sexta-feira, 15 de julho de 2016

II A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR (continuação)

* Honório de Medeiros

A SAGA DOS FERNANDES II

AGOSTINHO PINTO DE QUEIRÓZ, DEPOIS AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ

Agostinho Pinto de Queiróz, depois Agostinho Fernandes de Queiróz, era filho do português José Pinto de Queiróz, o patriarca de Serrinha dos Pintos, e Anna Martins de Lacerda, irmã de Joanna Martins de Lacerda esta, por sua vez, esposa do também português Manoel Fernandes e pais de Mathias Fernandes Ribeiro, acerca de quem discorremos na crônica anterior.

Agostinho nasceu em Martins, no Rio Grande do Norte, em 21 de abril de 1780, e faleceu em 6 de março de 1866. Casou-se com Francisca Romana do Sacramento[1], filha de Mathias Fernandes Ribeiro. Desse casamento originaram-se os Fernandes de Queiróz no Alto Oeste potiguar. 

Foi um homem notável, em sua época. Revolucionário em 1817, encarcerado na Bahia de 1817 a 1822, quando foi anistiado[2]. Em 1832 combateu Pinto Madeira na fronteira com o Ceará. Manoel Onofre Jr.[3] Nos conta, citando Nestor Lima, que por terem fugido do batalhão por ele comandado “dois soldados, Patrício e Felizardo (...), o comandante mandou prendê-los e sumariamente fuzilá-los por deserção. Foi, por isso, julgado e condenado, mas a condenação prescreveu, porque nunca foi executada, e ele sempre residiu na serra”.

Logo após o combate, escreveu ao Governador da Província do Rio Grande do Norte pedindo para trocar o sobrenome “Pinto” por “Fernandes”, da família de sua esposa. Em 27 de fevereiro de 1842 passou a ser o primeiro Presidente da Câmara Municipal (Intendente) da Vila de Maioridade (atual Martins).

Tavares de Lira[4] nos diz que “Quando o saudoso desembargador Vicente de Lemos fazia a remodelação do Arquivo da Secretaria do Governo, encontrou a prova documental desse fato e a entregou a um bisneto daquele revolucionário, o qual asseverava:

“Quartel de Portalegre, 7 de maio de 1832.
Ilmo. e Exmo. Snr. Presid. da Prov. do Rio Grde. do Norte,
JOAQUIM VIEIRA DA SILVA E SOUZA

Tenho em mta. consideração o Respeitável ofício de V. Excia., de 7 de maio p.p., e de toudo conteúdo estou certo a dar sua devida execução.

Deus guarde V. Excia. mO amO.

L.S. Sempre foi o meu Velaxo de PINTOS, como tenho excomungado o PINTO MADRa., mudei o meu Velaxo deora indeante pa. FERNANDES.

Tente. Coronel

AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ[5].” 

Em 1838, o regente do Império nomeou-o um dos Vice-Presidentes da Província do Rio Grande do Norte.

Câmara Cascudo[6] relata que de Agostinho vem uma tradição comovente: “Prisioneiro na cadeia da Baía, Agostinho teve um grande amigo na pessoa de um oficial chamado Childerico. Dispensa de serviços, melhoria na alimentação, livros para ler, notícias de Martins, tudo Childerico arranjava. Indultado, Agostinho Pinto de Queiróz fez a singular promessa de manter na família o nome daquele a quem devia tantos obséquios. Até hoje, há mais de cem anos, a família Fernandes cumpre a imposição emocional de seu antigo chefe. Há sempre vários Childericos, nomes de reis merovíngios, entre os sertanejos norte rio grandenses.”

Agostinho Pinto de Queiróz ou Agostinho Pinto Fernandes foi irmão de Domingos Jorge de Queiróz e Sá, que se casou com Maria José do Sacramento, irmã de Francisca Romana do Sacramento, ambas filhas de Mathias Fernandes Ribeiro. Domingos teve quatorze filhos, dentre eles Antônio Fernandes da Silveira Queiróz (o Major do Exu), o Cônego Pedro Fernandes de Queiróz, deputado provincial em três legislaturas (1835/1837, 1838/1840, 1845/1847) e o Tenente Coronel de Batalhão José Fernandes de Queiróz e Sá.

O casamento do Major do Exu com sua prima Joanna Gomes de Amorim, filha do Coronel Agostinho Fernandes de Queiróz, Belarmina Martins de Lacerda e Joana Fernandes de Lacerda, estas últimas sobrinhas, filhas da Irmã Silvana Martins de Lacerda rendeu-lhe dezessete filhos, dos quais Epiphanio José Fernandes de Queiróz (Major Epiphanio), Antônio Fernandes de Queiróz Filho, e o Cônego Bernardino José de Queiróz e Sá, de quem trataremos nas próximas crônicas.

[1] Segundo João Bosco Fernandes, o.a.c., ela era a filha primogênita de Mathias Fernandes Ribeiro.

[2] Em Natal a revolução se mantivera de 29 de março a 25 de abril de 1817, encerrando-se com o assassinato do comandante André de Albuquerque. 

