sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

ROBINSON FARIA: O FIM DE UM CICLO DO QUAL POUCOS SENTIRÃO FALTA

* Honório de Medeiros

A história de homem público de Robinson Faria no Rio Grande do Norte começou em 1986 quando se elegeu Deputado Estadual, cargo que assumiu em 1987 e exerceu durante vinte e três anos seguidos. 

Entre 2003 e 2010, foi Presidente, por dois mandatos, da Assembleia Legislativa do Estado. 

Em 2010 chegou a Vice-Governador, em chapa encabeçada por Rosalba Ciarlini. 

O próximo passo, em sua carreira política, levou-o ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte a partir de janeiro de 2015. 

Tentou a reeleição em 2018, mas foi derrotado de forma humilhante pela então Senadora do Partido dos Trabalhadores Fátima Bezerra.

É possível, dando-se crédito a dados objetivos e muitos juízos de valor, que ao entregar o cargo Robinson Faria poderá assumir o pódio de pior de todos os Governadores do Estado do Rio Grande do Norte ao longo do tempo. 
Os números parecem corroborar essa afirmação. 

Em primeiro lugar há um repúdio sem precedentes a sua administração, expresso por intermédio de uma rejeição maciça e permanente, que atingiu níveis estratosféricos no ano em que resolveu se candidatar à reeleição. 

O Blog do Carlos Santos, respeitado e influente, informou, em março de 2018, a partir de levantamento realizado pela 98,9FM e Instituto Consult, que a gestão do Governador era desaprovada por 85% dos norte-rio-grandenses. 

Apenas 7,59% da população aprovava seu governo. 

Em segundo lugar salta aos olhos sua incapacidade de conseguir encaminhar, ao longo do exercício do cargo de governador, uma tentativa de solução plausível e viável para a calamitosa situação financeira do Estado. 

No final do seu mandato o Estado acumulará um passivo de aproximadamente um bilhão de reais em restos a pagar, além de não ter regularizado a folha de pagamento dos servidores públicos estaduais que até este presente momento não receberam, em sua totalidade, o décimo-terceiro de 2017 e não têm esperança, tampouco informação, quanto ao décimo-terceiro de 2018, assim como quanto aos salários de novembro e dezembro. 

Em terceiro lugar pesa sob seus ombros a péssima gestão da segurança pública estadual. 

Acerca desse assunto, o jornal O Globo, entre outros, noticiou em agosto próximo passado que “O Rio Grande do Norte é o estado do país com a maior taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes: 68. Foram 2.386 mortes violentas no estado em 2017. Em todo o país foram 63.880 mortes violentas em 2017, o maior número de homicídios da história. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (...)”. 

Mas nada de tudo isso é novidade. 

Em 12 de novembro de 2014, ou seja, antes de sua posse, fiz a seguinte publicação aqui, neste mesmo blog (http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2014/11/rn-de-pacto-social-e-reforma-de-estado.html): 

"Tendo em vista as informações que vão surgindo na mídia acerca da alarmante situação financeira do Estado, não enxergo outra alternativa para o futuro Governador do Estado, a não ser liderar a construção de um novo Pacto Social no Rio Grande do Norte para alavancar a urgente, imprescindível, fundamental, Reforma do Estado. 

Pacto Social, vez que todas as forças da Sociedade, representadas pelos poderes constituídos, precisam participar diretamente, sob a legítima liderança do futuro Governador do Estado, da elaboração de uma Carta de Princípios que nortearia a Reforma de Estado. 

Reforma de Estado que permita a reconstrução do Rio Grande do Norte social, econômica e financeiramente, estabelecendo os parâmetros necessários a serem seguidos por esses poderes, para assegurar o desenvolvimento do Estado. 

Uma vez estabelecidos esses instrumentos fundantes da nova realidade política, social e econômica, todas as medidas necessárias a serem tomadas estarão naturalmente legitimadas e contarão com o apoio da Sociedade. 

É o que se espera de alguém que foi escolhido pelo povo para derrotar todas as forças políticas tradicionais do Estado". 

Em 3 de junho de 2015, alarmado com a situação da tragédia que se vislumbrava, voltei a abordar o tema do "pacto social" 
(http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2015/06/por-um-novo-pacto-social-para-o-rio.html): 

"O problema fundamental do RN, hoje, é, antes de tudo, antes mesmo do social, do político, e do econômico, de natureza orçamentária e financeira. 

O Governo precisa de dinheiro e não tem de onde tirar. A entrada no Fundo Previdenciário prova isso. E a situação vai piorar, estamos beirando a recessão. Os repasses estão em queda livre. A arrecadação do Estado, com o declínio da atividade econômica, tende a diminuir lenta e inexoravelmente. As demandas dos servidores e da Sociedade tendem a crescer. 

Se eu fosse o Governador Robinson convocaria os Poderes e a Sociedade para um novo Pacto Social. 

