* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
"Sapere Aude"
* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
* Honório de Medeiros
(honoriodemedeiros@gmail.com)
O mundo está se fragmentando.
Cada homem, hoje, é uma ilha.
Uma ilha em permanente guerra contra as outras.
Tudo quanto formava a unidade entre as pessoas, como a crença em Deus, a fé na Razão, a vida comunitária, se desfaz lentamente.
Não nos damos mais as mãos, exceto quanto temos algum interesse a alcançar.
O altruísmo morre lentamente, prevalece o egoísmo.
Todos são, individualmente, desde algum tempo, donos de uma verdade única, e agem como se quem não concordasse consigo fosse um inimigo a ser destruído.
Breve esse
individualismo exacerbado, que se firma nos nossos defeitos, e não no que nos
engrandece, há de nos conduzir para uma realidade na qual cada um será por si,
e ninguém por todos.
Então, será o fim.
* Honório de Medeiros
(honoriodemedeiros@gmail.com)
Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Hannah Arendt nos encaminha, em Responsabilidade e Julgamento, à noção de que devemos a Paulo a ideia de “Vontade”. Paulo, tão crucial para a construção da doutrina da Igreja Católica, o verdadeiro fundador da filosofia cristã, com sua Carta aos Romanos.
Lê-se, em sua Carta aos Romanos, um momento antológico do processo civilizatório: “Assim, o que realizo, não o entendo; pois não é o que quero que pratico, mas o que eu odeio é (o) que faço” (7,19-21).
Terá sido para cumprir tal desígnio, o de fincar o alicerce da doutrina do Cristianismo, a razão pela qual Jesus o interpelou na estrada para Damasco? “Saulo, Saulo, por que me persegues? “Quem és, Senhor?”. “Jesus, a quem tu persegues. Levanta-te, entra na cidade e te dirão o que deves fazer” (Atos 9:5,6).
Sabemos que se deve à “Carta aos Romanos”, a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (DCDJ), assinada entre a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica Romana em 31 de outubro de 1999, em Augsburgo, na Alemanha.
Também a Carta aos Romanos foi o ponto de partida para a Reforma Protestante: Lutero escreveu seu Comentário aos Romanos em 1515, e nele já se encontra seu pensamento acerca da Justificação.
Arendt nos mostra o percurso intelectual do conceito de “Vontade” no pensamento de Agostinho, tão importante para a filosofia cristã: “Sempre que alguém delibera, há uma alma flutuando entre verdades conflitantes” (Confissões).
A “Vontade” decidirá.
Assim como o mostra em Nietsche e Kant, além de nos pôr a par de que o fenômeno da “Vontade” era desconhecido na Antiguidade, e que sua descoberta deve ter coincidido com a da “Liberdade” enquanto questão filosófica, distinta de um fato político.
Vontade, Liberdade, Verdade.
Fundamental.
* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Isso me conduz à lembrança de meu pai e seus silêncios, sua deliberada omissão em falar acerca do seu passado, seu instintivo jogo retórico no qual se escudava para evitar qualquer manifestação que implicasse em juízos de valor, sua disponibilidade convidativa para escutar quem lhe procurava, ao mesmo tempo em que levava o interlocutor a expor a própria alma, enquanto a dele permanecia resguardada.
Profundamente quieta era sua negação do barulhento mundo, sob o manto da discrição e das palavras comuns, triviais, incolores de tão banais, tudo sabiamente usado. Uma sábia estratégia.
Hoje percebo, enquanto cuido de ir fechando o balanço de minha vida: em certos e raros instantes, uma sóbria colocação de sua parte estabelecia um silêncio que era um golpe profundo na ordem circunstancial das coisas. Feito isso, se recolhia, e voltava à aparente reserva plácida de sempre.
E eu, e nós, que sempre o achamos tão comum! Quanto engano. Como poderia ser assim, ele que sempre foi um sobrevivente, que viveu tantas guerras inglórias e só aparentemente insignificantes?
Quanta arrogância, a nossa, em pensar que podemos conhecer algo ou alguém em profundidade!
Meu pai, aparentemente, sabia muito e percebia que não valia a pena que o ninguém soubesse disso. Ou, então, pensava que saber era um caminho único, áspero, mas intensamente solitário.
E assim viveu seus anos, principalmente os últimos, envolto nesse manto de humildade intelectual que era uma consequência de seus questionamentos mais íntimos, nunca uma predisposição, um intuito hipócrita de galgar atenção.
Quando faleceu, como que despertando de um sonho iniciei a longa caminhada em busca de compreendê-lo, analisando suas palavras e posturas mas, principalmente, seus silêncios tão plenos de uma anônima rica vida interior.
* Honório de Medeiros
Em tempos como estes, frenético e fugazes, precisamos dizer mais, com menos. Cada vez mais com cada vez menos. O certo, mesmo, é dizer tudo, com nada.
Natal, 21 de julho de 2021
* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Ariano, entrevistado pelo Cadernos, em certo momento lembra: "não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores -, (...) Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo."
Retruca o Cadernos: "Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada."
Qual uma confraria de amigos, na Idade Média, digo eu, onde foi iniciada essa tradição.
Assim é, assim será o caráter dos tempos atuais e futuros, no qual a imagem evanescente e superficial é tudo e as palavras, mesmo quando amalgamando belos e profundos textos, manjar para poucos.
A palavra é arte, arte fugidia, de domínio difícil e angustiante.
Relendo O Crime do Padre Amaro do imenso Eça, lá encontro essa ideia pela voz do seco Padre Notário:
- Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja
uma brincadeira! Irra! Eu não sou um pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que
é um meio de persuasão, de saber o que será que passa, de dirigir o rebanho
para aqui ou para ali... E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está
o que é - a absolvição é uma arma."
A palavra é uma arma.
Recordo-me que dizia para meus alunos de Filosofia do Direito ser a confissão um inteligente serviço secreto, à serviço da aristocracia, para a manutenção dos interesses da elite dominante nos tempos medievais.
A palavra: arte ou instrumento. Às vezes ambos ao mesmo tempo.
Não somente a palavra escrita, mas também a falada, mesmo aquela que suscita nossos delírios: arma com a qual nos ferimos.
Natal, em 7 de março de 2015.
* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
"O mais velho estava seguindo os passos do pai, só que em outro
ministério, e já se aproximava daquele estágio no serviço público em que a
inércia é recompensada com a estabilidade" (A Morte de Ivan Ilitch,
Tolstoi).
Esse pequeno trecho de uma das mais expressivas novelas do grande
escritor russo nos mostra como o homem e suas relações são os mesmos, malgrado
o tempo e a distância.
Aqueles momentos nos quais o homem parece romper com seu destino comum
são fagulhas, e elas logo desaparecem na névoa da rotina.
Como se fôssemos livres para nadar no rio, desde que dele não saíssemos, e sempre terminássemos no mar.