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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

LÊNIN: QUASE UM SÉCULO DE SUA MORTE

 


* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Estou pensando em Lênin, o genocida, cuja morte completa 97 anos.

Michiko Kakutani, prêmio Pulitzer de 1998, crítica literária do “The New York Times”, por mais de quarenta anos, em A Morte da Verdade (Notas Sobre a Mentira na Era Trump), conta que Steve Bannon, estrategista e conselheiro de Trump, certa vez descreveu a si mesmo como um “leninista”. 

O mesmo Bannon, ainda segundo Kakutani, teria dito o seguinte: “Lênin queria destruir o Estado, e esse também é o meu objetivo. Quero acabar com tudo e destruir todo o establishment de hoje em dia.” 

Lênin deve estar rindo muito em alguma das grelhas do inferno, apesar das dores. Ele é o patrono dessa maré de pós-verdade que se tornou praticamente hegemônica nos dias atuais, calcada no uso da retórica violenta, incendiária, em promessas simplórias e desconstrução da verdade, tudo potencializado pela internet.

O fundador da URSS explicou, certa vez, que sua retórica era calculada para provocar o ódio, a aversão e o desprezo, não para convencer, mas para desmobilizar o adversário, não para corrigir o erro do inimigo, mas para destruí-lo. 

Quem quiser ler um pouco mais, está em “Report to the Fifth Congresso of the R.S.D.L.P. on the St. Petersburg Split of the Party Tribunal Ensuing Therefrom”, segundo Kakutani. 

Pois é.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

QUANTO AO ATIVISMO JUDICIAL

* Honório de Medeiros                                                                

Um dos mitos fundantes da nossa concepção de Estado é a do contrato social. Por este, nós cedemos nossa liberdade para que o Estado nos impeça de nos destruirmos uns aos outros. Tal noção, até onde sabemos, foi pela primeira vez exposta por Licofronte, discípulo de Górgias, como podemos ler na “Política”, de Aristóteles (cap. III):

"De outro modo, a sociedade-Estado torna-se mera aliança, diferindo apenas na localização, e na extensão, da aliança no sentido habitual; e sob tais condições a Lei se torna um simples contrato ou, como Licofronte, o Sofista, colocou, 'uma garantia mútua de direitos', incapaz de tornar os cidadãos virtuosos e justos, algo que o Estado deve fazer".

E muito embora um estudioso "outsider" do legado grego tal qual I. F. Stone defenda que a primeira aparição da teoria do contrato social está na conversa imaginária de Sócrates com as Leis de Atenas relatada no “Críton”, de Platão, há quase um consenso acadêmico quanto à hipótese Licofronte estar correta. É o que se depreende da leitura de “Os Sofistas”, de W. K. C. Guthrie, ou da caudalosa obra de Ernest Barker.

"Bellum omnium contra omnes", guerra de todos contra todos até a auto-aniquilação no Estado de Natureza, é o que ocorre se impera a liberdade absoluta, diz-nos Hobbes no final do Século XVI, início do Século XVII - recuperando a noção de contrato social - e não houver a criação de um artefato – o Estado –, assegurando-se, assim, a sobrevivência dos homens quando estiverem em contato uns com os outros, pois haverá a submissão da vontade de todos à vontade de um só ou de um grupo, e esta atuará em tudo quanto for necessário para a manutenção da paz comum.

Entretanto é com Jean Jacques Rousseau, após John Locke, que se firma o mito fundante do contrato social, influenciando diretamente a Revolução Americana e Francesa, bem como a ideia de Estado conforme a concebemos ainda hoje. Em “O Contrato Social”, Rousseau põe na vontade dos homens, da qual surge o Estado, a origem absoluta de toda a lei e todo o direito, fonte de toda a justiça. O corpo político, assim formado, tem um interesse e uma vontade comuns, a vontade geral de homens livres.

Quanto a esse corpo político, José López Hernández em “Historia de La Filosofía Del Derecho Clásica y Moderna”, observa que Rousseau atribui o poder legislativo ao povo, já que esse mesmo povo, existente enquanto tal por intermédio do contrato social detém a soberania e, portanto, todo o poder do Estado.

As leis, inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Rousseau: “são atos da vontade geral, exclusivamente”; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas”.

O ideário acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade geral do povo – este, frise-se mais uma vez, surgido graças ao contrato social e detentor da soberania - pode ser encontrado em obras muito recentes, como o “Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros. Às páginas 37, lê-se:

"Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral"; (...)

Assim como é encontrado, expressamente, enquanto cláusula pétrea, imodificável, na Constituição da República Federativa do Brasil, no parágrafo único do seu artigo 1º:

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
Há algo de estranho, portanto, nessa doutrina do “ativismo judicial” que viceja célere nos tribunais do Brasil, principalmente no nosso Supremo Tribunal Federal. 

Entenda-se, aqui, como “ativismo judicial”, o “suposto” papel constituinte do Supremo, na sua função de reelaborar e reinterpretar continuamente a Constituição, conforme pregação sutil do Ministro Celso de Mello em entrevista ao “Estado de São Paulo”, e a atividade judicante de meramente preencher uma “possível” lacuna legal ou mudar o sentido de uma norma infraconstitucional já existente por meio de uma sentença, baseando-se em princípios difusos e indeterminados da Constituição Federal, estratégia empregada na Itália, Alemanha e pelo próprio STF.

“Não é por razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à corte poderes mais amplos”, diz, arrogantemente, o Ministro do STF Gilmar Mendes.

Pergunta-se: teria o judiciário legitimidade, levando-se em consideração a doutrina exposta acima, para avançar na seara do legislativo, passando por cima da soberania do povo em produzir leis através de seus representantes, seja preenchendo lacunas (criando leis), seja alterando o sentido de normas jurídicas, seja modificando, via sentença, a legislação infraconstitucional? Ainda: teria amparo legal o STF para tanto?

Em que se basearia, qual seria o fulcro dessa atividade de invasão da competência do legislativo ao se criar normas jurídicas através de sentenças, ou modificar o sentido de outras por meio de interpretações? Seria, como deixa transparecer o presidente do STF em suas entrevistas, por que a Constituição Federal tem um “espírito” e somente os integrantes daquela Casa, em última instância, conseguem enxergá-lo em sua essência última?

Que espírito é esse? O mesmo ao qual se refere São Paulo: “a letra mata, o espírito vivifica”?

Autoritário, tal argumento. Sob o véu de fumaça que é a noção de que haja um “espírito constitucional” a ser apreendido (interpretado segundo técnicas hermenêuticas somente acessíveis a iniciados – os guardiões do verdadeiro e definitivo saber) está o retorno do mito platônico das formas e ideias cuja contemplação é privilégio dos Reis-Filósofos.

É a astúcia da razão a serviço do Poder. Platão, esse gênio atemporal, legou aos espertos, com sua gnosiologia a serviço de uma estratégia de Poder, a eterna possibilidade de enganar os incautos lhes dizendo, das mais variadas e sofisticadas formas, ao longo da história, que somente “alguns”, os que estão no comando, podem encontrar e dizer “o espírito” da Lei, o certo e o errado, o bom e o mal, o justo e o injusto.

