quinta-feira, 30 de outubro de 2014

DE AUXÍLIO MORADIA E METAMORFOSE AMBULANTE

* Honório de Medeiros

Os juízes e promotores brasileiros são metamorfos (1): garantistas (2) quando julgam os outros, e legalistas (3) quando se trata de defender benefícios para eles mesmos.

(1) Metamorfoses ambulantes, à  Raul Seixas; vale lembrar que Lula se autodefiniu como sendo uma metamorfose ambulante.

(2) Garantismo: confusa teoria jurídica que entende a norma jurídica como uma casca ou invólucro cujo recheio, ao interpretá-la, será colocado a partir da noção individual ou particular específica do que seja O Justo para cada juiz; solipsismo jurídico; crença na onisciência do juiz enquanto alguém capaz de saber, mais que a própria Sociedade, o que é bom ou ruim para cada um. Descrença na capacidade da própria Sociedade regular seu Destino;

(3) Legalista: teoria jurídica que prega a interpretação fria da norma jurídica positiva, ou seja, aquela constante dos códigos e legislações. Para o legalista, pau é pau, e pedra é pedra, e não existe nada entre uma coisa e outra. Às vezes são denominados, pelos apedeutas, de positivistas, demonstrando, assim, que a estratégia de desconstrução do óbvio, por parte de quem o deseje, não pertence apenas à Política e sua incrível capacidade de demonizar reputações. Idolatram Heráclito de Éfeso, um pré-socrático, por ter afirmado que "o povo deve lutar por suas leis como pelas muralhas de sua cidade".  

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

JESUÍNO BRILHANTE: HERÓI OU BANDIDO? INTRODUÇÃO.



* Honório de Medeiros


De todos os livros de Câmara Cascudo, para mim nenhum é tão belo quanto "Flor de Romances Trágicos". Comecemos pelo título. Se decompormos e reunirmos novamente os termos que o compõem, nem assim ele faz sentido. O que significa "Flor de Romances Trágicos"?

Entretanto é um belo título. Estranhamente belo.

Essa beleza não permite o menor vislumbre acerca do conteúdo da obra. Afinal, se os perfis que Cascudo apresenta são trágicos, com certeza não poderiam, sequer esteticamente, serem considerados romances, bem como não poderíamos denominar "flores" os "outsiders" que o grande escritor apresenta em sua obra. Trágicos, sim, não haja dúvidas... 

Mas o talento enquanto escritor, de Câmara Cascudo, não transparece apenas no título do livro apresentado à nossa leitura e tão representativo do seu olhar inquiridor. Transparece, também, nos perfis desses "outsiders" que ele nos apresenta. Cada um deles é de uma beleza formal e conteudística memorável. 

Toda essa introdução é necessária para dar suporte à afirmação basilar a ser anunciada agora. Devemos à Cascudo, mais que a qualquer outro escritor, aí incluído Raimundo Nonato, a construção do mito de Jesuíno Brilhante enquanto um cangaceiro "gentil-homem".

Recordemos:

"Jesuíno Alves de Melo Calado foi o cangaceiro gentilhomem, o bandoleiro romântico, espécie matura de Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos velhos oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas.

Sua fama ainda resiste, indelével, num clima de simpatia irresistível. Certas injustiças acontecem porque Jesuíno Brilhante não existe mais. Era o paladino, o cavaleiro andante, sem medo e sem mácula, em serviço do direito comum e natural."

Não fosse a força do seu pensamento, assim como seu talento de escritor, a tradição oral não seria suficiente para construir a imagem de Jesuíno Brilhante que guardamos hoje.



Seria verdadeira essa imagem? Estão corretos os fatos por ele apresentados e interpretados, que ajudou a construir uma versão que se tornou praticamente "oficial" e que pautou a obra de Raimundo Nonato, bem como as que lhe seguiram a respeito do famoso cangaceiro?

Esse mesmo Raimundo Nonato que fora intimado por Cascudo, conforme ele nos conta em sua introdução a seu livro acerca de Jesuíno, a escrever "a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro", lhe advertindo que "falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os oprimidos". 

Para começarmos a responder essa questão o primeiro passo é nos indagarmos acerca de quais foram as fontes nas quais bebeu Cascudo para escrever acerca de Jesuíno Brilhante.

Que fontes foram essas?

Cascudo alude às seguintes fontes em "Flor de Romances Trágicos": o Padre Antônio Brilhante de Alencar (1873-1942) e Hugulino de Oliveira, de Caraúbas, Rn, que a seu pedido ouviu Dona Maria Umbelina de Almeida Castro. Faz referências, também, embora sem informar se foram fontes suas, a seu avô materno, Manuel Fernandes Pimenta, dono da "Fazenda Logradouro", município de Campo Grande, que segundo ele foi amigo pessoal de Jesuíno Brilhante, e sua mãe que, "menina, bricou muitas vezes com as filhas pequenas do valente".

