sábado, 7 de maio de 2011

OS FANTASMAS DE ERNESTO SÁBATO

Ernesto Sábato
calauza.wordpress.com

Em 30 de abril de 2011, por Franklin Jorge (http://www.franklinjorge.com/):

Arqui-rival de Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato engrandeceu as letras argentinas e castelhanas, como escritor e pensador excruciado pela angústia de existir em um mundo marcado pela violência e a injustiça social. Cientista e artista plástico, freqüentou o grupo de surrealistas franceses, porém acabou por se tornar romancista, autor de uma obra importante mas não popular, pois é daqueles que obrigam o leitor a pensar.

Conhecido, sobretudo, por seu romance “Sobre Heróis e Tumbas”, uma monumental e misteriosa alegoria da América Latina e do nosso tempo, escreveu não apenas ficção. “O Escritor e Seus Fantasmas”, posteriormente enriquecido com “Meus Fantasmas”, uma longa e didática entrevista concedida a seu velho amigo Carlos Catania, publicados no Brasil pela Editora Francisco Alves, reproduzem suas idéias acerca da vida e da criação literária, constituindo-se, pois, em verdadeiros repositórios de sua experiência pessoal e estética e, a um tempo, valioso guia para outros autores e curiosos da literatura.

Li e reli esses livros, desde o seu lançamento, ainda nos anos oitenta do século passado, deles extraindo lições e motivos de reflexão que enriqueceram sobremaneira minha própria prática literária, pois sou desses que buscam o conhecimento que resulta da experiência alheia e, ao contrário de muitos outros escritores, não se acanham de aprender com quem sabe ou viveu mais.

A princípio não tinha nenhuma simpatia por Sábato, por causa de sua obstinada ojeriza a Borges, um autor que admirei desde que o li pela primeira vez, primeiro como poeta e depois como prosador e, por ser ele, Borges, além de humanista o guardião de um saber universal, um dos grandes mestres e estilistas de todos os tempos.

Depois, tornei-me amigo de uma grande escritora com quem ele se relacionou – chegou a pensar em casar com ela – e que, no curso de nossa amizade, chegou a me contar muita coisa a seu respeito, através de preciosa correspondência e de conversas até sua morte, em 1984. Claro está que me refiro a Luisa Mercedes Levinson, que escreveu a quatro mãos, com Borges, um conto – “La Hermana de Eloisa”, com o qual o deputado José Dias me presenteou, ao voltar de uma viagem à Argentina.

Considerando o escritor e o artista herdeiros do mito e da magia, quando interrogado sobre que espécie de conselho daria a um aspirante das letras, recomenda Sábato que o mesmo escreva até não poder mais, “quando se der conta de que não escrever o levará à loucura”. E, a seguir, que recomece a escrever “a mesma coisa”, em busca do aprofundamento, com os meios mais eficazes e uma experiência enriquecida com um pouco mais de desespero.

Uma lição feita de experiência que serve a todos os que se empenham em criar uma obra e que resume, sem excesso nem retórica, toda a estética de Sábato.

Nomeado pelo presidente Alfonsín para conduzir o grupo de civis que investigou as atrocidades cometidas pela Junta Militar que governou o seu país, numa época não muito remota, da qual resultou o documento “Tortura Nunca Mais”, Ernesto Sábato considera-se, antes de tudo, um homem de conflitos, pois para ele a única coisa estável nesta vida é a morte. Afinal, ser diferente não significa ser pior nem melhor, mas tão-somente diverso. E, como não existe cultura fundada na indiferença e na frieza, quando lhe falta a vivacidade a cultura se transforma em objeto de erudição. Justamente o oposto da vida.

A paixão é, para Sábato, o único combustível que não pode faltar ao artista. O criador seria o inverso do literato embotado pelo hábito e infenso às formulações novas.

Testemunha inflexível do nosso tempo, um tempo de desastres e reveses, como disse Bardiaiev da História, o autor de “Abadon, o Exterminador”, declara-se um defensor da sagrada indisciplina dos artistas, que são pessoas que vivem constantemente em estado de alerta e se propõem a levar adiante numerosos objetivos, geralmente turbados ou deformados pelas circunstâncias. E, escrever, um modo de enxergar as coisas.

