sábado, 12 de fevereiro de 2011

O INVESTIMENTO NO SERVIÇO E SERVIDOR PÚBLICO DEVE SER UMA POLÍTICA DE ESTADO

pauloafonsonoticias.com.br

Honorio de Medeiros

Há uma nítida distinção, em termos ontológicos, entre serviço público e iniciativa privada.

No primeiro caso, o paradigma que norteia a ação pública (iniciativa pública) é cumprir expectativas da sociedade, definidas constitucionalmente, enquanto a ação privada é impulsionada pelo objetivo do lucro. A própria Constituição Federal, embora estabeleça como princípio constitucional a livre iniciativa e o modelo capitalista de organização da economia, ressalva o caráter social da propriedade. Essa característica, segundo a melhor hermenêutica, referenda o primado de que o público está acima do privado, como de fato o corrobora a própria legislação infraconstitucional: assim são as previsões de intervenção do Estado na Ordem Econômica sem que, entretanto, se anatematize o lucro.

Quando tratamos de ações voltadas para a sociedade, do primado do público sobre o privado, temos que convir que dada a especificidade da demanda de natureza essencialmente complexa, não somente quanto ao aspecto ético, político e social, mas, também, quanto a quantidade (a sociedade) e a qualidade, esta necessariamente é, no mínimo, de médio prazo, inobstante demandas emergenciais, enquanto as ações privadas, por serem pautadas pelo lucro são, essencialmente, instáveis e voláteis.

Se a ação pública se desenvolve, o mais das vezes, a médio e longo prazo, torna-se fundamental a preservação da sua memória, qual seja o recurso humano nela envolvida e a conseqüente experiência advinda no trato com a questão trabalhada. Sem a preservação dessa memória, não é possível a continuidade de políticas públicas, e a conseqüência é o comprometimento das ações estatais. E somente é possível a preservação da memória aludida com o respeito ao serviço público, servidor público e a sua carreira diferenciada, assegurando-se-lhe o direito de ser credor do investimento de Estado em sua vida profissional, através de aposentadoria distinta, remuneração razoável e estabilidade na carreira. Ou seja, o serviço e o servidor público devem ser um investimento do Estado, dadas as peculiaridades do exercício da função pública, que exige sacrifícios indiscutíveis.

Porque essas políticas públicas – aquelas consistentes – demandam tempo para serem implementada? Porque envolvem parcela significativa da sociedade durante um longo tempo. É o caso, por exemplo, da erradicação do analfabetismo. As ações públicas que ao longo do tempo efetivamente originaram melhoria na qualidade de vida da sociedade foram desenvolvidas sob o prisma da permanência, para além dos humores político-partidários. Podemos comprovar essa afirmação analisando o segmento da Saúde e Educação em países comprovadamente desenvolvidos. Acresça-se outra assertiva: o desenvolvimento – não o econômico, mas, sim, o da qualidade de vida - desses países foi decorrente de políticas públicas, nunca privadas (lembremos a Escandinávia).

Mesmo no Brasil, onde faltam políticas de Estado, embora abunde as de Governo, muitos avanços foram obtidos graças a políticas públicas permanentes. Na área de saúde, por exemplo, o Brasil é referência mundial não somente no que concerne a erradicação definitiva de algumas moléstias como, também, em relação ao combate preventivo à AIDS.
 
Parece óbvio que, no caso do Brasil, os parâmetros estabelecidos pelo Consenso de Washington e que originaram o cânone neoliberal encontraram solo fértil na tradicional ojeriza da sociedade esclarecida à utilização do serviço público e burocracia como instrumentos de obtenção e manutenção de privilégios de classe. É certo, também, que faz parte da cultura brasileira – embora a raiz possa ser rastreada até Portugal, como lembra Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” – a construção dessa histórica instrumentalização do aparelho estatal por parte do estamento burocrático. É certo, ainda, que o capital internacional considera a presença do Estado na economia como um obstáculo à sua desenvoltura, bem como anatematiza a concepção de desenvolvimento econômico por ele impulsionado. A conclusão, portanto, é a crença de que o servidor e o serviço público, são alavancas do atraso.

Entretanto, a verdade é bem outra. Podemos desconsiderar o diagnóstico apresentado pelo senso comum da sociedade e teóricos do neoliberalismo em relação ao serviço público brasileiro em seus fundamentos; podemos e devemos criticar veementemente a causa por eles encontrada dos descaminhos específicos do Brasil. O Estado não é um mal em si mesmo. Com efeito, condenar o Estado, o serviço e o servidor público na sua totalidade, pelos desacertos da elite governamental, seria como propor igual condenação do Capital pelas falências e concordatas inerentes à iniciativa privada.
 
