Boa noite! Saúdo os integrantes do Instituto Cariri Cangaço, Instituto Câmara Cascudo, UNI-RN e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, assim como todos os outros participantes deste evento.
Historiador, jurista, antropólogo, etnólogo, folclorista, sociólogo, memorialista, crítico literário, biógrafo, filósofo, cronista, romancista, poeta, ensaísta, bastaria “Civilização e Cultura”, que completou 50 anos em 2023, para colocar Câmara Cascudo entre os grandes pensadores nordestinos.
É pouco, porém, para tão
grande obra, ampla, profunda e complexa. Ele congrega tudo isso e muito mais.
Pela intensidade, quantidade e qualidade de sua produção intelectual, ele é,
sem sobra de dúvidas, um dos maiores pensadores brasileiros.
Cascudo é um oceano.
Considero
singular e apropriada esta homenagem, hoje, a Câmara Cascudo, vez que, pela
primeira vez presencialmente, até onde sei, conecta-se o descortínio do pensador
potiguar, com o fenômeno do cangaceirismo.
Cascudo,
permitam-me chama-lo assim, como o fazemos desde sempre, carinhosamente, foi o
primeiro norte-riograndense a escrever acerca desse tema, em Viajando o Sertão,
sua sexta obra, cuja primeira edição é de 1934.
Nela
tratou, pela primeira vez, do tema “cangaceirismo”[1],
e escreveu não somente acerca de Jesuíno Brilhante, mas, também, de Virgolino
Lampião, em dois capítulos distintos[2].
Em
Vaqueiros e Cantadores, cuja primeira edição é de 1939,
Câmara Cascudo avançou um pouco mais no tema, tentando resolver a dicotomia
entre o modo-de-vida de Jesuíno Brilhante e o de Lampião. Tentou, pelo menos.
É
quando introduz a hipótese do “fator moral” como elemento significativo e
diferenciador entre os tipos de cangaceiros, "insight" anterior de Felipe Guerra,
mais tarde brilhantemente desenvolvido por Frederico Pernambucano de Mello em
sua obra canônica acerca do cangaço, Guerreiros do Sol, na qual o denomina de “escudo ético”.[3]
Câmara
Cascudo voltou ao cangaceirismo em duas Actas Diurnas, escritas para o
Jornal A República de 31 de maio de
1942 e 7 de junho do mesmo ano, escrevendo acerca de Jesuíno Brilhante.
Curiosamente,
em 1944, citou Jesuíno em um verbete, na primeira edição do Dicionário do Folclore Brasileiro, quando,
em rápidas pinceladas, expôs o perfil do cangaceiro, tratou um pouco de sua
história, e elencou quais as fontes de sua pesquisa, sem acrescentar nada de
novo ao que já havia escrito anteriormente.[4]
Vinte e dois anos depois, em Flor de Romances Trágicos, cuja primeira edição é de 1966, Cascudo inovou e apresentou "Nota" contendo a definição, digamos assim, positivista, diferente acerca do que seria "Cangaceiro" e "Cangaceirismo".[5]
Os tempos
eram outros e ele, sempre atento, não ficou fora das novas correntes
filosóficas que grassavam na Europa.
Obra
notável, sob todos os aspectos, seja como historia, seja como estilo literário,
apresenta aos seus leitores Liberato, Antônio Silvino, Jararaca, Adolfo Rosa
Meia-Noite, Jesuíno Brilhante, Lucas da Feira, Cabeleira, dentre outros valentões, cabras, jagunços e cangaceiros.
Ainda
encontra tempo e lugar para introduzir, até onde sei, pela primeira vez no Brasil,
intuitivamente, dois exemplos de feminicídios que foram desdobramentos perversos do
exercício do Poder privado, através da morte de Ana Freire de Brito e Dona Ana
de Faria Souza.