Um pacto social no qual a renúncia e o trabalho de cada um, pensando no todo, fosse mais importante que qualquer demonstração de unilateralidade. 

O Governador é o líder institucional apto a convocar e coordenar esse processo. Com os votos que recebeu, na situação em que isso aconteceu, é de se dizer, até mesmo, que deve assumir esse papel. 

E com os pés firmemente fincados no presente, lançar as bases do futuro." 

É sempre bom lembrar que Pacto Social não é o mesmo que Reforma de Estado, assim como Reforma de Estado não é o mesmo que Choque de Gestão. E, principalmente, conhecimento não é o mesmo que opinião.

Há muito mais a ser dito, claro, mas basta. 

Quanto a esse conjunto de fatos, sabença de muitos, que lhe perseguiram ao longo do mandato, o Governador assim se expressou recentemente, ao encerrar a reunião por intermédio da qual se colocou à disposição da Governadora eleita para as tratativas de praxe relacionadas com a transmissão do cargo: 

“O Rio Grande do Norte está falido.” 

E mais não disse nem lhe foi questionado, até onde se sabe. 

Atitude essa pelo menos questionável, a de lançar ao tempo seu próprio fracasso, vez que foi um dos maiores corresponsáveis por isso acontecer. Afinal antes de ser Governador foi Vice, antes de Vice, Presidente de Assembleia, e durante muitos anos Deputado Estadual, como já mencionado. 

O próprio Governador disse, na leitura da Mensagem Anual de 2018 na Assembleia Legislativa, que tinha sido fartamente avisado da crise econômico-financeira existente no Rio Grande do Norte, “mas como era forte, fora pra cima e a enfrentara”

Ao contrário. Nem foi para cima, nem a enfrentou. Ciscou para um lado, ciscou para o outro, e somente levantou poeira, nada mais. 

Ao invés de cuidar das mudanças que o Estado necessitava, quando assumiu, enclausurou-se em uma bolha feérica típica de deslumbrados pelo Poder, e desconhecendo os fundamentos básicos essenciais para governar um Estado, se tornou prisioneiro da própria vaidade e incompetência. 

Não é verdade que tenha enfrentado a crise financeira, repita-se, e o sabemos todos. Quando cuidou, se o fez, era tarde demais, mero teatro para inglês ver, vaudeville canhestro. 

Robinson disse ainda nessa mesma Mensagem, que passou para a história como um grande equívoco de forma e conteúdo: “Vou repetir: não foi o meu governo quem quebrou o estado.” 

Ajudou, e muito, a quebrar. Foi coparticipe. 

E em o tendo quebrado juntamente com outros, assumiu, a sós, o ônus da omissão. 

Não disse ele que fora fartamente alertado acerca da crise financeira? E em o sabendo, desde o início, do que lhe esperava, não é verdade que se eximiu de tomar as medidas duras, profundas e exigíveis, para reverter o problema? As mesmas medidas que Ricardo Coutinho e Flávio Dino tomaram na Paraíba e Maranhão, respectivamente? 

Por que não renunciou, pela impossibilidade de fazê-lo? 

Houve incompetência ou desídia, ou as duas juntas, não sabemos ainda, mas o tempo dirá. O tempo é senhor da razão. 

Incompetência, descaso, desgoverno, má-gestão, quando os há, ferem e deixam cicatrizes políticas terríveis. Cicatrizes que o Governador e seus auxiliares - tão responsáveis quanto ele - carregarão consigo para o resto dos seus dias.

Serão lembrados sempre por essas cicatrizes. 

No mais, a nós, resta rezar. Rezemos, pois. E esperemos juízo nos homens.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

FELIZ NATAL E ANO NOVO

* Honório de Medeiros

Quando vi essa imagem pela primeira vez, ela tinha sido postada por minha querida amiga Camila Cascudo.

Hoje me lembrei dela e não resisti: aí está para vocês.

Na primeira vez e todas as outras que a vi, senti uma vontade muito forte de pegar essa criança no colo, abraça-la, cuidar dela, tentar manter esse sorriso lindo permanentemente em seu rosto.

É esse abraço que eu mando para todos vocês, enquanto um Feliz Natal e Ano Novo!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

A VISITA DA BRUXA MALDITA

* Isabel Sena

A bruxa maldita me visitou hoje.

Soprou no meu rosto e se divertiu com o desânimo que tomou conta de minha alma.

Riu da minha dor, da estranha dor que a alma às vezes sente, da sensação de que fui e sou um fracasso, um desajeitado traste inútil que não suporta mais viver com suas máscaras cotidianas.

Quando ela vem mergulho de ponta no centro da melancolia e embora me debata, sinto que me afogo num oceano de insegurança, e que na próxima vez afundarei como uma pedra imensa, mas, nem assim, vou me ver livre dessa bruxa maldita.

Quando ela me visita não suporto a companhia dos outros. Não quero conversar. Sinto nojo do contato físico. Quero ficar sozinho, longe de tudo e de todos.