Publicado em "O Santo Ofício"

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Recado de George Veras:

"A abertura será sábado, dia 07, a partir das 9 horas, na sede do Instituto Zulmirinha Veras, em Alexandria".

O SEPULTAMENTO DE BIN LADEN



Por Kydelmir Dantas:


Por aqui a conversa é esta:

Perguntaram ao Obama:

- Após morto, o que devemos fazer com o corpo do Bin?

- O ideal é jogar no mar.

- Porquê não o enterrarmos onde nasceu?

- É bom não arriscar. Em Mossoró mataram um cangaceiro do mal e hoje ele é quase santo!

UMA "NOVA ONDA NO CANGAÇO"



Honório de Medeiros

Em entrevista concedida ao escritor Franklin Jorge (www.franklinjorge.com), depois gentilmente transcrita por Jânio Rego (www.blogdafeira.com.br), defendi um estudo do fenômeno do cangaço firmado em paradigmas diferentes daqueles que, ainda hoje, são notoriamente utilizados na produção pré-científica em relação ao tema.

Descrevi o que seria essa nova “onda”, assim batizada por força da falta de uma expressão melhor, e calculadamente inspirada, a expressão, na obra homônima de Alvin Toffler, guru americano na moda em meados da segunda metade do século passado, “expert” em projetar o futuro.

Os paradigmas são simples e poucos: utilização do método científico na pesquisa do imenso acervo de dados existentes acerca do cangaço, hoje, e utilização da teoria da evolução de Darwin, na análise do material disponibilizado pela pesquisa.

Entre os argumentos elencados na defesa de minha proposta está uma constatação óbvia: hoje quase não temos fontes primárias a serem pesquisadas, e as poucas restantes – personagens que participaram diretamente do ciclo do cangaço – delas já se extraiu o possível e o impossível. Ressalvei a possibilidade de ocorrer, extraordinariamente, o que aconteceu em relação a Plácido de Castro, ou seja, a descoberta de papéis de um lugar-tenente seu, em um lugar remoto do interior do Rio Grande do Sul, alusivos ao período no qual o gaúcho lutou pelo Acre. Se acontecer algo assim, como por exemplo, a descoberta de um diário perdido do Coronel Floro Bartolomeu, será uma verdadeira festa para os pesquisadores do cangaço e coronelismo, mas, com certeza, absolutamente inesperado.

Um exemplo para explicar o que seria a “nova onda” em relação ao cangaço é a teoria do “escudo ético”, de Frederico Pernambucano de Mello, com certeza um dos nossos mais importantes e originais pesquisadores. Segundo essa teoria, calcada em metodologia científica – uma conjectura, portanto, exposta à refutação – os cangaceiros construíam um “escudo ético” para justificar sua senda criminosa: diziam agir como agiam como conseqüência de um sentimento de justiça oposto à injustiça de ações contra si ou sua família cometidas, tudo calcado em um ancestral código de conduta tipicamente sertanejo.

Podemos não concordar com a teoria de Frederico Pernambucano, mas não podemos negar que ela resulta do tratamento científico dado ao resultado – os “dados brutos” – obtido com as pesquisas realizadas durante a “onda antiga”, que coletava informações e as repassava, a grande maioria das vezes, sem qualquer checagem quanto aos fatos arrolados.

Quanto ao darwinismo, penso em sua utilização no âmbito das ciências sociais como a grande ruptura com os modelos anteriores, tais como o marxismo e o funcionalismo americano, o estruturalismo francês e Weber. O darwinismo é uma macro-visão da realidade, incluindo, aí, o campo social, a única a resistir à virada do milênio, esse mesmo milênio que deu contornos bem mais limitados ao pensamento de Freud e Marx. Darwin é o grande sobrevivente. Evidentemente quando abordo o darwinismo rechaço o assim chamado “darwinismo social”, que nem é darwinismo, nem é social, e somente existe hoje no cérebro de quem, realmente, não conhece a obra de Darwin. Criticar o darwinismo a partir do “darwinismo social” é, mais ou menos, como criticar a democracia pelos desvios ideológicos que ela possibilita. Típica do desconhecimento acerca do darwinismo é uma questão que foi formulada por um dos comentadores da entrevista: “a lei do mais forte, então, justificaria socialmente o cangaço?” A ciência não justifica nada; a ciência explica.

