sábado, 9 de julho de 2011

QUEM ERA O HOMEM DE OLHOS ACESOS?

adonisk.blogspot.com

Honório de Medeiros

O pai de minha sogra tinha mais de noventa e seis anos quando ocorreu esta história.

Andar curvado, pele curtida, mãos nodosas, cabelos finos e totalmente brancos, de uma magreza ascética. Homem de poucas palavras, que um começo de senilidade acentuou ao longo dos últimos anos, embora não lhe tenha feito perder totalmente o senso.

Tipicamente rural, daquela estirpe de nordestinos como já não há mais, cuja palavra empenhada vale mais que qualquer cheque em branco, seu código de honra era imutável; uma vez tomada uma posição qualquer, não havia possibilidade de mudança; seus valores eram "preto no branco": tradição herdade dos avós que os tinham iguais, bem como os pais, e deveria ser assim por que assim o era e deveria ser desde que o mundo é mundo.

Sucede que um dos seus muitos filhos, o primeiro, por sinal, suscetível, em termos de honra, tanto quanto o pai, depois de uma desavença qualquer onde não faltaram palavras ásperas de lado-a-lado, foi-se embora jurando nunca mais voltar.

Ele sentiu o golpe, mas não o acusou. Ano após ano, mesmo as lágrimas de mãe que sua esposa derramava escondido e ele pressentia não lhe fez sequer murmurar o nome daquele que ousara levantar a voz e desrespeitar sua autoridade paterna.

Era como se o filho não existisse, e as notícias esparsas, trazidas pelos outros até o seio da família não lhe eram comunicadas, circulando sem o seu conhecimento por entre mãe, irmãos e sobrinhos.

Dias antes de uma eleição municipal a ligação da desconhecida esposa do filho ausente comunicou sua doença: entubado, inconsciente, comatoso, jazia na unidade de tratamento intensivo de um grande hospital em uma cidade distante, no norte do País.

Criou-se uma sincronia macabra entre a expectativa do dia da eleição e o de sua morte, nesta altura, já esperada.

Enquanto isso, embora todos, em casa, soubessem da situação, e poupassem o pai por temor de um agravamento da sua fragilidade de idoso, a ansiedade pelo desfecho, tanto da eleição, quanto da morte, esta agravada pela dificuldade de se obter informações, aumentava cada vez mais.

No dia anterior ao da eleição, às oito horas da manhã, uma das suas filhas, como de costume, foi acordá-lo para o café da manhã e o encontrou falando como se estivesse se dirigindo a alguém. Perguntou-lhe: “com quem está falando, papai?” “Com esse homem de olhos acesos que não para de me olhar.” “Quem, papai, aqui não tem ninguém.” “Você pensa que eu sou doido; o que ele queria aqui no meu quarto?” A filha teve imediatamente um palpite, e, angustiada, se sentou lentamente na cama. “Papai, esse homem era novo ou velho?” “Era novo, ainda.”

Nesse instante, o telefone toca estridentemente lá fora. Ela corre para atender. Do outro lado da linha, a informação agora confirmada: “seu irmão acabou de falecer.”

Malgrado tudo isso, ainda não acabara o inexplicável. À noite, enquanto era acomodado em sua cama, véspera tumultuada de eleição, o pai se virou para a filha e resmungou. Atenta, ela lhe indaga: “o que é papai?” “Essas almas”, responde, “hoje está cheio delas aqui.”

segunda-feira, 4 de julho de 2011

EMPIRISMO E NOMINALISMO

Guilherme de Ockham

Honório de Medeiros

O nominalismo de Guilherme de Ockham questionou a possibilidade de as coisas (“coisa-em-si”, “Objeto”) dizerem, ao Sujeito Cognoscente, aquilo que eles são (suas essências). Nós é que, tal qual demiurgos, ordenamos aquilo que nossos sentidos apreendem com nosso conhecimento conjectural (Kant, Bachelard, Poper). Dá para rastrear tal idéia até o relativismo sofista (Protágoras de Abdera, Antístenes versus Platão)? O nominalismo também impede a fenomenologia de Bérgson e Husserl e a pretensão de uma ciência cujo objetivo seja “compreender”: na poesia não é o termo “salinas” que me diz algo; eu é que digo algo dele. Thomas Nagel (“Visão a Partir de Lugar Nenhum”; Martins Fontes; SP; 2004; 1ª edição; p. 137; nota) observa que “Chomsky e Popper rechaçaram as teorias empiristas do conhecimento”.

A POESIA DE GREGÓRIO DE MATOS

 
Gregório de Matos
 
Gregório de Matos:
 
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.




domingo, 3 de julho de 2011

SE NÃO FOSSE O ANEL...