Raimundo Nonato, ao aludir a Luis da Câmara Cascudo como sendo "inegavelmente a melhor documentada, e por isso, a de maior autenticidade, e a mais exata sobre a vida e a morte do filho fazendeiro João Alves de Mello" menciona outras fontes que com certeza foram consultadas por ele, tais como o romance de cenário inteiramente norte-rio-grandense "Os Brilhantes", de Rodolfo Teófilo, do Ceará, e trecho de "Heróis e Bandidos", de Gustavo Barroso, uma leitura da tradição oral acerca do tema.

Além disso, claro, o material resultante da recolha da tradição popular, tal qual o "documento popular" "ABC de Jesuíno Brilhante", que Rodrigues de Carvalho registrou em "Cancioneiro do Norte" (Paraíba, 1928).

Ou seja, enquanto fontes, as relações familiares e afetivas, bem como a tradicional propensão do nosso sertanejo de interpretar os fatos presenciados ou sabidos dando-lhes forma e conteúdo de caráter mítico turvam a possibilidade de construção de uma imagem de Jesuíno Brilhante condizente com a realidade.

É a essa tradição oral sertaneja, por exemplo, cultivada nos serões familiares, à luz das fogueiras ou lamparinas, que devemos a imagem de Antônio Silvino, Lampião e Padre Cícero que encontramos, ainda hoje, pelos Sertões nordestinos, tão distanciada da realidade.

Em sendo assim, existiria alguma outra fonte à qual pudéssemos recorrer para construir uma imagem de Jesuíno que fosse mais real, menos mítica? 

Temos. Neste ensaio vamos mostrar um outro Jesuíno Brilhante. 

Essa mostra tem dois momentos. No primeiro trataremos de fatos vividos por ele, mas vistos sob outra perspectiva, e, no segundo, traremos à lume um depoimento impactante acerca do cangaceiro, de um cidadão de reputação ilibada, seu contemporâneo, com forte presença na história em decorrência de sua decisiva participação em um momento sumamente importante para o Rio Grande do Norte.

Após fazermos tudo isso, teremos apresentado um contraponto à Cascudo e deixaremos a critério do leitor a escolha que lhe for conveniente para responder a questão que perpassa esse texto: Jesuíno Brilhante, herói ou bandido? 


terça-feira, 28 de outubro de 2014

QUEM DÁ AS CARTAS NO BRASIL É O PMDB

* Honório de Medeiros

Nesse próximo mandato de Dilma, tudo continuará como dantes, ou seja, o PMDB continuará dando as cartas no jogo político e, por conseguinte, mandando no Brasil.

Preside o Senado, preside a Câmara. Com seus senadores e deputados é o fiel da balança entre a oposição e o Governo. Nada é aprovado no Congresso sem seu aval e somente o é se lhe interessar.

E como não tem cor definida, sua bandeira é cambiante, sua ideologia é camaleônica, e não é estranho ao PSDB e seus aliados, ou seja, a oposição, muito antes pelo contrário, para ela pode migrar em 2018 se a economia, por exemplo, desandar. Ou se a insatisfação popular, por um motivo ou outro, crescer. Ou se o Governo não o tratar com a atenção (leia-se ser ouvido em tudo e por tudo) e o carinho (leia-se cargos) que ele sabe que merece.

É da natureza do PMDB não ter qualquer consistência político-ideológica. Professa uma frouxa defesa do que poderíamos denominar, com muita boa vontade, de "social democracia".

Na verdade o Partido funciona, ideologicamente, mais ou menos como a biruta de um aeroporto, se posicionando de acordo com o sabor do vento. Seus cardeais são doutores em auscultar os ruídos das ruas e campos e conciliar com os interesses específicos dos seus integrantes. 

São sobreviventes das intempéries políticas. Integram aquele grupo, no Brasil, que segura as rédeas do Poder desde a República Velha.  

Matreiro, manhoso, às vezes sutil, às vezes rude, o PMDB exerce com rara competência a rotina do Poder. Essa matreirice lhe permite, por exemplo, o mais das vezes, não se desgastar com as ações governamentais impopulares e, ao mesmo tempo, obter dividendos políticos com os acertos porventura existentes. Quando há erros, a culpa é deles; se há acerto, o  mérito é nosso.

