sábado, 6 de setembro de 2025

O QUE RESERVAVA CADA CAMINHO QUE NÃO PERCORREMOS?


* Honório de Medeiros


Cada um de nós, no presente, é refém das escolhas que fez no passado.

Bifurcações, encruzilhadas, caminhos com possibilidade única de retornar ou seguir em frente, qualquer opção tomada nos encaminhou a um futuro escolhido e desfez, naquele preciso instante, para sempre, a possibilidade de vivermos o que foi deixado para trás.

Muito embora às vezes pudéssemos ter uma pálida ideia do que viria quando a opção foi feita, são tantos os desdobramentos seguintes que qualquer certeza logo se desfaz, tal sua evanescência.

Angustia-nos saber, hoje, que a opção foi um ponto-sem-volta, que nunca saberemos, concretamente, o que aconteceria se, no passado, tivéssemos seguido de forma diferente.

Aquela rua que não foi transposta, a esquina que não foi dobrada, o adeus que foi ou não dado, o não ou o sim que proferimos em certo lugar, há tanto tempo, o que nos reservava cada caminho que não percorremos? 

@honoriodemedeiros

honoriodemedeiros@gmail.com

Imagem: @honoriodemedeiros e @barbaramichaellalima

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

ATÉ QUE TUDO CESSE, NÓS NÃO CESSAREMOS

 

CENTRO ACADÊMICO AMARO CAVALCANTI DO CURSO DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


* Honório de Medeiros


Em 1979, entrei no Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Vinha do Curso de Matemática, mas, a mim, faltara vocação.

Ainda estávamos em plena ditadura militar. Críticas ao Governo eram feitas com muito receio. Não fazia muito tempo que a repressão implicava em tortura e desaparecimento.

No Planalto, o Presidente João Figueiredo iria substituir Ernesto Geisel e continuar a “abertura política lenta e gradual”, timidamente iniciada por seu antecessor, sob a batuta do General Golbery do Couto e Silva.

O Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, do Curso de Direito, cujo grito de guerra era “até que tudo cesse, nós não cessaremos”, fora extinto em anos anteriores, assim como todos os outros, substituídos por Diretórios Acadêmicos que representavam cada Centro Universitário.

A razão era óbvia: era muito mais fácil os órgãos de repressão controlarem diretórios acadêmicos, em bem menor número, que centros acadêmicos, um por cada curso existente na Universidade.

Nos corredores do curso de Direito, um grupo de estudantes, do qual eu fazia parte, se reunia habitualmente para discutir política, principalmente a participação no processo de democratização que se desenrolava à conta-gotas no Brasil, e livros, muitos livros.

Tínhamos em comum o hábito da leitura, o amor pela discussão, o interesse pela política.

Em certo momento, logo no começo do curso, resolvemos dar um passo além: refundarmos o Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de tantas e gloriosas tradições.

Realizamos duas notáveis Assembleias Extraordinárias, para as quais todos os alunos do curso foram convidados e compareceram em massa.

Contávamos, também, com a simpatia de alguns poucos professores do curso, principalmente o Professor Jales Costa, de saudosa memória pelo exemplo, cultura e empatia com seus alunos.

Aprovada a proposta por unanimidade, ressurgiu, então, o Centro Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Seu primeiro presidente, eleito pela última Assembleia, foi João Hélder Dantas Cavalcanti. Tive a honra de ser o segundo, dessa vez com disputa eleitoral.

O Centro Acadêmico protagonizaria momentos impressionantes, logo após seu retorno às atividades: fizemos o primeiro debate, no Brasil, nos estertores da ditadura, em pleno auditório da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cedido, para nosso espanto, pelo Reitor à época, professor Diógenes da Cunha Lima, justiça lhe seja feita.

O evento foi noticiado pela grande imprensa brasileira. Em noite memorável, Aluízio Alves e José Agripino Maia debateram, sob a mediação do Professor Jales Costa, acerca dos destinos políticos do Brasil e do Rio Grande do Norte, naquela que seria a primeira eleição direta para Governador do Estado após 1964.

