quarta-feira, 8 de abril de 2015

"A ELEGÂNCIA DO OURIÇO", DE MURIEL BARBERY

Insanidade

De como aquilo que você vê pode não ser o que você pensa

* Honório de Medeiros

Divirti-me muito lendo “A Elegância do Ouriço”, um romance de Muriel Barbery. Recomendo.

Vou, aqui, editar um trecho do livro que fala acerca da fenomenologia de Husserl. “O quê”, vocês devem ter se perguntado. "Fenomenologia? Em um romance?”

É. Em um romance. E esse trecho prova, para mim, por a + b, que somente a literatura salva a filosofia da chatice dos filósofos. Leiam:

“Então, a segunda pergunta: que conhecemos do mundo? A essa pergunta os idealistas como Kant respondem. Que respondem? Respondem: pouca coisa.
(...)
Conhecemos do mundo o que nossa consciência pode dizer dele porque isso aparece assim – e não mais.
Vejamos um exemplo, ao acaso, um simpático gato chamado Leon. (...) E pergunto a vocês: como podem ter certeza de que se trata de verdade de um gato, e até mesmo saber que é um gato? (...) Mas a resposta idealista consiste em demonstrar a impossibilidade de saber se o que percebemos e concebemos do gato, se o que aparece como gato na nossa consciência é de fato conforme ao que é o gato em sua intimidade profunda.
(...)
Eis o idealismo kantiano. Só conhecemos do mundo a IDEIA que dele forma a nossa consciência.”

Agora vem a parte que eu considero hilariante:

“Mas existe uma teoria mais deprimente que essa (...) Existe o idealismo de Edmund Husserl (...)
Nessa última teoria só existe a apreensão do gato. E o gato? Pois é, o dispensamos. Nenhuma necessidade do gato. Para fazer o quê, com ele? Que gato? (...) O mundo é uma realidade inacessível que seria inútil tentar conhecer. Que conhecemos do mundo? Nada. Como todo conhecimento é apenas a autoexploração da consciência reflexiva por si mesma, pode-se, portanto, mandar o mundo para os quintos dos infernos.
É isso a fenomenologia: a CIÊNCIA DO QUE APARECE À CONSCIÊNCIA. Como se passa o dia de um fenomenologista? Ele se levanta, tem consciência de ensaboar no chuveiro um corpo cuja existência é sem fundamento, de engolir o pão com manteiga inexistente, de enfiar roupas que são como parênteses vazios, ir para o escritório e pegar um gato.
Pouco se lhe dá que esse gato exista ou não exista, e o que ele seja na própria essência. O que é indecidível não lhe interessa. Em compensação, é inegável que na sua consciência aparece um gato, e é esse aparecer que preocupa o nosso homem.”

Aí está. Por isso digo para meus alunos que o idealismo radical é a loucura da razão. Fica mais fácil para eles entenderem o grande mistificador que foi Platão. Entender que não existe algo Justo-Em-Si-Mesmo. Entender o uso manipulativo, retórico, das teorias filosóficas. E entender por qual razão os professores de Direito, com algumas exceções, são como os gatos existencialistas...

* Arte de Claude Verlinde

segunda-feira, 6 de abril de 2015

DEUS, UM DELÍRIO?

Blaise Pascal

* Honório de Medeiros

É inegável a importância de "O Gene Egoista", de Richard Dawkins. Obra seminal, aprofundou o entendimento da Teoria da Evolução, de Darwin, e propôs um novo paradigma, qual seja o de que somos instrumentos, enquanto organismos, do gene, cujo único objetivo é a auto-replicação. Ainda mais além, especulou acerca da idéia de "meme", o análogo, na cultura, de um gene. As consequências dessas hipóteses, uma vez definitivamente confirmadas, são revolucionárias, e alteram nossa percepção da vida seja em qual seja a dimensão.

Dawkins, eleito recentemente pela revista inglesa "Prospect" um dos três itelectuais mais importantes do mundo, junto com Umberto Eco e Noam Chomsky, também é autor de "Deus, um Delírio", no qual lança os fundamentos daquilo que se convencionou chamar de "novo ateismo" e utiliza os fundamentos da Teoria da Evolução para explicar por que o homem tende a acreditar em um ser superior, ao tempo em que, utilizando a teoria das probabilidades, critica as religiões, uma a uma.

"Deus é um Delírio" é uma provocação muito inteligente, principalmente nos tempos atuais, nos quais o fundamentalismo religioso deixa um rastro de sangue e ódio mundo afora. Mas não prova a inexistência de Deus, assim penso eu, muito antes pelo contrário.

Quanto a Deus, sendo impossível provar sua existência, ou negá-la, prefiro seguir o que denominei de "Postulado de Pascal acerca da Fé", que também é chamado de "Aposta de Pascal". Esse argumento tem o formato que segue, e foi foi publicado na seção 233 do seu livro póstumo "Pensées" (Pensamentos):
- se você acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho infinito;
- se você acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda finita;
- se você não acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho finito;
- se você não acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda infinita.

Ou seja: nada perderemos se louvarmos a Deus. Se Ele não existir, fomos bons, que se há de fazer? Se existir, tanto melhor, honramos nossa fé.


PS: um pouco mais acerca do assunto em http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2013/11/rezar-em-tempos-modernos.html