sábado, 4 de agosto de 2012

O PASSIONAL CÍVICO DO SUPREMO


jornaloexpresso.worpress.com


Do Blog do Noblat

Por Vitor Hugo Soares

A expressão do título destas linhas de opinião é tomada de empréstimo ao saudoso Raimundo Reis, no texto de um dos cronistas maiores do cotidiano da Bahia e do País, sobre um daqueles apaixonados torcedores bissextos que aparecem a cada disputa de Copa do Mundo. Aqui, no entanto, serve para definir a imagem e atuação de um magistrado nesta primeira semana de agosto, na abertura do julgamento dos réus do caso Mensalão.

“Passional cívico” casa perfeitamente com o perfil e a definição do desempenho do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, que salvou do engodo e da apatia - com sua implacável e indignada reação ética - o espetáculo de abertura do julgamento dos quase 40 acusados no polêmico e explosivo processo.

Na tarde de quinta-feira (2), país na frente da tela da TV. A atenção dividida entre os jogos olímpicos de Londres e o torneio jurídico, político e midiático em Brasília. No plenário do STF, tudo parecia caminhar para o mais indesejável.

“Um espetáculo de quinta (categoria)”, como definiu irritada ao meu lado minha mulher, também jornalista, ao receber telefonema da irmã impaciente e mais brava ainda diante do que estava vendo e ouvindo em sua casa, em Salvador, na transmissão direta do palco dos ilustres juristas.

Margarida (também formada em direito) tentava conter sua fúria pessoal e acalmar a irmã do outro lado da linha. Falava sobre a previsível questão de ordem levantada (mal iniciada a sessão), pelo advogado e ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em defesa do desmembramento dos processos acusatórios contra os 38 réus, na hora H de começar o julgamento.

Manobra ladina, de aplicação comum por figurões do direito nos tribunais de província -, mas visivelmente precária tentativa de um dos mais caros e requisitados defensores de gente de poder, fama e dinheiro no Brasil, de jogar areia no ventilador e confundir os ministros do mais vistoso e importante fórum de justiça do Brasil.

A manobra do advogado dos réus do Banco Rural no Mensalão, entretanto, foi surpreendentemente apoiada de pronto por um dos nomes mais pomposos e acatados entre seus pares no STF: o ministro Ricardo Lewandowski.

Como se não bastasse o simples e estranho acatamento efusivo à tese de Bastos, o ministro sacou do bolso da toga (esta é apenas uma figura de retórica, esclareço) longo, enviesado e cansativo parecer para justificar a injustificável e já superada tese.

Era essa a causa principal do espanto e dos muxoxos de incômodo no plenário, na sede do Supremo, no Distrito Federal. E da irritação manifestada até com impropérios, que se espalhava pelas redes sociais no resto do país como faísca lançadas por ouvintes irados diante das imagens, enquanto o ministro Lewandowski destrinchava o seu interminável arrazoado.

Mas veio do ministro Joaquim Barbosa, caprichoso e eficiente relator do caso Mensalão, a mais ética e indignada reação. Diante da proposta do advogado famoso e do inesperado voto de apoio de seu colega e revisor do montanhoso processo, o ministro Barbosa foi direto ao ponto, sem meias palavras ou filigranas da retórica habitual nos tribunais.

“Nós precisamos ter rigor no fazer das coisas no País. Eu não vejo razão (para o desmembramento do processo unificado) e me parece até irresponsável voltar a discutir esta questão”, reagiu o relator, ao votar contra a proposição de Thomaz Bastos.

Mas o ministro Barbosa seria ainda mais duro ao se opor ao apoio à tese do advogado, partida do ministro que o acompanhara mais de perto e com quem dialogara mais direta e francamente por mais tempo, durante os tensos e desgastantes quase dois anos de preparação do gigantesco processo.

Mal comparando (ou bem?) era lancinante e dolorida como a punhalada inesperada da tragédia shakespeariana. Era o golpe partido de quem menos se espera e de quem mais se confia. Era como se o parceiro tentasse jogar na lixeira tudo que fora arduamente construído em conjunto, para começar tudo de novo.

Com nervos e emoção à flor da pele, o firme e destemido jurista mineiro lembrou tudo isso em breves e candentes palavras, para arrematar com a sentença mais exemplar da abertura do tão aguardado julgamento:
“Isso me parece deslealdade”, questionou Joaquim Barbosa a Ricardo Lewandowski. Palavras de firmeza de caráter e dignidade profissional, que repercutiram intensamente no placar elástico da derrubada da questão de ordem levantada por Thomaz Bastos: 9 a 2.

Palmas para o Relator (com R maiúsculo) no começo do espetáculo. Próximos capítulos a conferir.

Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

SURGE SINHÔ, O MAIOR DOS PEREIRAS, NO CANGAÇO

Por Manoel Severo


 
Sinhô Pereira, sentado e Luiz Padre, de pé

O ano é 1915 quando vamos encontrar Né Dadu, retornando da cidade de Triunfo após ser absolvido de crime de morte de João Jovino. Naqueles dias uma volante se formava para capturar um dos maiores desafetos da família Carvalho. Sob o comando do Tenente Teófanes Ferraz Torres e contando ainda com os Carvalho: Antonio e José da Umburana e João Lucas das Piranhas, atacam São Francisco , mas não encontram Né Dadu, espancando fortemente uma negra de nome Antonia Verônica, governanta do lugar, conhecida por “Mãe Preta” e prendem o mais novo dos filhos de D. Constança, irmão de Né Dadu: Sebastião Pereira, então com 16 anos.

