sábado, 23 de janeiro de 2010

ESCREVER


literal.terra.com.br

Rubem Fonseca

“Os escritores fazem isso, saem pelo mundo buscando assunto para seus livros. Puchkin dizia que precisão e brevidade são as principais qualidades da prosa. O cinema não tem os mesmos recursos metafóricos e polissêmicos da literatura. O cinema é reducionista, simplificador, raso. O cinema não é nada.

O cinema não é nada? Se eu me sentar no corredor de um hospital vejo um filme – as pessoas se movimentando, falando, chorando, carregando coisas, esperando, etc. O cinema não é mais que isso. Pode ver um livro também, olhando o corredor. A literatura também não é mais que isso" ("Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos"; Rubem Fonseca).


O "ESPERTO" NA POLÍTICA

Meu amigo Fulano me disse que tinha se aposentado da política. “Como assim?”, perguntei-lhe. “Quer dizer que não vai mais exercer qualquer cargo público?” “E se seu candidato voltar ao Governo?” Meu amigo, que foi do segundo ou terceiro escalão do governo de um dos estados vizinhos (claro!) abriu um sorriso matreiro e respondeu condescendente: “eu não quero mais ocupar cargo algum, mas vou ajudar meus amigos por que você sabe como é, tenho filhos para ajudar a criar, e no nosso mundinho só vai p’ra frente quem se dá bem com os ômi”.

Meu amigo Fulano é um homem esperto, dentro daquela categoria que o finado ex-padre Zé Luiz genialmente criou lá pelo começo dos anos 80. Dizia ele, e nunca aceitou essa história de ex-padre – “uma vez padre, sempre padre” – que há dois tipos de homens, dentre outros, que merecem atenção: os inteligentes e os espertos. E para ilustrar sua tese elencou, em sua coluna dominical no Poti, de um lado os espertos, do outro, os inteligentes. Não é preciso dizer o rebuliço que essa crônica causou na província.

Pois bem, meu amigo Fulano é um homem esperto. Não tem o vôo dos condores, quando muito dos galináceos, mas sabe evitar uma panela e enxerga bem além dos seus passos. Em um certo sentido, jamais admitido nem por ele, nem por quem lhe fornece o meio para sobreviver, é alguém que vive de expedientes: ajeita aqui, ajeita acolá, facilita p’ra um, dificulta p’ra outro, torna-se da cozinha do poderoso, na qual chega na hora do café-da-manhã trazendo as últimas novidades e os próximos pedidos.

Duvido que na atual estrutura de Poder na qual vivemos a política nossa de cada dia, em tudo e por tudo idêntica à dos nossos ancestrais, diferenciando-se apenas quanto à aparelhagem tecnológica utilizada – se antes era a cavalo que a informação seguia, hoje é via imail – o coronel com saias ou sem elas possa viver sem esse tipo de agregado. Ele é imprescindível para as pequenas coisas: pequenos delitos – é incapaz de pensar os grandes; aliás, é incapaz de pensar: seu destino é pequenas confidências, pequenos favores, pequenas difamações e/ou injúrias, algumas torpezas, cumplicidade nos vícios, solidariedade nos acidentes de percurso, desde que não afetem sua sobrevivência...

Mas é capaz de grandes bajulações, aceita ser o bobo-da-corte do seu senhor feudal – considera-se até honrado em ser alvo de brincadeiras nas quais sua intimidade é exposta publicamente -, quando não, é capaz de desforço físico na defesa da bandeira que empunhou o que o tornará, sem sobra de dúvidas, alvo de muitas e variadas homenagens prestadas nas hostes do “exército” ao qual pertence.

Não por outra razão meu amigo Fulano está fadado a morrer feliz por que realizado na medida em que encaminhar, através de sua rede de amigos granjeados a partir da troca de favores recíprocos, e da benção do chefe político, os seus rebentos. Não lhe digam que hoje só é possível entrar na administração pública através de concurso. Há sempre um caminho para encontrar uma torneira aberta: cargo em comissão, gratificação, empresa de construção de fundo-de-quintal, licitações manipuladas, consultorias e assessorias. “E os concursos públicos, esses, há, nem lhe conto” disse-me ele.