O mesmo estratagema a Igreja de Santo Agostinho, esse platônico empedernido, por séculos usou para administrar seu Poder: unicamente a ela cabia ligar a terra ao céu, e o céu à terra, por que unicamente seus príncipes sabiam e podiam interpretar corretamente o pensamento de Deus gravado na Bíblia.

E, assim, como no Brasil a última palavra acerca da “correta” interpretação de uma norma jurídica é do STF, e somente este pode “contemplar” e “dizer” o verdadeiro “espírito das leis”, aos moldes dos profetas bíblicos, em sua essência última, mesmo que circunstancial, estamos nós agora, além de submetidos ao autoritarismo dos pouco preparados representantes do povo, ao autoritarismo dos ativistas judiciais.

terça-feira, 7 de junho de 2016

DE QUEM É ESTRANHO OU INTRUSO NO JOGO DO PODER


* Honório de Medeiros


Poderíamos denominá-los outsiders nos lembrando do sociólogo alemão Norbert Elias cujas obras, que estudaram as relações entre Poder e Conhecimento, permaneceram marginais (à margem) até os anos 70, quando, então, se tornaram muito influentes. Elias, autor de “O Processo Civilizatório”, reintroduziu na discussão intelectual moderna, graças a sua concepção de “redes sociais”, a importância da ação individual na história. Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão não abarque aqueles que irei mencionar, mesmo tangencialmente. Não importa. Vou me apropriar do nome.

Outsiders, conforme o significado etimológico que o Dicionário Estudantil, o Michaelis, lhe atribui: s. estranho, intruso.

Estranhos às relações de Poder que estruturam essa hipostasia que é o Estado, ao sistema, ao Poder – e sua entourage - para quem, eventualmente trabalhe, por não confundir relação de trabalho com relação pessoal; à idéia de franquear sua intimidade ao detentor do Poder e seus sistemas de cooptação; a bajulação; a omissão no que diz respeito à discordância, se preciso for, quanto às idéias e/ou ações; à conformação própria de uma oposição branda para demarcar posições; ao jogo do Poder e ao Poder do jogo do Poder; à atitude de marcar presença física para ser visto e lembrado como alguém da “corte”; à subserviência; à aniquilação do respeito por si mesmo, na medida em que corpo e mente passam a ser instrumentos daqueles que os mantêm.

Intrusos para os círculos íntimos do Poder, embora perifericamente dele fazendo parte, momentaneamente, em virtude de sua competência técnica.

Quem é intruso não tem acesso às idéias que realmente estão impulsionando o jogo do Poder. Mas as infere ou intui. Não compartilha as ações que dele decorrem, por mais inteligentes que seja. Não faz questão de entender – às vezes até mesmo perceber – a linguagem cifrada através da qual os integrantes do círculo íntimo se manifestam.

Com sua chegada se estabelece o silêncio ou o barulho dirigido. O intruso incomoda, é um obstáculo tanto mais difícil porque ele faz parte da engrenagem embora atrapalhe na medida em que não possa ser envolvido – e usado - sem que perceba o que realmente está por trás do jogo político do qual faz parte.

Os outsiders – todos eles – em algum momento de sua vida foram moídos por aqueles no meio dos quais conviveram. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Suas essências não puderam ser assimiladas por esse tipo de sistema. Não se trata de oposição externa ao Poder. Não é irridência, sublevação, contestação explícita, revolução. Não. É incompatibilidade com o estamento do qual até então o outsider fazia parte apesar de ser outsider. Incompatibilidade, estranhamento, incômodo.

Ser outsider é glória e tragédia. Faz com que em algum momento pertença ao jogo político e depois seja expelido. Trazido graças a seu talento, sua competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer. E expelido porque impossibilitado, graças a sua excentricidade moral, ou psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de se acompanhar da carneirada e sua vocação para serem usadas pelos lobos ao custo de balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou emocionais.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

ELES, LOBOS; NÓS, OVELHAS

* Honório de Medeiros


"Foi buscar lã e saiu tosquiado"
DITO POPULAR

Antes que me acusem de “simplismo” lembro, aos leitores, que guardando as proporções devidas entre o gênio e o provinciano inquieto, o texto a seguir, pelo menos na aparência, pode guardar alguma semelhança remota, no que diz respeito à ausência do embasamento erudito tão caro aos acadêmicos (nada mais que argumentos de autoridade quando não é possível comprovação empírica), ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e ao “Servidão Voluntária” de La Boètie, ou mesmo ao “O que é a Propriedade”, de Proudhom.

Entretanto ouso dizer que é possível um tratamento “acadêmico” ao que se vai expor. Tanto é possível fazê-lo a partir da Filosofia, com Marx e os anarquistas ou, para não ser acusado de tendência óbvia pelo pensamento de esquerda, com base no pensamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir da Sociologia, desde que haja, como matriz, a Teoria da Evolução de Darwin.

Posto isso, gostaria de iniciar apresentando a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, devidamente parafraseada:

“Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”
“Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:
- “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.
- “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.
- “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.
- “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?
- “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.
- “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.
- “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.
“E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

Os lobos são a elite política; as ovelhas, o povo.

Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

Lembremo-nos como era antes nas grandes civilizações arcaicas: a grega, a judia, a chinesa, a hindu. O quê mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

Não vou perder tempo discutindo o que é o Estado. Desde que surgiu, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo”.

Pensemos, por exemplo, na Norma Jurídica. A elite política dissemina a idéia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos irridentes, nas guerras civis, pediram leis que submetessem a todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3]. Hoje ainda é do mesmo jeito.

Aliás, a Norma Jurídica deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava surgindo, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”. Tudo sob medida.

Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o Império.

As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam talentos aos quais agregam, consomem e expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político: Dinarte Mariz fez isso; Aluízio Alves, também; Tarcísio Maia o fez, os Rosados o fizeram; Wilma de Faria idem, e assim por diante. São os escalões intermediários entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, constituída de “inocentes úteis”.

Brigam entre si os integrantes da elite política[4]. Mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum. Vejam o caso de Mossoró. Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um anátema, posto que representasse uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder. Hoje, a história é outra.

Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo. Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados. Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio, o esvaziamento político/social. E, obviamente, se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena. Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. “Mutatis mutandis”.

Portanto temos que a elite política domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo. E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente perorando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.

[1] Jacques Le Goff.
[2] Robert Wright.
[3] Nikos Poulantzas.
[4] Gaetano Mosca.

sábado, 28 de março de 2015

HOMEM LOBO DO HOMEM


* Honório de Medeiros

Os ingênuos creem que um iluminado possa assumir qualquer Governo e os conduzir ao melhor dos destinos possíveis. É mais ou menos como crer que Emerson Fittipaldi pudesse ser campeão do mundo de Fórmula 1 dirigindo um fusca. Ou que um time de várzea, com Pelé nele jogando, pudesse vencer a Seleção Brasileira. Mas o mundo é assim mesmo, que seria dos espertalhões se não existissem os ingênuos? E a única arma possível contra a exploração do homem pelo homem, qual seja o pensamento crítico, que a maioria dos acadêmicos confunde com crítica ao pensamento por não saberem a diferença entre conhecer e se instruir, até onde se sabe, desde Sócrates, passando por Jesus Cristo, não faz qualquer sucesso junto aos espertalhões, tampouco entre os ingênuos. Ai dos ingênuos! Pois é, pensamento crítico não é o mesmo que crítica ao pensamento, muito embora não se possa fazer este último sem aquele primeiro.

segunda-feira, 16 de março de 2015

DE COMETAS POLÍTICOS

* Honório de Medeiros

Alguns políticos são líderes de um sistema de forças políticas.