A represália dos Pereira veio logo em seguida, quando é morto José da Umburana em emboscada de Vicente de Marina, o morticínio continua, desta feita mais um Pereira tomba, Né Dadu morre em 16 de Outubro de 1916, vítima de covarde traição de um ex-cabra dos Carvalho, Zé Rodrigues, Zé Grande ou simplesmente “Zé Palmeira” que o matou com seu próprio rifle no lugar Poço do Amolar, na fazenda Serrinha. Esse caboclo Zé Palmeira havia se aproximado de Né Dadu após ardilosa trama traçada pelos próprios Carvalho, simulando o rompimento do referido cabra com a família inimiga. Apesar de Atento e desconfiado Né Dadu acabou sendo ludibriado pelo audacioso golpe e acabaria sendo vítima fatal do mesmo.

A morte do irmão empurrou definitivamente o mais jovem da família para o mundo do crime, nascia ali aquele que seria o mais valente de todos os cangaceiros, segundo o próprio Virgulino Ferreira: Sebastião Pereira, vulgo Sinhô Pereira.

 
Sinhô Pereira em foto da década de 70

Partindo na sanha da formação de seu grupo, Sebastião Pereira partiu em busca do Coronel Zé Inácio, do Barro, conhecido coiteiro e protetor de bandidos, dali saiu com um grupo de 20 cabras, tendo como seu lugar tenente seu primo, Luiz Padre, rumo a Vila Bela, no Vale do Pajeú.

Invadindo São Francisco, depredou e queimou a loja de Antonio da Umburana e tomou a pequena vila, partindo dali para as fazendas dos Carvalho, Umburanas e Piranhas, depredando, queimando, matando animais, destruindo cercas, arrasando tudo. Os Carvalhos diante de tanta fúria se retiraram para a cidade, finalizando assim a primeira grande investida do grande cangaceiro.

Sobre a eterna peleja entre os clãs vamos ter o episódio da invasão à fazenda Piranhas, narrado por inquérito na própria delegacia de Vila Bela, como segue: “... no dia 1º corrente apresentaram-se voluntariamente a prizão os indivíduos José Alves de Barros e José de tal conhecido por José Caboclo e Francisco Alves de Barros, Cincinato Nunes de Barros, Antonio Carvalho de Barros, conhecido por Antonio da Umburana, Antonio Alves Frazão, José André, Feliciano de tal, João Ferreira, Francisco Porphirio, Antonio Teixeira, Antonio Pedro da Costa Neto, Antonio Pequeno, José Flor e João Tapia todos denunciados neste município como incursos no artigo 294 por terem morto ao cangaceiro Paixão na ocasião em que os mesmos se defendiam do ataque feito a fazenda Piranhas pelo grupo chefiado por Sebastião Pereira e Luiz Padre dos qual fazia parte o referido Paixão (Informe ao Chefe de Polícia pelo delegado de Vila Bela, 5/9/17).

Algum tempo depois Sebastião Pereira mataria o assassino de seu irmão Né Dadu, o indivíduo Palmeira, na localidade de Viçosa em Alagoas, tendo Luiz Padre sangrado o matador de seu pai Padre Pereira, Luis de França, em São João do Barro Vermelho. Em outra oportunidade na localidade de Queixada, sob a proteção do Coronel Pedro da Luz, acabou encontrando Antonio da Umburana que foi sangrado, esquartejado e queimado, assim se configurava a vingança dos primos, Sebastião e Luis Padre.

 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

OUTSIDER: QUEM NÃO SE ENQUADRA



Por Mário Bortolotto


A figura do outsider. Do cara que não se enquadra. Do sujeito que não faz questão de pertencer a nenhuma turma. O cara que no colégio sentava na última carteira, não falava com ninguém e ia embora sozinho. Havia algo de muito maneiro em figuras desse naipe. {na foto, Bukowski}

Numa sociedade onde qualquer babaca quer virar celebridade, a figura do “ninguém” sempre me pareceu o melhor modelo de vida. E aqui não vai Charles Bukowskinenhuma pretensão estilosa do tipo “é legal ser diferente”. Porra nenhuma. O que eu penso é que simplesmente “ninguém precisa ser igual”.

Cada pessoa devia andar por aí rezando pela própria Bíblia, ou seja, fazendo suas próprias leis e fazendo uso de seu livre arbítrio. Mas não é o que tem acontecido.

Assisto sem nenhum entusiasmo e com bastante perplexidade aqueles filmes americanos de turmas de universidade com aquelas indefectíveis fraternidades onde o cara passa por uma coleção inimaginável de humilhações apenas com o inacreditável intuito de ser aceito em uma fraternidade de babacas. Não é muito diferente das merdas dos trotes universitários brasileiros. Babaca não respeita geografia.

Fico imaginando o que leva uma pessoa a essa necessidade doentia de ser aceito. E com o tempo me parece que em busca de aceitação as pessoas têm se padronizado de maneira assustadora e alarmante.

Hoje em dia a rapaziada usa piercing, tatuagem (não que eu tenha exatamente nada contra o uso de piercings ou tatuagens, mas é que parece que grande parte da molecada começa a usar apenas numas de copiar outra pessoa e aí é esquisito), o mesmo corte de cabelo, gosta das mesmas músicas e das mesmas roupas e emprega as mesmas expressões (“Galera”, “é dez”, “é show”, “baladinha” e outras que eu não consigo sequer repetir aqui sem ter o meu estômago revirado) e aí ele se sente parte de alguma coisa, é compreendido e aceito e não vira motivo de zombaria entre os demais, justamente por não ser diferente.