Contra esse ideário quase consensual que se tornou lugar comum no Ocidente, e que nos legou a permanente fragilidade de nossas instituições, e a favor da compreensão do papel fundamental do serviço e servidor público na obtenção do bem-estar social almejado pela Sociedade, argumenta Jânio de Freitas, em seu artigo intitulado “O Bolso e a Vida”, publicado na Folha de São Paulo de 19 de janeiro de 2003: “A iniciativa privada não faz um país, no sentido de vida social e econômica organizada. Só o serviço público pode fazê-lo. Os estudos sobre a recuperação da Europa, da devastação do pós-guerra ao bem-estar de hoje, sem igual no mudo, demonstram que o êxito não se explica pelo Plano Marshall, mas pelo papel decisivo do serviço público e pela função atribuída ao Estado naqueles novos ou restaurados regimes democráticos”.
 
Não levar em consideração tal princípio pode nos levar a passarmos por cima do legado histórico de políticas públicas que foram extremamente úteis à sociedade brasileira e que, com certeza, não poderiam ser implementadas pela iniciativa privada: um exemplo banal é a informatização das eleições no Brasil. As políticas públicas foram possíveis graças à preservação, governo após governo, qualquer que tivesse sido seu matiz, da memória da instituição. Esta somente é possível quando o servidor público tem respeitada sua diferença com o privado, como por exemplo, a exclusividade de suas atribuições, ou seja, por exemplo, não trabalhar em nada além daquilo para o qual foi investido – o que seria um desvio de função, e que é uma garantia de Estado.

Por fim, da mesma forma como deve ter acontecido ao longo do processo histórico pelo qual passaram países altamente desenvolvidos e nos quais a participação do Estado foi fundamental, tal qual a Dinamarca, Suécia, Canadá, França, para que o serviço e o servidor público sejam devidamente respeitados, necessário é combater a burocracia, a corrupção, e a ineficiência no Brasil. Em o fazendo, asseguramos um passaporte para um futuro melhor, capitaneado por um Estado que reflita os anseios da Sociedade.
 
Pois, afinal, o Estado não é um mal em si mesmo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O AVILTAMENTO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA

queverdadeeessa.com

Honório de Medeiros

Os cursos de Direito estão sendo encaminhados, lentamente, por imposição do mercado, para se transformarem em cursinhos preparatórios a concursos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil, comprometendo o pouco que restou da preocupação das elites, após a ditadura militar, com a formação humanística.


A pressão para que isso ocorra, ainda difusa, vem de todos os lados, e não é contida pela presença formal, no currículo dos cursos, de disciplinas pertencentes à área propedêutica como filosofia, sociologia, teoria geral do Estado e outras. Incide tal pressão sobre os professores dessa área quando eles cobram os alunos, através de avaliações e presenças, e estes questionam apontando a pouca importância daquilo que lhes é ministrado em termos de mercado de trabalho; incide sobre os dirigentes institucionais, a quem se pressiona para que obtenha o relaxamento do educador quanto ao desempenho do educando em Filosofia do Direito, por exemplo, mas, ao mesmo tempo, que seja exigente quanto aos mestres que proferirão as aulas ditas “práticas”; incide nos estudantes vinda de seus pais, que estão de olho nos concursos públicos que seus filhos farão e acham que não adianta a preocupação com o estudo de algo que não tem “utilidade”; incide insidiosamente nos pais, na medida em que eles são cobrados por parentes e amigos quanto ao futuro profissional de cada um dos seus filhos.



O aparente renascer da Filosofia, que contrariaria o argumento acima exposto, constatado em alguns jornais e revistas de circulação nacional, não explora o aspecto “fashion” oculto na tardia opção de parcela da elite por algo aparentemente tão obscuro e de difícil compreensão. Muito mais que curiosidade filosófica, o que a motiva essa opção é a necessidade de ser “in” em termos sociais, na medida em que possa falar, mesmo que superficialmente – é o que se permite em reuniões sociais - no nome de filósofos ou obras até então relegados às bibliotecas de alguns poucos excêntricos.



É isso mesmo, trocando em miúdos: esse renascer é aparente e decorre da criação de mais uma forma alienada de se destacar socialmente, extremamente curiosa por que ela lida, concretamente, com o aparato intelectual – os livros e seus autores - que, em tese, em sendo utilizado corretamente, libertaria o alienado de sua alienação. Esse filme não é novo: posar de intelectual, há alguns anos, já rendeu seu charme...