Meu amigo somente precisa tomar cuidado para não cometer algum erro. Aliás, ele precisa ter muito cuidado para não ser usado como boi-de-piranha: quando ele acerta, o mérito é do chefe; quando o chefe erra, a culpa é dele. E precisa ter cuidado, muito cuidado, mas muito cuidado com a ingratidão e o tal de laço-de-sangue. Por que não é possível ter dúvida: entre ele, o fiel correligionário, e o parente, este sempre vence. É o instinto!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

ANDRÉ DA RABECA


aventureirodotraco.blogger.com.br

Rabeca

Laélio Ferreira

MOTE :

Pobre André, pobre rabeca,
pobres egos colossais

G L O S A :

Viveu uma vida furreca,

morreu de modo banal...

Hoje é assunto em Natal

- pobre André, pobre rabeca!

Motiva, agora, a fubeca:

cobras, lagartos, rivais,

lendas de outros carnavais,

velhos hábitos de infância,

pecados de concordância

- pobres egos colossais !



ESCREVER


fcom.us.es

Amos Oz

"Num conto curto de Tchekhov ou num romance de Balzac encontrou mistérios que, em sua opinião, não existiam nos romances de espionagem ou suspense. Uma vez, há muitos anos, refletiu sobre a possibilidade de escrever, ele mesmo, uma pequena história de espionagem quando se aposentasse, para descrever nelas as coisas conforme as conheceu durante todos os anos em que esteve a serviço. Mas desistiu da idéia por que não achou, em suas ocupações nada marcante ou excitante. Dois pássaros na cerca em um dia de chuva, um velho falando sozinho em um ponto de ônibus da Rua Gaza, estes e outros acontecimentos lhe pareciam mais fascinantes do que tudo que lhe ocorrera no serviço de espionagem" ("Conhecer uma Mulher"; Amos Oz).

AUTO-PROMOÇÃO

Este blog agradece a Carlos Santos, Charles M. Phelan, François Silvestre, Franklin Jorge e Laurence Bittencourt por freqüentá-lo.

"SEU LULA"


starchildrens.blogspot.com

Ali e acolá, em livros que somente alguns lêem, seja por que deliberadamente os procuram, seja por um desses acasos da vida nos quais eles aparecem sem que saibamos como nem muito menos a razão, me deparo com seu nome. Está posto em um pé-de-página, ou em algum parágrafo, incidentalmente, fugazmente. Recentemente, ao reler a literatura norteriograndense acerca da saga lampiônica em Mossoró – Raul Fernandes e Raimundo Nonato da Silva – lá estava seu nome, “en passant”, como teria dito, para trazer expressões próprias do jogo de xadrez, que amava tanto, até o cotidiano.
 
Foi exatamente o jogo de xadrez que me levou a conhecê-lo. Eu e vários de minha geração, a quem ele pacientemente ensinou a jogar. Tínhamos em torno dos oito anos e nosso mundo era muito simples: brincar no Colégio Diocesano, brincar no patamar da Igreja de São Vicente, brincar em casa nas raras vezes em que a rua nos era proibida por castigo ou doença. E brincar de aprender a jogar xadrez nas tardes provincianas de Mossoró, na pequena casa onde Lula Nogueira - “Seu Lula” - vivia sozinho com o filho solteirão – uma figura misteriosa a quem quase nunca víamos e acerca de quem falávamos aos sussurros.
 
“Seu” Lula morava em uma casinha branca com área de entrada diminuta, porta e janela dando imediatamente para a sala, saleta, salinha que era de visita e jantar ao mesmo tempo. Do lado esquerdo de quem entrava dois quartos: o primeiro, com janelão para a rua, era o seu; o outro, do filho. A sala dava para uma pequena cozinha dela separada por uma mureta onde pontificava um filtro de água de cerâmica e um varal de madeira de empilhar pratos, meio escondidos por um pano. Tudo muito normal, tudo muito comum não fosse uma mesa oficial de xadrez colocada perpendicularmente à janela da sala para aproveitar a luz do sol, na qual ficavam postados, desde sempre, livros e revistas argentinas acerca do jogo, além de majestosas e manuseadas peças tipo “Stauton” para os embates enxadrísticos.