[3] “MARTINS A Cidade e a Serra”; 3ª edição; Sebo Vermelho; Natal, Rn. 

[4] “História do Rio Grande do Norte”. 

[5] Conforme “A República”, Natal, Rn, 30 de abril de 1926. 

[6] Citado em “O Guerreiro do Yaco”, de Calazans Fernandes.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

I A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR

* Honório de Medeiros


A SAGA DOS FERNANDES I


MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, A RAIZ.

Consta[1] que em 7 de janeiro de 1742, sob a justificativa de que era descobridor das terras e morador da Capitania do Rio Grande do Norte, solicitou Francisco Martins Rodrigues uma concessão no Sítio Telha, Ribeira do Apodi.

Alegou que pretendia criar gado, lavrar, tinha gado cavalar e vacum. Requereu as terras para si e seus herdeiros, isenção de pagamento de foro, de pagamento de pensão, oferecendo-se para pagar somente o dízimo.

A terra pretendida localizava-se na ribeira do Apodi, e seguia em direção a Serra que se encontrava no Sitio Telha. Tinha como ponto central a LAGOA DO INGÁ[2] e o olho d’água Tabocas, nas confrontações da Lagoa de São João. Na carta não há referência à direção em que a Lagoa São João confrontava com tais terras, dessa forma foi atribuído como ponto cardeal Norte a dita Lagoa. 

A solicitação foi deferida como Data de Sesmaria. É o que se lê no Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN - Fundo Sesmarias), Livro IV, n. 303, fls. 87-88. A data da concessão é 1º de março de 1742 e a autoridade que a concedeu o Capitão Mor Francisco Xavier de Miranda Henriques. 

Nos registros da Plataforma observa-se que a Carta apresentou como exigência que o suplicante registrasse a sesmaria que lhe foi concedida. Acredita-se que isso não aconteceu conforme ordenou o Capitão-Mor, pois o documento não possui a indicação do local, nem da data, nem do escrivão responsável pelo registro. Contudo sabe-se que a carta de sesmaria foi registrada de alguma forma, visto que a mesma existe no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Tendo em vista todas essas informações, retifique-se, pois, o nome do fundador de Martins. Seu nome não era Francisco Martins Roriz, falecido em 1796, que se fixou na Serra da Conceição[3] em 1742. O verdadeiro nome do povoador de Martins era Francisco Martins Rodrigues[4]. 

Acerca de Francisco Martins Rodrigues quase nada se sabe, exceto o que foi exposto acima. É da tradição que tenha se casado com Micaela, que teve morte trágica, decorrente de distúrbios mentais. 

Conta-se que tendo desaparecido de casa, duas semanas após buscas incessantes Francisco Martins Rodrigues prometeu que onde fosse ela encontrada, no local construiria uma capela consagrada à Virgem do Rosário. Encontraram-na às margens da Lagoa do Ingá e a promessa foi cumprida originando-se, dessa construção, a futura cidade do Martins. É de se lembrar a lenda que atribui a morte de Micaela aos índios tapuias-janduís.

Do casamento de Francisco Martins Rodrigues com Micaela é comprovado que teve uma filha denominada Maria Gomes de Oliveira Martins. Esta se casou com Mathias Fernandes Ribeiro, e do casamento entre eles surgiram todos os Fernandes do Alto Oeste Potiguar e outras famílias. Mais precisamente: os Fernandes de Queiróz e Fernandes de Oliveira, radicados em Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal, Ceará, Paraíba e alguns estados do Sul; os Moreira Pinto, Moreira da Silveira e Gomes da Silveira, radicados em Tenente Ananias, Sousa, Cajazeiras, Uiraúna, São João do Rio do Peixe e Ceará; os Claudino Fernandes, Fernandes Moreira e Correia de Queiroga, radicados em Luiz Gomes, Tenente Ananias, Sousa, Uiraúna, Cajazeiras, João Pessoa e Terezina; os Vieira da Silva, Vieira Coelho e Fernandes Vieira, radicados em Tenente Ananias, Uiraúna e Sousa; os Maia, Fernandes Maia, Rosado Maia, Fernandes Lopes e Fernandes Pimenta, radicados em Catolé do Rocha, Mamanguape, João Pessoa, Marcelino Vieira, Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal e Ceará.

Mathias Fernandes Ribeiro[5], nascido pela década de 1750, era filho de Joanna Martins de Lacerda[6] e Manoel Fernandes[7] e, pelo casamento, foi herdeiro do fundador de Martins. Residia no Sítio Cruz D’Alma, naquela cidade, embora tivesse como sede dos seus negócios a fazenda “Curral Velho”, distante poucos quilômetros da cidade de Pau dos Ferros.

Foi um dos homens mais ricos do seu tempo. Seu inventário concluiu-se em 1.830, ano do seu falecimento, e relaciona como sendo de sua propriedade, além de escravos, ouro, gado e prataria, as propriedades “Cruz D’Alma”, “Curral Velho”, “Saco”, “Santiago”, “Saco Grande”, “Passarinho”, “Passagem de Onça”, “Gurjão”, “Arapuá”, “Coito”, e “Estrela”. O inventário registrou um total de sessenta e um conto de réis como monte-mor. Uma fortuna imensa. 