Porque sistema? Para diferenciá-lo de conjunto, um aglomerado de alguma coisa reunido sem qualquer propósito específico. Um monte de pedras, por exemplo, largados em algum lugar.

“Forças políticas”, por sua vez, são segmentos constituídos por militantes expostos ou não, que embora integrantes do todo que é o sistema, atuam em espaços e tempos distintos: há o âmbito municipal, o estadual, o federal; há o judiciário, o legislativo, o executivo; há a Igreja Católica, a Evangélica, o Candomblé; há os homossexuais, os negros, as mulheres, os jovens; há os intelectuais, os técnicos, os carregadores-de-piano, há os servidores públicos e os celetistas; há as associações de classe e os sindicatos, e assim por diante. Cada segmento desses é uma força política em si mesma.

O líder de um sistema de forças políticas possui seguidores firmes, no topo e/ou na base, em todos esses segmentos, que são elos de ligação, pontos de intersecção, núcleos irradiadores e receptores da teia ou rede que é como visualmente podemos conceber o ambiente e o tempo onde o sistema se espraia ou se concentra. Tais seguidores podem ter herdado seu próprio “status” ou mesmo tê-lo conquistado ao longo de um processo às vezes demorado, às vezes rápido, mas plenamente absorvível, desde que respeitada a tessitura, o bordado que o compõe e que é seu limite natural de sobrevivência.

Sabe-se acerca da existência de um sistema de forças políticas por intermédio de vários meios, mas o apropriado, realmente, é utilizar o princípio da exclusão ao se analisar o quadro político onde supostamente ele estaria inserido. Basta, então, nos perguntarmos, ao analisarmos um determinado espaço delimitado geograficamente, como o Rio Grande do Norte, qual grupo político nele não poderia faltar, sob pena de descaracterização da pesquisa.

Da mesma forma, podemos utilizar o mesmo princípio da exclusão para localizarmos, sem qualquer dúvida, qual o verdadeiro líder de um sistema político: será sempre aquele sem o qual há um vazio de poder inaceitável, uma fragmentação de toda a rede ou teia, um desmoronamento de todo arcabouço construído.

Obviamente dentro do próprio sistema de forças políticas às vezes o líder é conduzido, embora sempre pareça o oposto; da mesma forma, pode ocorrer, em vida, abruptamente ou não, o deslocamento do bastão de comando das mãos do antigo líder para as de outro mais jovem. Em sistemas de forças políticas razoavelmente sofisticadas, apesar de alguns abalos de percurso, esse processo ocorre naturalmente, embora também haja o contrário, situação esta que, o mais das vezes, conduz a rupturas que iniciam o seu desmanche.

O certo é que há políticos, em contraposição, que não lideram sistemas de forças, mas um conjunto de agregados, vez que não comandam, coordenam ou dão direção à teia, rede, ou malha, com algum propósito que não seja a mera e instintiva sobrevivência.

Não possuem núcleos de Poder nos quais se firmem; não conhecem intercessões técnicas nos processos nos quais estão inseridos; não recebem e enviam informações através de mecanismos de busca e recepção confiáveis.

Por não possuírem recursos humanos qualificados dos quais se valham em qualquer situação, tais líderes políticos supõem comandar quando, na realidade, são pautados ou manipulados a uma distância além da possibilidade do seu entendimento; por não compreenderem que o instante não faz a história; a força não cria o Poder; a circunstância não elabora o definitivo; o presente não engendra o futuro ansiado; o efêmero não constrói o permanente; e a decisão solitária não tece a sabedoria.

Firmam-se, em contraposição à perenidade concreta dos sistemas planetários, para usar uma analogia pobre, mas consistente, como cometas[1] que brilham majestosos por algum tempo, mas logo se desfazem em pó, sequer deixando sua marca no imenso espaço do Universo.

[1] Introdução aos Cometas (http://www.if.ufrgs.br/ast/solar/portug/comet.htm): cometas são corpos pequenos, frágeis e irregulares, compostos de uma mistura de grãos não-voláteis e gases congelados. Eles têm órbitas altamente elípticas, que os trazem para muito perto do Sol e os jogam profundamente no espaço, freqüentemente para além da órbita de Plutão.

* Republicação

sexta-feira, 6 de março de 2015

O "ESPERTO" NA POLÍTICA

* Honório de Medeiros


Um amigo meu me disse que tinha se aposentado da política.

“Como assim?”, perguntei-lhe. “Quer dizer que não vai mais exercer qualquer cargo público?” “E se seu candidato voltar ao Governo?”

Meu amigo, que sempre foi do segundo ou terceiro escalão de algum governo abriu um sorriso matreiro e respondeu condescendente: “eu não quero mais ocupar cargo algum, mas vou ajudar meus amigos porque você sabe como é, tenho filhos para criar, e no nosso mundinho só vai p’ra frente quem se dá bem com os homens”.

Esse meu amigo é um homem esperto, dentro daquela categoria que o finado ex-padre Zé Luiz genialmente criou lá pelo começo dos anos 80. Dizia ele, e nunca aceitou essa história de ex-padre – “uma vez padre, sempre padre” – que há dois tipos de homens, dentre outros, que merecem atenção: os inteligentes e os espertos. E para ilustrar sua tese elencou, em sua coluna dominical no extinto "Poti", de um lado os espertos, do outro, os inteligentes. Não é preciso dizer o rebuliço que essa crônica causou na província.

Pois bem, ele é um homem esperto, repitamos. Não tem o vôo dos condores, quando muito dos galináceos, mas sabe evitar uma panela e enxerga bem além dos seus próprios passos. Em um certo sentido, jamais admitido nem por ele, nem por quem lhe fornece os meios para sobreviver, é alguém que vive de expedientes: ajeita aqui, ajeita acolá, facilita p’ra um, dificulta p’ra outro, é da cozinha do poderoso do momento, na qual chega na hora do café-da-manhã trazendo as últimas novidades e os próximos pedidos.

Duvido que nessa estrutura de Poder na qual vivemos a política nossa de cada dia, em tudo e por tudo idêntica à dos nossos ancestrais, diferenciando-se apenas quanto à aparelhagem tecnológica utilizada – se antes era a cavalo que a informação seguia, hoje é via email – o coronel com saias ou sem elas possa viver sem esse tipo de agregado. Ele é imprescindível para as "coisinhas", digamos assim: pequenos delitos – é incapaz de pensar os grandes; aliás, é incapaz de pensar: seu destino é pequenas confidências, pequenos favores, pequenas difamações e/ou injúrias, algumas torpezas, cumplicidade nos vícios, solidariedade nos acidentes de percurso, desde que não afetem sua sobrevivência.