Uma “nova onda” em relação ao cangaço permitiria, por exemplo, demonstrar por que Lucas da Feira não foi cangaceiro. Aliás, a filosofia pode fazer isso: se Lampião é o paradigma, basta compararmos Lucas a ele e nos indagar se eram semelhantes. Obviamente não. Nem todo bandido rural era cangaceiro. Como permite a “nova onda” rir da afirmação feita por outro comentador de que eu nego “aos integrantes das camadas populares a capacidade de elaborar estratégias de vida por meio de operações intelectuais...” Nunca tinha visto nada tão disparatado. A lei da evolução confirma que desde a ameba, até o Homem, ou seja, qualquer ser vivo, sobrevive graças à capacidade de elaborar estratégias de sobrevivência. Está em Karl Popper, de quem recomendo a leitura. A habilidade “política” de Lampião – penso que o comentarista quer dizer habilidade guerreira – é algo concreto: não fosse assim ele não teria sido quem foi. Entretanto devemos colocar essa habilidade em seu contexto específico, qual seja, o jogo de poder inerente ao coronelismo que permitiu sua sobrevivência durante tantos anos no Sertão inóspito.

Enfim, nada mais interessante do que essas polêmicas que nos permitem aprofundar e redimensionar nossas opiniões. Não por outra razão elas me interessam vivamente. Ao contrário de quem não gosta de ser contrariado em me perfilo com D. Hélder Câmara: “me enriquece quem de mim discorda”. Nada tão belo. Nem tão correto, epistemologicamente pensando.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

MELANCIAS DO PADRE


Anotações de Viagem, por Jânio Rêgo (http://www.blogdafeira.com.br/)

Essas melancias da foto ao lado são daqui da Bahia, ali de Tucano. A ‘Melancia do Padre’ do título é na verdade um lugarejo do Rio Grande do Norte, entre Apodi e Pau dos Ferros, que fica nas margens da BR- 405.

É de lá um doce feito com gergelim, uma geléia, tão maravilhosa que não lhe damos o nome vulgar de ‘doce’ nem ‘geléia’. É uma especiaria que chamamos de ‘Espécie de Gergelim’.

O detalhe gastronômico é a rapadura usada como açúcar. Sem isso não tem ‘Espécie’.

Elizabete é a doceira que me contou a história do nome original do lugar. Um padre que celebrou a primeira missa na igreja nova, há muitos anos. Virou Melancia do Padre, mas hoje chamado simplesmente de Melancias.

Apesar da história e do nome, a doceira não vende doces de melancia. Mas prometeu que na minha próxima viagem ao interior do Nordeste vou encontrar o doce com a fruta que dá nome à sua terra.

É feito com a casca ralada - me disse quando fui saindo, sentada numa cadeira-de-balanço no alpendre.

A BOEMIA MOSSOROENSE SEGUNDO "SEU RAIBRITO", 1947


Foto Manoelito Pereira
Do telescope.zip.net

O acesso a determinadas fotografias de época, as quais rapidamente as associei a um texto constante da obra Páginas Arrancadas (memórias), cujos dados acham-se descritos nas referências bibliográficas abaixo, motivaram-me a escrever esta postagem. Esta obra foi elaborada em 1976, e publicada em 2010. Gostaria de sugerir, sem compromissos, a todo mossoroense a leitura deste livro. O autor, Raimundo Soares de Brito, (91), natural de Caraúbas-RN, mas cidadão mossoroense. Nas diversas obras de sua autoria, priorizou a pesquisa e o resgate das memórias desta cidade, e o fêz de uma forma belíssima, com uma linguagem simples, até lúdica, sem rebusques e frescuras: escreveu com a alma. Transcrevo o texto constante da obra em referência, em sua página 51, como parte do conteúdo textual desta postagem.

"Naquele tempo a diversão principal aqui (Mossoró) era se fazer uma perninha pelos bares da cidade, tomar umas e outras e depois subir.
 
Vamos subir? Todo mundo já sabia que o convite estava feito para se à zona - o ambiente noturno, alegre e único da cidade. Ali no Art Nouveau que a gente popularmente falando dizia Alto do Louvour, se encontrava de tudo para saciar os desejos da carne: música, jogo de baralho, roletas, bebidas e mulheres. Sobretudo mulheres ...
 
Afora o Bar Brahma, quase todas as outras pensões era conhecidas pelos nomes das suas proprietárias: Maria Florentina, Luizinha, Maria Cordeiro, Zeca de Manduca, além de outras casas alegres pelas imediações sem falar no Rasga ou Cai Pedaço onde funcionava o baixo meretrício. Ali pelas imediações uma série de carrocinhas e pequenos comerciantes fazia um comércio ambulante onde se encontravam o cigarro, confeitos, chicletes, pipocas e uma série de outras guloseimas. Cristino sobressaia-se com galhardia vendendo suas afamadas avoêtes e outros salgadinhos que iludiam os estômagos, quase sempre encharcados de bebidas, de todos nós.

Depois, vieram as pensões com nomes pomposos, algumas até hoje existentes: Las Vegas, de Núbia; Coimbra de Luzia Queiroz; Estrela de D. Laura; Casablanca e outras, dizem que agora sem a movimentação, a alegria e o encanto daqueles tempos. A concorrência dos Motéis e de casas clandestinas e a licenciosidade mataram aquele comércio pecaminoso, mas alegre de carne humana, dos nossos dias de juventude e mocidade .. "

A imagem 01 mostra um dos trecho da Rua Nilo Peçanha, no antigo Alto do Louvor. Manuelito Pereira, (1910-1980), deva ser o provável autor das imagens.

Fontes: BRITO, Raimundo Soares de, (23/04/1920), Páginas Arrancadas (memórias), Fundação Vingt-un Rosado, Coleção Mossoroense, Série C, Volume 1588, abril de 2010; Origem do arquivo fotográfico - site Azougue.com, acessado em 29/12/2010.

BIN LADEN E LAMPIÃO

Da Tribuna do Norte: Jornal de WM, 05 de Maio de 2011

por Woden Madruga

Osama Bin Laden teria morrido mesmo? Há controvérsias. No rastro da notícia que sacudiu o mundo na madrugada de segunda-feira surge uma esteira de dúvidas, de incertezas, muitas delas já expostas em manchetes de todos os jornais, nos comentários de especialistas polítocos da tevê e no infinito da internet. Falta o corpo do terrorista para provar a morte do líder da Al Qaeda surpreendido pelos militares norte-americanos na casa-fortaleza de Abbottabad, no Paquistão. O governo americano afirmou que o corpo foi jogado ao mar. Foi mesmo? Ainda não se exibiu nenhuma prova. Ontem mesmo pela internet fiquei sabendo que o presidente Barack Obama vem sofrendo pressões de todos os lados para que se prove a morte de Bin Laden.

Há muitas versões sobre o que aconteceu na casa dos arredores de Abbottabd. Uns dizem que Bin Laden não estava armado, mas reagiu. Reagiu como? Fontes do Pentágono afirmam que o terrorista foi executado no terceiro andar da casa, mas uma filha de Bin Laden, que viu tudo, declarou que o pai e toda a família estavam no primeiro andar. Tem ainda a versão de quem atirou em Bin Laden não foi nenhum militar norte-americano, mas sim gente de sua guarda pessoal. Quantas pessoas foram mortas? Não se tem o número exato. O governo americano tem noticiado que “apenas o corpo de Bin Laden foi levado do Paquistão”. Já fontes do governo do Paquistão disseram que o corpo de um possível filho seu também foi levado.