Então o que acontece é muito simples. Se o sujeito tá num grupo onde o lance é odiar alguém, seja quem for, pode ser negro, viado, gordo, mulher ou o Mico-Leão Dourado, então o cara vai passar a odiar, ele nem sabe o motivo, é que a turma odeia e ponto. E se a turma pinta o cabelo de azul, então o panaca pinta também. E se a turma acha que é legal praticar artes marciais pra sair dando porrada em desavisados noturnos, então o cara automaticamente se inscreve numa academia e sai de lá o mó Steven Seagal.

E acha legal sair de carro com uma piranha oxigenada (esses caras sempre andam com piranhas descerebradas que são apreciadoras de bravatas intimidatórias) e provocar o primeiro sujeito pacífico que eles cruzarem pela frente. E vai ser providencial se eles pegarem pela frente um carinha com um livro do Kafka no ponto de ônibus. Esses caras nutrem um profundo ódio por qualquer sujeito que consiga articular mais que duas frases inteligíveis. E as suas piranhas são as primeiras a aplaudir o massacre.

Não tô aqui querendo de maneira nenhuma desmerecer o trabalho de alguns professores de artes marciais que sei o quanto são sérios e dignos. Mas é que sem a devida orientação eles estão criando um exército de babacas extremamente perigosos.

E é claro que a mídia e a publicidade incentivam irresponsávelmente esse estilo de vida. Elas querem todo mundo comprando e consumindo as mesmas coisas, coisas essas que eles fabricam em larga escala para atender a demanda desenfreada.

Numa novelinha como Malhação, só pra citar um exemplo bastante óbvio, a impressão que fica é que o roteirista escreveu um monólogo e depois distribuiu as falas entre vários personagens. Não há diferenciação de personalidade. Todos falam as mesmas coisas, do mesmo jeito e usando as mesmas expressões. Em resumo: fique igual e permaneça legal.

Há um processo de idiotização total e irrestrita avançando a passos largos. E essa busca pela padronização e no conseqüente status mediano (estou sendo generoso com esse “mediano”) que as pessoas têm alcançado ganhou por esses dias duas novas forças de responsa.

A MTV “onde é que estão os clipes, porra?” estreou dois programas que são verdadeiras aberrações. O primeiro deles é o tal Missão MTV onde a Modelo Fernanda Tavares totalmente destituída de qualquer coisa que possa ser chamada de carisma, apesar de bonitinha (é o mínimo que se pode esperar de uma modelo) é chamada para padronizar qualquer sujeito que não esteja seguindo as regrinhas do que eles chamam de “bom gosto”. Então se uma garota não fizer o gênero patricinha afetada, então ela automaticamente está out e a missão da Fernanda é introduzir a “rebelde” ao mundo dos iguais.

E dá-lhe o que eles chamam de “banho de loja”. Se o cara usa roupas largas e o cabelo sem uma preocupação fashion e ainda se diz roqueiro, então eles transformam o coitado num metrosexual glitter afetado e por aí vai. Parece que a mulher vai dar um jeito no quarto de um sujeito. Ela diz que tá tudo errado no quarto do cara. Como assim? É o quarto dele, porra. Enfim, é proibido ter estilo. Quem não se enquadra, sai de cena. Em resumo, um programa vergonhoso.

Mas o pior ainda é o outro: O inacreditável e assustador Famous Face. Sacaram qual é a desse? Uma maluca encasqueta que quer ficar parecida com a Jeniffer Lopez ou com a Britney Spears e tal estultice é incentivada. Em resumo, a transformação é filmada e testemunhamos a verdadeira frankesteinização sofrida pela pobre iludida. Ela se submete à operação plástica, lipoaspiração e o caralho. Chega a ser nojento. Eu não entendo qual é a de um programa como esse. Será que a indústria da cirurgia plástica tá precisando de uma forcinha? Eu duvido. Nunca vi se falar tanto em botox, silicone, lipo e outras merdas. Todo mundo tentando evitar o inevitável. Todo mundo querendo retardar o tempo incontrastável. Vivemos cada vez mais em uma gigantesca e apavorante Ilha do Dr. Mureau. Foda-se Dorian Gray. Eu sou bem mais as rugas de Hemingway.

A HISTÓRIA DE UM HERÓI

Pai manda para a cadeia 5 PMs que mataram seu filho


Eletricista investigou por conta própria execução de rapaz pela polícia: ‘Ele nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência’

01 de agosto de 2012, O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Na segunda-feira, cinco policiais militares do 14.º Batalhão (Osasco) tiveram prisão temporária decretada por suspeita de executar César Dias de Oliveira e Ricardo Tavares da Silva, ambos de 20 anos, na madrugada de 1.º de julho na zona oeste de São Paulo. O pai de César, Daniel Eustáquio de Oliveira, de 50, não acreditou na versão de "resistência seguida de morte". Pediu licença no trabalho e passou a investigar o caso, dando subsídios para que o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) pedisse a prisão dos PMs. Oliveira contou sua história ao Estado.

"Trabalhei (na noite do crime) até a 1 hora. Sou eletricista da prefeitura de Vargem Grande Paulista. Havia uma festa junina. Pedi para ir embora porque estava com mau pressentimento. Cheguei em casa à 1h30. Naquele sábado, o César e o Ricardo tinham sessões de tatuagem na casa do primo dele. Precisava ser à noite, porque os dois trabalhavam. O César operava tear em uma indústria têxtil; o Ricardo era repositor em supermercado. Chegariam depois das 3h. Fui dormir.