Mas é capaz de grandes bajulações, aceita ser o bobo-da-corte do seu senhor feudal – considera-se até honrado em ser alvo de brincadeiras nas quais sua dignidade é exposta e vilipendiada publicamente -, quando não, é capaz de desforço físico na defesa da bandeira que empunhou, o que o tornará, sem sobra de dúvidas, alvo de muitas e variadas homenagens prestadas nas hostes do “exército” ao qual "está" leal.

Não por outra razão estará fadado a morrer feliz e realizado na justa medida em que encaminhar, através de sua rede de amigos granjeados a partir da troca de favores recíprocos, e da benção do chefe político, os seus rebentos. E não lhe digam que hoje só é possível entrar na administração pública através de concurso. Há sempre um caminho para encontrar uma torneira aberta: cargos em comissão, gratificações, empresas de construção de fundo-de-quintal, licitações manipuladas, consultorias e assessorias. “E os concursos públicos, esses, há, nem lhe conto.”

Meu amigo somente precisa tomar cuidado para não cometer algum erro. Aliás, ele precisa ter muito cuidado para não ser usado como boi-de-piranha: quando acerta, o mérito é do chefe; quando o chefe erra, a culpa é dele. E precisa ter cuidado, muito cuidado, mas muito cuidado com a ingratidão e o tal de laço-de-sangue. Pois não é possível ter dúvida: entre ele, o fiel correligionário, e o parente, este sempre vence.

É o instinto!

* Republicação.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

QUE TIPO DE GOVERNO TEMOS?

* Honório de Medeiros

Não nos iludamos: governo, governança, gestão, administração pública, tudo isso significa a mesma coisa, ou seja, como aqueles que estão no Poder o exercem sobre nós, os comuns dos mortais. Vamos usar o antigo termo “governo”, a partir de agora, pois é aquele com mais possibilidade de ser entendido por todos.

Como podemos rapidamente julgar um governo sem temermos cair no mero “achismo”? Um dos meios utilizados é analisar se esse ou aquele governo pode ser definido como “reacionário”, “conservador”, “reformista” ou “revolucionário”. Aqui convém lembrar que não cabe discussão bizantina acerca do significado de cada termo citado. Partimos de uma definição do senso-comum. O que importa é o problema em questão: saber como podemos definir o governo analisado a partir dessas posições do senso-comum.

No caso de governo reacionário, o senso-comum entende que é aquele que promove a volta ao passado, por entender que o que existe hoje não atende às expectativas de quem está no Poder. Seria o caso dos saudosistas do governo militar, que querem a volta da ditadura implantada a partir de 64. Esses dizem sempre: “tempos bons foram aqueles...”

O governo conservador quer que tudo permaneça como está. Tem horror a mudanças, embora talvez tenha sido eleito prometendo algumas e sempre diga, quando na mídia, que está promovendo uma “reforma profunda” ou uma “verdadeira revolução” através de sua administração. Nesse tipo de governo, as coisas mudam para não mudar, ou seja, tudo quanto já existia permanece com outro nome. Para sabermos se um governo é conservador ou não, basta pensarmos se alguns dos eixos fundamentais da vida em sociedade sofreram modificação para melhor ao longo do tempo: a saúde pública melhorou? E a educação? E a infra-estrutura, ou seja, as estradas, o trânsito, a meio-ambiente? E a segurança pública?

O governo reformista estabelecerá políticas públicas que modificarão fundamentalmente a situação por ele encontrada ao chegar ao Poder. Foi o que aconteceu e ainda acontece, por exemplo, no Chile pós Pinochet. Foi o que aconteceu e ainda acontece, por exemplo, nos países escandinavos, nos chamados “tigres asiáticos”, no Japão e Alemanha pós-guerra. Essas reformas podem existir, também, em estados-membros e municípios. Foi o caso do governo Cortez Pereira, aqui no Rio Grande do Norte, que o Poder pós 64 impediu a continuidade inclusive no plano das idéias.

Por fim o governo revolucionário é aquele que faz mudanças radicais em curto espaço de tempo, sem qualquer preocupação quanto aos meios que conduzirão aos fins almejados. Foi o que ocorreu através da revolução americana de 1777, francesa de 1789, russa de 1917, e aí por diante.

Agora, pensemos: que tipo de governo temos no país, no nosso Estado, no nosso município?

* Republicação.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

OBTER O CONTROLE, ESTAR NO CONTROLE, MANTER O CONTROLE.

* Honório de Medeiros

Obter o controle. Estar no controle. Manter o controle. Faz parte da parafernália ideológica que é a tal da estratégia militar ou de combate. Está em Chomsky, basta lê-lo. Quem tem o controle tem o Poder, dizia, para um dos seus escravos, o extraterrestre que governava a terra no romance de L. Ron Hubbard, aquele autor americano de ficção científica que ficou mais famoso como criador da Cientologia, estranha seita preferida por 10 entre 10 atores famosos americanos.

O controle está para o Poder como a célula está para o tecido, o átomo para a matéria. É através do controle que se estabelece a hierarquia, seja qual seja o ser vivo, parodiando Popper e sua Teoria Evolucionária do Conhecimento, ou seja, da ameba ao humano. Lula, que não é lido, mas não é burro, deixou bem claro ao analisar Pedro Simon e sua quixotesca candidatura a Presidente do Senado: “ele não é confiável”. Confiável ou controlável? Dá no mesmo nesse contexto sórdido da política pátria.

Na raiz desse controle está a tendência inata do ser humano de explorar, absorver, extrair, para si, tudo quanto, naquilo que o cerca, amplie sua possibilidade de sobrevivência e a de sua espécie. Dawkins – esse mesmo que desencadeou uma cruzada contra Deus a partir de Darwin – afirmaria que fazemos isso manipulados pelos nossos genes. Para ele, nós somos nossos genes. O resto é invólucro. Ou seja, o resto é resto. Há controvérsias. Alguns acham muito radical essa teoria.

Trazer para o mais íntimo de nós, no aspecto físico, o que está por trás – mesmo que remotamente – das ações humanas deu um corpo de vantagem a Darwin sobre o velho Marx. Este, como se sabe, coloca a divisão do trabalho na raiz do problema do controle. A divisão do trabalho vai fazer surgir a propriedade privada, ou vice-versa, as relações de produção, a infra-estrutura material, a superestrutura ideológica, enfim, ufa!, a luta de classes e a exploração do homem pelo homem.

Mas o que estaria por trás do surgimento da propriedade privada? O que está no começo da exploração do homem pelo homem? Marx não disse. Talvez seu companheiro Engels tenha esboçado algo a respeito a partir da análise dos estudos de Morgan, um antropólogo e etnólogo americano que andou estudando os nativos de seu país no final do século XIX, em uma obra que é muito citada nos meios acadêmicos e pouco lida. Pois Darwin disse. Disse claramente. E com ele, começou um novo capítulo das ciências sociais e, mais especificamente falando, da Psicologia Social Evolutiva.

