sábado, 25 de agosto de 2012

DA IMORTALIDADE

 
Bárbara de Medeiros
 
 
Bárbara de Medeiros
 

 
O cansaço nem sempre vem de dentro;
às vezes, a causa é exterior.
 
Remar contra a maré exaure;
não somos Hércules, filho de Zeus.
 
Humanos somos;
com pais e mães mortais.
 
Como a própria vida ensina,
um dia, conversamos;
outro dia, morremos.

SE RECONHECE QUE O BRASIL QUER UM JUDICIÁRIO INDEPENDENTE, POR QUE LEWANDOWSKY NÃO DEVOLVE A TOGA?



25/08/2012

 Augusto Nunes

 
“Acho que o juiz não deve temer as críticas, porque vota ou julga com a sua consciência e de acordo com as leis”, recitou nesta tarde o ministro Ricardo Lewandowski, com o sorriso amarelo de quem anda ouvindo o que merecem ouvir ministros que, conscientemente, votam ou julgam a favor de um bando fora-da-lei. “Não se pode se pautar o voto pela opinião pública nem a opinião publicada”, continuou. Nem se pode pautar o voto pela gratidão devida à madrinha que convenceu o marido a presentear com a toga um jurista medíocre, como antecipou em 22 de dezembro de 2011 o post republicado na seção Vale Reprise.
 
“Eu esperava as críticas e as incompreensões”, jurou com a expressão aparvalhada de quem acabou de descobrir que a nação não é formada exclusivamente por patetas e espertalhões. E encerrou a lengalenga com a celebração do farisaísmo (e dois pontapés na gramática): “Tenho certeza que o Brasil quer um Judiciário independente, com o juiz que não tenha medo de pressão de qualquer espécie”. Se reconhece que é exatamente isso o que exige o país que presta, o que ainda espera para devolver ao Supremo Tribunal Federal a toga que ganhou de presente?
 
Um juiz independente e imune a pressões não se atreveria a absolver o mensaleiro João Paulo Cunha e, para justificar a decisão afrontosa, fazer de conta que Marcos Valério só não corrompeu parlamentares. O vigarista mineiro que alugou o diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato não ousaria propor negociatas a deputados e senadores. Haja cinismo, berra a montanha de provas e evidências.
 
Haja cinismo, berram os fatos. João Paulo Cunha conheceu Marcos Valério na temporada eleitoral de 2002. Uma das agências do empresário mineiro havia sido contratada para cuidar da campanha do PT em Osasco, onde João Paulo nasceu, em 1958. O forasteiro virtualmente acampou no principal reduto do deputado em busca da reeleição. Ficaram íntimos. Vitorioso, João Paulo transformou Marcos Valério no marqueteiro de estimação.
 
O governo Lula e a bancada petista entenderam que o companheiro de Osasco deveria ser o presidente da Câmara. João Paulo convocou o amigo mineiro para ajudá-lo numa campanha que não haveria.
 
Candidato único, o deputado paulista não tinha adversários a enfrentar. Pagou um bom dinheiro pelos serviços não prestados por Marcos Valério. Foi a primeira de muitas demonstrações de apreço. Todas suspeitas. Todas retribuídas pelo lobista disfarçado de publicitário. João Paulo venceu uma luta sem adversários. Em seguida, uma empresa de Marcos Valério venceria sem concorrentes a licitação simulada para escolher a agência publicitária encarregada de “melhorar a imagem da Câmara”. O contrato foi renovado por mais dois anos no último dia útil de 2004.
 
Atendendo a uma encomenda paralela, a agência de Valério passou a avaliar periodicamente a popularidade em território paulista do deputado que sonhava com o governo estadual. As pesquisas foram pagas com verbas da Câmara. Em junho de 2005, quando explodiu o escândalo do mensalão, enfim ficou claro por que João Paulo reagira com tamanha ferocidade à primeira notícia sobre a existência do Pântano do Planalto, divulgada em setembro do ano anterior pelo Jornal do Brasil.
 
Ele conhecia bem o lugar. Enquanto foi o número 2 na linha de sucessão presidencial, ali pescara propinas de bom tamanho. Também ficou claro por que lutara com tanta tenacidade pelo direito de continuar no comando da Câmara: talvez conseguisse impedir o nascimento da CPI que acabou identificando os mensaleiros e revelando parcialmente o acervo imenso de maracutaias. Uma delas permitiu a João Paulo expropriar R$ 50 mil da conta da SMP&B, empresa de Marcos Valério, numa agência do Banco Rural em Brasília.
 
