sábado, 25 de novembro de 2023

SAUDAÇÃO AOS PARTICIPANTES DO EVENTO EM HOMENAGEM A CÂMARA CASCUDO

 



Boa noite! Saúdo os integrantes do Instituto Cariri Cangaço, Instituto Câmara Cascudo, UNI-RN e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, assim como todos os outros participantes deste evento.

Historiador, jurista, antropólogo, etnólogo, folclorista, sociólogo, memorialista, crítico literário, biógrafo, filósofo, cronista, romancista, poeta, ensaísta, bastaria “Civilização e Cultura”, que completa 50 anos em 2023, para colocar Câmara Cascudo entre os grandes pensadores nordestinos. É pouco, porém, para tão grande obra, ampla, profunda e complexa. Ele congrega tudo isso e muito mais. Pela intensidade, quantidade e qualidade de sua produção intelectual, ele é, sem sobra de dúvidas, um dos maiores pensadores brasileiros.

Cascudo é um oceano.

Considero singular e apropriada esta homenagem, hoje, a Câmara Cascudo, vez que, pela primeira vez presencialmente, até onde sei, conecta-se o descortínio do pensador potiguar, com o fenômeno do cangaceirismo.

Cascudo, permitam-me chama-lo assim, como o fazemos desde sempre, carinhosamente, foi o primeiro norte-riograndense a escrever acerca desse tema, em Viajando o Sertão, sua sexta obra, cuja primeira edição é de 1934.

Nela tratou, pela primeira vez, do tema “cangaceirismo”[1], e escreveu não somente acerca de Jesuíno Brilhante, mas, também, Virgolino Lampião, em dois capítulos distintos[2].

Em Vaqueiros e Cantadores, cuja primeira edição é de 1939, Câmara Cascudo avançou um pouco mais no tema, tentando resolver a dicotomia entre o modo-de-vida de Jesuíno Brilhante e o de Lampião. Tentou, pelo menos.

É quando introduz a hipótese do “fator moral” como elemento significativo e diferenciador entre os tipos de cangaceiros, insight anterior de Felipe Guerra, mais tarde brilhantemente desenvolvido por Frederico Pernambucano de Mello em sua obra canônica acerca do cangaço, Guerreiros do Sol, por ele denominado de “escudo ético”.[3]

Câmara Cascudo voltou ao cangaceirismo em duas Actas Diurnas, escritas para o Jornal A República de 31 de maio de 1942 e 7 de junho do mesmo ano, escrevendo acerca de Jesuíno Brilhante.

Curiosamente, em 1944, citou Jesuíno em um verbete, na primeira edição do Dicionário do Folclore Brasileiro, quando, em rápidas pinceladas, expôs o perfil do cangaceiro, tratou um pouco de sua história, e elencou quais as fontes de sua pesquisa, sem acrescentar nada de novo ao que já havia escrito anteriormente.[4]

Vinte e dois anos depois, em Flor de Romances Trágicos, cuja primeira edição é de 1966, Cascudo inovou e apresentou Nota contendo a definição, digamos assim, positivista, diferente acerca do que seria Cangaceiro e Cangaceirismo.[5] Os tempos eram outros e ele, sempre atento, não ficou fora das novas correntes filosóficas que grassavam a Europa.

Obra notável, sob todos os aspectos, seja como historiador, seja como estilista, apresenta aos seus leitores Liberato, Antônio Silvino, Jararaca, Adolfo Rosa Meia-Noite, Jesuíno Brilhante, Lucas da Feira, Cabeleira, entre outros, valentões, cabras, jagunços e cangaceiros.

Ainda encontra tempo e lugar para tratar, até onde sei, pela primeira vez no Brasil, intuitivamente, exemplos de feminicídios que foram desdobramentos perversos do exercício do Poder privado, através da morte de Ana Freire de Brito e Dona Ana de Faria Souza.