Honório de Medeiros

Como se encarnasse um sonho irreal de adolescente, na terceira ou quarta volta em torno do salão onde casais dançavam ao ritmo das músicas daqueles loucos anos 70 ela lhe apareceu.

Em um gesto instintivo você levantou o copo de rum Montilla com coca-cola como que oferecendo enquanto a avaliava. Ali estava uma mulher bonita, muito bonita, pelo menos para o seu padrão: cabelos longos, crespos, cheios, displicentemente soltos e partidos ao meio, emoldurando um rosto oval perfeito no qual pontificavam um nariz diminuto acima de uma boca carmim/carnudo-vermelha e olhos sempre meio escondidos por longos e abundantes cílios; o corpo magro quase oculto por um daqueles vestidos longos, típicos da época, terminava nos tornozelos pousados em sandálias das quais saiam finas tiras de couro que subiam pernas acima.

O copo foi aos lábios dela e sem trocarem qualquer palavra se dirigiram a um batente meio afastado que circundava a área onde ficavam as mesas.

Então conversaram. Não se sabe se o primeiro beijo veio logo ou demorou. Não se sabe acerca do que falaram, mas o passado e o futuro se fizeram presente. Na ânsia de conhecê-la você mergulhou seus olhos nos dela querendo alcançar os fatos e pensamentos mais remotos gravados em sua memória. A noite adquiriu contornos mágicos: seu perfume, discreto, suave, era único; o bulício longínquo da festa, um pano-de-fundo perfeito para os silêncios intermitentes; a música estava dentro de cada um.

Já no final, ainda desatento ao fato de que a encontrara vagando sozinha e não fora procurada, até então, por quem quer que seja, enquanto a multidão se dispersava você perguntou onde ela morava. Ela lhe disse, vagamente, que no Centro. E como iria para casa? Não houve resposta. Àquela hora somente havia táxi. Ou carona, já que carro era um luxo distante.

Poderiam ir a pé, você propôs, afinal não ficava tão distante, e as ruas e bairros seriam atravessados lentamente enquanto o sentimento fluía mundo afora e saudava a manhã nascente. Não ocorrera, ainda, a você, quão estranho era a solidão que a cercava. Se você não estivesse ali – era o caso de se pensar – ela teria ido sozinha enfrentando a madrugada, para casa?

Assim, foram. Mãos dadas. Silêncios interrompidos por brincadeiras. As ruas silenciosas por testemunha. A manhã possuindo a noite. Na altura do velho cinema ela parou e lhe disse que ali precisariam se separar. Não era possível deixá-la em frente à sua casa. Não houve questionamento. Sua relutância não a oprimiu. Beijou-a e lembrou-lhe o compromisso de telefonar no momento que acordasse. Pegou o caminho da volta. Antes da esquina que a tiraria de seu ângulo de visão olhou para trás. Ela estava lá esperando esse gesto. Beijou a palma da mão, apontou-a para você e soprou. E seu coração adolescente, feliz, exultou.

Foi a última vez que a viu.

Ao longo do dia a espera foi interminável, opressiva. O toque do telefone fazia o coração disparar. O livro, sequer folheado, jazia pousado no chão ao lado do sofá. Passaram-se os dias. Nada. Nenhum rastro. As pessoas que moravam no entorno do lugar onde você a deixara talvez tenham estranhado seu vai-e-vem incessante, nos primeiros dias, quando ainda havia a esperança de encontrá-la saindo de algum lugar.

Todo tipo de pergunta, a si mesmo, foi feita. Não houve resposta. Nunca houve. Não haverá. Poderia parecer algo sobrenatural não fosse, passados todos esses anos, aquela bijuteria – um anel – que teima em lhe deixar pensativo e um pouco melancólico quando você o põe na palma da mão, e o lenço – naquele tempo ainda se usava – no qual resiste ao tempo a lembrança de um perfume.

O STF NÃO PODE ALTERAR A CONSTITUIÇÃO!

"Mais uma vez, juiz de Goiânia anula união gay"

Blog de Lauro Jardim

O juiz de Goiânia Jeronymo Pedro Villas Boas, que ficou nacionalmente conhecido há quinze dias por anular, pela primeira vez, uma união gay no país, voltou à carga. Villas Boas revogou uma segunda união estável de dois homens que moram juntos há 22 anos.

Na recente decisão, o juiz afrontou mais uma vez o entendimento do Supremo, que reconheceu no início de maio esse tipo de relação. A decisão da semana retrasada foi cassada.

Villas Boas disse que, como não há na Constituição previsão implícita ou explícita de que a família possa ser formada por duas pessoas do mesmo sexo, nenhum dos poderes submissos à Carta Magna pode incluir este tipo de relação. Escreveu o juiz:

– O Judiciário não pode alterar a Constituição.