Se o dinheiro  tivesse sido retirado pela mulher do deputado, já estaria configurado o caso de polícia. Mas a coisa foi um pouco pior. Para esconder da Coaf o nome de Márcia Regina Cunha, o saque foi feito pela própria SMP&B. A primeira-dama da Câmara apenas assinou um documento interno do Banco Rural que registrava o repasse dos R$ 50 mil que Lewandowski acaba de varrer para baixo do tapete das “despesas de campanha”.
 
São esses os fatos. O resto é conversa fiada, desculpa de culpado ou tapeação de comparsa.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ: UM MISTÉRIO QUASE CENTENÁRIO

Honório de Medeiros
 
UM MISTÉRIO QUASE CENTENÁRIO!

Em dias do início do mês de maio do ano da graça de 1927, pelas terras do Rio Grande do Norte que confrontam com aquelas da Paraíba, lá no alto Sertão desses estados, mais precisamente as que ficam entre as cidades de Uiraúna e Luis Gomes, vindos de Aurora, no Ceará, Cariri velho de Nosso Senhor Jesus Cristo, eles, os cangaceiros, entraram no território potiguar.
 
Era uma horda selvagem com aproximadamente uma centena de homens, para o mais ou para o menos, imundos e bestiais, a cavalo, fortemente armados, portando rifles, fuzis, revólveres, pistolas, punhais longos e curtos, e farta munição. Vinham ébrios, ferozes, e sedentos de violência, sem qualquer outro propósito que não a rapinagem, pura e simples.
 
E assim entraram.
 
Durante os quatrocentos quilômetros e quatro dias que durou a epopéia, deixando e voltando à Aurora após alcançarem Mossoró,  desenharam, com a ponta dos cascos dos cavalos ou a face externa das alpargatas com as quais pisavam o chão, como que um movimento cujos contornos lembram o de uma flor de mufumbo, cujas laterais seriam as margens da Serra de Luis Gomes e Serra do Martins, por um lado, e, pelo outro, as margens do serrame do Pereiro, limites com o Jaguaribe, Ceará adentro.
 
Espalharam o terror por onde passaram.
 
Humilharam, surraram, feriram, extorquiram, seqüestraram, furtaram, roubaram, mataram...
 
Em toda a história do cangaço, complexa e específica por si mesma, nada há igual.
 
Não foi um ataque qualquer a um arruado, vila ou povoação. Nem mesmo a uma cidade pequena.
 
Foi um ataque a uma cidade de grande porte para os padrões da época, bem dizer litorânea, a segunda maior do Rio Grande do Norte, com quatro igrejas, três jornais, agência do Banco do Brasil, população que rivalizava com a da capital do Estado, um comércio rico e pujante, que funcionava como centro para o qual convergiam paraibanos, norte-rio-grandenses e cearenses, e, por intermédio do porto de Areia Branca, ao qual se chegava pelo Rio Mossoró ou Apodi, caso necessário, o Brasil todo.
 
Mossoró não acreditava que tal ataque pudesse se concretizar. O Governo do Estado do Rio Grande do Norte também não. Era inconcebível. O Brasil, representado por sua capital, o Rio de Janeiro, quedou perplexo.
 
Tanto anos depois é possível algo novo quanto às causas que levaram Lampião a empreender esse ataque?
 


Os cangaceiros acima foram nominados por Jararaca, a quem a fotografia foi mostrada enquanto ele convalescia, preso em Mossoró, pouco antes de morrer

De antemão, que se diga: não é consenso que haja mistério quanto às causas do ataque de Lampião a Mossoró. 
 
Ao contrário. Excetuando-se algumas vozes isoladas aqui e ali, outras ouvidas aos sussurros em Mossoró[1], é prática corrente atribuir à ganância de Lampião, Isaías Arruda e Massilon – este com papel secundário, a existência do episódio.
 
Entretanto ao estudarmos com atenção redobrada, até mesmo com obstinação, o acervo do qual dispõem os pesquisadores, constata-se a existência de questões, dúvidas, perplexidades, que insistem em aparecer desafiando o passar dos anos e a natural inércia originada das versões consideradas consumadas. 
 
Levando-se em consideração todas essas questões, após tê-las colhido, assim é que, a seguir, dando-lhes o tratamento mais racional e factual possível, buscando a isenção necessária à qual se deve ater quem busca encontrar a melhor explicação entre várias concorrentes, são elas elencadas, analisadas e colocadas à disposição do leitor, para que este possa fazer sua escolha ou, se não for o caso, meramente ser colocado a par de suas existências.
 