Às 8h30, o vizinho chega desesperado. ‘Ligaram do Hospital Regional de Osasco, o César sofreu um acidente.’ Chego no hospital e me apresento. O atendente fala: ‘A notícia é a pior possível’. Eu falei: ‘Meu filho morreu’. E comecei a chorar. Perguntei como. ‘Com cinco tiros.’ Além de tentarem roubar meu filho, deram cinco tiros neles. O atendente fala: ‘Peraí, não foi um bandido que matou seu filho, foi a polícia’. Olhei para ele, parei de chorar na hora. ‘Como assim a polícia matou?’ Ele disse: ‘Houve uma perseguição, ele resistiu à prisão, houve troca de tiro e seu filho morreu, chegou morto e o rapazinho está em coma’. Eu falei: ‘Não, houve um engano muito feio e grave. Vou provar que meu filho não fez isso’.

Confio no César. Tinha o coração bom, nunca gostou de violência. Saí do hospital indignado e fui para a cena do crime, analisando tudo. Como eu trabalhava com informática, tenho a mente muito analítica. Vi erros grotescos logo de cara. Cheguei perto do policial, na calma, sem acusar ninguém.

Perguntei: ‘O que houve aqui? Sou pai do dono da moto’. O PM responde: ‘Segundo os policiais, os dois meliantes viram a viatura e empreenderam fuga. O garoto pegou a arma e atirou. Seu filho caiu da moto e levantou atirando’. Eu olhei para o rapaz e para a cena e falei: ‘Não sou perito. Mas você não acha que tem coisa errada aqui?’

Indícios. Segundo os PMs, meu filho empreendeu fuga. Estranho: se ele estivesse fugido, numa CB 300, você acha que a viatura o alcançaria? Segundo: de acordo com a PM, meu filho estava fugindo com o garupa atirando na viatura. A viatura estaria atrás e a moto na frente. Por que meu filho está com dois tiros no peito, um na lateral do tórax, um na virilha e outro na perna esquerda? E por que o Ricardo estava com três tiros na perna pela lateral e não por trás?

Terceiro erro: se eles fugiam, estavam velozes ao perder o controle quando caíram da moto. Me mostra um arranhão nessa moto. Ela está intacta.

Quarto: se meu filho estava fugindo, para ele perder o controle, tem de ter marca da frenagem da moto e da polícia. Não tem.

Quinto: Se os meninos tivessem caído com a moto, eles estariam machucados. Os meninos não tinham hematomas.

Sexto: os meninos foram supostamente socorridos na hora. Não foram. Pela quantidade de sangue, eles ficaram muito tempo no chão.

Sétimo: se ele estivesse fugindo, as marcas de tiros na moto seriam em paralelo ou diagonal. Foram transversais. O PM começou a analisar a cena. Olhou para mim e falou: ‘Os policiais fizeram m...’.

Chegando ao DHPP, peguei o BO, com várias divergências. A cena do crime era incompatível. Os policiais foram burros, nem montar uma cena eles conseguiram. Eu fui mostrando as divergências. Um investigador veio gritar comigo. ‘P..., você está tirando a polícia? Tem uma testemunha. Um rapaz que mora em Carapicuíba, na Cohab I’. Eu questionei. O que esse morador de Carapicuíba estava fazendo às 3h no Rio Pequeno? 

Nos dias seguintes, fui ao DHPP prestar depoimento. Falei que meu filho é inocente e os policiais me olharam daquele jeito, pensando ‘todos falam a mesma coisa’. Fui mostrando para eles, na calma, na paciência. Passei cinco dias indo todo dia no DHPP, levando testemunhas. Uma assistiu a cena do começo ao fim. Com 12 anos, a moça havia perdido um irmão assassinado por um policial. Por isso me ajudou. 

Descobri mais quatro testemunhas, mas elas não foram de jeito nenhum. No quinto dia, um investigador falou: ‘Pelo seu depoimento, a gente passou a olhar a perícia e informações com outros olhos’. Na segunda-feira, meu advogado me telefona: ‘Foram executadas cinco ordens de prisão dos policiais que mataram seu filho’.

Sigo com medo de retaliações. Ouço uma moto, já me preparo. Sei que corro risco. Tatuei o rosto do meu filho no braço. Embaixo, escrevi ‘herói’. Aos 20 anos, ele já era homem. Nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência. Quero olhar para o rosto dele todo dia, até o fim da minha vida."

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

PROGRAMAÇÃO DA 8a FEIRA DO LIVRO DE MOSSORÓ

CONVIDO-LHES PARA A MESA REDONDA "CANGAÇO", DA QUAL FAREI PARTE, JUNTO COM O PROFESSOR JOCA E KYDELMIR DANTAS, EM MOSSORÓ, NA OITAVA FEIRA DO LIVRO, DAS 18:30 ÀS 20:00 HORAS, NO PALCO DO PAVILHÃO





segunda-feira, 30 de julho de 2012

III CONGRESSO NACIONAL DO CANGAÇO

Caros sócios e amigos,

"CONFIRMADO"
O III CONGRESSO NACIONAL DO CANGAÇO SERÁ NA CIDADE DE VITÓRIA DA CONQUISTA/BAHIA NA SEGUNDA QUINZENA DE OUTUBRO DE 2013.

Os trabalhos de organização já começaram.

Divulguem.

