sexta-feira, 13 de setembro de 2013

DO JUIZ ENQUANTO INTÉRPRETE DA NORMA JURÍDICA

Honório de Medeiros


Há cinco tipos de juízes-intérpretes da norma jurídica: o onisciente, o populista, o técnico, o cortesão, e o camaleão.
 
O onisciente se pretende intermediário entre uma verdade absoluta - o Justo, o Certo, o Bom, etc. - e os reles mortais, que a ela não têm acesso. Deles escutamos afirmações tais quais: a norma jurídica (a Constituição Federal) é o que nós dissermos que ela é.
 
O populista se pretende intermediário entre os anseios da Sociedade e os reles mortais. Deles escutamos afirmações tais quais: a norma jurídica (o Direito, a Constituição Federal) deve, concretamente, ser instrumento de transformação social.
 
O técnico se pretende intermediário entre o universo das normas jurídicas positivas e a realidade dos fatos, inatingíveis pelos reles mortais. É o rei da subsunção, da filigrana jurídica. Supõe que somente é possível o todo pelo conhecimento minucioso de cada parte; desconhece que o todo é algo além da soma de todas as partes. Deles escutamos afirmações tais quais: uma coisa é minha vontade, outra é a disposição da norma jurídica.
 
O cortesão anseia ser o intermediário entre a vontade da elite governante e os reles mortais. É o rei do sofisma, da omissão consciente, da deturpação, da manipulação dos fatos e normas jurídicas. Deles escutamos afirmações tais quais:  a interpretação da norma jurídica deve levar em consideração os princípios da Sociedade.
 
O camaleão não se pretende. Pretende. Busca, sempre, a zona de maior conforto. Adequa-se à circunstância. Cambiante, pode encarnar qualquer dos tipos acima, dependendo da necessidade. Deles escutamos afirmações tais quais: as circunstâncias exigem de nós, intérpretes da norma jurídica, que...
 
É claro que podem existir outros tipos. Toda classificação é cavilosa. Não se esgota em si mesma. Sofre sempre nas mãos da realidade, que vive lhe destroçando sua arrogância.
 
E, claro, existe o bom juiz... 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O MUNDO É UMA ALDEIA GLOBAL

Honório de Medeiros



                        Dia desses, estando em Martins, aproveitei uma madrugada para caminhar. Saí da “Morada dos Ventos”, no Sítio Canto, e peguei a estrada de barro que o liga à cidade. Um pouco mais à frente dois moradores do Sítio, de cócoras, tomavam canecas de café e conversavam. Quando passei ao lado deles, e antes de cumprimentá-los, escutei um fragmento de diálogo:

                            - E ele comprou como?

                            - Foi pelo computador. Pediu na internet.

                            Imediatamente evoquei minha adolescência em Natal, meados da década de 70,  recém-chegado de Mossoró e maravilhado com a biblioteca de minha tia, Elza Sena, professora da Ufrn, na qual encontrara dois livros muito estranhos, tanto em relação à forma com a qual foram escritos quanto ao seu conteúdo: “O Meio é a Mensagem”, e “A Galáxia de Gutemberg”.

                            Eu os li várias vezes. Não compreendia o alcançe de suas hipóteses, mas intuía que eram extremamente significativas. Nunca os esqueci. Já cinquentão pude comprovar, pessoalmente, quão revolucionário era o pensamento do seu autor.

                            Pois foi McLuhan, o autor dessas duas obras, escritas sob a forma de apotegmas e inseridas em um meio gráfico sofisticado e diferenciado, que pela primeira vez tratou dos meios de comunicação enquanto extensões do Homem. Não somente isso. De sua lavra também é, entre outras, a hipótese de que em algum momento uma “rede mundial de ordenadores tornará acessível, em alguns minutos, todo o tipo de informação aos estudantes do mundo inteiro.”

                            Estava lançado o conceito de “Aldeia Global”. Dele decorre o ousado corolário de que com o surgimento da energia elétrica – leia-se, hoje, “internet” - as relações sociais passam, necessariamente, a ser tribalizadas, em decorrência da maior interação entre os indivíduos.

