domingo, 24 de abril de 2011

TÃO POUCO PARA SER FELIZ

Menina do Sítio Frade, em Martins, Rn.
Honório de Medeiros

CONTINGENCIAMENTO DESRESPEITA REAIS PRIORIDADES PÚBLICAS

Honório de Medeiros

                            Chamamos, em Direito Financeiro, de contingenciamento, o valor (dinheiro) que não tem previsão de ser liberado, embora previsto orçamentariamente, por parte do Órgão responsável pela gestão dos recursos financeiros, aos órgãos que executam o orçamento. No caso do Rio Grande do Norte, especificamente, esse Órgão é a Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças (SEPLAN).

                            Quando ocorre um contingenciamento os programas, projetos e ações previstos no orçamento, que concretizam políticas públicas, deixam de ser efetivados.

                            Ora, o desenvolvimento se mede, hoje, por paradigmas que vão muito além do chamado "crescimento econômico", entendido este como aumento de produção de bens e valores, do Produto Nacional Bruto, industrialização, avanço tecnológico, ou aumento de renda "per capita".

Tal é o pensamento da ONU, expresso no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que procura alavancar os esforços governamentais para além do econômico expandindo, por intermédio de políticas públicas, as escolhas e oportunidades de cada pessoa. Em outros termos, tendo como propósito o desenvolvimento do homem, e não a mera acumulação de riquezas.

Inegável, nesse propósito, o pensamento do prêmio Nobel de Economia Amartya Sem, para quem “o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente". O desenvolvimento passa a "ser visto” então, “como um processo de expansão das liberdades reais de que as pessoas desfrutam".

Trocando em miúdos, há desenvolvimento quando os avanços na Saúde, Educação e Segurança Pública, por exemplo, são significativos e mensuráveis, fruto de políticas públicas de Estado, não de Governo, ou seja, independentes estas de quem seja o titular circunstancial no exercício do Poder.

Políticas públicas não se implementam em curto espaço de tempo. Às vezes gerações se sucedem antes que uma política pública obtenha resultados palpáveis, concretos. É esta a lição que a história nos oferece, quando voltamos nossos olhos para os países desenvolvidos, como os escandinavos.

As políticas públicas são implementadas via programas, projetos e ações governamentais. Se programas, projetos e ações, que são meios táticos, são interrompidos, as políticas públicas, que são estratégias, ficam comprometidas.  Não por outra razão, no nosso Estado, a Educação, a Saúde e a Segurança Pública, para ficar no óbvio, estão em permanente caos.

Se o contigenciamento, ao deixar de executar o orçamento, paralisa as políticas públicas, como o fizeram os governos anteriores e aparentemente está fazendo o atual, e o orçamento é uma lei que expressa a soberania popular – o desejo da Sociedade de como deve ser gasto nosso dinheiro – pior ainda é constatar, por essa razão, o desrespeito à Constituição Federal, na medida em que impede o cumprimento de princípios e preceitos acerca da Educação e Saúde.

Mas há situação ainda pior. É quando o contingenciamento é utilizado como instrumento político por parte de quem pode determinar qual Órgão vai receber, e em qual montante, recursos financeiros para seu manejo. Em muitos casos, o repasse de recursos está ligado a barganhas políticas e contempla projetos apresentados à “toque de caixa”, desvinculados de programas e políticas previamente previstos. Chega a ser hilariante a retórica utilizada para “justificar” esses projetos.

Então devemos ficar atentos. O Ministério Público deve ficar atento. A mídia independente deve ficar atenta. Os juízes devem ficar atentos. O Tribunal de Contas deve ficar atento e sair de sua eterna letargia (como é possível ter acompanhado, durante oito anos, as contas do governo passado, e não perceber o descalabro financeiro que ia sendo gestado e que resultou no final que todos conhecemos?).

Caso contrário estaremos condenados a gestões medíocres de “tocadores de obras”. Ou seja, a um crescimento econômico – quando há - alavancado por uma retórica milionária cujos beneficiários são os mesmos de sempre, desde que o Brasil é Brasil.