Aqui ressalvo a conduta do então Prefeito de Natal, por eleição indireta, José Agripino Maia. Eu e João Helder fomos a sua residência para convidá-lo. Sabíamos que toda seu “entourage” era contra sua ida ao debate.

Fizemos o convite, ponderando acerca de quão ruim seria para sua imagem as fotos de sua cadeira vazia em pleno auditório lotado, bem como quão ruim seria para a democracia que estava ressurgindo sua negativa em participar.

Jussier Santos, um dos seus secretários municipais, fez uso da palavra se colocando contra a participação de José Agripino, alegando que toda a plateia presente seria, com certeza, claque de Aluísio Alves.

José Agripino, entretanto, não hesitou e confirmou sua presença. Ponto para ele, nós, e a democracia.

Não paramos. Dias depois colocamos para debater entre si, sob minha mediação, os dois candidatos principais, no mesmo pleito, ao Senado da República pelo Rio Grande do Norte: Roberto Furtado, pela oposição, e Carlos Alberto de Souza, pela situação.

Carlos Alberto levou uma claque disciplinada para aplaudi-lo, liderada por Eri Varela, seu assessor. A noite foi tumultuada, mas tudo terminou acontecendo da melhor forma possível.

Continuando o exercício de ousadia, realizamos vários encontros nos quais foi discutida abertamente, com a presença maciça de estudantes e professores, a relação entre marxismo e Direito.

Para um desses debates foi convidado, especialmente, o ex-Governador Cortez Pereira, naquele momento ainda cassado em seus direitos políticos. Cortez Pereira uma vez me disse que tinha sido sua primeira manifestação pública desde a cassação.

Por fim, e não menos importante, fizemos também o primeiro debate, no Brasil, entre os candidatos a Reitor à sucessão do Professor Diógenes da Cunha Lima, mesmo que o pleito viesse a ser, como de fato o foi, realizado de forma indireta.

Todos concorrentes compareceram. Lá estiveram Pedro Simões, Dalton Melo, Jales Costa, Genibaldo Barros e Lauro Bezerra.

Resgato essas lembranças graças sob o impacto das manifestações que estão ocorrendo no Brasil e que, segundo minha avaliação, são muito importantes politicamente.

Desejo ardentemente que o povo enseje as mudanças que o Brasil precisa, principalmente no que diz respeito ao combate feroz e determinado contra a corrupção.

E tendo resgatado essas lembranças aproveito para homenagear meus companheiros de luta daquela época: João Hélder Dantas Cavalcanti, Evandro Borges e Rossana Sudário, em nome dos quais abraço todos quanto estiveram conosco naquelas gloriosas manhãs na sala F1, do Setor V, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, gritando, juntos, felizes, ansiosos para mudar o Brasil: “até que tudo cesse, nós não cessaremos”.

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domingo, 31 de agosto de 2025

CANGAÇO E CORONELISMO NO RIO GRANDE DO NORTE

 

José Augusto Bezerra de Medeiros

* Honório de Medeiros


Quem critica o Cangaço hostiliza a História e não entende o que é o Poder. 

O Cangaço lança luz sobre a História e o Poder, consequencia de sua intrincada trama com o Coronelismo e o Fanatismo (Misticismo).

São os seguintes os principais cangaceiros que escreveram parte de sua história no Estado do Rio Grande do Norte: José Brilhante de Alencar Souza ("Cabé”), nascido em Pombal, na Paraíba, em 1824, e morto em Pão de Açúcar, Alagoas, em 1873; Jesuíno Alves de Mello Calado (“Jesuíno Brilhante”), nascido em Martins, RN, em 1844, e morto em Belém de Brejo do Cruz, novembro/dezembro de 1879; Macilon Leite de Oliveira (“Massilon”), nascido em Timbaúba dos Mocós, 1897, e morto em Caxias, Maranhão, em 1928; e Virgolino Ferreira da Silva (“Lampião”), nascido em 4 de junho de 1898, em Serra Talhada, Pernambuco, e morto em 28 de julho de 1938, em Poço Redondo, Sergipe.