Há, portanto, e basicamente, quatro teorias acerca das causas do ataque de Lampião a Mossoró: 
 
(i) o ataque a Mossoró resultou da ganância do Coronel Isaías Arruda e de Lampião, no que foram secundados por Massilon;
 
(ii) o ataque a Mossoró resultou unicamente da cobiça de Massilon.
 
(iii)          o ataque a Mossoró resultou da paixão de Massilon por Julieta, filha de Rodolpho Fernandes;
 
(iv) o ataque a Mossoró resultou de um plano político.
 
Qual delas é a verdadeira?

[1] Notável exceção é o pesquisador Marcos Pinto, autor de “DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DE APODY” natural de Apodi, mas residente há muitos anos em Mossoró.
 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O QUE PODE UM PROFESSOR


Do Blog de Ricardo Noblat

Por Atenéia Feijó

As duas escolas que conquistaram a segunda e a terceira maiores notas do país no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ficam na zona rural de Cambuci, um município pobre do Rio de Janeiro. A cerca de 350 quilômetros de Ipanema.
 

Brilharam ao ultrapassar a colocação de colégios grandes e tradicionais como Pedro II, Aplicação da UFRJ e Militar.

Nesse caso, o ranking é o que menos conta. Sobressai a valorização da escola e do professor pelo aluno, pela comunidade; onde o foco não é o vestibular. É formar cidadãos para a vida.

A maior dificuldade dos estudantes de lugares como Cambuci, para cursar o nível superior, está na falta de dinheiro para pagar transporte ou moradia que lhes possibilite frequentar a universidade mais próxima.

Mesmo assim, avaliações pontuais como essas embalam esperanças, apesar de ainda não terem grande significado na Prova Brasil. O país continua lá embaixo no ranking mundial de educação. A lição é a de que nem sempre instalações espetaculares funcionam como garantia para uma boa escola.

A qualidade do ensino continua a depender do essencial: do professor com aptidão, qualificado, motivado. Que goste de ensinar. E que precisa ser reconhecido. Costumo me perguntar em que momento esse professor deixou de ser valorizado, a ponto do antigo prestígio se manter excepcionalmente.

E interrogo-me (absurdamente) se “ensinamentos” de um pastor, padre ou político passaram a ser mais importantes que os de um mestre formado. A autoridade de professor era prioritária, preservada hierarquicamente, mesmo diante de um padre, de uma freira, de um pastor luterano ou de um vereador. Quem ousava desrespeitar uma professora primária?

Agora existem novas crenças. E crendices intolerantes que podem “paralisar” intelectos. Outra coisa. Há uma distorção em considerar o uso de computadores como “avanço no ensino”. Não, os recursos eletrônicos são apenas ferramentas atualizadas para as aulas. Estas, sim, precisam avançar.

Por exemplo. Como ensinar sobre o Sistema Solar sem mencionar o robô Curiosity em Marte? Não, não esqueci. Professor é de carne-e-osso: come, veste-se, reside, tem família, precisa de lazer. E continuar estudando. A interpretação da história muda, a geopolítica se redesenha e a ciência evolui.

Na década de 60, o “rebaixamento” do professor foi por censura nas salas de aula. Hoje haveria risco de patrulha? Um professor tem de estimular o raciocínio lógico do aluno, ensiná-lo a pensar; questionar dogmas...

Ateneia Feijó é jornalista

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

MONTAIGNE E A DESCOBERTA DA LENTIDÃO (PREGUIÇA)


Michel de Montaigne

sarahbakewell.com


Para Carlos Santos, no outono de sua existência.


"Montaigne seria uma boa referência para o moderno Movimento Devagar, que, originado no fim do século XX, aos poucos foi se disseminando e se transformou quase num culto. Como Montaigne, seus seguidores fazem da lentidão uma espécie de princípio moral. Seu texto fundador é o romance The Discovery of Slowness (A descoberta da lentidão), de Sten Nadolny, que conta a vida do explorador do Ártico Jonh Franklin, cujo ritmo natural de vida e pensamento é descrito como o de um velho preguiçoso depois de uma longa massagem e de um cachimbo de ópio. Na infância, Franklin é alvo de zombaria, mas ao chegar ao extremo Norte ele encontra o ambiente perfeitamente adequado a seu temperamento: um lugar onde todo mundo faz as coisas calmamente, onde pouco acontece e onde é importante parar para pensar antes de se precipitar na ação. Muito depois de publicado na Alemanha em 1983, The Discovery of Slowness continuava nas listas de best-sellers, sendo propagandeado até como um manual alternativo de administração. Enquanto isso, surgiu na Itália um desdobramento culinário do Movimento Devagar, o slow food, que teve origem como protesto contra as filiais do McDonald's em Roma e acabou se transformando em toda uma filosofia do bem viver" ("COMO VIVER"; Sarah Bakewell; Objetiva; 2012, Rio de Janeiro).