Embora possa me lembrar de “Seu Lula nas calçadas de nossa rua conversando, principalmente na roda de “Seu Napoleão”, onde o escutei, entre perplexo e admirado, certa vez, afirmar enfaticamente que somente morreria após a passagem do ano 2000, essas incursões eram raras. Certo, mesmo, era passar em frente à sua casinha, fosse manhã ou tarde, e encontra-lo defronte ao tabuleiro de xadrez, mão esquerda com dedos polegar e indicador apoiando a cabeça, cigarro esquecido embora aceso entre os dedos médio e anular, enquanto a mão direita movia as peças para cima e para baixo, para um lado e para o outro, ou na diagonal, na tentativa de criar ou solucionar problemas enxadrísticos que já haviam lhe granjeado reputação nacional. Podia, também, ser o caso de estar, simplesmente, reproduzindo uma partida de xadrez de grandes mestres internacionais.
 
Depois eu, como os outros, fui embora. O mundo nos esperava. Nunca esquecemos – aqueles que fomos seus alunos – nosso professor de xadrez. Basta, ainda hoje, ver peças tipo “Stauton”, ou mesmo um tabuleiro oficial, que volto no tempo para aqueles dias já longínquos quando um menino magro, tímido, e um ancião de mãos nodosas, emoldurados pela claridade solar que ultrapassava a janela da sala e escandia a fumaça dos muitos cigarros fumados ou esquecidos, jogavam intermináveis partidas nas quais somente a profunda gentileza do professor impedia uma humilhação contínua ao aluno.









quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

LEIA COMO O ESTADO SE APROPRIA DE PARTE DA REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO


4.bp.blogspot.com

Barnabé

Esqueça sua idéia do que seja o “Estado”. É mais simples entender que “Estado” é algum lugar onde poucos mandam em muitos. Esses poucos podemos chamar de “elites”, assim mesmo, no plural, vez que há várias: reacionária, conservadora ou progressista, por exemplo, conforme queiram voltar no tempo, manter tudo como está ou avançar em busca de reformas ou rupturas estruturais acerca da distribuição da riqueza do mundo.

Essas elites, para aumentarem ou perpetuarem seu poder, necessitam de instrumentos, meios ou mecanismos através dos quais seja possível governar os muito, muitos mesmo, que são mandados. Então as elites precisam de leis que regrem esses muitos, e exércitos, polícias, juízes, promotores, advogados, auditores, médicos, professores, assistentes sociais, enfim, um segmento significativo da sociedade para aplicá-las.

Esses instrumentos nada mais são que servidores públicos, trabalhadores que por intermédio do seu capital material (sua força física) ou simbólico (sua força intelectual) aparentemente servem ao Estado, mas, na realidade, em sua essência, são aparelhos das elites que os criam, instauram, e utilizam.

Pois bem, essa força física ou intelectual é o capital do servidor. É ele que o servidor “vende” ao Estado em troca de uma remuneração ou pagamento pela “utilização”.

Convém observar que pelo “contrato” firmado entre o servidor e o Estado, cujas premissas são constitucionais, aquele não pode ter sua remuneração reduzida por este. Ou seja, trocando em miúdos, o Estado não pode reduzir a o pagamento (remuneração), segundo a Constituição Federal, sob qualquer pretexto, do servidor público.

Não vamos entrar, aqui, no aspecto da apropriação indireta do capital do servidor, realizada fora do seu ambiente profissional, como por exemplo, quando parcela de seu pagamento (remuneração) é levada através de tributação confiscatória: é o caso da tabela de deduções (limites de gastos com médicos, p.ex., a serem abatidos do valor devido) do imposto de renda que nunca é corrigida pela inflação, fazendo com que paguemos cada vez mais na medida em que cresce o custo das coisas.