E se Bin Laden aparecer por aí, daqui a uns dias, vivo e forte, com seus quase dois metros de altura, numa daquelas cavernas das montanhas que dividem o Paquistão do Afeganistão? Essa hipótese estava sendo levantada no papo de ontem à tarde (de depois da chuva) na calçada do Cova da Onça. O mestre Gaspar, por sinal, além de misterioso se mostrava muito incrédulo. Chegou mesmo a afirmar que essa história está sendo contada em metades. Por exemplo – perguntava - onde é que estão os corpos dos mensageiros de Bin Laden? Quem eram esses caras? E arrematava: Eu quero ver é o rosto de Bin Laden morto com atestado reconhecido em cartório. Outra coisa, perguntou ainda: Em que mar os americanos jogaram o corpo do cara? Próximo de qual ilha?

A discussão só terminou quando a noite começava a descer sobre a velha Ribeira e lá do cais soprou um vento frio. Foi quando o poetinha Carlos Castilho, vindo do Carneirinho de Ouro, se aproximou da roda e, se inteirando do assunto, tirou de um dos bolsos do casaco um pedaço de papel onde estava impresso um comentário de Xico Sá, da Folha de S. Paulo, fazendo comparações entre a morte de Bin Laden e a do nosso Lampião. Fez um silêncio sepulcral, como se dizia no tempo de José de Alencar, para ouvir a leitura de Castilho, debulhando o texto do jornalista e escritor. Xico Sá conta:

- A falsa cabeça do terrorista Bin Laden revelada fartamente ao mundo inteiro nesta manhã (segunda-feira, 2) nos remete a outra imagem clássica e verdadeira: a das cabeças cortadas de Lampião e o seu bando. Na ausência de uma cadeia midiática à época, ano de 1938, as “forças do bem”, formada por governos e policiais estaduais do Nordeste, promoveram uma excursão com os crânios, exibindo a carnificina em cidades das margens do rio São Francisco.

- O enredo que seria mostrado dias depois nos jornais e revistas também é igual ao de hoje. O de um filme de Hollywood com o velho triunfo óbvio do mocinho contra o bandido. Também com Bin Laden, Lampião e os seus bandoleiros já estavam em decadência, acossados pela modernidade que chegava ao Nordeste em formas de construção de estradas e importação de armas mais avançadas.

- Como a morte de Lampião não se deu automaticamente o fim do cangaço. Vários bandos continuariam em atividade pelo menos até o começo dos anos 1960. Esse breve comentário não deve ser lido como uma comparação histórica ao pé da letra. Nem moral para isso tem esse pobre cronista de costumes. É só uma viagem despertada nesta manhã pela falsa ou verdadeira cabeça-troféu de Osama Bin Laden.

O poeta Castilho quase embarga a voz no final da leitura que deixou arrepiados todos da roda. Aí começou a chover outra vez na Ribeira penosa e úmida.

terça-feira, 3 de maio de 2011

ASSEMBLÉIA EXTRAORDINÁRIA DA SBEC

SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DO CANGAÇO – SBEC

CNPJ: 07.220.746/0001-50

Endereço: Museu Histórico Lauro da Escóssia

Praça Antônio Gomes, S/N. CEP. 59610-150 - Mossoró/RN

Endereço eletrônico: http://sbecbr.wordpress.com

Email: sbecbr@gmail.com.br




CONVOCAÇÃO ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA



Convocamos todos os sócios para a Assembléia Geral Extraordinária da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço a ser realizada no dia 14 de maio de 2011, com início previsto para 10:00h no Auditório do Comitê de Imprensa da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, na cidade de Fortaleza.