Abraços,

Lemuel Rodrigues
Presidente da SBEC
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDO DO CANGAÇO

domingo, 29 de julho de 2012

QUER SER JUIZ? QUER MESMO?

Por Carolina Malta.

Fonte: http://rehabjuridico.blogspot.com.br/2012/06/quer-ser-juiz-quer-mesmo.html


Quer ser Juiz? Quer mesmo? Por que? Você tem vocação? O que exatamente faz um Juiz? Quanto trabalha? Quais são as peculiaridades da profissão? O que fazer para alcançá-la? Qual a razão da dificuldade do concurso?

O debate aqui é exclusivo sobre a motivação que induz alguém, em um determinado momento, a querer ser Juiz. A questão sempre me causou uma inquietação muito grande e certo desconforto porque vejo inúmeros candidatos a Juiz dirigirem-se a um estudo exaustivo para alcançarem esta profissão sem possuírem qualquer ideia, sequer vaga, das atribuições do cargo e sem analisarem a vocação.

É bom que se diga, de início, que o magistrado de hoje em dia dificilmente usa toga, exceto quando participa de sessões de julgamento nos Tribunais. Houve uma substancial mudança, ainda, na formalidade das sessões e audiências. Quem nunca viu, nos filmes americanos, todos se levantando para receberem o Juiz? Na prática, isso não existe!!!

A profissão tem pouco ou quase nada do “glamour” que a ela se atribui. A pessoa, então, ao decidir abraçar esta atividade deve estar atento, desde sempre, que a solenidade de antigamente hoje corresponde a uma atuação silenciosa e quase operária, visando à diminuição da quantidade de processos e à busca pela realização dos atos processuais da forma mais rápida possível, a despeito de inúmeras dificuldades estruturais. E tudo com uma forte cobrança social e também interna…

Para quem pensa que o trabalho do Juiz é feito por seus assessores, saibam que ser Juiz é estar abarrotado de processos quando o assessor invade sua sala com outras duas urgências. Você mantém o raciocínio para concluir a decisão que estava preparando quando é novamente interrompido porque existem advogados aguardando para falar com você. Após atender os advogados, você tenta retomar o raciocínio e aparece outra urgência. Neste momento, você é informado que todas as partes já chegaram e que as 05 (cinco) audiências marcadas para a tarde já podem começar. Além disso, existem mais de 10 (dez) minutas de sentenças na sua mesa para serem conferidas e uma centena de despachos. A atenção para cada sentença/decisão/despacho é que vai determinar o correto funcionamento da sua Vara e a manutenção da coerência dos seus posicionamentos. Nada deve passar despercebido. O erro não será perdoado!

Como já expôs Carnelutti, “nenhum homem, se pensasse no que ocorre para julgar um outro homem, aceitaria ser Juiz”.

Ninguém se torna um Juiz através do concurso. É você que deve investigar, de antemão, o quanto existe em você de ponderação, de equilíbrio, de compromisso com as questões relacionadas ao outro, de responsabilidade, de honestidade, entre tantas outras coisas.

A pessoa que pretende abraçar a magistratura pensando na remuneração logo quebrará a cara! Não vale à pena do ponto de vista financeiro, em virtude do tanto de dedicação que a atividade lhe vai exigir. Assim, a pessoa que pretende abraçar a magistratura pensando em não trabalhar também deve buscar outra atividade.

Quem pretender ser Juiz deve, primeiro, ter um processo pessoal na Justiça. Este é o primeiro passo! Deve sentir na própria pele o que é ser parte; o que é suportar os efeitos da demora de uma decisão; o que é receber uma sentença e demorar anos para executá-la; o que é ter seu direito negado através de uma sentença ou decisão padrão que não analisou corretamente o caso; o que é embargar desta decisão/sentença e receber, como resposta, que a pretensão é de mera rediscussão do julgamento; etc.

Só assim esta pessoa ingressará nos quadros na magistratura enxergando que: há pessoas atrás dos processos; que ela assumiu, antes de tudo, um compromisso de celeridade e respeito com o jurisdicionado; que ela irá trabalhar sem buscar o reconhecimento do Tribunal a que está submetido ou de quem quer que seja, porque o trabalho é voltado para alcançar a finalidade diuturna e simples de entregar a cada um o que é seu; que irá trabalhar dias e noites a fio para cumprir da melhor forma a sua profissão; que não sossegará enquanto tiver processos na estante, que representam pessoas aguardando uma resposta; que a resposta, ainda que negativa, deve ser rápida, para propiciar à parte a possibilidade de recorrer; que cada pedido de habilitação representa uma pessoa que morreu aguardando uma resposta do Judiciário; etc. etc. etc.

Aí eu pergunto: você está pronto para este compromisso?

Assumir a magistratura com qualquer outra finalidade, sobretudo com a finalidade nefasta de não trabalhar ou de fazer o mínimo, chega a ser criminoso. O Juiz relapso, acomodado, preguiçoso não sabe o mal que ele faz a todo jurisdicionado que tem a infelicidade de ter um processo em suas mãos. É este o Juiz que você pretende ser? É para isso que você pretende abraçar a magistratura? São questões que merecem profunda reflexão!

Por outro lado, todo o conhecimento cobrado no concurso é o que dará ao futuro Juiz ferramenta para trabalhar. Ninguém se aventura a proferir sentenças e conduzir audiências sem a preparação adequada. Logo ao entrar na audiência o Juiz poderá estar diante de um representante do Ministério Público e de um advogado devidamente preparados que lhe farão questionamentos para os quais você deve ter pronta resposta. É a preparação para o concurso que lhe dará as respostas.