Registre-se,
no livro, a notável informação, típica de Câmara Cascudo, na qual aponta a definição
mais antiga acerca do que seria “Cangaço” (cangaceirismo): a do Tenente-General
Visconde Henrique de Beaurepaire-Rohan, explorador, geógrafo, soldado e
político brasileiro, nascido em 1812 e falecido em 1894, autor do Diccionario
de Vocabulos Brazileiros, publicado em 1889 pela Imprensa Nacional, no Rio
de Janeiro, conjecturando que cangaço é "o conjunto de armas que costumam
conduzir os valentões".
Antes,
em 1955, Raimundo Nonato tinha visitado Cascudo para lhe entregar, sem que houvesse entrado em circulação, seu Lampião em Mossoró, que foi o
primeiro livro escrito por um potiguar acerca do cangaço.
Nonato conta, na parte que denominou de “Breve
Notícia Antes do Livro”, que Câmara Cascudo, ao receber o presente, o convocou
para escrever “a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro”. Cascudo lhe dissera,
na ocasião:
No itinerário a percorrer, varando caatingas e
estradas iluminadas pelos clarões dos tiros dos velhos bacamartes de
pederneira, falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico,
caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os
oprimidos.
Tempos
depois, precisamente quinze anos (1970), no que foi o primeiro livro dedicado
exclusivamente a Jesuíno Brilhante, Raimundo Nonato da Silva lançou Jesuíno
Brilhante, O Cangaceiro Romântico, sob instigação de Cascudo.[6]
O livro repetiu a fórmula que Raimundo Nonato usara em Lampião em Mossoró, de 1955.[7]
Por fim, na trajetória tangencial, embora relevante,
de Câmara Cascudo no estudo do cangaceirismo, alguns temas são instigantes:
1) suas
definições e hipóteses acerca do cangaceirismo;
2) sua
teoria do “fator moral”;
3) os
perfis de Jesuíno Brilhante e Lampião, antagônicos entre si, segundo sua
perspectiva;
4) os
perfis de cangaceiros menores, tais quais Jararaca e Moita Brava;
5) a hipótese do paralelismo entre coronelismo e feudalismo, nunca desenvolvida, mas
insinuada;
6) o esboço acerca de uma taxonomia dos cangaceiros, precursora da tipologia de
Frederico Pernambucano de Mello;
7) o esboço da presença do fator genético, assim como do social na gênese do
cangaceirismo.
8) o esboço histórico de casos de feminicídio.
O
cangaço é um fato social relevante, sob qualquer aspecto: basta que o examinemos sob a ótica da nossa
cultura popular nordestina sertaneja ou do banditismo
rural, fenômeno internacional.
Os
problemas para estuda-los são complexos, Cascudo percebeu isso quando escreveu
acerca de Lampião, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e outros cangaceiros.
Precisamos
ir além da crença injustificadas de que o cangaço é produto mecânico do meio, ou um
movimento de resistência popular, narrativas inócuas. Quem assim pensa conduz
os verdadeiros resistentes, aqueles que não se entregaram ao crime, ao limbo da
história.
Por
que não há um estudo acerca desses homens comuns, os verdadeiros heróis, o caudaloso rio da vida?
Ressalte-se,
por fim, que tudo isso é apenas o começo. O desafio, em estuda-lo, está
lançado.
Uma
vez dito isso, nós, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
saudamos todos os presentes e lhes damos as boas-vindas, colocando-nos à
disposição.
Muito
obrigado.
[1]
Uso o termo “cangaceirismo”, mais preciso, no lugar de “cangaço”, para designar
a conduta ou modo de viver do cangaceiro.
[2]
CÂMARA CASCUDO, Luís da. Viajando o
Sertão. São Paulo: Global Editora. 4 ed. 2009.
[3]
PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Guerreiros
do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa.
5 ed. 2011.
[4]
CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário de
Folclore. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Ministério da
Educação e Cultura (MEC). 2 ed. 1962.
[5]
O.a.c.
[6]
SILVA, Raimundo Nonato da. O.a.c. Ver se houve
prefácio de Cascudo.
[7] SILVA, Raimundo Nonato da. LAMPIÃO EM MOSSORÓ. Mossoró: Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005.
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