Registre-se que seu inventário desapareceu misteriosamente. Calazans Fernandes[8] comenta que a última vez a ser visto o inventário de Mathias Fernandes Ribeiro ele estava nas mãos do Major Antônio Fernandes da Silveira Queiróz, o “Major do Exu”, um dos senhores da Serrinha dos Pintos, no ano da morte deste, em 1865. O Major era filho de Domingos Jorge de Queiróz e Sá e neto de José Pinto de Queiróz e Anna Martins de Lacerda, Joanna Martins de Lacerda, filha de Francisco Costa Passos e Violante Martins de Lacerda, casada com o português Manoel Fernandes, e mãe de Mathias Fernandes Ribeiro, a raiz, era irmã de Anna Martins de Lacerda que, por sua vez, casou-se com José Pinto de Queiróz, de Serrinha, atual Serrinha dos Pintos em homenagem a José e a família que ele originou.

Do casamento de Anna com José nasceu Agostinho Fernandes de Queirós, personagem emblemático, cujo esboço biográfico será apresentado na próxima crônica.

[1] Plataforma S.I.L.B. (Sesmarias do Império Luso-Brasileiro) - http://www.silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/RN%200504

[2] No coração de Martins.

[3] Como era conhecida a Serra do Martins na época do pedido da Sesmaria.

[4] Nesse erro incorre, por exemplo, João Bosco Fernandes, em seu “Memorial de Família – Pesquisa Genealógica”, do qual nos valemos em sua 1ª edição, 1.994, Halley S/A – Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. Há controvérsias, porém. Na cópia da Carta de Data e Sesmaria da Telha, pinçada do "Sesmarias do Rio Grande do Norte", publicada por Vingt-Un Rosado, lê-se, claramente, "Francisco Martins Roiz", não Roriz. Saliente-se que no século XVIII, era muito comum usar-se "Roiz" como abreviação de "Rodrigues". "Roiz é tanto quanto tenho verificado nos registos paroquiais, a abreviatura de Rodrigues", lê-se em "http://geneall.net/pt/forum/829/familia-roiz/". Ainda: "normalmente estes registos tinham lateralmente o nome próprio seguido de Roiz e quandos se lê o registo, verifica-se ser Rodrigues o apelido. No entanto poderá haver famílias que adaptaram esta abreviatura como apelido." Uma coisa é certa: Roriz é que não está correto.

[5] João Bosco Fernandes, o.a.c. Calazans Fernandes, em “O Guerreiro do Yaco”, Fundação José Augusto; 2002; Natal, Rn, levanta a possibilidade de Mathias Fernandes Ribeiro ser filho de Francisco da Costa Passos e ter ou não nascido em Portugal.

[6] Segundo João Bosco Fernandes, o.a.c., Joanna Martins de Lacerda era filha de Francisco da Costa Passos e Violante Martins, residentes na antiga freguesia de São João Batista da Vila de Princesa, hoje Açu, Rn. Há registros de que seriam de Goiana, Pernambuco (Livro de Registro de Batizados da Paróquia de Missão Velha, Ceará, período 1748-1764, folhas 3 v). Ver obra “Povoamento e Povoadores do Cariri cearense”, de Joaryvar Macedo. Ainda acerca de Joanna Martins de Lacerda, ver o inventário de José Pinto de Queiróz, falecido em 25 de novembro de 1780, processado em 1781. 

[7] João Bosco Fernandes, o.a.c. O Cap. Mathias Fernandes Ribeiro, nascido na década de 1750, na freguesia de São João Batista da Vila de Princesa (Açu, Rn), era filho de Joanna Martins de Lacerda e Manoel Fernandes. Joanna Martins de Lacerda, por sua vez, era filha de Francisco da Costa Passos e Violante Martins, ambos de Goiana, Pe, residentes em Açu, Rn, onde deixaram numerosa descendência. Manoel Fernandes, segundo a revista nº 102, volumes XVIII e XIX, dos anos 1920-1921, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), seria procedente da Vila de Faral, região do Douro, norte de Portugal, princípios do século XVIII. Um seu irmão, com ele vindo, Antônio Fernandes, alcunhado Pimenta, originou os Fernandes Pimenta de Caraúbas, Rn, e Mamanguape, Pb. Outro, possivelmente primo, Francisco Fernandes, tomou o rumo do Ceará e originou os Fernandes Távora. Calazans Fernandes, em obra citada, informa que Manuel Fernandes e um filho tornaram-se concessionários, no Governo Jerônymo José de Melo e Castro (Pb), em 1790, das sesmarias 375 e 972, de três léguas de comprimento por uma de largura cada, localizadas respectivamente na Várzea do Mulungu (Rn) e Serra do Coité, extremas da Fazenda Bom Jesus, Seridó paraibano. 

[8] Em “O Guerreiro do Yaco”, Fundação José Augusto; 2002; Natal, Rn.