O certo é que a proliferação de cursos de Direito oferecidos por instituições privadas vem acentuando o aviltamento do ensino. As universidades querem poder estampar nos jornais a relação dos seus alunos aprovados em concursos para poderem captar mais clientes, e como para eles serem aprovados precisam se submeter à lógica educacional própria de cursinhos preparatórios, onde o superficial e contingente prepondera sobre o profundo e estrutural, está armado o cadafalso onde serão guilhotinadas gerações presentes e futuras de possíveis pensadores, humanistas e críticos substanciais da nossa realidade.



Fatos como aquele ocorrido com um amigo meu, professor, que em sala de aula leu textos de Fernando Sabino, na tentativa de estabelecer com seus alunos a cumplicidade através do belo, e no final foi indagado acerca de em qual livraria seria encontrado “seu” livro fatalmente tende a ser um padrão. E que padrão...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

COMO IDENTIFICAR O TEXTO QUE VISA MANIPULAR

todahelohim.blogspot.com

“Primeiro critério formal: defasagem entre a intenção declarada e o que diz o texto. Segundo critério formal: defasagem entre a tese e sua demonstração proposta. Com frequência, o texto manipulador caricatura. O texto manipulador utiliza o raciocíno por acidente. O texto manipulador pode utilizar a desinformação sistemática” ("A Arte de Pensar"; Pascal Ide; Martins Fontes; 1995; págs. 36, 42, 43, 44).

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O PROCESSO CIVILIZATÓRIO

blog.cancaonova.com

Honório de Medeiros

Talvez seja falsa a noção de que é possível, coletivamente, e conscientemente, construirmos valores que norteiem um processo civilizatório semelhante àquele que sempre evocamos quando voltamos nossos olhos para a história em busca de entendimento e orientação, qual seja a civilização grega, o senso de “Arete” que perpassa a vida do cidadão ateniense, sua “Paidéia”, como magnificamente nos mostra Péricles, em sua “Oração aos Mortos na Batalha de Maratona”, preservada por Tucídedes.

O olhar crítico acerca desse preâmbulo há de apontar, de início, duas falhas: a fragilidade da mundivisão ateniense que não resistiu aos próprios conflitos internos e a Alexandre, o Grande; e a impossibilidade daquela experiência sublime ter sido resultado de qualquer planejamento, mas, sim, de fatores tão circunstanciais quanto, por exemplo, para o surgimento da filosofia, a especial qualidade e característica da língua grega.

A tais críticas é possível responder dizendo que não se trata de repetir, por igual, tamanho feito. Isso seria impossível. Trata-se, no entanto, de fazer sobressair o aparato tecnológico construído pelo homem ao longo dos séculos colocando-o à disposição de uma política da Sociedade – nunca de governo – que deliberadamente, envolvendo todos, construa, firme e deliberadamente, esses pilares onde se firma uma civilização pela qual tenhamos orgulho e respeito.

Caso contrário as piores previsões possíveis de serem construídas a partir das teorias que sobreviveram à passagem do século XX para o XXI irão se concretizar e nós, ao contrário do que pensava Karl Popper ao combater tenazmente a idéia de determinismo histórico ao qual estaríamos subjugados mesmo que com certa liberdade limitada, estaríamos marchando a passo batido para o caos – esse limite último da entropia – ou para o resultado possível da seleção natural, que como sabemos não tem finalidade moral em seu percurso, a ser encontrado em um planeta Terra esgotada pelo que dela se tirou sem qualquer cuidado: o fim da espécie humana.

Catastrófico? Talvez. Possível? Com certeza. Coincidentemente o mundo volta seus olhos, apavorado, para a Terra e os transtornos climáticos e catástrofes naturais que estão acontecendo cada vez mais freqüentemente. Já há trabalhos científicos demonstrando ser insuportável continuar extraindo, do nosso planeta, e da forma como é feita, sua riqueza natural. Desmatamentos, degelos, extinção de espécies, extração de riquezas do subsolo, dizimação de florestas, aquecimento global – parece não haver fim para tudo quanto o homem possa fazer nessa empreitada de autodestruição. Se não abrirmos os olhos, não construirmos um novo pacto civilizatório que deixe para trás o modelo ao qual temos nos aferrado ao longo de nossa existência, não haverá por que não dar razão aos Cátaros, aqueles hereges dizimados pela Igreja medieval, que diziam ser o mundo da matéria uma criação do mal.