Pauta: Aprovação do estatuto da entidade

Informes


Mossoró/RN 02 de maio de 2011



Lemuel Rodrigues da Silva

Presidente

domingo, 1 de maio de 2011

UMA CERTA FOTOGRAFIA NA PAREDE



"Uma americana em Paris"; Ruth Orkin

Honório de Medeiros

Eu e a garçonete de olheiras profundas concordamos quanto à fotografia na parede. A noite apenas começava. Mas ela já parecia estar muito cansada. Fiquei tentado a lhe perguntar se dormira nas últimas vinte e quatro horas. “Melhor não”, disse aos meus botões. A fotografia - melhor dizendo, a reprodução dividia com outras, em preto e branco, a atenção dos freqüentadores. “É a que chama mais atenção”, disse-me ela, enquanto me servia uma taça de vinho. “Por que será?”, perguntei-lhe. “Sei lá; por que é bonita”. Furtei-me à tentação de lhe indagar em que ela se baseava para achar uma reprodução mais bonita que a outra.
Olhei novamente a fotografia. Nela, uma americana de mais ou menos vinte anos, na década de cinqüenta, atravessa um grupo de rapazes italianos postados aleatoriamente em uma esquina de Roma. Malgrado o nariz empinado e as passadas rápidas há algo de aflito no seu olhar, causado talvez pela vergonha de tão exacerbada atenção. Bela obra de arte. Ruth Orkin, que a fez, nos contou que não foi difícil convencer a americana que conhecera em uma pensão para turistas a servir de modelo. Tampouco houvera produção. Exceto a idéia apresentada à moça, todo o restante foi espontâneo.
Contei tudo isso à garçonete de olheiras e seios fartos. Ela me pareceu interessada. Comentei como não deveria estar, hoje, a modelo, se fosse viva. “Velha, enrugada, feia...”, me respondeu, “como eu vou ficar, você vai ficar, todos nós ficamos com o passar dos anos”.
A noite começava a ficar febril. Casais entravam, mulheres e homens desacompanhados, a maioria turista. Quando ela me trouxe a massa, já éramos quase amigos. Tínhamos ficado cúmplices observando tudo o que se passava ao nosso redor: a solidão do rapaz da mesa vizinha a dialogar constantemente com seu celular; o casal de “gringos” que nunca trocava uma palavra um com o outro; as amigas que se namoravam às escondidas; o louro quase albino - talvez escandinavo - e sua acompanhante morena quase negra. Cada vez que ela ia, eu perscrutava ao meu redor o próximo capítulo da novela que extraíamos da noite; e ela me chegava com novidades da periferia do restaurante, onde meu olhar não alcançava.
“Você não se preocupa com sua beleza?”, lhe perguntei. “Como assim?” “Essa história de você trabalhar a noite toda”. “Olhe, eu não me considero feia, embora não seja nenhuma “miss”; o problema é que não adianta ficar pensando em levar uma vida de dondoca quando se nasceu pobre. Lógico que eu gostaria de ter tempo pra me cuidar. Mas até acho que beleza hoje é algo muito comum. Todo mundo é bonito. O difícil é ter charme”. “Mulher bonita os homens estão comprando aí fora a preço de banana”.
“Quanto você ganha aqui, por mês?” “Uns mil”. As meninas, aquelas adolescentes das quais os jornais e as teses de mestrado em sociologia e a televisão e o congresso falam, continuam passando em frente ao restaurante. São alegres, palradoras, pelo que se vê e ouve. Ganham em torno de cem reais por programa. E fazem dois ou três por dia. Dá uns quatro mil por mês. 
A conta chega.
“Posso lhe perguntar outra coisa?” “Claro”, ela me diz. “Quando você olha para a reprodução da fotografia, qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça?” “Uma sensação de que tudo passa, mas permanece. Ontem, era aquela americana e os rapazes italianos; hoje é qualquer outra... A vida continua, mas é como se fosse sempre a mesma”. Ela não esperou qualquer comentário meu à resposta. Talvez já lhe tivessem perguntado isso. Ou, quem sabe, sequer teve tempo para se perguntar por que eu lhe fizera tal pergunta. Apenas respondeu. Mecanicamente.
Desço a escada e ganho a rua. Procuro o carro lembrando um romance que fez furor quando eu era adolescente: “Sidarta”, de Herman Hesse. Em um certo momento da estória, o protagonista observa para um seu amigo e discípulo mais ou menos aquilo que a garçonete havia me dito, contemplando as águas de um rio. Para ele, Sidarta, assim como para a garçonete, embora as águas estejam sempre indo a busca do oceano, o rio continua no mesmo lugar. A vida passa mas está. O homem vai mas a humanidade permanece. Fim de noite.