terça-feira, 30 de novembro de 2010

A LÓGICA PERVERSA DO OBREIRISMO


mundoemguerra.blogspot.com


Honório de Medeiros

Há uma lógica perversa induzindo o obreirismo (aqui usado, o termo, no sentido de privilegiar obras em detrimento de investimentos sociais) no administrador público. Essa lógica é mais perversa ainda por praticamente excluir a opção pelas políticas públicas.

Em primeiro lugar o obreirismo é conseqüência de uma demanda específica: a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, como conseqüência do fato de seus proprietários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, das elites governantes.

Em segundo lugar o obreirismo é conseqüência de outra demanda específica: a necessidade de encher os cofres raspados das elites políticas vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidataram, e construir reserva para as futuras demandas político-partidárias.

Em terceiro lugar o obreirismo é conseqüência de outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção ou aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação (interna) de que eles não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o exercício de seus cargos.

Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, financia-las – consome o que sobra, no orçamento, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal. Na maioria das vezes praticamente não há sobra orçamentária para investimento e não por outro motivo a Lei de Responsabilidade Fiscal vem sendo sistematicamente desrespeitada. E engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir a sociedade acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos.

Assim, toda e qualquer obra surge como decorrência de uma “demanda social” e destina-se ao “desenvolvimento sustentado”. Obras através das quais circula o capital financeiro das elites para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia. Flatus vocis, diriam os romanos... E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, queda nos índices de mortalidade infantil, melhoria na qualidade do ensino e na segurança pública, que não dão retorno financeiro – embora dêem retorno eleitoral (e como dão) – são deixadas de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

UMA ESPERANÇA VÃ


Honório de Medeiros

Abro espaço para o texto que transcrevo. Sei quem o fez; não sei para quem é destinado. Ou talvez saiba, mas prefira não dizê-lo.

"Você me pediu, se lembra?, que lhe escrevesse algo. Disse-me isso como quem estivesse entre a curiosidade de ser objeto, digamos, da atenção de alguém que escreve e, ao mesmo tempo, o desejo de ver o produto da minha suposta arte.”

“Eis aqui o resultado. Digo-lhe que foi difícil, porque ando destreinado em falar acerca dessas coisas que são tão importantes, mas, ao mesmo tempo tão simples. Não sei, talvez tenha eu, tenhamos nós, perdido a capacidade de percebermos a beleza no singelo, no trivial. Ou, quem sabe, possamos até possuir a noção dessa beleza, mas não sabemos transmiti-la sem parecermos artificiais...”

“Enfim, quero lhe falar de nós. De minhas esperanças já perdidas, quando o tema é você. Eu sei que você vai se desdobrar em negativas quando ler o que lhe escrevo. Serão essas negativas mera retórica. Desde há muito descobri que não há espaço para mim em seu mundo.”

“E digo a razão. Trata-se de algo chamado conveniência. Eu, quixotesco, lhe incomodo, como as réstias de sol atrapalham aqueles que delas fogem. Percebe você, por instinto, minha fragilidade - e ela não é compatível com os tempos modernos, porque oriunda de uma forma de sentir o mundo que vai desaparecendo.”

“Gostaria de lhe provar tudo isso que digo agora de uma forma precisa - para que você, dessa geração onde as verdades não admitem sequer o cinza, pudesse perceber o esforço heróico – me perdoe a imodéstia - para me adequar a um mundo onde ser romântico é uma questão de desempenho.”

“Não há como. Assim como me parece impossível apreender toda a gama de sentimentos que origina uma obra de arte, com certeza seria impossível lhe falar de coisas que somente teriam sentido dentro de certa realidade.”

“Você há de me desculpar se lhe desenho um mundo - o seu - tão pouco atraente aos olhos de quem talvez leia o que aqui se escreveu. Não é essa minha intenção. Até porque talvez somente me entenda quem foi contemporâneo de minhas ilusões, de meus sonhos. Percebo claramente que todos os outros lhe serão favoráveis nessa batalha inexistente. Afinal o mundo que vivemos, a realidade diária, toda essa complexa rede de pessoas, fatos e coisas que nos cerca tem sua dimensão amorosa própria e, com ela, uma nova maneira de lidar com o amor.”

“Nada mais incoerente, por exemplo, segundo os novos padrões, que esse texto. De que trata ele?, perguntarão os que o lerem. O que significa tudo isso?”

“E me pediriam: "sintetize"! Não há como, eu lhes diria. Não posso falar de algo como "saudade" sem comentar o quanto acho que esta palavra esteja fora de moda.”

“Assim, é acerca de esperanças vãs que lhe escrevo. Da minha esperança inútil de que você viesse ser minha, e eu, seu. Do meu desejo de sermos arquitetos de algo único - nosso amor - que haveria de ser uma ponte para o infinito. Da nossa criatividade inventando, para deleite próprio, uma tão grande cumplicidade, que permitiria nos comunicar através de um código criado somente para iniciados - nós dois. E da minha descrença na possibilidade de tudo isso, tão belo, acontecer.”

“Poderia lhe falar horas desse desejo de amor que sinto e, mesmo assim, não ficaria claro como conseguiríamos nos entender. Você, lógico, se defenderia alegando ser ele impossível. E elencaria estatísticas como provas. Ah, como é cruel a estatística! Minha resposta seria apenas uma: nossa capacidade de criar é infinita, somente quando criamos nos aproximamos dos deuses, e todos os obstáculos, quaisquer que sejam eles, que aparecerem, seriam comparados à nossa capacidade de lutar.”

“Você, entediada, diria: "não há mais amores assim; aliás, nunca houve". E, para não perder o ímpeto, talvez até colocasse a culpa em nós, os homens.”

“Eu me renderia, então. Mas antes de sair, lhe contaria a história que TAGORE nos deixou em "A Casa e o Mundo". Nela, o personagem principal percebe que o grande amor de sua vida está prestes a sucumbir à sedução passageira de um farsante. Afasta-se dela. Indagado, responde que somente estando livre ela poderá optar por um caminho que engrandeça seu (dele) sentimento. "Se ela for com o outro", diz, "permitiu-me descobrir uma verdade que, embora dolorosa, trar-me-á dignidade; se voltar, tê-lo-á feito de livre e espontânea vontade, e isso tornará seu (dela) amor ainda mais sólido."

“Adeus, então.”