Então, não desrespeite o processo de aprendizado inerente ao concurso, que será fundamental para a sua atuação profissional. Seja objetivo em sua preparação e otimize o seu estudo, mas não busque atalhos ou “bizus” que proponham a desnecessidade do estudo ou pouco empenho na interpretação das matérias, das leis, da jurisprudência…

O Juiz não deve ser um reprodutor de julgamentos proferidos anteriormente. É preciso que ele tenha conhecimento suficiente para criticar a interpretação dada anteriormente e avaliar se aquela é a melhor interpretação a ser conferida ao caso concreto. Apenas após este filtro interno é que o precedente pode ser aplicado ao caso e, posteriormente, já sem tanto esforço, aos casos idênticos, sem prejuízo das constantes reavaliações.

Por isso, não despreze a necessidade de “preparar-se” para assumir uma profissão como esta. Assuma, de logo, o compromisso de que, uma vez aprovado, será o melhor Juiz que puder, o mais rápido, o mais trabalhador, o mais comprometido com a seriedade da profissão.

Cabe lembrar a lição de Calamandrei: “O juiz é o direito feito homem. Só desse homem posso esperar, na vida prática, a tutela que em abstrato a lei me promete. Só se esse homem for capaz de pronunciar a meu favor a palavra da justiça, poderei perceber que o direito não é uma sombra vã”.

Então, quer ser Juiz? Quer mesmo? Assumirás este compromisso com o outro?

"FALTA VONTADE POLÍTICA PARA CORTAR SUPERSALÁRIOS"

Congresso em Foco

 “Falta vontade política para cortar supersalários” 

Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Marinus Marsico, o procurador que entrou com ação para proibir os pagamentos acima do teto constitucional, diz que a Constituição é mais do que clara e deveria ser cumprida. 

por Eduardo Militão | 10/10/2011 

Marinus ao Congresso em Foco: Constituição é clara sobre a proibição de pagamento de supersalários. 

O procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU) Marinus Marsico está cansado de “conversa” e “desculpas” quando o assunto é supersalário e o pagamento ilegal de vencimentos acima do teto do funcionalismo. Para ele, não é necessária nenhuma lei ou qualquer tipo de novo regulamento. Também não há qualquer dúvida quanto ao que se deve fazer. Basta apenas cumprir o que está claramente escrito na Constituição. Ou seja: cortar todo e qualquer valor que ultrapasse os R$ 27.723 que são pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ele é contra a ideia da presidente Dilma Rousseff de enviar ao Congresso mais um projeto de lei para regulamentar o teto. “Não precisa de mais lei, nem mais de conversa. O que precisa é aplicar esse artigo da Constituição”, protesta Marinus. 

Por isso mesmo, diz ele, o Senado deveria cortar o salário de seu presidente, José Sarney (PMDB-AP), que ganha pelo menos R$ 62 mil entre aposentadorias e subsídios, como revelou o Congresso em Foco. “O presidente do Senado deveria, por iniciativa própria, abrir mão uma vez que ele é chefe de Poder, abrir mão desse excesso remuneratório”, prega ele. 

Marinus é o autor da representação que resultou em um processo que apura a existência de 1.061 servidores que, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, receberam mais que o teto Constitucional em 604 órgãos do Poder Executivo. A maioria deles conseguiu isso com mais de um emprego. O caso está com o ministro Augusto Nardes. No Poder Judiciário e no Poder Legislativo, também há centenas de supersalários. 

Para Marinus, os responsáveis pelas folhas nos três poderes se pegam em falsas dúvidas, falsos problemas e falsas excepcionalidades para justificar a manutenção de pagamentos acima do teto constitucional. Uma dessas falsas premissas, segundo ele, seria a necessidade de unificação das folhas para verificar a existência de pagamentos vindos de diferentes fontes pagadoras. Essa é uma das situações que hoje provocar os supersalários e, na alegação dos responsáveis pela fiscalização, dificultaria os cortes nos valores excessivos. “Há vários casos notórios, cujos cortes poderiam ser feitos”, rebate Marinus. “Dizer que não se pode fazer o corte por falta da informação unificada seria o mesmo que você pedir um banco de dados para todos os homicidas do Brasil, encontrar um assassino na rua que não está no banco e não prendê-lo”, compara. 

O procurador defende que praticamente todas as situações que excedam o vencimento dos ministros do STF entrem na conta do teto: salários, subsídios, aposentadorias, pensões, cargos em comissão, rendas vindas de um segundo ou terceiro empregos públicos … Ficariam de fora apenas 13º, férias, horas extras esporádicas e auxílios, como tíquete-alimentação. 

Marinus reconhece que o atual salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal – que é o valor do teto – não é ideal e está descalibrado em relação a outras carreiras, que acabam até sendo pior remuneradas do que deveriam. O procurador acha injusto que ele próprio ganhe 85% do subsídio dos 11 ministros da corte suprema do Brasil. Mas enfatiza que hoje servidores ganham muito mais do que ele e que todos os membros do STF. 

Como vem mostrando o Congresso em Foco, os supersalários são pagos em toda a administração a políticos, magistrados, autoridades e servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. 

Congresso em Foco – A determinação de que ninguém pode ganhar acima do teto constitucional, que é o salário do ministro do STF, está na Constituição, que é de 1988. Vem sendo discutido principalmente depois da reforma da previdência de 2003. Atualmente, há discussões sobre o tema no TCU e na Justiça para que o corte nos supersalários seja feito. E a presidente Dilma, em embate com o presidente do Supremo, Cézar Peluso, quer uma nova lei para regulamentar o tema. Porque não se cortam os suspersalários? É preciso uma lei nova para regulamentar o tema?

 Marinus Marsincus – Não é preciso lei nenhuma. Não falta mais nada para que se faça o corte no vencimento de quem ganha além do teto. Falta apenas vontade política. Já temos leis de montão nesse país para resolver isso. A Constituição é absolutamente clara em relação a esse artigo de controle do teto constitucional, e ela é auto-aplicável. Restam agora somente desculpas para não se implementar o teto constitucional. 

Mas os responsáveis pelas folhas de pagamento alegam que é preciso definir que exceções devem ou não ser aceitas na discussão sobre o que seja o teto …

Lei não falta, não é preciso definir nada. A Constituição, ao tratar do tema, tem um dos dispositivos mais claros e felizes no seu corpo. Não há mais margem a qualquer tipo de interpretação, a qualquer tipo de dúvida sobre a aplicabilidade do teto constitucional, não só a funcionários que recebem por uma fonte, mas a funcionários que recebem por mais de uma fonte, ou seja, mais de um emprego público. Não há mais dúvida em relação a isso. O que agora nós estamos lidando é com desculpas para que nós não implementemos o controle do teto constitucional. Esse controle é feito de uma maneira bastante eficaz apenas para a raia miúda, digamos assim, para os funcionários mais modestos, enquanto que os peixes grandes escapam tranquilamente desse tipo de controle. 

Quando a pessoa recebe de duas fontes, como se descobre isso? Há quem alegue a necessidade de criação de um banco de dados para saber quem está ganhando acima do teto?

É claro que não é necessário um banco de dados. O banco de dados é apenas para ajudar o agente público a detectar casos em que por mais de uma fonte se extrapolou o teto. Agora, você não precisa esperar o banco de dados quando você conhece casos notórios de extrapolação de teto para cortar esses salários. Seria o mesmo que você pedir um banco de dados para todos os homicidas do Brasil, encontrar um assassino na rua que não está no banco de dados e não prendê-lo. A verdade seria essa fazendo uma comparação bastante exagerada, mas pertinente. 

Falta, então, vontade política para resolver isso?

Sempre faltou vontade política para resolver isso, porque muitas pessoas que recebem salários altos na administração pública, sobretudo através de mais de uma fonte, não estão interessadas em regulamentar o teto. 

O CNJ chegou a fazer uma resolução colocando as aposentadorias e pensões na conta do teto. Depois fez outra excluindo as pensões. Não há uma contradição?

Em primeiro lugar, esse assunto está sendo discutido agora sobre as atribuições do CNJ. Eu entendo que quem interpreta a Constituição não é o CNJ, é o Supremo Tribunal Federal. Esse dispositivo constitucional é absolutamente claro. Pensões, aposentadorias e cargos da ativa, todos eles somados, têm que ficar no teto, não pode ultrapassar o teto constitucional. Isso não está sendo cumprido. 

Então, essa iniciativa da presidente Dilma, de pedir mais uma lei, pode ser inócua? Só precisa de aplicação da Constituição? É isso?

Não precisa de mais lei, de mais nada, nem mais de conversa. O que precisa é aplicar esse artigo da Constituição. Ora, a partir do momento em que um agente público descobre que existe um servidor público que recebe muito acima do teto, ou que recebe por mais de um emprego público, não precisa perguntar para mais ninguém. Você tem autonomia dentro da sua jurisdição, dentro do seu círculo federativo, ou seja, a União, você pode retirar esse excesso do teto. Não há o mínimo impedimento em relação à Constituição. Criar uma nova lei é totalmente desnecessário, uma vez que a regra é muito clara. E além de tudo é uma iniciativa que vem com seis anos de atraso, já que desde 2005 nós temos o teto constitucional e as normas constitucionais bastante claras. 

Mas o teto já não estava definido em 1998 e em 2003, naquelas reformas da previdência?

O teto estava definido, mas não havia uma regulamentação sobre que parcelas entrariam ou não entrariam. A partir de 2005, não há mais desculpa nenhuma em relação a isso. Em 2005, foi criado o subsídio, ou seja, os agentes públicos passaram a receber através de um subsídio único, onde todas as parcelas foram incorporadas a ele e, a partir daí, não haveria mais nenhuma discussão. Essa foi inclusive a intenção do legislador. Foi de pacificar o tema. Em 2005, foi emenda constitucional. Não deveria haver nenhuma discussão. A Constituição foi bastante analítica nesse aspecto. Deixou bastante clara a intenção do legislador constitucional. E, a partir daí, o que há são apenas discussões sem nenhum efeito prático. 

Vou dar um exemplo revelado pelo Congresso em Foco. O senador Sarney recebe R$ 26.700 do Senado e, pelo menos, R$ 35 mil do governo e do tribunal de Justiça do Maranhão. É um fato público, notório e não negado. Pelo que o senhor fala, o Senado deveria, só pela ciência disso, cortar o salário dele?

Com certeza. Inclusive, acredito que o próprio presidente do Senado deveria, por iniciativa própria, uma vez que ele é chefe de Poder, deveria já abrir mão desse excesso remuneratório, tendo em vista a clareza da norma constitucional. O que se discute hoje não é se a Constituição está certa ou errada, mas apenas a maneira de regulamentar isso. Ou seja, entramos em filigranas para evitar a que a Constituição seja aplicada. Esse artigo é claramente auto-aplicável. Não há a mínima dúvida em relação a isso. 