Depois de eleita Dilma afirmou que vai insistir em um plebiscito para realizar a tão sonhada, pelo PT, reforma política. Que nada! Renan, cardeal do PMDB já disse que não é bem assim, que o melhor, mesmo, é a realização de um referendo. O que está por trás dessa discrepância? Simples: no caso do referendo, quem vai dar as cartas é o Congresso, o PMDB, que manterá todo o controle acerca de todo o processo. Sutilmente deu o recado: "sem nós, Presidenta, não se faz nada; conosco, do jeito que quisermos".

O PMDB é tão manhoso que é cindido esperta e deliberadamente em dois. Uma parte alinha com o Governo, outra faz guerrilha tática contra. É a velha estratégia do "morde" e "assopra". E assim, vendendo caro, muito caro, sua lealdade, vai impondo sua pauta política ao Brasil e engazopando o PT.

Ou impondo sua pauta política ao PT e engazopando o Brasil. A ordem dos fatores não altera o produto.     

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O GRANDE NÓ GÓRDIO QUE ROBINSON PRECISA DESATAR

* Honório de Medeiros

Diz a lenda que o rei da Frígia morrera sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciara a chegada, à cidade, do sucessor, num carro de bois.

Um camponês, de nome Górdio, foi coroado. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um nó impossível de desatar, a uma coluna, e que por isso ficou famoso.

Górdio reinou por muitos anos e quando morreu seu filho Midas assumiu o trono. Midas expandiu o império mas não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor. 

Em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. 

Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó em dois, desatando-o. Lenda ou não, o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.

Pois bem, o nó Górdio que Robinson Faria terá que desatar quando assumir o Governo do Rio Grande do Norte diz respeito ao servidor público estadual.

O Rio Grande do Norte tem aproximadamente 3,4 milhões de habitantes. Desses, 102.841 são servidores do Estado. Multiplicando cada servidor por cinco, que é a média histórica de dependentes diretos seus, teremos um total de 514.205 norte-rio-grandenses.

Esse número, entretanto, não dá a verdadeira dimensão da importância da remuneração do servidor público para a sobrevivência daqueles que vivem em seu entorno. Se diretamente a média é em torno de cinco pessoas para cada servidor, de forma indireta podemos, sem medo, multiplicar cada servidor por dez.

Ou seja, temos mais ou menos um milhão de pessoas vivendo às custas da remuneração de cada servidor público estadual no Rio Grande do Norte. Parece exagerado? Pense em um servidor público e relacione seus familiares, seus empregados, aqueles que lhe prestam serviços, e assim por diante, e conclua.

Pois bem, a influência política de cada servidor sobre seus dependentes diretos e indiretos é muito forte. E a influência do conjunto dos servidores públicos estaduais sobre a política partidária maior ainda. 

Aqui no Rio Grande do Norte dois Governadores, de forma mais expressiva, foram atingidos diretamente pela revolta do servidor público: Geraldo Melo e Rosalba Ciarlini. Certos ou errados, desde o início de seus governos abriram um contencioso tenso contra os servidores e amargaram índices muito altos de rejeição popular no final do mandato.

Esse nó Górdio, em relação a Robinson, é ainda mais complexo dada a peculiaridade de seu futuro Governo: com uma mão terá que administrar uma pesada herança de natureza financeira, fruto de gestões passadas, e, com outra, demandas incisivas dos servidores, historicamente espoliados, e dessa vez apadrinhados por quem praticamente lhe deu a vitória, o PT. Demandas cada vez maiores face à inflação oficial alta e extra-oficial altíssima (inflação de serviço), e a compressão salarial.

Medidas paliativas, ou de negaceio, historicamente utilizadas, não resultarão em nada favorável. Caso sejam utilizadas em muito breve hão de dilapidar seu patrimônio de legitimidade política. E confrontos, bem como a inércia do servidor "emburrado", vão paralisar sua administração. 

Há soluções? É possível. Um primeiro e importante passo é enfrentar o problema imediatamente, admitindo sua existência e o tratando com a importância que ele sempre teve e merece. Como não pode deixar de ser, alguns passos têm natureza político estratégica. Alguns outros são de natureza essencialmente técnica...

Esse é, apenas, um dos primeiros passos que precisam ser dados para que o Governador eleito possa estabelecer uma diferença essencial em relação aos governos anteriores. Há muito outros, claro.

Entretanto como se trata de algo que afeta profundamente as finanças públicas do Estado, e atinge diretamente um número expressivo de seus habitantes que têm forte poder de replicação, é possível considera-lo o verdadeiro nó Górdio das administrações públicas estaduais.

Ver: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2011/06/governo-versus-servidor-publico.html

http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2011/03/o-servidor-publico-e-as-elites.html