O que me resta agora é fazer de conta que ela não está me olhando, de que se vai, que logo, logo, tudo volta ao normal.

Depois, de fato, ela se vai.

Mas cada vez demora menos a vir. E cada vez demora mais a ir.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

PARA QUE SERVEM AS PALAVRAS

* Honório de Medeiros                


"As palavras valem também para isso, dar alguma existência aos nossos delírios", diz Raduam Nassar em "Cantigas d'amigos", Cadernos de Literatura Brasileira, Ariano Suassuna. 

Ariano, entrevistado pelo Cadernos, em certo momento: "não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores -, (...) Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo."

Retruca o Cadernos: "Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada." 

Qual uma confraria de amigos, na Idade Média.

Assim é, assim será, dado o caráter dos tempos atuais, no qual a imagem evanescente e superficial é tudo e as palavras, mesmo se delírios, manjar para poucos.

Aqui a palavra é arte. 

Relendo "O Crime do Padre Amaro" do imenso Eça, lá encontro essa ideia pela voz do seco Padre Notário:

- Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou um pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que é um meio de persuasão, de saber o que será que passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali... E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é - a absolvição é uma arma."

Recordo que dizia para meus alunos de Filosofia do Direito ser a confissão um inteligente serviço secreto, à serviço da aristocracia, para a manutenção dos interesses da elite dominante.

A palavra: arte ou instrumento. Às vezes ambos ao mesmo tempo.

Não somente a palavra escrita, mas também a falada, mesmo a que dá existência aos nossos delírios.

Natal, em 7 de março de 2015.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

APENAS FAGULHAS NA NEBLINA

* Honório de Medeiros

"O mais velho estava seguindo os passos do pai, só que em outro ministério, e já se aproximava daquele estágio no serviço público em que a inércia é recompensada com a estabilidade" ("A Morte de Ivan Ilitch", Tolstoi).

Esse pequeno trecho de uma das mais expressivas novelas do grande escritor russo nos mostra como o homem e as relações são os mesmos, malgrado o tempo e a distância.

Aqueles momentos nos quais o homem parece romper com seu destino comum são fagulhas, e elas logo desaparecem na névoa da rotina.

Como se fôssemos livres para nadar no rio, desde que dele não saíssemos, e sempre terminássemos no mar.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

NEGAR O HUMANO QUE HÁ EM NÓS

* Honório de Medeiros

Lidar com as pessoas exclusivamente a partir do seu filtro ideológico é pobreza de espírito. Ideologia é um conjunto de valores que cada um construiu para si. Valores são relativos. Uma ideologia imposta é a negação do humano que há em nós. Persuadir, convencer, sim, impor, nunca. Negar o humano é próprio do pensamento totalitário, seja de esquerda ou direita, e contra tudo quanto a humanidade construiu de relevante ao longo do processo civilizatório.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

UMA HISTÓRIA MARAVILHOSA DA ÉPOCA DOS CORONÉIS

De Laurence Nóbrega, grande amigo meu e do famoso escritor Florentino Vereda, recebi o bilhete abaixo:

"Mando anexo um arquivo em word, com a transcrição que fiz, de uma história contada por Trajano Pires da Nóbrega, no seu estudo da genealogia da família Nóbrega, da qual eu sou um dos menos ilustres membros.

Trata-se da fuga da filha do Capitão Justino Alves da Nóbrega, mais conhecido como Cap. Justino da Salamandra, o mesmo que atacou a cidade de Santa Luzia e libertou o primo Liberato Cavalcanti de Carvalho Nóbrega, preso injustamente por inimigos políticos. Não sei se este é o cangaceiro a quem você se referiu na nossa conversa recente. Caso queira pesquisar mais a respeito dele, consulte as “fotocópias” que lhe enviei ou, se preferir, diretamente no livro de Trajano.

Um bom fim de semana.

Laurence

"Sunila" 

“Ouvi a seguinte história acerca do casamento de Marcionila Bezerra da Nóbrega (Sunila), com Braz Cavalcante, que me foi narrada por Severino Duarte Pinheiro, neto do seu irmão Martinho Alves da Nóbrega. “Marcionila, filha do Cap. Justino Alves da Nóbrega, ou Cap. Justino da Salamandra, chefe do Partido Conservador em Santa Luzia, tinha o gênio forte e voluntarioso como o do pai. Foi pedida em casamento por Brás Cavalcante, rapaz de Sapé que andou em Santa Luzia, pedido que, apesar de ser do seu agrado, foi definitivamente repelido pelo pai. Não se conformando com esta recusa, a moça deliberou fugir, o que chegou ao conhecimento do pai, que logo decretou a sentença de morte da filha, caso pusesse em prática o seu plano de fuga. Nada intimidou a moça, que, seguindo o hábito paterno, usava constantemente pistola e punhal ocultos na própria roupa. 

Sentindo que a filha seria capaz de realizar o seu plano, o Cap. Justino passou a manter constante e ativa vigilância. