sábado, 12 de dezembro de 2009

SIMULACRO







Vaidade

Nesse estágio do nosso processo civilizatório, muitos recusam a aparência de sua própria idade.

Pintam os cabelos, lambuzam-se com cremes, fazem plásticas.

Não se vêem como de fato estão – simulacros.


BILHETE DE JÂNIO RÊGO

Honório de Medeiros e Carlos Santos,


Desconectar-se da internet é missão difícil para quem vive no ofício do jornalismo "on line". Mas faço o possível. Neste sábado vou pro êrmo da caatinga do riacho São Mateus, onde não há energia elétrica e nem a telefonia alcança. Em compensação o gavião pousa no olho da carnaúba e o cardeal canta pousado nos galhos do pereiro perto do alpendre da casa. Mas mesmo acessando, até hoje (esta semana será de total alheamento, garanto porque preciso), não meti o bedelho nem postei nada desde terça-feira no Blog da Feira (www.blogdafeira.com.br) onde Paulinha de Jesus, Paula Macedo e Orisa Gomes continuam, apenas com um pouco mais de encargos, o que já fazem comigo do BF um veículo de qualidade indispensável na comunicação baiana, apesar, e talvez por isso, dos ferrenhos inimigos que consegui com minha liberdade de opinar e de fazer jornalismo de qualidade e buscando equipe arejada e disposta ao trabalho. A elas e repito os nomes com orgulho – Paula Macedo, Orisa Gomes e Paulinha de Jesus - dedico a atenção que vocês dispensam, nos seus blogs, sobre a estadia no Rio Grande do Norte deste tabaréu feirense que nunca deixou de ser um matuto de Mossoró da turma do Patamar da São Vicente. Um abraço de irmão, Jânio Rêgo.

POLÍTICA


inconfidencial.com.br
Paulo Francis

"Política é uma ilusão, talvez uma das mais absorventes, quando se é jovem, para preencher o vácuo de nossa alma, o silêncio que assustava Pascal, que todos podemos ouvir se cessarmos alguns minutos de bugiar nossas paixões. Prefiro preenchê-lo com música, pintura e Madeleine Stowe, quem me dera..." (Paulo Francis, em "O Globo", algum domingo de março de 1994).

AS ARMADILHAS DO EGOISMO SOCIAL


magenco.blog.uol
"São" Albert Schweitzer

Por Honório de Medeiros

Albert Schweitzer, quando se dispôs a estudar medicina para, formado, ir morar na África e cuidar dos miseráveis, já era famoso na Europa inteira como um dos maiores intérpretes de Bach. Terminado o curso, fundou um hospital no Gabão e, durante o restante de sua vida, enfrentando toda a sorte de adversidades, se doou por inteiro a mais nobre das missões: salvar vidas humanas. Ele, mais que ninguém, demonstrou que é possível acreditar no Homem, principalmente por que suas ações não foram estimuladas por um projeto político ou vocação religiosa, mas, sim, e somente, pela nobreza de sua alma, e sua pureza de intenções.

Longe de nós acreditarmos que temos o mesmo estofo moral de Albert Schweitzer. Quando muito, se possível, apresentamos a virtude de tentarmos ser honestos no dia a dia. Não é muita coisa, mas, dentro dos nossos limites, é o possível. Entretanto, parece que até mesmo essa tentativa de honestidade está desaparecendo lentamente do nosso cotidiano. Basta fazermos um pequeno exame de consciência e a constatação salta aos olhos. Por exemplo: quantas vezes não desrespeitamos as regras do trânsito, principalmente em detrimento de outros motoristas? Quantas vezes não furamos filas de banco, desrespeitando o direito de quem nos antecedeu? Quantas vezes não aceitamos o jogo do guarda de trânsito corrupto, e lhe damos a "bola" que ele deseja? Quantos e quantos outros exemplos não poderiam ser citados aqui!

Alguém poderia argumentar que tais infrações são muito pequenas, "o importante é ser honesto no essencial", e tudo isso faz parte da sordidez que é, hoje, a vida em sociedade. Ledo engano. Esses exemplos são reveladores de uma doença social: vivemos hoje em uma sociedade egoísta, narcisista, fútil, enfim totalmente construída a partir de valores negativos: o honesto passa por tolo, o altruísta é visto como excêntrico e, ao contrário, aquele que leva vantagem em tudo é esperto e o mundo, por derradeiro, pertence aos cínicos, aos amorais.

Já não existe, por exemplo, nas Universidades, o "espírito" de grandeza dos estudantes de então. Fazíamos Direito para lutar pela justiça, e medicina para curar. Hoje, a meta é a profissionalização, no mais curto espaço de tempo e o enriquecimento imediato. Somos todos "alpinistas sociais" e nos medimos e avaliamos pelo que temos, e não pelo que somos. Esta é a realidade de uma época. O quê não dizer, por exemplo, dos nossos homens públicos? Se analisarmos os candidatos que postulam, nas eleições que se aproximam, esse ou aquele cargo, a qual conclusão podemos chegar?

E o resultado dessa nossa conduta nos agride diariamente: somos vítimas de nossa omissão, colhemos aquilo que semeamos. Quê fazer? Cruzar os braços? Fazer parte, também, da multidão de indigentes morais? Ou dar, pelo menos, na medida de nossa capacidade, pequenos passos para tentar construir um mundo melhor? Vale salientar que essa opção apresentada diariamente a cada um de nós envolve nosso presente e o futuro de nossos filhos. Então, a título de exemplo, não deveríamos escolher nossos candidatos nessas eleições que se aproximam, a partir de critérios tais como honestidade, competência, amor à coisa pública? Não deveríamos analisar, por exemplo, a conduta passada de cada um deles: se foi honesto; se prestou algum serviço relevante à comunidade e o fez sem interesse imediato; se foi coerente ideologicamente...

É evidente que, assim como Diógenes, o Cínico, que na Grécia antiga procurava nas ruas de Atenas um homem totalmente honesto, e não o encontrava, possivelmente também não acharemos algum que esteja de acordo com nossa esperança. Mas talvez encontremos um ou outro que tenha pelo menos uma qualidade essencial: não ser corrupto. Desprezemos os arrivistas, os carreiristas, aqueles reconhecidamente incompetentes e, principalmente, os desonestos a eles, o ostracismo político. Assim, valorizando nosso voto estamos, mesmo que de forma imperceptível, dando um pequeno grande passo para a construção de um mundo melhor.