                            A compreensão de que os meios de comunicação são extensões de Homem ainda não foi plenamente assimilada, mesmo quando tratada à luz da Teoria da Seleção Natural. McLuhan chamava essas extensões de “próteses técnicas”. Um computador, por exemplo, seria uma extensão do cérebro. As consequências dessa concepção constituem campo fértil para epistmologias evolucionárias.

                            Quanto à idéia de “Aldeia Global”,  McLuhan entende que é/será um “topos” de convergência, no qual  se permitiria, em qualquer circunstância a comunicação direta e sem barreiras.

                            Ou seja, trocando em miúdos, a “internet”. O mundo é/será uma imensa “Aldeia Global”, graças à possibilidade de comunicação instantânea entre seus moradores.

                            Esse evocar se desdobrou, enquanto eu caminhava, em uma série de conexões com leituras de outras obras, tal como “A Biblioteca de Babel”, uma metáfora acerca da Sociedade de informação, genial texto de Jorge Luis Borges, a Teoria de Sistemas de Ludwig von Bertalanffy, e a relação entre a Sociologia de Marx e a Teoria da Seleção Natural, de Darwin. Tudo quanto torna fascinante o mundo dos livros e dos seus leitores, essa eterna tentativa de entender o que somos, e para onde vamos...

                            Mas essa já é uma outra história.

                            Curioso, mesmo, é constatar o quanto anda esquecido McLuhan. 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A INVENÇÃO DO INIMIGO IMAGINÁRIO


“Nenhuma classe da sociedade civil pode desempenhar este papel sem provocar um momento de entusiasmo em si e nas massas, momento durante o qual confraterniza e funde-se com a sociedade em geral, confunde-se com ela, sendo sentida  e reconhecida como sua representante geral; momento em que suas exigências da própria sociedade, em que é realmente a cabeça e o coração da sociedade. Somente em nome dos direitos gerais da sociedade pode uma classe especial reivindicar para si a dominação geral. Para a tomada de assalto desta posição emancipadora e, portanto, para a exploração política de todas as esferas da sociedade no interesse de sua própria esfera, não bastam apenas a energia revolucionária e o orgulho espiritual. Para que coincidam a revolução de um povo e a emancipação de uma classe especial da sociedade civil, para que um estamento seja reconhecido como o estamento de toda a sociedade, é necessário, ao contrário, que todas as falhas da sociedade se concentrem numa outra classe, que um determinado estamento seja o estamento do repúdio geral, que seja a soma da limitação geral; é necessário que uma esfera social particular seja considerada como o crime notório de toda a sociedade, de tal modo que a libertação desta esfera apareça como a autolibertação total. Para que um estamento seja par excellence o estamento da libertação, é necessário, inversamente, que outro estamento seja o estamento declarado da subjugação. O significado negativo geral da nobreza e do clero franceses condicionou o significado positivo geral da classe primeiramente delimitadora e contraposta, a burguesia” (Marx, "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel").

domingo, 8 de setembro de 2013

UMA PAIXÃO DA ADOLESCÊNCIA

Honório de Medeiros



A segunda paixão literária da minha vida, da infância para a adolescência: os três mosqueteiros, que na realidade eram quatro: D'Artagnan, Atos (o Conde de La Fère), Aramis (o Abade D'Herblay) e Porthos. Longa vida à genialidade de Alexandre Dumas! A primeira foram os personagens do também genial Monteiro Lobato: Pedrinho, Narizinho, Emília de Rabicó, o Visconde de Sabugosa, o próprio Rabicó, Dona Benta, Tia Nastácia. A terceira foram os personagens de Karl May, hoje tão esquecido, "Mão-de-Ferro" e Winnetou e, ao mesmo tempo, Edgar Rice Burroughs e seu imortal Tarzan. Finalmente Jean Valjean, "O Homem que Ri", todos de Victor Hugo. As duas primeiras graças à biblioteca de Jaci Rêgo, a terceira e quarta graças à biblioteca do Colégio Diocesano Santa Luzia, e a última graças à biblioteca de Seu Luís Fausto, que o bom Deus o tenha, a ele e a Jaci, em seu regaço.