Pois bem: voltamos ao ponto de partida. Somos levados, instintivamente, a controlar para explorar. Isso tanto em nível pessoal quanto social. Quem controla estabelece hierarquia. O povo, que não é besta, há muito denuncia, como pode, a arrogância da elite que põe o dedo em riste e pergunta ao Zé Mané: “você sabe com quem está falando?”, para tentar controla-lo.

E não há limite para a intenção de controle. O céu é o limite. “Quanto mais temos, mais queremos ter.” O povo diz, o povo sabe. O senso comum é o ponto de partida para o conhecimento. Quanto mais queremos ter, mais nos tornamos predadores.

Claro que os controladores dão nomes bonitos a tudo isso. Faz parte do jogo, é, essa atitude, uma estratégia de controle. Chamam a esse impulso predatório de ambição social, luta para deixar o legado na história, defender os interesses da sociedade, luta para ascender na escala social... Tudo lorota. Na essência, é o ruim e velho capitalismo de guerra e sua teia de argumentos justificatórios. No âmago do âmago, como diriam os exagerados, está esse egoísmo inato cujas vísceras Darwin expôs.

E os santos, alguém perguntaria. O altruísmo, diria eu, é sempre uma espécie do egoísmo.

* Republicação.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A POLÍTICA E A LENDA DE DIÓGENES, O CÍNICO


Diógenes, o cínico

* Honório de Medeiros
"Aqueles que atravessaram
de olhos retos, para o outro reino da
morte
nos recordam - se o fazem - não como'
violentas
almas danadas, mas apenas
como os homens ocos
os homens empalhados".
"Os Homens Ocos"
THOMAS STEARN ELLIOT


Li, certa vez, há muito tempo, a lenda de Diógenes, O Cínico.

Refiz imprecisamente na imaginação a cena: ao ver Diógenes uma criança se dessedentar na margem de um riacho utilizando o côncavo da mão, desfez-se de sua caneca e, a partir de então, somente passou a ter, de seu, o manto com o qual ocultava sua nudez e o tonel onde dormia.

A caneca era desnecessária. Acreditava Diógenes que em nada possuindo, seria um homem livre. E o era, em certo sentido. Há muito de Diógenes na ira de Proudhon ao dizer “toda a propriedade é um roubo!” Instado por Alexandre, O Grande, seu admirador, a lhe dizer o quê desejava, Diógenes respondeu de pronto pedindo que não fosse obstruída a passagem do sol com o qual se banhava.

Heróicos tempos, aqueles, nos quais homens como Empédocles preferiam descobrir uma só lei causal a governarem o mundo; assim era Atenas, a Hélade, berço da civilização ocidental, aurora da democracia cuja essência repousa no conceito ético de "homem público virtuoso".

Qual a ligação existente entre a ingênua concepção de mundo de Diógenes e esse homem público virtuoso cujo perfil Péricles tão bem delineou em sua célebre "Oração aos Mortos de Maratona?"

Entre outras uma dicotomia aparente: a virtude privada, de um lado, e, do outro, a virtude pública. Para Diógenes, o homem somente se realizava através do rompimento com os grilhões que a vida em sociedade impõe; para Péricles, o homem somente se realizaria na medida em que esses grilhões, ou seja, as leis, os costumes, a moral, estabelecidos voluntariamente a partir de uma cultura comum, transformassem o homem em "cidadão", e em o transformando, concretizassem um ideal de sociedade virtuosa.

Ou seja, esse “cidadão” deveria ter altruísmo social, subordinando sua ambição pessoal ao projeto de construção de uma sociedade democrática tal qual a delineada pela "Paidéia" ateniense.

Hoje, ao observarmos o cenário político no qual vivemos, não podemos deixar de nos lastimar. Os políticos pouco ou nada fazem para ocultar a ambição pessoal que origina suas ações políticas, e suas aparições públicas são de um ridículo atroz. Pior: as agressões pessoais, a lavagem de roupa suja em público, a indigência oratória, a ignorância generalizada, o cinismo deslavado, atingem os eleitores e permitem a continuidade de um processo eleitoral que lembra, a todo instante, para os observadores mais avisados, quão atrasados estamos...

São tais políticos os homens ocos aos quais se refere Elliot.
Em ambientes políticos como o que vivemos, florescem as mais exóticas e nocivas plantas. Trata-se, segundo os cientistas políticos herdeiros do liberalismo, do ônus da democracia. E, assim, por sermos democratas, somos obrigados a conviver com alpinistas sociais, corruptos, mentirosos, hipócritas, arrivistas, aventureiros...

O homem comum, por não entender a complexidade das forças que dispõem acerca de tal estado de coisas, passa a ansiar pela concretização de fantasias esdrúxulas: alguém que lhe traga ordem, segurança, que restabeleça o "status quo" anterior, o passado mítico... Torna-se, assim, presa fácil de messiânicos, manipuladores, ilusionistas.

Como aconteceu na eleição de Fernando Collor de Mello. Na de Jânio Quadros. Como pode acontecer novamente se nossas instituições continuarem frágeis como o são. Como pode acontecer novamente se não forem realizadas as reformas econômicas, políticas e sociais das quais tanto necessitamos, e o Brasil se enrodilhe, mais uma vez, na teia de interesses escusos que a ambição de alguns, neste presente momento, com certeza, está tecendo para nossa angústia.

E, em se enrodilhando, em se alienando nessas armadilhas todas, ao longo do tempo amplie, na Sociedade, um sentimento funesto de desencanto com a democracia.

Argumentos contra a Democracia não faltam. Sempre existiram, existirão sempre. Inteligentes, sutis, perigosos... Não faz muito tempo que Jorge Luis Borges a chamou de mera "ficção estatística".

Argumentos como esses, em ambiente construído e manipulado pelo capitalismo selvagem, no qual a ótica do lucro se impõe à ética do altruísmo social, são apropriados para aventuras tais como censura à imprensa, desprezo às leis e juízes, aplicação do “olho por olho, dente por dente”, corrupção de Estado...

Aventuras nas quais todos perdem, inclusive quem as provoca e delas supõe usufruir!


* Republicação.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

ESQUERDA versus DIREITA

* Honório de Medeiros

Ronda por aí a idéia de que “esquerda” e “direita”, no Brasil, e mesmo no mundo, não mais seriam conceitos distintos um do outro, principalmente no que diz respeito à economia.

Nada tão distante da realidade, mas é fácil entender a razão dessa ideia: hoje, graças a um colossal, persistente e antigo processo midiático, o capitalismo, enquanto visão do mundo, se tornou praticamente hegemônico. Isso mesmo: quase não há ninguém que sustente, com alguma consistência, um ideário de esquerda.

Tal se deve a vários fatores, mas dois são fundamentais e ambos estão entrelaçados pelo mesmo núcleo. Dizem respeito à queda do “Muro de Berlim” e, no Brasil, ao aviltamento do PT. O que os une é o fato de ambos, tanto a URSS quanto o PT, jamais terem sido de esquerda. Quando muito abrigavam, por falta de opção, pessoas de esquerda.

A esquerda é, ontologicamente, fulcrada no valor “solidariedade”, enquanto a direito se firma na competição. Subjacente à noção de que somos essencialmente competitivos, não solidários, está o corolário do lucro e da ambição. Para a esquerda, devemos solidarizar o lucro; para a direita devemos e podemos lucrar com a solidariedade.