E, mesmo que seja difícil a luta diária que travamos conosco para sermos um pouco melhor do que éramos ontem, convém ir em frente, pelo menos por dois motivos: somos nós, através de nossas ações e omissões, que construímos o futuro que nossos filhos herdarão; por outro lado, assim agindo, talvez não tenhamos tanta vergonha (para os que a sentem) de sermos tão diferentes de Albert Schweitzer.

O NATAL E O CONSUMISMO


Consumismo

Por Pe. Matias Soares

A Igreja, através da sua Liturgia, está celebrando o Advento, que é um período de quatro semanas, cuja finalidade é preparar a comunidade cristã para viver a mística e a comemoração do nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus e nosso Salvador. Neste tempo, “nós cristãos somos chamados a tomar consciência da nossa dignidade” (São Leão Magno, Papa, séc. V). E esta consiste no fato de que Deus nos deu uma prova de amor: “Sermos chamados filhos de Deus. E nós o somos! Se o mundo não nos conhece, é porque não o conheceu” (cf. 1Jo 3,1). Mas só somos filhos no Filho, graças à encarnação de Jesus, nascido de uma mulher, na plenitude do tempo (cf. Gl 4,4-7). A salvação de Deus abarca todos os tempos e lugares. Por isso que, a experiência do nascimento de Jesus Cristo na mente e coração de cada cristão vai além do dia 25 de Dezembro. Nós cristãos devemos lembrar antes de tudo que o Natal é momento de saber com quem precisamos estar e o que podemos ter pela encarnação da Palavra de Deus, em nossas humanidades (cf. Jo 1,14).

Na modernidade, depois da Revolução Industrial (séc. XIX) e mais radicalmente na Posmodernidade com indústria da cultura alimentada principalmente pelos meios de comunicação, o sagrado também está sendo meio de instrumentalização do transcendente, agora visto como transcendental. E aqui há uma sutil, porém, fundamental diferença que possibilita a interpretação do fenômeno do consumismo que escraviza as pessoas de modo silencioso e objetual. Enquanto que no período clássico o transcendente tinha seus fundamentos na realidade, na reviravolta da modernidade o conteúdo para a estruturação do conhecimento e do ser ficou por conta do sujeito. E eis a inquietação que precisa ser respondida: Quem vai ser o sujeito de quem? O mercado, que é esta mão invisível (Adam Smith), mediante seus muitos suportes econômicos, soube e continua sabendo, como utilizar e direcionar às pessoas para o objeto que não satisfaz e nunca satisfará, pois o transcendental não pode ter objeto, e assim ditar as liberdades individuais e coletivas que com suas vontades de poder eclipsam as verdadeiras potencialidades do ser.

O consumismo é um dos sinais mais contundentes do fracasso da falaciosa felicidade do homem posmoderno. A revista Isto É (18 Nov/2009, ano 32, No 2088, pág. 70-71) trouxe uma matéria sobre consumo que afirma que “o endividamento crônico atinge milhões de brasileiros e pode ser uma porta de entrada para o vício do consumismo compulsivo” e apresenta 4 tipos de consumidores, a saber: 1) O equilibrado: Gasta menos do que ganha e economiza para poder comprar o que precisa. Evita dívidas cheque especial; 2) O neurótico: Passa horas no shopping, entra em diversas lojas, experimenta os produtos e não compra nada; 3) O primitivo: Compra com freqüência produtos repetidos e inúteis. Tende a acumular supérfluos em casa; e 4) O psicótico: Gasta mais do que ganha. Acumula dívidas, compromete o orçamento familiar e tem problemas legais. Por isso que cabe perguntarmo-nos em qual estágio estamos e se estamos, que é o caso dos mais pobres? A quem interessa de fato esta situação? O consumismo nos faz felizes e equilibrados ou é mais um sinal do vazio existencial? Qual é a realidade transcendente que, nós cristãos devemos querer e doar neste Natal que se aproxima?

Jesus um dia disse que nosso “Pai do céu sabe que temos necessidade de todas essas coisas” (cf. Mt 6,32); contudo afirmou: “buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (cf. Mt 6,33). Que o Natal do Menino Deus nos ajude a entender o significado destas palavras! Assim o seja!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

JORNALISTA JÂNIO RÊGO NO RN


Jânio Rêgo

O jornalista Jânio Rêgo atravessou a fronteira norteriograndense ontem, pela madrugada.

Veio em busca de subsídios que demonstrem seus laços de parentesco com o Mui Ilustre Capitão Innocêncio Affonso do Rêgo, importante personagem da história de Feira de Santana no Séc. XIX.

Consta que, muito rico, destribuiu bebida a granel ao povo da cidade quando da prisão de Lucas da Feira, o famigerado bandoleiro feirense.

Seu mausóleu, naquela importante cidade bahiana, impressiona pela vetustez e imponência.

PERGUNTEI A ADRIANO DE SOUSA


Adriano de Sousa, de taça na mão

Perguntei a Adriano de Sousa:

"Quais os três maiores escritores norteriograndenses (literatura) de todos os tempos?"
 
Veja segunda-feira próxima o que ele respondeu.

O NOBEL DA PAZ MANCHADO DE SANGUE


preca.blogspot.com
Pomba sobre armas

Barack Obama recebeu, dia 10 deste, o prêmio Nobel da Paz em Oslo.

Há dez dias havia ordenado o envio de mais 30.000 soldados ao Afeganistão.

Talvez pressionado por essa contradição, afirmou, em seu discurso de agradecimento, que às vezes é preciso ir à guerra.

E fez a defesa daquilo que ele denominou de “guerras necessárias”. Exemplificou lembrando que “um movimento não violento não poderia ter detido os exércitos de Hitler”.
Dentre os tipos de “guerra necessária” apontou a autodefesa, a intervenção humanitária e a ajuda a alguma nação invadida.

Mas não indicou quais os critérios a serem seguidos para se caracterizar a autodefesa, a intervenção humanitária e a ajuda às nações invadidas. No Governo Bush, era mais fácil: iluminação divina.

Consta que o discurso de Obama foi muito aplaudido. Lá estavam os reis da Noruega, dignitários, aristocratas, e uma platéia entusiasmada.

Mas não se constatou a presença de iraquianos, afegãos, vietnamitas, filipinos, granadinos ou granadenses, panamenses, haitianos...

Todos que sentiram, no corpo, na alma, e no coração os efeitos não de “guerras necessárias”, mas, sim, de “guerras interesseiras”.

Os iraquianos e os vietnamitas poderiam, se lá estivessem, e lhes fosse dada a palavra, falar acerca da estranha coincidência entre as ações militares dos EUA, os interesses do Pentágono e de algumas multinacionais (ou transnacionais).

A face oculta das tais “ambições imperiais” norte-americanas, agora ainda mais subterrâneas, pois ofuscada pela aura de bom-mocismo que emana do ainda carismático, mas já “enquadrado” (que o diga o não-fechamento de Guantánamo) Barack Obama.

Algo tão antigo, tais ambições nas elites que governam, quanto aquelas que impulsionaram a Inglaterra Vitoriana ou o Império Romano.

"A CARTUXA DE PARMA", DE STENDHAL


Stendhal

“A duquesa ficou encantada.
- Se formos expulsos – disse-lhe ela -, iremos ver-te em Nápoles. Mas, já que aceitas até nova ordem a solução das meias roxas, o conde, que conhece bem a Itália atual, encarregou-me que te prevenisse do seguinte: podes crer ou não crer no que te ensinarem, mas nunca faças nenhuma objeção. Imagina que te ensinam as regras do jogo de “whist”; pensarias em fazer objeção a essas regras? Eu disse ao conde que eras um crente e ele se alegrou muito; isso é útil quer nesse mundo, quer no outro. Mas se crês, não caias na vulgaridade de falar com horror de Voltaire, Diderot, Raynal, e de todos esses desmiolados franceses precursores das duas Câmaras. Que esses nomes raramente te saiam da boca; mas, enfim, quando preciso, fala desses senhores com uma ironia calma; é gente de há muito refutada, e cujos ataques não surtem mais efeito. Crê cegamente em tudo que te disserem na Academia. Lembra-se que haverá gente que tomará nota fielmente das tuas menores objeções; poderão perdoar-te uma pequena aventura galante se for bem conduzida, mas nunca uma dúvida; a idade suprime a aventura e aumenta a dúvida. Procede de acordo com esse princípio no tribunal da penitência. Terás uma carta de recomendação para um bispo factótum do cardeal arcebispo de Nápoles; somente a ele deverás confessar tua escapada na França e tua presença, no dia 18 de junho, nas cercanias de Waterloo. Aliás, deves abreviar, diminuir tanto quanto possível essa aventura, confessa-a apenas para que não te possam acusar de a teres ocultado; eras tão moço, naquela época!... A segunda advertência que o conde te manda é esta: se te ocorre um argumento brilhante, uma réplica vitoriosa que mude o curso da conversação, não cedas à tentação de brilhar, conserva-te calado; as pessoas finas verão teu espírito em teus olhos.”

HIPÓTESES


Hipóteses

"Hipóteses são redes, só que as lança capturará. Não foi a própria América encontrada por hipótese? Alta e acima de tudo viva a hipótese - só ela permanece" ("Pólen"; Novalis).

CORTEZ PEREIRA


chagasilva.com
Cortez Pereira

Por Honório de Medeiros

Conheci Cortez Pereira pessoalmente quando, Presidente do Centro Acadêmico do curso de Direito, convidei-o para proferir palestra acerca das relações entre marxismo e jusfilosofia em um dos seminários que nós regularmente promovíamos. Na ocasião, dentre as críticas ao marxismo por ele esgrimidas estava a do descompasso entre as previsões de Marx quanto ao surgimento da revolução socialista na Inglaterra – único país, naquela época, que cumpria a necessária etapa do aprofundamento das contradições da classe burguesa através da revolução industrial, e o fato de o processo revolucionário ter acontecido na Rússia feudal. Perguntei-lhe se a teoria de Lênin acerca da tensão revolucionária queimar a etapa da ascensão da burguesia não seria correta, ao que ele me redargüiu que a tese carecia de comprovação histórica.

É difícil explicar nosso fascínio juvenil por Cortez Pereira, pois ele era um liberal e havia sido Governador através do Movimento de 64 enquanto nós, no verdor de nossa carreira intelectual, ávidos para salvarmos o Brasil e o mundo, pertencíamos a algum dos matizes da esquerda tupiniquim. Talvez a sombra de sua retórica envolvente, misto de conhecimento técnico e arroubo poético, o eco de sua difícil e romanesca vitória no concurso para professor de Introdução ao Estudo do Direito da Universidade Federal, suas memoráveis defesas de projetos e programas de Governo e, principalmente, sua imolação no altar da ditadura, através de uma cassação hipócrita, tivesse construído essa aura de respeito que lhe tributávamos.

Pouco depois, ainda no tempo em que todos os cursos da Universidade Federal colavam grau juntas e o orados das turmas concluintes era escolhido por concurso, nós o tivemos como paraninfo – salvo engano a primeira homenagem pública pós-cassação. Quando terminou de nos falar pediu ao cerimonial que me trouxesse a sua presença para confirmar se eu, “de fato, pelo que pude perceber do seu discurso, não era mais marxista”. Disse-lhe que estava em fase de transição, ele me abraçou dizendo baixinho: “também eu sonhei seus sonhos”.

Entretanto, o mais emocionante dos momentos que vivi através de Cortez Pereira ocorreu quando assisti seu depoimento em “Memória Viva”. Várias vezes meus olhos se encheram de lágrima – uma delas mais intensamente: ele nos contava, aos seus interlocutores e espectadores, qual o instante mais intenso que vivera no Governo, aquele no qual, no final de uma tarde, pleno pôr-do-sol, arriou a Bandeira do Brasil do seu mastro saudado por quase uma centena de cantadores de viola que tinham vindo até o Palácio Potengi prestar-lhe uma homenagem.

Agora, na maturidade, ainda permaneço fascinado pela concepção estratégica de seu plano de governo e sua capacidade de agregar valores humanos no seu entorno. Tão importante é sua contribuição, nesse aspecto, que ela permanece como referência aos políticos e administradores públicos.

Honro sua memória com essas lembranças quase esmaecidas e o respeito que alguém intelectualmente superior sempre nos suscita, quaisquer que tenham sido seus erros.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

SAIR DA VIDA COM DIGNIDADE


marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br
Arthur Koestler e Cynthia

Suicidou-se, aos 50 anos, a atriz Leila Lopes.

Em anos recentes deu-lhe fama o papel da “professorinha Lu”, na novela Global “Renascer”, 1993, e posar nua para a Playboy.

“Não quero envelhecer e sofrer”, explicou ela, em bilhete deixado para sua família.

Em 1983 Arthur Koestler, 77, hoje pouco lembrado autor de “O Zero e o Infinito”, e sua esposa Cynthia Jeffries, 56, também se suicidaram.

Eram eles membros da “EXIT” – The Society of the Right to Die with Dignity.

O suicídio, para Koestler, era um ato consciente de autodestruição que o libertava da irracional opressão dos males da natureza, tal qual a velhice.

Qual a razão, entretanto, para Cynthia Jeffries acompanhar Koestler nesse último ato? Em um adendo manuscrito à carta de despedida do escritor, ela explica: “Sem dúvida, não posso viver sem Arthur."

Sair da vida com dignidade.

Razão pela qual, talvez, entre nós, assim optou Osvaldo Lamartine.

A DEMOCRACIA É UMA FICÇÃO ESTATÍSTICA?


(anycase.wordpress.com)
Goedel e Einstein

GOËDEL demonstrou que um axioma não pode ser considerado como verdadeiro a partir do sistema que o engendra. Provou que apelos à intuição não podem ser eliminados; solapou o programa de imunização do formalismo, tão caro ao positivismo lógico. Não há, pois, possibilidade de sistematizar por inteiro o raciocínio matemático. Ou seja: certas afirmações da matemática, por exemplo, nunca poderão ser demonstradas verdadeiras ou falsas em si mesmas. É o famoso Princípio da Incompletude. O corolário é que a lógica, tal qual a simbólica, por intermédio da qual se investiga a verdade de uma teoria NÃO empírica é sempre uma aventura intelectual. Saberia disso BORGES quando afirmou ser a democracia uma ficção estatística?

CETICISMO


Ceticismo

"Não sou cético demais em relação à maioria das coisas para ser um romântico completo" (Alvin Toffler; "Previsões e Premissas").

É A CERTEZA DA PUNIÇÃO, NÃO A EDUCAÇÃO, QUE NOS CONTÉM


Punição

Por Honório de Medeiros

Somos levados a crer na capacidade redentora, quanto à moral, da educação. E isso decorre de nossa ligação histórica com o ideário iluminista, que pregava a superação dos males inerentes à condição humana através do dom que Deus supostamente havia dado aos homens – a razão.

Esses males, não há necessidade de os nominar. Lembremo-nos, apenas, da selvageria que, ao contrário do que supunha Rousseau, ao pregar a bondade inerente do ser humano, e mais em conformidade com o “homo lupus homini” de Hobbes, espreita e assume o controle todas as vezes que a camada de verniz que nos contém é rompida, e isso acontece sempre, em todos os lugares, com todos nós.

A verdade é que somos selvagens contidos pela dor que a reação ao nosso desvario pode causar. Nesse sentido, quanto mais “civilizado” um País, ou seja, quanto mais existir lei, ela for dura e, principalmente, cumprida, maior a possibilidade de haver essa contenção que nos impede de cedermos à animalidade. Não é demais recordarmos a dualidade existente no homem apontada por Robert Louis Stevenson em “O Médico e o Monstro” para percebermos o quanto temos consciência dessa bestialidade contida a dura força.

É por essa razão que campanhas educativas como as do trânsito ou do desarmamento são fadadas ao fracasso se, enquanto contrapartida, a impunidade historicamente grassa pelo território nacional. Acaso alguém supõe que aqueles contumazes desrespeitadores das leis do trânsito, que dirigem embriagados, atravessam velozmente sinais vermelhos, deixarão de faze-lo ao verem uma propaganda educativa? Acaso alguém supõe que as pessoas violentas e educadas na impunidade deixarão de agredir suas esposas, filhos, vizinhos, quem quer que seja, com barras de ferro, facas, correntes, bastões de madeira, as próprias mãos, como conseqüência de uma campanha de desarmamento ou passeata “pela paz?”.

É sob o âmbito dessa questão que deve ser analisada a monstruosidade do crime cometido por um juiz de Sobral, Ceará, contra um inofensivo e desarmado vigilante de Supermercado. O juiz, que no mesmo dia já dera demonstração de prepotência e abuso, que era conhecido na cidade por sua arrogância e despreparo, é membro da elite brasileira e, como tal, recebeu educação aprimorada, fez concurso público, e foi guindado a um cargo público respeitável, dentro da estrutura do Estado brasileiro.

Não adiantou. Irracionalmente convencido de sua impunidade, agiu como um animal ensandecido que tivesse tido seu domínio territorial ameaçado por um inimigo feroz. Assim agiam, e agem, aqueles que somente vêem o mundo através da ótica da força bruta: os líderes traficantes, mafiosos, assaltantes, terroristas, anônimos torturadores, violadores ineventuais dos direitos humanos básicos do cidadão.

Esse ato do juiz seria uma exceção? Não. Nós é que fazemos de conta que sim, por que nos acovardamos. Mas cada um de nós sabe por que viveu diretamente ou através de parentes e amigos um gesto de opressão de algum medíocre detentor de uma parcela de poder. Autoritários, prepotentes, arrogantes, desumanos, na justa medida da impunidade, nunca da falta de educação que lhes foi dada de alguma forma, ao longo de sua vida, mas insuficiente, sem o temor da revanche do Estado, para manter sob controle sua bestialidade.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

DE INOCENTES ÚTEIS


Inocente útil

Ingênuos, os miçangueiros da tecnologia que desta dispõem para projetos de poder.

Pensam que dominam homens e coisas.

São a vanguarda tecnológica da inocência útil.

Esquecem que um computador é uma idéia corporificada.

É uma idéia que move um instrumento.

Miçangueiros são instrumentos de outros.

Podem ter seus cordéis puxados quando menos esperam.

E acabar como o inventor da guilhotina: guilhotinados.

MISSA DE SÉTIMO DIA POR ANTÔNIO RODRIGUES DE CARVALHO

"Maria Augusta (esposa), Nairma e Maranto (filhos), Joana (nora), Antonio, Lucas e Samuel (netos), convidam a todos os parentes e amigos para a Missa de 7º dia, que mandarão celebrar pela alma de Antônio Rodrigues de Carvalho (Toinho), hoje, dia 09/12/2009, às 17h30min, na Capela de Santa Terezinha (Natal-RN)."

AMOR


Machado de Assis

"A isto respondeu Mendonça citando La Rochefoucauld: 'A ausência diminui as paixões medíocres e aumenta as grandes, como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras'" ("Contos Fluminenses"; Machado de Assis).

"CONHECIMENTO OBJETIVO", DE SIR KARL RAYMUND POPPER


Karl Popper

Em “Conhecimento Objetivo” estão compiladas várias conferências realizadas por Sir Karl Raymund Popper acerca, principalmente, de sua epistemologia “evolucionária” ou teoria do conhecimento científico.

Popper foi, no conjunto da obra, provavelmente o mais completo filósofo do século XX. Sua análise de Platão, Hegel e Marx, em “A Sociedade e Seus Inimigos” é uma referência obrigatória, em filosofia política, mas foi principalmente através da “Lógica da Pesquisa Científica”, ou “Lógica da Descoberta Científica”, sua primeira obra de impacto, na qual retoma e amplia a crítica de David Hume à indução, dá nova dimensão ao critério de demarcação entre ciência e metafísica de Kant, e estabelece as bases da sua futura teoria do terceiro mundo ou mundo 3, que ele se tornou onipresente no cenário da filosofia mundial.

A “Lógica das Ciências Sociais”, pouco conhecida e estudada, principalmente no Brasil, lançando paradigmas para uma Sociologia possível, estruturante, coloca-se muito além e em contraposição à herança marxista ou a seu contraponto “natural”, a teoria social de inspiração norte-americana. Em importância, ombreia-se com a Sociologia da escola francesa.

Profundamente erudito, rigoroso, complexo, humanista, a todas essas qualidades Popper aliou uma preocupação constante e metodológica com a clareza e a simplicidade de estilo. Relê-lo, então, é sempre uma homenagem que a inteligência presta ao conhecimento.

AQUELE BEIJO QUE TE DEI


O beijo

O beijo que eu presenciara, entre dois adolescentes, qual a Madeleine de Proust, remeteu-me para um passado distante, no qual minha memória se deleitou e se abateu com as imagens borradas de vultos que transitavam em nosso entorno, sons não identificáveis e odores misturados de perfumes e suor, enquanto sentados por sobre um batente qualquer nós, eu e ela de quem sequer lembro o nome, ou mesmo o rosto, exceto, apenas, o vulto esmaecido de um rosto claro, cabelos negros, lisos, cortados curtos à moda Príncipe Valente, e lábios cheios, trocáramos meu primeiro beijo.

Dias mágicos aos quais fui conduzido pelo trem do qual meu pai, um dia, muito antes, havia sido chefe. Somente isso já valera a pena. A sensação de liberdade que a primeira viagem sozinho fizera nascer era alimentada pelas cervejas tomadas com o amigo recém adquirido no restaurante para o qual minha curiosidade me impelira. Ali meu pai trabalhara, durante muito tempo. Na chegada, na cidadezinha onde fora para o casamento de uma prima distante, eu me misturei com uma legião de parentes desconhecidos e aos quais eu me apresentava como representante dos meus pais. Entre homem e menino, logo, logo, porém, esqueci-me da missão diplomática e me aventurei com alguns primos por uma caminhada até uma fazenda remota na esperança de, em lá chegando, saciar nossa fome com mangas saborosas que embora fartamente consumidas, não resolveram o problema que somente a bondade de um morador, ao nos oferecer farinha amassada com feijão de corda e rapadura, finalmente deixou para trás. Como esquecer o sabor e o cheiro daquele almoço inesperado?

À noite, o casamento e, em seguida, a festa no mercado. Lá, olhares e um convite para uma dança canhestra, logo esquecida, nos aproximara. Sentamo-nos em um batente qualquer. Não creio que alguém esqueça o primeiro beijo. Nunca esqueci o meu. Já na volta para Mossoró, no mesmo trem, eu me perguntava se algum dia ainda conseguiria vê-la. Dentro de mim achava que não, mas nutria alguma esperança. Não por que ansiasse por outros beijos seus, ou mesmo por que lhe tivesse algum afeto irrompido naquela noite especial. Não por que quisesse ter a saudade erótica de um corpo que a noite festiva apresentara apenas nuançado. Não se trata disso. O que eu queria era observar até mesmo distante, de longe, e gravar para todo o sempre, e assim pudesse convocar quando desejasse, a lembrança detalhada daquela bela adolescente que uma noite, na qual quase não nos falamos, fora quem me dera meu primeiro beijo.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

DE TWITTER E TUITEIROS


Twitter
(reporterdodia.files.wordpress.com)

Patético, esse tal de Twitter.

Cria a falsa sensação de "antenamento".

De estar conectado com os fatos e as pessoas que importam.

É a imanência na insignificância.

Enquanto teclam e são teclados, controlam e são controlados, os tuiteiros.

Pela mesma sutil e primitiva teia social da fofoca.

É a tecnologia a serviço do superficial.

VERDADE


Antoine de Saint-Exupèry
(anaicfer.bloguepessoal.com/)

"Uma verdade não é aquilo que se demonstra; é aquilo que simplifica o mundo" (Antoine de Saint-Exupèry; "Um Sentido para o Mundo").

UMA CRUZ NA BEIRA DA ESTRADA


Uma cruz na beira da estrada

Por Honório de Medeiros

A cruz de aroeira, carcomida pelo tempo – teria quase oitenta anos, repousa sob uma plataforma de tijolos grosseiros que alguma alma caridosa houve por bem construir à margem da muito antiga estrada do cajueiro, que liga Limoeiro a Mossoró. Originariamente, percebe-se facilmente, a cruz estava plantada diretamente no solo calcário. Hoje inclusive existe uma pequena cavidade por trás da cruz, construída com tijolos, talvez para receber velas. Um pouco à esquerda, uma oiticica centenária zomba da fragilidade humana derramando sua sombra testemunha daquele dia fatídico. Mais além, um denso mar de algarobas, marmeleiros, juremas, mufumos, todos acinzentados pelo pó que o vento quente revolve, dá uma precisa noção do tipo de homem que é capaz de enfrenta-lo: o sertanejo!

Ali estava sepultado um tipo de sertanejo que já não existia mais. Pelo menos nos moldes de antigamente. Um cangaceiro. Menino de Ouro? Alagoano? Dois de Ouro? Az de Ouro? Não é provável que sejam os dois primeiros, por que há relatos de fontes primárias quanto à presença deles em episódios posteriores envolvendo o cangaço. A dúvida é: qual dos dois? Dois de Ouro ou Az de Ouro? Se obedecermos à ciência, que nos manda respeitar o testemunho de quem presenciou os fatos, a tendência é que tenha sido Dois de Ouro.

Naquele dia fatídico, fugindo a passo acelerado de Mossoró, onde perdera Colchete e Jararaca, Lampião carregava consigo, tomado por dores cruciantes, esse cangaceiro que teria sido atingido por uma bala que lhe destruíra o nariz. Lampião já parara em uma casa humilde – esse episódio é por demais conhecido – e obtivera água e sal para lavar o ferimento. Coberto de sangue, com a cabeça envolvida por um lenço sujo, o cangaceiro, entretanto, não conseguia continuar. E, à sombra da oiticica, decidiu morrer. Pediu que lhe matassem – não queria continuar. Após muita discussão um seu companheiro o executou e sepultou em cova rasa.

No entorno da sepultura há muitas pedras – calcário. São pedras milenares. Testemunharam tudo. Pudessem relatar o que viram e ouviram contariam a nós acerca daquele momento tenebroso. Saberíamos, talvez, quem de fato teria sido o cangaceiro executado a pedidos. Diriam a nós um pouco mais acerca desses homens-feras que não temiam a morte, a sede, a fome, caminhadas sem fim por sobre um chão inóspito, debaixo do sol inclemente, fendendo a braçadas a caatinga áspera. Não temiam os inimigos naturais – as volantes, os “macacos”, a resistência, quando havia, dos habitantes do Sertão a quem atacavam. Não temiam a traição permanente dos coiteiros e coronéis com os quais constituíam essa página da história do Brasil recém saído da monarquia. Não temiam nada.

Para esse cangaceiro desconhecido deixamos nossa perplexidade, algumas orações, muitas perguntas não respondidas e uma vela acesa, solitária, com a chama a teimar em sobreviver lutando contra o vento quente do Sertão.

FOTOGRAFIAS DE NATAL, 1957

Gentilmente cedidas por Rossana Ferreira


Câmara Municipal




Areia Preta



Junqueira Ayres


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

PERGUNTEI A ALUÍSIO LACERDA


Aluísio Lacerda

Perguntei a Aluísio Lacerda:

"Quais os pontos fracos do Diário de Natal, Jornal de Hoje e Novo Jornal?"

Ele respondeu:



"O noticiário político, professor Honório.

Há pelo menos uma década entramos num “oito”, e está difícil superar. Estou acompanhando as edições diárias do jornal de Cassiano Arruda, profissional que sabe fazer (editar) jornal. Confesso que não gostei (noticiário político) da primeira edição. Parecia jornal de ontem. Compreendo o sufoco para botar o primeiro número nas bancas. Mas pouco avançou até aqui.

Há novos talentos nas redações do DN, JH e NOVO JORNAL? Sim, há.

A culpa é das fontes? Pode ser, mas é bom atentar para um detalhe: são poucos os políticos nesta terra de Poti que declaram bem, que sustentam um debate equilibrado, conseqüente, proativo.

Como estou afastado das redações há 5 anos, confesso que não sei se ainda há pauta para os repórteres políticos. E acrescento: a maioria não suporta ser pautada pelo veículo, reage ao que se convencionou chamar de “ditadura da pauta”.

Se o repórter não sair desse “oito”, insistir nas mesmas perguntas (quase fofocas), vai acontecer o seguinte: o produto dessa entrevista ou vira uma grotesca manchete de capa ou a fonte, temerosa, fornece apenas algo que não passa de uma nota de coluna. A retroalimentação do mau noticiário político pode sepultar os jornais impressos. Afinal, a mídia nunca mais será a mesma diante da velocidade da internet.

Não se deve esquecer que a informatização das redações sepultou a figura do revisor. O bom revisor, que Carlos Lacerda chamava de DBS (Departamento do Bom Senso), faz uma falta medonha à produção jornalística. O revisor não deixava passar nada, inclusive os erros de informação.

Um exemplo apenas para encurtar essa prosa: no recente episódio envolvendo o governador José Roberto Arruda, o senador José Agripino ameaçou deixar o partido. Logo os apressados abriram o verbo: “Agripino pode deixar o DEM”. Ninguém teve o cuidado de olhar a legislação eleitoral. E sem partido o senador não poderia ser candidato em 2010."

POLÍTICA


Gore Vidal

"Foi assim que mais de um terço da receita federal deste país foi gasto, ao longo de mais de uma geração, para que os congressistas que dão aos generais o que eles solicitam sejam depois reeleitos com o dinheiro que eles recebem das companhias que foram contempladas com verbas federais por generais que, quando se aposentam, vão trabalhar para essas mesma companhias" ("De Fato e de Ficção"; Gore Vidal).

SONETO XV, SHAKESPEARE


Shakespeare

Na tradução de Bárbara Heliodora:

"Quando penso que tudo o quanto cresce
Só prende a perfeição por um momento,
Que neste palco é sombra o que aparece
Velado pelo olhar do firmamento;
Que os homens, como as plantas que germinam,
Do céu têm o que os freie e o que os ajude;
Crescem pujantes e, depois, declinam,
Lembrando apenas sua plenitude.
Então a idéia dessa instável sina
Mais rica ainda te faz ao meu olhar;
Vendo o tempo, em dabate com a ruína,
Teu jovem dia em noite transmutar.
Por teu amor com tempo, então, guerreio,
E o que ele toma, a ti eu presenteio."

Na tradução de Ivo Barroso:

Quando observo que tudo quanto cresce
Desfruta a perfeição de um só momento,
Que neste palco imenso se obedece
À secreta influição do firmamento;
Quando percebe que ao homem, como à planta,
Esmaga o mesmo céu que lhe deu glória,
Que se ergue em seiva e, no ápice, aquebranta
E um dia enfim se apaga da memória:
Esse conceito da inconstante sina
Mais jovem faz-te ao meu olhar agora,
Quando o Tempo se alia com a Ruína
Para tornar em noite a tua aurora.
      E crua guerra contra o Tempo enfrento,
       Pois tudo que te toma eu te acrescento."

domingo, 6 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM MARCEL PROUST



Proust

Leia mais em http://www.tirodeletra.com.br/

"Nos últimos anos de sua vida, Marcel Proust se isola no seu quarto de doente. É lá que ele escreve 'Em busca do tempo perdido', cujo primeiro volume é publicado em 1913. Um ano antes, no mesmo recinto, ele concede a entre¬vista abaixo (extraída da revista Globe, nº 59, julho/agosto 1991):
 
No seu quarto, com as venezianas quase sempre fechadas, Marcel Proust está deitado. A luz elétrica acentua-lhe a palidez do rosto, mas dois olhos admiravelmente vivos e febrís reluzem sob a cabeleira desfeita, encobrindo a testa. Proust continua escravo da doença, mas já não o parece. Quando indagado sobre sua obra, se anima e fala:
 
Publico apenas o primeiro volume, Du côté de chez Swann, de um romance que terá o título geral de Em busca do tempo perdido. Eu preferiria tê-lo publicado todo de uma vez, mas já não se editam obras em vários volumes. Eu sou como alguém que tem uma tapeçaria grande demais para os aposentos atuais, sendo obrigado a cortá-la. Alguns jovens escritores que contam com a minha simpatia preconizam, ao contrário, um enredo breve e com poucos personagens. Esta não foi a minha concepção de romance. Como posso dizê-lo? Você sabe que existe uma geometria plana no espaço (tridimensional). Pois bem, para mim o romance não é somente a psicologia plana, mas a psicologia no tempo. Essa substância invisível do tempo, eu tratei de isolá-la, mas para isso era preciso que a experiência pudesse durar. Eu espero que no final do meu livro, tal fato social sem importância indique que o tempo passou e se obteve esta beleza de certos chumbos envelhecidos de Versalhes, que o tempo enriqueceu de uma textura esmerada... É como uma cidade que, durante as voltas do trem em que a atravessamos, nos aparece ora à esquerda, ora à direita, os diversos aspectos que um mesmo personagem terá assumido aos olhos de outro, a ponto de parecer uma sucessão de personagens distintos, darão (mas não apenas isso) a sensação do tempo transcorrido. Tais personagens se revelarão mais tarde bem diferentes do que eles eram no volume atual; diferentes do que se acreditará que eles iriam ser, como acontece aliás, frequentemente na vida. Não são apenas os mesmos personagens que reaparecerão ao longo dessa obra sob aspectos diversos, como em certos ciclos de Balzac, mas, num mesmo personagem, certas impres-sões profundas, quase inconscientes. Desse ponto de vista, meu livro talvez seria uma série de "romances do inconsciente": eu não teria a menor vergonha de chamá-los de "bergsonianos" se eu acreditasse nisso, pois em toda época a literatura procura ligar-se naturalmente a reboque - à filosofia reinante. Mas eu não estaria sendo preciso, pois minha obra é rasgada pela distinção entre a memória involuntária e a memória voluntária, distinção que apenas inexiste na filosofia de Bergson, como é contradita por ela.

- Como é que esta distinção se estabelece para você?

Para mim, a memória volun¬tária, que é sobretudo uma memória da inteligência e dos olhos, só nos oferece do passado momentos sem verdade; mas um odor, um sabor, reencontrados em circunstâncias dife¬rentes, revelam em nós, a despeito de nós mesmos, o passado; nós sentimos o quanto esse passado era diferente daquilo que acreditávamos nos recordar, e que nossa memória voluntária pintava, como os maus pintores, com cores sem verdade. Já nesse volume você verá o personagem que narra, que diz "eu" (e que não é quem sou), reencontrar subitamente os anos. os jardins, os entes esquecidos, no gosto de um gole de chá em que achou um pedaço de madeleine. Sem dúvida, ele se lembrava de todas essas coisas e pessoas, mas sem a cor e o charme delas: eu pude fazer-lhe dizer que, como naquele pequeno jogo japonês em que ao se mergulharem pedacinhos de papel numa vasilha, e esticá-los depois de embeti¬dos, eles se tornam flores, personagens, todas as flores de seu jardim e as ninféas de Yvone, e a boa gente do vilarejo, com suas casinhas e a igreja, e toda Combray e seus arredores, tudo que toma forma e solidez saíra, cidade e jardins, de sua xícara de chá. Veja bem, eu creio que é quase somente nas recordações involuntárias que o artista deverá buscar a matéria-prima de sua obra. Primeiro, precisamente, porque elas são involuntária, porque elas se formam de si mesmas, atraídos pela semelhança de um minuto idêntico: só elas possuem uma marca de autenticidade. Depois, elas nos relembram as coisas numa dosagem exata entre a memória e esquecimento. E, enfim, como elas nos fazem provar uma mesma sensação numa circunstância intei¬ramente outra, elas liberam-na de toda contingência, dando-nos a sua essência extratemporal aquela que é justamente o conteúdo do estilo belo, a verdade geral e necessária que somente a beleza do estilo pode traduzir. Se eu me permito raciocinar sobre meu livro, é porque ele não é em nenhum grau uma obra de raciocínio; é porque seus mínimos elementos me foram fornecidos por minha sensibilidade; porque eu os percebi inicialmente no fundo de mim mesmo, sem compreendê-los, tendo tanta dificuldade em convertê-los em alguma coisa inteligível como se eles fossem algo tão estrangeiro ao mundo da inteligência quanto, como dizer?, um motivo musical. Parece-me que você pensa tratar-se de sutilezas. Oh! não, eu lhe asseguro: são, ao contrário, realidades. Aquilo que nós não podemos esclarecer por nós mesmos, que era claro antes de nós (por exemplo, as idéias lógicas), isto não é propria-mente nosso, nós não sabemos nem mesmo se isso é real. É o "possível" que nós elegemos arbitraríamente. Aliás, você sabe, isto se vê logo de inicio no estilo. O estilo não é nunca um mero embelezamento como crêem certas pessoas, não é mesmo uma questão de técnica, é - como a cor em certos pintores - uma qualidade de visão; a revelação do universo particular que cada um de nós vê, e que os outros não vêem. O prazer que nos dá um artista é de nos fazer conhecer um universo a mais.

- Como podem, certos escritores, em tais condições, confessar que buscam não ter estilo algum?

Eles só podem fazê-lo renunciando a aprofundar suas impressões!

- Na primeira página de Du cóté de chez Swann, você escreveu a seguinte dedicatória: 'A Gaston Calmette, como testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento'.

Eu talvez tenha dívidas mais antigas em relação a mestres a quem, aliás, eu dediquei obras escritas antes desta, mas que deverão ser editadas depois dela; antes de todos. Anatole France, que me tratou outrora quase como um filho. A Calmette eu devo a alegria que conhece o jovem que vê impresso o seu primeiro artigo. Além disso, permito-me visitar. através de meus artigos, pessoas que eu não podia então evitar, o diretor do jornal me ajudou a passar da vida de sociedade à vida de solidão...

E o gesto do doente indica o quarto sombrio, de venezianas fechadas, onde nunca entra o sol. Mas não há tristeza em seu olhar. Se para o doente há motivos para se lamentar, o escritor tem razões de sobra para orgulhar-se. O último consolou o primeiro."











SENTIMENTO


Resistência, perseverança, paciência...
hitsujikarate.wordpress.com

"-'MA', chamavam os japoneses. A capacidade de desfrutar da companhia de amigos e amados em silêncio. O talento para dominar as pausas e os períodos de silêncio que ocorrem em uma conversa, quando não se ousa dizer o que se sente verdadeiramente. Às vêzes 'MA' é mera educação. Ou uma proteção, uma fachada de calma externa e auto-controle. Pode ser chamado de ritmo, um domínio de ritmos não-expressos" ("Giri", Marc Olden).