TE DEUM

Charles Resnikoff
english.illinois.edu


Charles Reznikoff



Não canto
por triunfos,
nenhum eu tendo,
mas pela comum luz solar
pela aragem,
pela dádiva da primavera.

Não pelo triunfo
mas pela tarefa diária
feita tão bem quanto possível;
não por um lado no tablado
mas à mesa comum.

JOÃO PESSOA

Oliveira de Panelas
noembalo.com.br


Honório de Medeiros 

Aqueles tiros abalaram o Brasil; foram desferidos no interior de um restaurante de luxo por um político de expressão nacional contra um ex-governador e trouxeram, para o presente, um passado não muito distante de questões pessoais resolvidas, pelas elites, por intermédio da violência física – a mesma que originara o homicídio de João Pessoa, João Dantas e João Suassuna, todos com nome começando em João, aquela mesma que não perdoara a beleza e inteligência transgressora de Anaide Beiriz, ainda aquela mesma que fomentara o levante de Princesa, Massilon, Sabino Gomes, o coronelismo e o cangaço, esse retrato bifronte de um Sertão tão peculiar quanto real.

                        Pois falo em Ronaldo Cunha Lima a quem vi decrépito no físico, preso a uma cadeira de rodas, o braço esquerdo imobilizado e voltado para dentro, os dedos recurvos, enquanto a mão direita, erguida, desenhava o entorno das palavras que saíam ligeiras, encadeadas pelo ritmo, musicalidade e métrica, na resposta ao desafio brincalhão do gênio da raça Oliveira de Panelas, provando a si e aos outros que sua mente continuava intacta. Viajei no tempo enquanto o escutava. Lembrei-me de uma Convenção do PMDB, muitos anos atrás, para a qual fora com meu pai somente para escuta-lo discursar em versos, de improviso. Ali fora também atraído pela inteligência luminosa do homem que ganhara um concurso de perguntas e respostas respondendo sobre Augusto dos Anjos. O tempo fora inclemente.

                        Difícil acompanhar Oliveira de Panelas. Estávamos na Bienal do Livro de João Pessoa. Os estandes já tinham sido visitados. Eu já procurara o que me interessava: as publicações do Senado Federal, Literatura de Cordel e o Sebo Cultural. Fizera as compras que me interessavam. Marcara uma visita ao Sebo para a manhã seguinte. Então escutei Oliveira de Panelas. E, mais uma vez, pensei quão rico de talento este País é. Como não admirar, extasiado, uma demonstração de genialidade daquela? Durante um tempo considerável as palavras foram brinquedos artisticamente engatados uma nas outras, compondo um traçado brilhante tanto quanto ao conjunto como quanto a cada elemento isolado. O começo de cada repente deixava-nos angustiados – será que ele consegue retomar o ponto de partida? Qual o quê. Santa inocência...

                        No outro dia o espanto com o Sebo Cultural: uma entrada singela, em uma casa pequena de rua estreita; um corredor conduzindo a uma sala no qual está postado, perpendicularmente, um balcão; e do lado direito, tomando todos os espaços possíveis de uma área imensa, milhares e milhares de livros aos quais se chega através de escadas, mezaninos, degraus, corredores entre estantes, labirintos, pó, e aquele peculiar cheiro de livro velho. Espantoso. Lembra um conto de Borges. Lembra Borges. Borges. E entram e saem pessoas e mais pessoas; sobem; descem; conversam – é um mercado persa. Caro, por sinal. Surpreendi-me com o preço de uma segunda edição de “Vingança, Não!”, do Pe. Pereira, não muito bem conservado: R$ 62,00.

                        No final, o contorno e o mistério da Lagoa que é o centro de João Pessoa. Ali, muitos morreram e não foram recuperados, dizem. Suas águas escuras, olhadas em um final-de-tarde chuvoso despertam velhos medos imemoriais de desconhecidos deuses úmidos e frios, distantes como aquelas estátuas de pedra dos templos Maias. Pergunto a uma senhora que passa se é verdade que não se consegue dragar a lagoa. Ela me olha e responde: “tentou-se, mas, inexplicavelmente, as máquinas sempre quebravam...” E me endereçou um meio sorriso zombeteiro, à guisa de despedida.