sábado, 27 de maio de 2023

AGORA SOMOS SILÊNCIO, QUASE

 


Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiro (honoriodemedeiros@gmail.com)


Dia desses olhei para você e me vi. Éramos reflexos um do outro, recortados contra o claro-escuro. Cores que esmaeceram, tingidas de prata. Sépia. Como passaram vertiginosamente os dias e as horas! O tempo é um abismo: vidas que fluíram, esvaneceram-se. Agora, somos silêncio, quase. Dizemos mudos. Construímos pontes para um infinito desconhecido. 

sexta-feira, 26 de maio de 2023

A BALADA DO RETORNO


 Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).


Agora, retorno. Recolho as velas da minha nau imaginária. Solto a âncora. Desço ao cais. Respiro fundo a solidão da noite. Olho as luzes, as construções. Sigo. Caminho lentamente. A neblina molha as pedras, me molha. Chego à minha porta. Entro. Enxugo o rosto molhado com o braço. Tomo um grogue. Eis que chega seu sorriso luminoso. Seu colo perfumado. Seu olhar de madrugadas. Nossa história comum. Então, há o silêncio. Depois, vinho, cantigas e risos. Dança-se. Estou em casa.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A BELA ENTRE AS BELAS: ANGLES SUR L'ANGLIN

 


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros.blogspot.com)


Atribuíram-lhe o título de "uma das mais belas vilas da França". Nada mais justo. É difícil crer que haja outra tão linda. Supera Sarlat La Canéda. Um pedaço do meu coração ficou aqui, entre esses bosques, no rio L'Angles, nas suas águas verdes escuras profundas, e nas suas ruas tortuosas com casas antigas cujas paredes são tomadas por flores. 

terça-feira, 23 de maio de 2023

UM ACORDEONISTA EM BORDEAUX

 


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).


SOU fascinado por artistas de rua. Quando os vejo, paro um pouco distanciado e tento absorver tudo quanto posso deles e de sua arte, na medida em que os encontro em minhas andanças.

Na Europa, eles são muitos. Há desde o acordeonista cuja execução de "La Violetera", uma "habanera" de 1915, tantas vezes escutada na voz de minha mãe, até a quase adolescente que canta, à capela, uma doce canção de sua terra natal, a Itália.

Estou escrevendo acerca das ruas centrais de Bordeaux ou da famosa Place de La Bourse, o palco de encontro de todos, viajantes ou não, que por aqui moram ou andam.

Aproximei-me do acordeonista lamentando não dispor do poder do personagem de uma história em quadrinhos de minha adolescência, que podia ler a vida de qualquer pessoa bastando, para tanto, mergulhar em seus olhos, se o desejasse.

Como não podia nada pessoal lhe perguntar, aqui é ofensivo, tampouco possuía qualquer poder, depositei algumas moedas em sua caneca estendida sobre um pano vermelho que já vira muitas estações, olhei seu rosto cansado, mal cuidado, atribui-lhe uns bons setenta e poucos, e lhe perguntei se por um acaso do destino não saberia tocar "La Violetera".

Ele parou, pareceu buscar alguma lembrança obscura em suas memórias, deu-me um pequeno sorriso e titubeando, no início, mas com desenvoltura, a seguir, inclusive fazendo floreios, digamos assim, jazzísticos, tocou a música que eu lhe pedira como se estivesse no palco do Grande Teatro de Bordeaux, sendo ouvido por todos quanto, ao longo de sua longa vida, em algum momento pararam para ouvi-lo e aplaudi-lo.

NO SERTÃO DA FRANÇA: SARLAT-LA-CANÉDA

 


Honório de Medeiros

honoriodemedeiros@gmail. com


Sarlat-la-Canéda é uma comuna francesa localizada na região administrativa da Nova Aquitânia, no departamento Dordonha, Périgord-Noir.

Aguardo a partida do trem e escuto "As Quatro Estações", Vivaldi.

E escrevo, claro.

No caminho, Bergerac. Lembro-me imediatamente de Anatole France: "Monsieur Bergerac em Paris".

Um dia, vou lê-lo novamente. 

A região é a rural francesa. 

Seus rios aquosos, plácidos, banham belas, sonolentas e ancestrais cidadezinhas perdidas no verde da França. 

O Perigord é cheio de pequenos "chateaus" repletos de beleza e história que surgem de repente e são rapidamente deixados para trás pelo trem veloz.

Quero parar em cada um deles, conversar com seus castelões, desvendar seus segredos e os de seus antepassados, mas o trem não para. 

Vivaldi continua.

A cerração matinal nos acompanha, o sol se esconde.

O orvalho molha a janela do trem e o mundo fica cinza...

Sarlat é linda, indescritível. 

Andando pelo centro histórico, medieval, fico imaginando o dia-a-dia dos seus habitantes de então: suas relações, os amores, a comida, o sexo, a música, as intrigas políticas, os donos do poder, a escuridão e o silêncio da noite profunda.

Será que um dia volto e refaço todo esse percurso?