O ATIVISMO JUDICIAL




Por Honório de Medeiros

Um dos mitos fundantes da nossa concepção de Estado é a do contrato social. Por este, nós cedemos nossa liberdade para que o Estado nos impeça de nos destruirmos uns aos outros. Tal noção, até onde sabemos, foi pela primeira vez exposta por Licofronte, discípulo de Górgias, como podemos ler na “Política”, de Aristóteles (cap. III):

De outro modo, a sociedade-Estado torna-se mera aliança, diferindo apenas na localização, e na extensão, da aliança no sentido habitual; e sob tais condições a Lei se torna um simples contrato ou, como Licofronte, o Sofista, colocou, “uma garantia mútua de direitos”, incapaz de tornar os cidadãos virtuosos e justos, algo que o Estado deve fazer.
 
E muito embora um estudioso outsider do legado grego tal qual I. F. Stone defenda que a primeira aparição da teoria do contrato social está na conversa imaginária de Sócrates com as Leis de Atenas relatada no “Críton”, de Platão, há quase um consenso acadêmico quanto à hipótese Licofronte estar correta. É o que se depreende da leitura de “Os Sofistas”, de W. K. C. Guthrie, ou da caudalosa obra de Ernest Barker.
 
Bellum omnium contra omnes, guerra de todos contra todos até a auto-aniquilação no Estado de Natureza, é o que ocorre se impera a liberdade absoluta, diz-nos Hobbes no final do Século XVI, início do Século XVII - recuperando a noção de contrato social - e não houver a criação de um artefato – o Estado –, assegurando-se, assim, a sobrevivência dos homens quando estiverem em contato uns com os outros, pois haverá a submissão da vontade de todos à vontade de um só ou de um grupo, e esta atuará em tudo quanto for necessário para a manutenção da paz comum.
 
Entretanto é com Jean Jacques Rousseau, após John Locke, que se firma o mito fundante do contrato social, influenciando diretamente a Revolução Americana e Francesa, bem como a idéia de Estado conforme a concebemos ainda hoje. Em “O Contrato Social”, Rousseau põe na vontade dos homens, da qual surge o Estado, a origem absoluta de toda a lei e todo o direito, fonte de toda a justiça. O corpo político, assim formado, tem um interesse e uma vontade comuns, a vontade geral de homens livres.
 
Quanto a esse corpo político, José López Hernández em “Historia de La Filosofía Del Derecho Clásica y Moderna”, observa que Rousseau atribui o poder legislativo ao povo, já que esse mesmo povo, existente enquanto tal por intermédio do contrato social detém a soberania e, portanto, todo o poder do Estado. As leis, inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Rousseau: “são atos da vontade geral, exclusivamente”; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas”.
 
O ideário acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade geral do povo – este, frise-se mais uma vez, surgido graças ao contrato social e detentor da soberania - pode ser encontrado em obras muito recentes, como o “Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros. Às páginas 37, lê-se:

Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral; (...)
 
Assim como é encontrado, expressamente, enquanto cláusula pétrea, imodificável, na Constituição da República Federativa do Brasil, no parágrafo único do seu artigo 1º:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
 
Há algo de estranho, portanto, nessa doutrina do “ativismo judicial” que viceja célere nos tribunais do Brasil, principalmente no nosso Supremo Tribunal Federal. Entenda-se, aqui, como “ativismo judicial”, o “suposto” papel constituinte do Supremo, na sua função de reelaborar e reinterpretar continuamente a Constituição, conforme pregação sutil do Ministro Celso de Mello em entrevista ao “Estado de São Paulo”, e a atividade judicante de meramente preencher uma “possível” lacuna legal ou mudar o sentido de uma norma infraconstitucional já existente por meio de uma sentença, baseando-se em princípios difusos e indeterminados da Constituição Federal, estratégia empregada na Itália, Alemanha e pelo próprio STF. “Não é por razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à corte poderes mais amplos”, diz, arrogantemente, o presidente do STF Gilmar Mendes.
 
Pergunta-se: teria o judiciário legitimidade, levando-se em consideração a doutrina exposta acima, para avançar na seara do legislativo, passando por cima da soberania do povo em produzir leis através de seus representantes, seja preenchendo lacunas (criando leis), seja alterando o sentido de normas jurídicas, seja modificando, via sentença, a legislação infraconstitucional? Ainda: teria amparo legal o STF para tanto?
 
Em que se basearia, qual seria o fulcro dessa atividade de invasão da competência do legislativo ao se criar normas jurídicas através de sentenças, ou modificar o sentido de outras por meio de interpretações? Seria, como deixa transparecer o presidente do STF em suas entrevistas, por que a Constituição Federal tem um “espírito” e somente os integrantes daquela Casa, em última instância, conseguem enxergá-lo em sua essência última? Que espírito é esse? O mesmo ao qual se refere São Paulo: “a letra mata, o espírito vivifica”?
 
Autoritário, tal argumento. Sob o véu de fumaça que é a noção de que haja um “espírito constitucional” a ser apreendido (interpretado segundo técnicas hermenêuticas somente acessíveis a iniciados – os guardiões do verdadeiro e definitivo saber) está o retorno do mito platônico das formas e idéias cuja contemplação é privilégio dos Reis-Filósofos enquanto. É a astúcia da razão a serviço do Poder. Platão, esse gênio atemporal, legou aos espertos, com sua gnosiologia a serviço de uma estratégia de Poder, a eterna possibilidade de enganar os incautos lhes dizendo, das mais variadas e sofisticadas formas, ao longo da história, que somente “alguns”, os que estão no comando, podem encontrar e dizer “o espírito” da Lei, o certo e o errado, o bom e o mal, o justo e o injusto.
 
O mesmo estratagema a Igreja de Santo Agostinho, esse platônico empedernido, por séculos usou para administrar seu Poder: unicamente a ela cabia ligar a terra ao céu, e o céu à terra, por que unicamente seus príncipes sabiam e podiam interpretar corretamente o pensamento de Deus gravado na Bíblia.
 
E, assim, como no Brasil a última palavra acerca da “correta” interpretação de uma norma jurídica é do STF, e somente este pode “contemplar” e “dizer” o verdadeiro “espírito das leis”, aos moldes dos profetas bíblicos, em sua essência última, mesmo que circunstancial, estamos nós agora, além de submetidos ao autoritarismo dos pouco preparados representantes do povo, ao autoritarismo dos ativistas judiciais.