segunda-feira, 29 de novembro de 2010

UMA ESPERANÇA VÃ


Honório de Medeiros

Abro espaço para o texto que transcrevo. Sei quem o fez; não sei para quem é destinado. Ou talvez saiba, mas prefira não dizê-lo.

"Você me pediu, se lembra?, que lhe escrevesse algo. Disse-me isso como quem estivesse entre a curiosidade de ser objeto, digamos, da atenção de alguém que escreve e, ao mesmo tempo, o desejo de ver o produto da minha suposta arte.”

“Eis aqui o resultado. Digo-lhe que foi difícil, porque ando destreinado em falar acerca dessas coisas que são tão importantes, mas, ao mesmo tempo tão simples. Não sei, talvez tenha eu, tenhamos nós, perdido a capacidade de percebermos a beleza no singelo, no trivial. Ou, quem sabe, possamos até possuir a noção dessa beleza, mas não sabemos transmiti-la sem parecermos artificiais...”

“Enfim, quero lhe falar de nós. De minhas esperanças já perdidas, quando o tema é você. Eu sei que você vai se desdobrar em negativas quando ler o que lhe escrevo. Serão essas negativas mera retórica. Desde há muito descobri que não há espaço para mim em seu mundo.”

“E digo a razão. Trata-se de algo chamado conveniência. Eu, quixotesco, lhe incomodo, como as réstias de sol atrapalham aqueles que delas fogem. Percebe você, por instinto, minha fragilidade - e ela não é compatível com os tempos modernos, porque oriunda de uma forma de sentir o mundo que vai desaparecendo.”

“Gostaria de lhe provar tudo isso que digo agora de uma forma precisa - para que você, dessa geração onde as verdades não admitem sequer o cinza, pudesse perceber o esforço heróico – me perdoe a imodéstia - para me adequar a um mundo onde ser romântico é uma questão de desempenho.”

“Não há como. Assim como me parece impossível apreender toda a gama de sentimentos que origina uma obra de arte, com certeza seria impossível lhe falar de coisas que somente teriam sentido dentro de certa realidade.”

“Você há de me desculpar se lhe desenho um mundo - o seu - tão pouco atraente aos olhos de quem talvez leia o que aqui se escreveu. Não é essa minha intenção. Até porque talvez somente me entenda quem foi contemporâneo de minhas ilusões, de meus sonhos. Percebo claramente que todos os outros lhe serão favoráveis nessa batalha inexistente. Afinal o mundo que vivemos, a realidade diária, toda essa complexa rede de pessoas, fatos e coisas que nos cerca tem sua dimensão amorosa própria e, com ela, uma nova maneira de lidar com o amor.”

“Nada mais incoerente, por exemplo, segundo os novos padrões, que esse texto. De que trata ele?, perguntarão os que o lerem. O que significa tudo isso?”

“E me pediriam: "sintetize"! Não há como, eu lhes diria. Não posso falar de algo como "saudade" sem comentar o quanto acho que esta palavra esteja fora de moda.”

“Assim, é acerca de esperanças vãs que lhe escrevo. Da minha esperança inútil de que você viesse ser minha, e eu, seu. Do meu desejo de sermos arquitetos de algo único - nosso amor - que haveria de ser uma ponte para o infinito. Da nossa criatividade inventando, para deleite próprio, uma tão grande cumplicidade, que permitiria nos comunicar através de um código criado somente para iniciados - nós dois. E da minha descrença na possibilidade de tudo isso, tão belo, acontecer.”

“Poderia lhe falar horas desse desejo de amor que sinto e, mesmo assim, não ficaria claro como conseguiríamos nos entender. Você, lógico, se defenderia alegando ser ele impossível. E elencaria estatísticas como provas. Ah, como é cruel a estatística! Minha resposta seria apenas uma: nossa capacidade de criar é infinita, somente quando criamos nos aproximamos dos deuses, e todos os obstáculos, quaisquer que sejam eles, que aparecerem, seriam comparados à nossa capacidade de lutar.”

“Você, entediada, diria: "não há mais amores assim; aliás, nunca houve". E, para não perder o ímpeto, talvez até colocasse a culpa em nós, os homens.”

“Eu me renderia, então. Mas antes de sair, lhe contaria a história que TAGORE nos deixou em "A Casa e o Mundo". Nela, o personagem principal percebe que o grande amor de sua vida está prestes a sucumbir à sedução passageira de um farsante. Afasta-se dela. Indagado, responde que somente estando livre ela poderá optar por um caminho que engrandeça seu (dele) sentimento. "Se ela for com o outro", diz, "permitiu-me descobrir uma verdade que, embora dolorosa, trar-me-á dignidade; se voltar, tê-lo-á feito de livre e espontânea vontade, e isso tornará seu (dela) amor ainda mais sólido."

“Adeus, então.”

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