Vamos, sim, tratar da apropriação direta, feita pelo Estado, na remuneração do servidor, ao longo de todos esses anos, sem que ele receba qualquer aumento, apesar da corrosão imposta pelo processo inflacionário. Ou da cobrança, a partir da reforma da Previdência, da contribuição Previdenciária incidente sobre os proventos da aposentadoria.

São esses apenas dois exemplos de como o Estado (instaurado ou implantado por certa Elite, não necessariamente aquela da qual fazemos parte) se apropria de parte do pagamento pela venda, a ele, do capital do servidor. Há outros, mas esses dois bastam.

No primeiro, o Estado enriquece ilicitamente, diga-se de passagem, tendo em vista a Constituição Federal, à custa dos servidores, quando não preserva seu valor de compra (a remuneração) inicial com a qual foi contratado, já que cada vez mais a eles paga menos, pelo mesmo trabalho, como conseqüência da inflação. No segundo, desrespeitando o direito adquirido, ao tributar quem já cumprira sua parte no contrato, os aposentados.

A fome do Estado é gigantesca, pantagruélica. E, infelizmente, somente é saciada com a carne da arraia-miúda que é a classe média, da qual parte expressiva é constituída por servidores públicos. Os tubarões estão fora de perigo, sejam eles bancos, multinacionais, ou mesmo o indefectível FMI, este já pago várias vezes via juros escorchantes assumidos pelo Brasil.

Acresça-se que o servidor público não tem como sonegar: seu imposto sobre a renda é cobrado na fonte, ao contrário de todos os megacontribuintes que, ao longo dos anos, enriquecem através das brechas da lei, do trabalho de competentes bancas advocatícias, e de auditores fiscais corruptos. É a velha história: o pau sempre quebra nas costas do mais fraco.

Nesse conflito entre capital e trabalho, o senso comum aponta logo dois fatores a chamarem nossa atenção: a incapacidade do explorado em reverter esse quadro, por não conseguir percebê-lo, e a incapacidade dessa Elite em entender que todo buraco tem fundo. Assim, continua crescendo a terrível dívida social que essas elites (não todas) têm com os excluídos, enquanto, ao mesmo tempo, o capital continua a crescer.

Torçam elas, essas elites, para Marx não estar certo, e não acontecer seu entredevoramento. Quanto aos servidores públicos, até quando permanecerão inertes ante esse processo de depauperamento financeiro?













quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A DIFERENÇA ENTRE O POLÍTICO E O LADRÃO

Vingou-se, para mim, um motorista de táxi:

"- O Sr. sabe qual a diferença entre o político e o ladrão?"

- Não.

- "O político a gente escolhe; o ladrão escolhe a gente."

NASSAR, UM CASO PARADIGMÁTICO DE SÍNDROME DE BARTLEBY


blogln.ning.com

Nassar

Pinçado de: http://www.releituras.com/

"José Castello, jornalista voltado para livros e autores, teve publicado em 1999 o livro "Inventário das Sombras" (Editora Record - Rio de Janeiro, pág.173), no qual traça o perfil de diversos escritores. Autor de "O Poeta da Paixão", "O Homem sem Alma", "Na Cobertura de Rubem Braga" e "Uma Geografia Poética", assim vê o escritor Raduan Nassar (parte):

(...)


Atrás da máscara

'Nós buscamos outras realidades porque não sabemos como desfrutar da nossa; e saímos de dentro de nós mesmos pelo desejo de saber como é o nosso interior.'


Montaigne


Raduan Nassar não suportou ser um grande escritor e desistiu da literatura para criar galinhas. Trocou a criação estética, que é complexa e desregrada, pela mecânica suave da avicultura, e parece muito satisfeito com isso, tanto que, resistindo a todos os apelos, se recusa a voltar atrás em sua decisão. Meteu-se assim em uma situação embaraçosa na qual o exterior (a figura do escritor) e o interior (o ato de escrever) se confundem, armadilha em que, de modo mais discreto, todos os escritores de alguma forma estão presos, e que não chega a configurar uma escolha, mas um destino. Raduan abandonou a ordem do verbo, que está sempre contaminada pelo vazio e pelo espanto, para retornar à ordem natural dos animais, que é mais silenciosa, mas também mais previsível. Ovos, poedeiras, rações, pequenas pestes podem ser controlados; a escrita, não.