A esquerda é, ontologicamente, anticapitalista. Isso significa dizer que, para ela, os meios de produção devem ser socializados. Ou seja, não deve haver muito na mão de poucos, mas, sim, um pouco na mão de todos no que diz respeito à produção e ao gozo do lucro. Ao invés da produção de capital financeiro, o socialismo quer a produção do capital social.

Nesse sentido, tanto faz opor-se ao capitalismo de Estado intervencionista quanto ao capitalismo de Estado Mínimo – este uma verdadeira utopia retórica criada nos laboratórios dos economistas à soldo do grande capital para engabelar os inocentes úteis e os inúteis, igualmente.

A esquerda é, ontologicamente, anti-autoritária. Ela denuncia, se posiciona contra, rebela-se e não aceita qualquer imposição do Estado sobre a Sociedade à reboque de uma miragem tal qual um futuro idealizado, como nos apresentam os tecnopolíticos de plantão que pensam serem possuidores dos remédios milagrosos necessários para catapultar este ou aquele país à redenção sócio-econômica destruindo, pela base, as conquistas sociais dos últimos anos.

Por ser anti-autoritária, a esquerda tem um compromisso imediato e direto com a Sociedade, nunca com o Estado, este um instrumento de opressão cujos fundamentos ontológicos, sob os quais repousa sua suposta legitimidade, são flatus vocis.

A verdade é que do ponto de vista da propaganda o capitalismo, ou seja, a direita, apregoa que ganhou a guerra. Não mesmo. 

Quando menos se espera a Sociedade resiste, e o colossal processo de exploração através do qual cada dia um número maior tem menos, fica exposto a olho nu. Nesse momento mesmo alguns, até então desavisados, mas puros de intenção, percebem onde estão metidos e apontam as fragilidades e inconsistências de um modelo que se firma no que pode arrancar, enquanto mais-valia, do grosso da população.

São os arautos de uma nova era, a da aldeia global da qual nos falou Marshall McLuhan, onde qualquer informação é, sob todos os ângulos que se possam imaginar, do domínio de todos.

* Republicação.

domingo, 11 de maio de 2014

NÓS, OVELHAS; ELES, LOBOS




* Honório de Medeiros

"Foi buscar lã e saiu tosquiado"
DITO POPULAR 

Antes que me acusem de “simplismo” lembro, aos leitores, que guardando as proporções devidas entre o gênio e o provinciano inquieto, o texto a seguir, pelo menos na aparência, pode guardar alguma semelhança remota, no que diz respeito à ausência do embasamento erudito tão caro aos acadêmicos (nada mais que argumentos de autoridade quando não é possível comprovação empírica), ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e ao “Servidão Voluntária” de La Boètie, ou mesmo ao “O que é a Propriedade”, de Proudhom.

Entretanto ouso dizer que é possível um tratamento “acadêmico” ao que se vai expor. Tanto é possível fazê-lo a partir da Filosofia, com Marx e os anarquistas ou, para não ser acusado de tendência óbvia pelo pensamento de esquerda, com base no pensamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir da Sociologia, desde que haja, como matriz, a Teoria da Evolução de Darwin.

Posto isso, gostaria de iniciar apresentando a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, devidamente parafraseada:

“Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”

“Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:

- “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.

- “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.

- “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.

- “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?

- “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.

- “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.

- “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.

“E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

Os lobos são a elite política; as ovelhas, o povo.

Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

Lembremo-nos como era antes nas grandes civilizações arcaicas: a grega, a judia, a chinesa, a hindu. O quê mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

Não vou perder tempo discutindo o que é o Estado. Desde que surgiu, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo”. 

Pensemos, por exemplo, na Norma Jurídica. A elite política dissemina a idéia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos irridentes, nas guerras civis, pediram leis que submetessem a todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3]. Hoje ainda é do mesmo jeito.

Aliás, a Norma Jurídica deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava surgindo, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”. Tudo sob medida.

Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o Império.

Vejamos o caso do Rio Grande do Norte: nos Alves, Walter Alves é filho de Garibaldi Alves filho, que é filho de Garibaldi Alves pai, que é irmão de Aluízio Alves, que foi filho de Manuel Alves, o “Seu Nezinho”, líder político em Angicos, Rn, e de Maria Fernandes, da família Fernandes, de Aristófanes Fernandes, pai de Paulo de Tarso Fernandes; nos Maia, Felipe Maia é filho de José Agripino Maia, que é filho de Tarcísio Maia, que é filho de José Agripino Maia, que é parente próximo da esposa de Jerônimo Rosado, iniciador da oligarquia homônima em Mossoró, todos com raízes políticas ancestrais no Rio Grande do Norte e Paraíba; Larissa Rosado, por exemplo, é filha de Sandra Rosado, que é filha de Vingt Rosado, que é filho de Jerônimo Rosado; Fábio Faria é filho de Robinson Faria, que é filho de Osmundo Faria, latifundiário parente e protegido de Dinarte Mariz, de quem foi suplente no Senado; Dinarte de Medeiros Mariz, com ascendentes que vão até o Império, era parente de José Augusto Bezerra de Medeiros; este, por sua vez, familiarmente ligado a Juvenal Lamartine de Faria, de quem Márcia Maia, filha de Wilma de Faria, que é filha de Morton Mariz de Faria, parente de Dinarte Mariz, este por sua vez parente de José Augusto Bezerra de Medeiros, etc., etc..., é descendente colateral, todos com raízes que vão até o passado remoto do Rio Grande do Norte.

As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam talentos aos quais agregam, consomem e expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político: Dinarte Mariz fez isso; Aluízio Alves, também; Tarcísio Maia o fez, os Rosados o fizeram; Wilma de Faria idem, e assim por diante. São os escalões intermediários entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, constituída de “inocentes úteis”.

Brigam entre si os integrantes da elite política[4]. Mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum. Vejam o caso de Mossoró. Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um anátema, posto que representasse uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder. Hoje, a história é outra.

Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo. Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados. Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio, o esvaziamento político/social. E, obviamente, se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena. Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. “Mutatis mutandis”.

Portanto temos que a elite política domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo. E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente perorando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.

[1] Jacques Le Goff.
[2] Robert Wright.
[3] Nikos Poulantzas.
[4] Gaetano Mosca.

domingo, 10 de novembro de 2013

HOMEM LOBO DO HOMEM

Honório de Medeiros
Os ingênuos creem que um iluminado possa assumir qualquer Governo e o conduzir ao melhor dos destinos possíveis. É mais ou menos como acreditar que Emerson Fittipaldi pudesse ser campeão do mundo de automobilismo dirigindo um fusca. Ou que um time de várzea, com Pelé jogando, pudesse vencer a Seleção Brasileira. Mas o mundo é assim mesmo, e não existiriam os espertalhões se não existissem os ingênuos. E a única arma possível contra a exploração do homem pelo homem, qual seja o pensamento crítico, que a maioria dos escolados confunde com crítica ao pensamento por não saberem a diferença entre conhecer e se instruir, até onde se sabe, desde Sócrates, passando por Jesus Cristo, não faz qualquer sucesso junto aos espertalhões.


sábado, 29 de setembro de 2012

LUTAR PELO CONTROLE. OBTER O CONTROLE. MANTER O CONTROLE.




Honório de Medeiros


Obter o controle. Estar no controle. Manter o controle. Faz parte da parafernália ideológica que é a tal da estratégia militar ou de combate. Está em Chomsky, basta lê-lo. Quem tem o controle tem o Poder, dizia, para um dos seus escravos, o extraterrestre que governava a terra no romance de L. Ron Hubbard, aquele autor americano de ficção científica que ficou mais famoso como criador da Cientologia, estranha seita preferida de 10 entre 10 atores famosos americanos.

O controle está para o Poder como a célula está para o tecido, o átomo para a matéria, digo eu. É através do controle que se estabelece a hierarquia, seja qual seja o ser vivo, parodiando Popper e sua Teoria Evolucionária do Conhecimento, ou seja, da ameba ao humano. Lula, que não é lido, mas não é burro, deixou bem claro ao analisar Pedro Simon e sua quixotesca candidatura a Presidente do Senado: “ele não é confiável”. Confiável ou controlável? Dá no mesmo nesse contexto sórdido da política.

Na raiz desse controle está a tendência inata do ser humano de explorar, absorver, extrair, para si, tudo quanto, naquilo que o cerca, amplie sua possibilidade de sobrevivência. Dawkins – esse mesmo que desencadeou uma cruzada contra Deus a partir de Darwin – afirmaria que fazemos isso manipulados pelos nossos genes. Para ele, nós somos nossos genes. O resto é invólucro. Ou seja, o resto é resto. Há controvérsias. Alguns acham muito radical essa teoria.

Trazer para o mais íntimo de nós, no aspecto físico, o que está por trás – mesmo que remotamente – das ações humanas deu um corpo de vantagem a Darwin sobre o velho Marx. Este, como se sabe, coloca a divisão do trabalho na raiz do problema do controle. Esta, a divisão do trabalho, vai fazer surgir a propriedade privada, ou vice-versa, as relações de produção, a infra-estrutura material, a superestrutura ideológica, enfim, ufa!, a luta de classes e a exploração do homem pelo homem.

Mas o que estaria por trás do surgimento da propriedade privada? O que está no começo da exploração do homem pelo homem? Marx não disse. Talvez seu companheiro Engels tenha esboçado algo a respeito a partir da análise dos estudos de Morgan, um antropólogo e etnólogo americano que andou estudando os nativos de seu país no final do século XIX, em uma obra que é muito citada nos meios acadêmicos e pouco lida. Pois Darwin disse. Disse claramente. E com ele, começou um novo capítulo das ciências sociais e, mais especificamente falando, da Psicologia Social Evolutiva.

Pois bem: voltamos ao ponto de partida. Somos levados, instintivamente, a controlar para explorar. Isso tanto em nível pessoal quanto social. Quem controla estabelece hierarquia. O povo, que não é besta, há muito denuncia, como pode, a arrogância da elite que põe o dedo em riste e pergunta ao Zé Mane: “você sabe com quem está falando?”, para tentá-lo controlar.

E não há limite para a intenção de controle. O céu é o limite. “Quanto mais temos, mais queremos ter.” O povo diz, o povo sabe. O senso comum é o ponto de partida para o conhecimento. Quanto mais queremos ter, mais nos tornamos predadores.

Claro que os controladores dão nomes bonitos a tudo isso. Faz parte do jogo, é uma estratégia de controle. Chamam a esse impulso predatório de ambição social, luta para deixar o legado na história, defender os interesses da sociedade, luta para ascender na escala social... Tudo lorota. Na essência, é o ruim e velho capitalismo de guerra e sua teia de argumentos justificatórios. No âmago do âmago, como diriam os exagerados, está esse egoísmo inato cujas vísceras Darwin expôs.

E os santos, alguém perguntaria. O altruísmo, diria eu, é sempre uma espécie do egoísmo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

PESQUISA ELEITORAL SEM MÁ-FÉ E ÀS CLARAS NA POLÍTICA

Carlos Santos
http://blogcarlossantos.com.br/

Em toda campanha eleitoral no Brasil existe sempre um vilão de plantão: a pesquisa de opinião pública. É aqui no Rio Grande do Norte, no Amapá, Rio de Janeiro ou Mato Grosso do Sul. Não importa. O vilão também se veste de panaceia. Em muitos casos é, também, “remédio” para passar imagem de vigor ou revigoramento de algum candidato.
 
Mas, por que ocorre tanta celeuma em torno das pesquisas? A resposta é simples: os interesses em jogo são incomensuráveis, mexendo muito mais com o emocional do que com a razão. Nesse caldeirão há muito de desconhecimento de causa, além de alta dose de má-fé.
 
A boa pesquisa é aquela que me serve; a pesquisa errada é a que beneficia o adversário. Esse é o raciocínio consciente ou não que mexe com a sensibilidade de muitas pessoas, em discussões que normalmente não possuem um pingo de bom senso.
 
Você sabe como é feita uma pesquisa com o mínimo de organização, zelo e segurança técnica? Basicamente, os entrevistados são selecionados aleatoriamente de acordo com grau de instrução, faixa etária e sexo. Os dados utilizados são obtidos através de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Justiça Eleitoral. Segue-se critério proporcional, de estamentos sociais.
 
As sondagens podem ter 300, 500, 600, 1.200 ou mais pessoas, dependendo do universo populacional e os recursos empregados, buscando reduzir ao máximo a margem de erro.
 
Margem de erro
 
“Todas as pesquisas têm margem de erro amostral. Esse erro é calculado em função do tamanho e da heterogeneidade da amostra e dos resultados obtidos. A margem de erro normalmente divulgada refere-se a uma estimativa de erro máximo para uma amostra aleatória simples. Assim, considerando o erro amostral, fica estabelecido um intervalo de confiança — limites para mais e para menos em relação ao valor obtido”, explica o Ibope.
 
Às vezes ocorre o chamado “fato novo” durante uma campanha e a pesquisa pode não refletir o acontecimento avaliado como “bombástico” e capaz de alterar o comportamento do eleitor. Não existe uma regra científica, comprovada, para determinar se o fato novo mexe mesmo com a intenção de votos. Depende de fatores como o grau de importância que o eleitor atribui ao fato, como ele evolui no plano da comunicação/marketing e o próprio tempo para ele se dissipar.
 
Muitos eleitores ficam atordoados com diferenças consideráveis entre uma pesquisa e outra, de institutos diferentes, para o mesmo ambiente pesquisado e campanha. Tem razão em ficar confuso, até porque é comum que muitos segmentos da imprensa e grupos/candidatos trabalhem para confundir, como forma de desmoralizar números que não são interessantes a seus propósitos.
 