Registre-se, no livro, a notável informação, típica de Câmara Cascudo, na qual aponta a definição mais antiga acerca do que seria “Cangaço” (cangaceirismo): a do Tenente-General Visconde Henrique de Beaurepaire-Rohan, explorador, geógrafo, soldado e político brasileiro, nascido em 1812 e falecido em 1894, autor do Diccionario de Vocabulos Brazileiros, publicado em 1889 pela Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro, conjecturando que cangaço é o conjunto de armas que costumam conduzir os valentões.

Antes, em 1955, Raimundo Nonato tinha visitado Câmara Cascudo para lhe entregar, antes mesmo de entrar em circulação, seu Lampião em Mossoró, que foi o primeiro livro escrito por um potiguar acerca do cangaço.

                   Nonato conta, na parte que denominou de “Breve Notícia Antes do Livro”, que Câmara Cascudo, ao receber o presente, o convocou para escrever “a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro”. Cascudo lhe disse, na ocasião:

                   No itinerário a percorrer, varando caatingas e estradas iluminadas pelos clarões dos tiros dos velhos bacamartes de pederneira, falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os oprimidos.

Tempos depois, precisamente quinze anos, naquele que foi o primeiro livro dedicado exclusivamente a Jesuíno Brilhante, Raimundo Nonato da Silva lançou, em 1970, Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro Romântico, sob instigação de Cascudo.[6]           

                   O livro repetiu a fórmula que Raimundo Nonato usou em Lampião em Mossoró, de 1955.[7]

                   Na trajetória tangencial, embora muito relevante, de Câmara Cascudo no estudo do cangaceirismo, alguns temas são muito importantes:

1)    Suas definições e hipóteses acerca do cangaceirismo;

2)    Sua teoria do “fator moral”;

3)    Os perfis de Jesuíno Brilhante e Lampião, antagônicos entre si, segundo sua perspectiva;

4)    Os perfis de cangaceiros menores, como Jararaca e Moita Brava;

5)    A hipótese do paralelismo entre coronelismo e feudalismo, nunca desenvolvida, mas insinuada;

6)    O esboço acerca de uma taxonomia dos cangaceiros, precursora da tipologia de Frederico Pernambucano de Mello.

7)    O esboço da presença do fator genético, assim como social na gênese do cangaceirismo.

8)    O esboço histórico de casos de feminicídio.

O cangaço é um fato social relevante: basta que o examinemos sob a ótica da nossa cultura popular nordestina sertaneja ou da expressão mundial do banditismo rural, fenômeno internacional.

Os problemas para estuda-lo são complexos, Cascudo percebeu isso quando escreveu acerca de Lampião, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e outros cangaceiros.

Precisamos ir além da crença injustificadas de que o cangaço é produto do meio, ou um movimento de resistência popular, uma narrativa inócua. Quem pensa assim conduz os verdadeiros resistentes, aqueles que não se entregaram ao crime, ao limbo da história.

Por que não há uma história desses homens comuns, os verdadeiros heróis?

Ressalte-se, por fim, que tudo isso é apenas o começo. O desafio, portanto, em estuda-lo, está lançado.

Uma vez dito isso, nós, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, saudamos todos os presentes e lhes damos as boas-vindas, colocando-nos à disposição.

Muito obrigado.



[1] Uso o termo “cangaceirismo”, mais preciso, no lugar de “cangaço”, para designar a conduta ou modo de viver do cangaceiro.

[2] CÂMARA CASCUDO, Luís da. Viajando o Sertão. São Paulo: Global Editora. 4 ed. 2009.

[3] PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa. 5 ed. 2011.

[4] CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário de Folclore. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura (MEC). 2 ed. 1962.

[5] O.a.c.

[6] SILVA, Raimundo Nonato da. O.a.c. Ver se houve prefácio de Cascudo.

[7] SILVA, Raimundo Nonato da. LAMPIÃO EM MOSSORÓ. Mossoró: Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005.