada, especialmente feliz em minha vida. Vai dessa forma, fora do tempo exato: em mim a maturação das coisas do coração é lenta. 

Tão feliz que eu quis partilha-la, e, ao mesmo tempo, também quis que todos os outros pudessem saber desse partilhamento. Em assim sendo, tratei de publica-la onde quem me conhece sabe que pode encontrar algum texto meu, caso queira se dar ao trabalho de me ler.

É que meu filho se formou. A se crer em sua história pessoal, vai cuidar das pessoas, enquanto médico, com o mesmo carisma que o torna, aos meus olhos de pai, afetuosos, mas de forma alguma pouco críticos, tão querido pelos que o cercam. Mais que sua formatura em Medicina louvo, nele, a ética, a fé, o foco, e a disciplina que o levaram a realizar um sonho de criança.

Orgulhoso constato, nele, qualidades que eu não tenho, ao mesmo tempo que faço vista grossa para os defeitos meus que porventura tenha herdado.Tenho certeza que o tempo vai cuidar de esmerilhá-lo.

Creio nele, enquanto pessoa, e aprendi a respeitar sua angústia com a impossibilidade de fazer mais do que gostaria e pode fazer. Peço a Deus que o mantenha assim, sempre refém de um caráter sem mácula.

E minha filha ingressou, aos dezesseis anos, na mesma semana das festas do seu irmão, no curso de Direito, após uma batalha judicial e burocrática que tentou impedir sua inteligência viva, instigante, sua voraz capacidade de leitura, sua habilidade natural para os idiomas, de pousar no ambiente apropriado para quem anseia, como ela, por entender o mundo no qual vive para melhorá-lo, ou seja, na Academia.

Não pude deixar de me emocionar quando a vi subindo lentamente os degraus que conduzem ao curso de Direito da mesma Universidade Federal onde estudei, fiz política estudantil nos estertores da Ditadura, e me formei. Naquele momento se fez presente, além de qualquer outro, a consciência da velocidade com o qual o tempo nos aniquila e nos pereniza por intermédio dos filhos.

E em assim sendo, após comunicar a vocês, meus queridos amigos, o que se passou nesses dias tão felizes para mim, eu lhes peço que compartilhem, comigo, esse sentimento singular, tão humano, que é a felicidade de se sentir, talvez em um dos aspectos mais importante de todos, de certa forma realizado.

Fosse eu poeta, não tendo feitos a contar, anônimo que sou, e cada dia mais feliz com essa condição, mas livre na justa medida em que um homem pode ser em tempos que tais; sem dever a ninguém, exceto ao meu próprio esforço, o pão, o teto, e o transporte que são meus, escreveria para eles um poema tão belo quanto possível para lhes dizer do meu orgulho e da minha alegria, nestes dias que correm rápidos, em tê-los como filhos, em partilhar com eles minha história, e em ser testemunha de tudo quanto estão a construir honradamente.

Como não sou, bastei-me nessas linhas que se mal-traçadas, são sinceras, e termino agradecendo a atenção dos amigos e desejando, aos meus filhos, que Deus lhes torne, sempre, seu caminho cada vez mais leve.