Há uma hipocrisia nisso?

A palavra é um pouco forte, mas eu diria que se faz vista grossa a essa norma constitucional. Ainda estamos na realidade de que, no Brasil, algumas normas pegam e outras não pegam. Essa já tem no mínimo seis anos que não pega. E nós vemos casos absurdos. Pessoas com mais de cinco vínculos empregatícios que extrapolam de longe o teto constitucional e não se pode cortar. 

O senhor fala em subsídio. Alguns servidores do Judiciário dizem que essa é a solução para os supersalários, porque ele estanca essa prática. É uma solução mágica?

A intenção foi dar uma solução para isso, colocar o subsídio. Essa solução foi dada para os agentes políticos do Judiciário, os juízes e membros do Ministério Público. Parece hoje que só eles que cumprem o teto. Vamos chegar a um ponto em que só os ministros do Supremo cumprem o teto, porque os servidores públicos no Legislativo e mesmo no Executivo, porque têm mais de uma fonte, eles estão fora do teto. 

Fizemos um levantamento que mostrou que mesmo ministros do STJ, do Supremo e do CNJ, que ganham por subsídio, estavam estourando o teto. Eles argumentaram que era abono de permanência, jetom e exercício da presidência do tribunal ou algum outro caso não revelado. Isso não desbanca essa tese?

No meu entendimento, a Constituição é muito clara, e qualquer exceção que deva ser dada a esse teto tem ser através de uma interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal. É ele que diz o que vale e o que não vale para a Constituição. 

O que para o senhor é legal e moralmente aceitável para se excluir das parcelas do teto?

As parcelas indenizatórias, que são, por exemplo, horas extras… 

Horas extras mesmo…

Horas extras mesmo, não aquelas horas extras que são pagas em período de recesso legislativo [Em janeiro de 2009, o Senado pagou mais de R$ 5 milhões a seus funcionários. Auditoria do TCU identificou que R$ 19 milhões foram pagos indevidamente aos servidores da Casa, inclusive porque o serviço “além do normal” acontecia todos os meses]. Os auxílios-alimentação, auxílio-transporte, todas essas parcelas que possuem caráter indenizatório. 

E o abono de permanência, bônus pago ao funcionário que preferiu não se aposentar apesar de já ter esse direito?

O abono de permanência é uma questão mais intrincada, uma vez você usou essa legislação, ela tem caráter excepcional para manter servidores que já poderiam se aposentar. Nessa questão, eu preferia não tecer nenhum comentário, uma vez que é uma questão bastante intrincada e o impacto que ela tem sobre o teto constitucional é muito pequeno. 

Férias e 13º estariam fora.

Férias, 13º obviamente. 

O cidadão tem dois empregos. Trabalha aqui e na Universidade de Brasília. Isso conta para o teto?

Os dois somados deveriam ficar dentro do teto. Não ficam. Em qualquer verificação, não fica. Um servidor que é aposentado do Executivo e ocupa um cargo em comissão no governo do Distrito Federal, ele está fora do teto. Deveria estar dentro, mas está fora. Não há o mínimo controle. 

E o funcionário da administração que dá aula em uma universidade pública? Ele tem dois empregos. Tudo deve somar para o teto?

A soma desses dois empregos deve estar no teto. A Constituição permite apenas o acúmulo, desde que não haja interferência na carga horária. 

Cargos comissionados, que são a briga do Senado e da Câmara na contestação judicial que fizeram do corte nos supersalários, deveriam entram na conta?

Mas não há mínima dúvida. A Constituição é clara. Qualquer tipo de cargo. 

O senhor acredita que essa questão do subsídio para os funcionários resolve o problema? Ajudaria ou é um discurso paralelo?

Acho que não. Logo se encontraria um jeitinho brasileiro de se burlar esse plano. A questão do controle do teto passa por uma rigorosa fiscalização e por uma vontade política de se controlar e por um sistema remuneratório realista. Eu recebo aproximadamente 15% a menos que um ministro do Supremo. Não acredito que meu salário seja muito alto em face da produtividade que acho que tenho. Entretanto, eu acho que é injusto que um procurador receba 85% do salário de um ministro do Supremo. A diferença deveria ser maior. Há servidores públicos que recebem acima ou igual ao ministro do Supremo. Com que direito um servidor público deve receber igual ou mais que um ministro do Supremo? Em hipótese alguma deveria. Então, cabe uma melhor discussão em relação ao sistema remuneratório das três esferas de Poder.

A CONSTITUIÇÃO E O TETO SALARIAL DO FUNCIONALISMO

Do congressoemfoco.uol.com.br

A Constituição trata do teto salarial do funcionalismo em dois momentos. No artigo 37 inciso XI, o texto diz que a remuneração e o subsídio dos servidores públicos não pode “exceder o subsídio mensal” dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos municípios, não pode ultrapassar o salário do prefeito. Nos estados e no Distrito Federal, o teto é o que ganha o governador, no caso do Poder Executivo, e os desembargadores do Tribunal de Justiça, no caso do Judiciário. O texto constitucional não fala em exceções à regra.

Para não deixar qualquer dúvida de que a intenção é cortar qualquer subsídio que ultrapasse os limites do teto constitucional, a Constituição acrescenta no artigo 17 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias: “Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.

Constituição Federal:

Art. 37
(…) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Es-taduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o sub-sídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tri-bunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

Artigo 117 dos Atos das Disposições Transitórias:

“Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”