O sucesso de seus dois primeiros livros, Lavoura arcaica e Um copo de cólera, parece ter excedido em muito aquilo que Raduan esperava de si, e, ultrapassado pela própria obra, ele tomou a decisão de recuar. O sucesso, em seu caso, tornou-se uma carga: ele é aquele que não suporta vencer e, assim que a vitória se configura, precisa fracassar para se tornar menos infeliz. Restou a sombra de algo intolerável, a literatura, que, vista sem as pompas da reputação e da fama, tem a aparência de uma emboscada. Escrever não é só seguir uma rotina, manter-se atento e cumprir as regras dos manuais.


Mas por que terá Raduan, ao tomar a decisão de abandonar a literatura, conservado para si a imagem de escritor? Por que terá resolvido ser um homem com duas sombras — uma do escritor consagrado, outra do sujeito que desistiu de ser escritor? Raduan não é um Rimbaud, que, ao resolver que a escrita não o interessava mais, virou a página de sua biografia e, trocando de máscara, foi viver como um mercenário na África. Ao contrário, mesmo desistindo da literatura, ele não deixou de se apresentar, quase obstinadamente, como um escritor militante. Raduan é, ninguém tem dúvida, um grande escritor. Por isso, a solução que deu a seu impasse chega a parecer, às vezes, mentirosa. Quem estará dizendo a verdade: o Raduan que desistiu da literatura e se tornou só um homem silencioso com suas galinhas, ou o Raduan que, mesmo sem escrever, insiste em se ver como um escritor?" (...)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

DOIS MOMENTOS DA IGREJA


3.bp.blogspot.com

Cai Montségur

"Matem todos, Deus saberá quem são os seus". Assim falou Arnold Amaury, o monge cisterciense, quando seus guerreiros cruzados, a um passo de atacar a cidade de Béziers, em 22 de julho de 1209, tinham se voltado em sua direção para perguntar se deviam distinguir os fiéis ao catolicismo dos cátaros heréticos.

É o que nos conta Stephen O'Shea em seu "A heresia perfeita", cujo subtítulo é "A vida e a morte revolucionária dos cátaros na idade média".

A "Cruzada Albigense" se estendeu de 1209 a 1229 e foi deflagrada por Inocêncio III, sob a alegação de erradicar a heresia popular que grassava no Languedoc, região francesa que se estendia dos Pirineus à Provence e que incluia cidades como Toulouse, Albi, Carcassone, Narbonne, Béziers e Montpellier. Na verdade os barões feudais do Norte da França - dentre eles o Rei - cobiçavam as terras e as riquezas dos seus pares do Sul, principalmente o condado de Toulouse, que era suserania de Pedro de Aragão.

As duas décadas de sangue deram lugar a quinze anos de revolta e repressão até o cerco de Montségur, em 1244. No final, mais de duzentos de seus defensores, os líderes cátaros, foram arrebanhados e tangidos até uma clareira na neve para serem queimados vivos. Resultado do guerra de extermínio foi o surgimento da Inquisição e suas técnicas que atormentariam a Europa e a América Latina durante séculos, sob o comando dos Dominicanos. Técnicas essas que estabeleceram o modelo para o controle totalitário das consciência individual em nossos dias, diz-nos O"Shea.

Autos-de-fé, enceguecimentos, enforcamentos em massa, catapultar de corpos por sobre as paredes dos castelos, pilhagens, saques, julgamentos secretos, exumação de cadáveres, estupros, sevícias, tudo em nome da fé!