O único norte-rio-grandense foi Jesuíno Brilhante, o primeiro dos cinco grandes da história do cangaço: Jesuíno, Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, em ordem cronológica. 

Existe a suspeita de que Virgínio Fortunato da Silva (“Moderno”), viúvo de uma irmã de Lampião, Angélica Ferreira da Silva, era dos Fortunato de Alexandria, no Rio Grande do Norte, mas isso nunca foi comprovado. 

E são os seguintes os fatos na História do Rio Grande do Norte nos quais Coronelismo e Cangaço estão fortemente entrelaçados: a invasão de Martins por Jesuíno em 1876; a invasão de Apodi por Massilon em 1927; a invasão de Mossoró por Lampião e Massilon em 1927. 

Todos essas atividades cangaceiras estão conectadas com o Coronelismo. 

Não houve Coronelismo no Sertão nordestino sem entrelaçamento com o Cangaço; não houve Cangaço sem Coronelismo. Acrescente-se a esses ingredientes o Fanatismo (Messianismo) e teremos um ponto-de-partida para a real história da época dos coronéis e cangaceiros.

Sempre tratamos esses fatos pelo COMO aconteceu e de forma folclórica, no sentido negativo do termo, mas precisamos nos indagar o PORQUÊ factual que os originou.

Tanto o Coronelismo quanto o Cangaço são expressões particulares do momento histórico específico que caracteriza o fim da República Velha no Sertão nordestino, muito embora seu padrão, enquanto disputa pelo Poder, seja recorrente na história das civilizações, sob outras formas, haja vista, por exemplo, o feudalismo europeu e japonês, e sua semelhança com esses objetos de estudo. 

As invasões de Apodi e Mossoró são indissociáveis, se constituem em epicentro de um processo político que durou aproximadamente dez anos e dizem respeito a disputas políticas entre famílias senhoriais do Sertão paraibano e potiguar, tendo como fio-condutor, protagonista, o cangaceiro Massilon. 


 Rafael Fernandes Gurjão


Em 1924, José Augusto Bezerra de Medeiros, representante da fina flor da aristocracia rural algodoeira do Rio Grande do Norte, chegou ao poder. Seu intento, segundo cronistas da época, era construir uma oligarquia semelhante a dos Maranhão.

Em 1927, o Rio Grande do Norte, cujas principais regiões eram Natal, o Oeste e o Seridó, estavam sob seu controle político, a despeito do crescimento político e econômico dos Fernandes cujas raízes estavam fincadas na Região que começava em Mossoró, passava por Apodi, Pau dos Ferros e terminava em Luis Gomes, fronteira com a Paraíva. 

Em 1928 Zé Augusto elegeu seu sucessor, o sobrinho-afim Juvenal Lamartine, controlando o Seridó e tendo o Oeste como aliado.

Entretanto, em 1930 veio a Revolução que culminou com o golpe político que elevou Getúlio Vargas ao Poder. 

Getúlio entregou o Poder, após uma série de interventores, a Mário Câmara, aliado de Café Filho e dos adversários de Zé Augusto no Estado. 

Zé Augusto reagiu. Driblou as pendengas com os Fernandes, afinal faziam parte da mesma base econômico-política, qual seja a aristocracia rural algodoeira que dominava o Seridó e o Oeste, e juntos criaram o Partido Popular para lutar contra a candidatura de Mário Câmara em 1934.

Assim, na mais cruenta eleição que jamais houve no Rio Grande do Norte, o Partido Popular saiu vitorioso, e Rafael Fernandes, o líder da família Fernandes, foi eleito Governador do Estado.

Zé Augusto elegeu-se Deputado Federal.

Durante a campanha foram assassinados o Coronel Chico Pinto, em Apodi, e Otávio Lamartine, filho de Juvenal Lamartine. Espancamentos, ameaças, humilhações, depredações, torturas, foram incontáveis.

O Coronel Chico Pinto era ligado aos Fernandes; Otávio Lamartine a Zé Augusto.

À sombra de ambos, tramando contra, outros coronéis; à sombra desses coronéis, cangaceiros...

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