sexta-feira, 9 de novembro de 2018

CONCENTRAÇÃO: VOCÊ CONSEGUE?



* Honório de Medeiros

A ciência começa a comprovar algo que o senso comum já constatara: estamos ficando cada dia mais limitados na nossa capacidade de concentração, principalmente em tarefas de natureza abstrata, tal qual ler um livro.

Em "A Civilização do Espetáculo" Mário Vargas Llosa especula, a esse respeito, por vias transversas, enquanto descreve a banalização da cultura contemporânea na medida da nossa opção pelo entretenimento ligeiro, de conteúdo pobre e forma atraente, em detrimento da complexidade da anterior herança cultural comum.

Não aponta causa específica para o fenômeno, mas alude, obliquamente, à onipresença imperiosa, por trás dos panos, da incessante busca pelo lucro.

Em outra face da questão o filósofo americano Michael J. Sandel, autor do aplaudido "Justiça" menciona, em "O que o Dinheiro não Compra", corroborando Llosa, o poder avassalador do mercado a dominar tudo e todos, corações e mentes, e suas consequências no universo moral. 

Quem diz mercado, diz lucro.

Daniel Coleman, famoso psicólogo americano professor em Harvard, criador do conceito de "Inteligência Emocional", pondera acerca do déficit de atenção cada vez mais profundo em nossa civilização, decorrente da escravidão às redes sociais, a originar uma demanda, no futuro, instaurada pelo próprio mercado, de em relação a todos quanto sejam capazes de se concentrar em tarefas de médio e longo prazo.

E se quando o mercado reagir a catatonia (alienação) já estiver plenamente estabelecida?

Acerca do fenômeno da volatilidade das percepções, causa e consequência desta atual fase do capitalismo, discorre Baumant com excepcional clareza em suas obras, de caráter mais filosófico que sociológico. Somos uma sociedade evanescente, diz ele, na qual a transitoriedade de tudo, cada vez mais acentuada e veloz, será o único fator permanente.

Ou seja, mercado, lucro, redes sociais potencializadoras, volatilidade, déficit de atenção, tudo está interconectado.

Ainda em outra face - são mesmo muitas, para a mesma realidade - Moisés Naím especula acerca da fragmentação do Poder, como o conhecemos, em consequência dessa realidade volátil, evanescente, permanentemente transitória, efeito, entre outras coisas, dos meios por intermédios dos quais ela é alimentada e cresce, ou seja, por exemplo, a rede social e a interconectividade.

O que estaria por trás de tudo isso? Como chegamos a esse patamar? Que teoria explicaria esse fenômeno em sua inteireza?

A menção, feita por Llosa, Sandel, tanto quanto Michel Henry e Debord, estes aqui ainda não citados, mas que também especulam acerca de faces dessa mesma questão social, e a onipresença do mercado poderia dar razão ao Marx sociólogo, embora não a aquele do materialismo dialético. Ou à teoria da seleção natural de Darwin, do qual o capitalismo seria uma consequência, digamos assim.

Nesses casos bem vale o dito atribuído a Proust: "o tempo é senhor da razão."

Ressalve-se, apenas, que as tentativas para conter a alienação, quando e se acontecerem, promovidas seja pelo próprio mercado, seja pelo Estado, poderão encontrar um status quo irreversível. Isso acontecendo, tendo como causa um brutal nivelamento por baixo em termos de capacidade de apreensão, de cognição, de capacidade de pensar em termos complexos, perdemos todos.

Concretamente viveremos a realidade das escolas no Brasil, hoje: cada dia mais alunos, cada dia menos conhecimento.

* Arte em www.daladierlima.com

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

BUCHA DE CANHÃO


* Honório de Medeiros

Os inocentes úteis urram galvanizados enquanto a caravana dos donos do Poder de esquerda ou direita passa. São bucha de canhão para quem os manipula.

Esquerda ou Direita têm o mesmo propósito: a destruição do Estado.

Os donos da Esquerda por ambicionarem o Poder enquanto defendem, para os inocentes úteis, que vão construir o Paraíso sobre os escombros dessa destruição. Socialistas selvagens.

Os donos da Direita por ambicionarem o Poder enquanto defendem, para os inocentes úteis, que todos serão ricos sobre os escombros dessa destruição. Capitalistas selvagens. 

Tanto uns quanto os outros querem o mesmo, acham que os fins justificam os meios, usam praticamente as mesmas táticas e estratégias, e somente diferem naquilo que prometem para quando chegarem ao Poder. São totalitários. 

Michiko Kakutani, prêmio Pulitzer de 1998, crítica literária do “The New York Times”, por mais de quarenta anos, em A Morte da Verdade (Notas Sobre a Mentira na Era Trump), conta que Steve Bannon, estrategista e conselheiro de Trump, certa vez descreveu a si mesmo como um “leninista”. 

O mesmo Bannon, ainda segundo Kakutani, teria dito o seguinte: “Lênin queria destruir o Estado, e esse também é o meu objetivo. Quero acabar com tudo e destruir todo o establishment de hoje em dia.” 

Lênin deve estar rindo muito em alguma das grelhas do inferno, apesar das dores. Ele é o patrono dessa maré de pós-verdade que se tornou praticamente hegemônica nos dias atuais, calcada no uso da retórica violenta, incendiária, em promessas simplórias e desconstrução da verdade, tudo potencializado pela internet. 

O fundador da URSS explicou, certa vez, que sua retórica era calculada para provocar o ódio, a aversão e o desprezo, não para convencer, mas para desmobilizar o adversário, não para corrigir o erro do inimigo, mas para destruí-lo. 

Quem quiser ler um pouco mais, está em “Report to the Fifth Congresso of the R.S.D.L.P. on the St. Petersburg Split of the Party Tribunal Ensuing Therefrom”, segundo Kakutani. 

Pois é.

* Arte em blog.maxieduca.com.br