Em 27 de agosto de 1689, em correspondência dirigida a Domingos Jorge Velho, Frei Manuel da Ressurreição, Arcebispo e Governador do Rio Grande parabeniza-o: "E dou a Vossa Mercê o parabem de um avizo que do Recife me fez o Provedor da Fazenda estando para dar á vela a embarcação que o trouxe de haver Vossa Mercê degollado 260 Tapuyas".

De 26 a 30 de outubro de 1689 Domingos Jorge Velho mata 1.500 tapuias e aprisiona 300. Em 12 de janeiro de 1690 Frei Manuel da Ressurreição manda que se busque "trilhas de Bárbaros, como Vossa Mercê me diz se acham, os não faça o nosso descuido ousados".

Em 4 de março do mesmo ano o Governador Geral determina aos três cabos de guerra que exterminam os tapuias: "Se não devem esperar nos Arraiais, em que se acham as mesmas armas; senão seguindo-os até lhes queimarem, e destruirem as Aldeias, e elles ficarem totalmente debelados, e resultar da sua extincção, não só a memória, e temor do seu castigo, mas a tranquilidade, e segurança com que sua Magestade quer que vivam, e se conservem vassallos, como por tão duplicadas ordens tem recommendado a este Governo".

Está em "Cronologia Seridoense", de Olavo Medeiros Filho. 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

DIÁRIO DE VIAGEM




Martins, a "bela serra"

De volta à Mossoró, após irmos a Uiraúna e Martins.

O projeto de visita a São Miguel foi trocado por um convite de Etelânio Figueirêdo e Catarina para conhecermos a Casa Grande da Fazenda Canadá, em Uiraúna, aquela mesma invadida por Lampião e que Massilon não deixou depredar, por que conhecía seus proprietários.

Teodoro Figuerêdo e sua esposa, seus tios, nos receberam com aquela gentileza que caracteriza o sertanejo. Nos mostraram tudo. A Casa Grande começou a ser construída nos Séc. XVIII, no ciclo do couro. O sobrado, mais recente, é de 1900, início do Séc. XX. Tudo tão interessante, tão belo, que eu fiquei de voltar com Bárbara Lima para fazermos um ensaio fotográfico.

De lá, um almoço e a fidalguia de Seu Bosco e Dna. Socorro, pais de Catarina, no Curupaity, nos aguardava. Comida farta e da melhor qualidade, uma tradição que há de ser mantida, se Deus quiser. Depois da conversa na varanda, o cafezinho, os agradecimentos, pegamos a estrada no rumo de Martins.

Na "bela serra" encontramos, eu e Carlos Santos, Raimunda e sua família. O pato, a ser degustado no dia seguinte, domingo, foi logo garantido. Fomos aos mirantes. Terminamos no Jacu, maravilhados com as luzes das cidades se recortando contra o negro da noite, lá embaixo, no vale. Como Martins é especial...

Hoje, já em Mossoró, visita à Fundação "Coleção Mossoroense", do grande Vingt-Un Rozado. Ciceroneados por Caio Cezar Muniz, o curador da coleção, poeta aclamado, autor de "E Na Solidão Escrevi", 1996, "Notívago", 1998, a educação em pessoa, eu e Kidelmyr Dantas, que anda preparando um livro acerca de Luis Gonzaga, tivemos acesso ao trabalho de "recolocar o bonde nos trilhos" que Vingt Un concebera e criara.

Fomos presenteados com algumas publicações da coleção: dentre elas, preciosidades de Raimundo Soares de Brito, a tanto tempo tão silencioso. Terá sido acometido da Síndrome de Bartleby?

Amanhã visito o Museu de Mossoró, em busca dos jornais da década de 20. Quero entender os meandros políticos daquela época nesta cidade. Buscar ecos do passado, para  explicar certos fatos ainda nebulosos...

Hoje a noite, no Café Massilon, bate-papo de beira de calçada, uma das boas coisas do mundo quando o vento bate, o escuro chega, os amigos estão próximos, e os "causos" vão sendo contados, um a um, mentira após mentira, a perder de vista, até a hora que o sono bate.

Vou indo.