Sarah Bakewell vive em Londres, onde ensina escrita criativa na City University e cataloga coleções de livros raros para o National Trust. Foi curadora de livros antigos na Wellcome Library.

domingo, 19 de agosto de 2012

O "ESPERTO" NA POLÍTICA



Honório de Medeiros
 
Para meu amigo JBSouto


Meu amigo Fulano me disse que tinha se aposentado da política. “Como assim?”, perguntei-lhe. “Quer dizer que não vai mais exercer qualquer cargo público?” “E se seu candidato voltar ao Governo?”

Meu amigo, que foi do segundo ou terceiro escalão do governo de um dos estados vizinhos (claro!) abriu um sorriso matreiro e respondeu condescendente: “eu não quero mais cargo nenhum, mas vou ajudar meus amigos porque você sabe como é, tenho filhos para criar, e no nosso mundinho só vai p’ra frente quem se dá bem com os ômi”.

Meu amigo Fulano é um homem esperto, dentro daquela categoria que o finado ex-padre Zé Luiz genialmente criou lá pelo começo dos anos 80. Dizia Zé Luiz, e ele nunca aceitou essa história de ex-padre – “uma vez padre, sempre padre” – que há dois tipos de homens, que merecem atenção: os inteligentes e os espertos. E para ilustrar sua tese elencou, em sua coluna dominical no Poti, de um lado os espertos, do outro, os inteligentes. Não é preciso dizer o rebuliço que essa crônica causou na província.

Pois bem, meu amigo Fulano é um homem esperto. Não tem o vôo dos condores, quando muito dos galináceos, mas sabe evitar uma panela e enxerga bem além dos seus passos curtos. Em certo sentido, jamais admitido nem por ele, nem por quem lhe fornece o meio para sobreviver, é alguém que vive de expedientes: ajeita aqui, ajeita acolá, facilita p’ra um, dificulta p’ra outro, se torna da cozinha do poderoso, na qual chega na hora do café-da-manhã trazendo as últimas novidades e os próximos pedidos.

Duvido que na atual estrutura de Poder na qual vivemos a política nossa de cada dia, em tudo e por tudo idêntica à dos nossos ancestrais, se diferenciando apenas quanto à aparelhagem tecnológica utilizada – antes era a cavalo que a informação seguia, hoje é via imail – o coronel com saias ou sem elas possa viver sem esse tipo de agregado.

Ele é imprescindível para as pequenas coisas: pequenos delitos – é incapaz de pensar os grandes; aliás, é incapaz de pensar, quando muito reage: seu destino é pequenas confidências, pequenos favores, pequenas difamações e/ou injúrias, algumas torpezas, cumplicidade nos vícios, solidariedade nos acidentes de percurso, desde que não afetem sua sobrevivência... É capaz de grandes bajulações, aceita ser o bobo-da-corte do seu senhor feudal – se considera até honrado em ser alvo de brincadeiras nas quais sua intimidade é exposta publicamente -, quando não, é capaz de desforço físico na defesa da bandeira que empunhou o que o tornará, sem sobra de dúvidas, alvo de muitas e variadas homenagens prestadas nas hostes do “exército” ao qual pertence.

Não por outra razão meu amigo Fulano está fadado a morrer feliz posto que realizado na medida em que encaminhar, através de sua rede de amigos granjeados a partir da troca de favores recíprocos, e da benção do chefe político, os seus rebentos. Não lhe digam que hoje só é possível entrar na administração pública através de concurso. Há sempre um caminho para encontrar uma torneira aberta: cargo em comissão, gratificação, empresa de construção de fundo-de-quintal, licitações manipuladas, consultorias e assessorias. “E os concursos públicos, esses, há, nem lhe conto” me disse ele.


Meu amigo Fulano somente precisa tomar cuidado para não cometer algum erro. Aliás, ele precisa ter muito cuidado para não ser usado como boi-de-piranha: quando ele acerta, o mérito é do chefe; quando o chefe erra, a culpa é dele.

E precisa ter cuidado, muito cuidado, mas muito cuidado com a ingratidão e o tal de laço-de-sangue. Por que não é possível ter dúvida: entre ele, o fiel correligionário, e o parente, este sempre vence.
 
É o instinto!