George Gallup, fundador do grupo, dizia que um médico não remove todo o sangue de uma pessoa para examiná-la. Basta uma amostra. Da mesma forma, não é preciso entrevistar toda a população para saber o que as pessoas pensam. Uma pesquisa deve levar em conta a divisão da sociedade em classes sociais e outros aspectos demográficos. (Frank Newport, vice-presidente do grupo Gallup, o maior e um dos mais antigos institutos de pesquisas dos Estados Unidos, fundado por George Gallup, nos anos 30).
 
O que é uma pesquisa? Usando um lugar-comum, é bom repetirmos sem medo de estarmos sendo óbvios: é como uma fotografia. Vale aquele momento. Uma pesquisa realizada pelo mesmo instituto, uma semana depois da anterior, pode mostrar mudanças e até mesmo alterações consideráveis. Entretanto, nada é por acaso. É preciso o olho do estudioso, com distanciamento crítico, para avaliar se houve algo ou um elenco de situações para determinar alguma reviravolta. Ninguém cresce ou cai muito na intenção de votos “do nada”.
 
É correto se avaliar crescimento ou queda de algum candidato, num comparativo entre duas pesquisas feitas por dois institutos diferentes? Não é recomendável, nem sensato. Normalmente é adotado por quem deseja ‘vender’ ideia de crescimento de algum candidato ou queda de outro. É um sofisma levantado por estupidez ou intenção de fraude.
 
Também pode existir distorção por falha técnica ou manipulação criminosa. Há alguns anos, no Paraná, um candidato chegou a denunciar determinada empresa que queria lhe vender pesquisa conforme sua aspiração. Várias empresas chegaram a ser impedidas legalmente de atuar no Brasil, em face de falsificação de dados etc.
 
O bom acompanhamento da performance de candidatos majoritários acontece principalmente com sequência de pesquisa pelo mesmo instituto, utilizando idêntica metodologia, com intervalos mais reduzidos entre uma e outra. Campanha bem organizada faz isso com maestria.
 
À medida que se aproxima o dia das eleições, as pesquisas são feitas por quinzena, semanalmente ou até mesmo todos os dias. Dessa forma é possível um acompanhamento minucioso do comportamento do eleitor. Contudo o custo desse trabalho passa a ser mais elevado. O partido/candidato deve avaliar a relação custo-benefício.
 
Enfim, não existe comprovação de que pesquisa ganhe eleição como objeto de propaganda, mas é uma ferramenta fundamental para se navegar nesse oceano revolto das campanhas eleitorais. Boa viagem.
 
* (Esta postagem foi originalmente veiculada no dia 17 de julho deste ano, às 23h44. Serve para hoje, amanhã e daqui a algumas décadas. Continua e continuará atualíssima e ajuda a quem deseja realmente entender o que é pesquisa, a compreender melhor esse importante instrumento científico. Mas àqueles que se movimentam apenas pela estupidez e má-fé, ficará impossível compreender o que está escrito).

sábado, 27 de agosto de 2011

ELES, LOBOS; NÓS, OVELHAS



Honório de Medeiros


"Foi buscar lã e saiu tosquiado"
DITO POPULAR


Antes que me acusem de “simplismo” lembro, aos leitores, que guardando as proporções devidas entre o gênio e o provinciano inquieto, o texto a seguir, pelo menos na aparência, pode guardar alguma semelhança remota, no que diz respeito à ausência do embasamento erudito tão caro aos acadêmicos (nada mais que argumentos de autoridade quando não é possível comprovação empírica), ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e ao “Servidão Voluntária” de La Boètie, ou mesmo ao “O que é a Propriedade”, de Proudhom.

                                               Entretanto ouso dizer que é possível um tratamento “acadêmico” ao que se vai expor. Tanto é possível fazê-lo a partir da Filosofia, com Marx e os anarquistas ou, para não ser acusado de tendência óbvia pelo pensamento de esquerda, com base no pensamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir da Sociologia, desde que haja, como matriz, a Teoria da Evolução de Darwin.

                                               Posto isso, gostaria de iniciar apresentando a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, ITO POPULAR uiado
e, " iniciar apresentando a censamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir devidamente parafraseada:

                                               Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”

                                               “Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:

                                               - “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.

                                               - “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.

                                               - “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.

                                               - “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?

                                               - “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.

                                               - “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.

                                               - “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.

                                               “E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

                                               Os lobos são a elite política; as ovelhas, o povo.

                                               Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

                                               Lembremo-nos como era antes nas grandes civilizações arcaicas: a grega, a judia, a chinesa, a hindu. O quê mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

                                               Não vou perder tempo discutindo o que é o Estado. Desde que surgiu, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo”.  

                                               Pensemos, por exemplo, na Norma Jurídica. A elite política dissemina a idéia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos irridentes, nas guerras civis, pediram leis que submetessem a todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3]. Hoje ainda é do mesmo jeito.

                                               Aliás, a Norma Jurídica deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava surgindo, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”. Tudo sob medida.

                                               Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o Império.

                                               Vejamos o caso do Rio Grande do Norte: nos Alves, Walter Alves é filho de Garibaldi Alves filho, que é filho de Garibaldi Alves pai, que é irmão de Aluízio Alves, que foi filho de Manuel Alves, o “Seu Nezinho”, líder político em Angicos, Rn, e de Maria Fernandes, da família Fernandes, de Aristófanes Fernandes, pai de Paulo de Tarso Fernandes; nos Maia, Felipe Maia é filho de José Agripino Maia, que é filho de Tarcísio Maia, que é filho de José Agripino Maia, que é parente próximo da esposa de Jerônimo Rosado, iniciador da oligarquia homônima em Mossoró, todos com raízes políticas ancestrais no Rio Grande do Norte e Paraíba; Larissa Rosado, por exemplo, é filha de Sandra Rosado, que é filha de Vingt Rosado, que é filho de Jerônimo Rosado; Fábio Faria é filho de Robinson Faria, que é filho de Osmundo Faria, latifundiário parente e protegido de Dinarte Mariz, de quem foi suplente no Senado; Dinarte de Medeiros Mariz, com ascendentes que vão até o Império, era parente de José Augusto Bezerra de Medeiros; este, por sua vez, familiarmente ligado a Juvenal Lamartine de Faria, de quem Márcia Maia, filha de Wilma de Faria, que é filha de Morton Mariz de Faria, parente de Dinarte Mariz, este por sua vez parente de José Augusto Bezerra de Medeiros, etc., etc..., é descendente colateral, todos com raízes que vão até o passado remoto do Rio Grande do Norte.

                                               As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam talentos aos quais agregam, consomem e expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político: Dinarte Mariz fez isso; Aluízio Alves, também; Tarcísio Maia o fez, os Rosados o fizeram; Wilma de Faria idem, e assim por diante. São os escalões intermediários entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, constituída de “inocentes úteis”.

                                               Brigam entre si os integrantes da elite política[4]. Mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum. Vejam o caso de Mossoró. Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um anátema, posto que representasse uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder. Hoje, a história é outra.

                                               Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo. Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados. Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio, o esvaziamento político/social. E, obviamente, se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

                                               Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena. Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. “Mutatis mutandis”.

                                               Portanto temos que a elite política domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo. E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

                                               Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente perorando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.



[1] Jacques Le Goff.


[2] Robert Wright


[3] Nikos Poulantzas


[4] Gaetano Mosca.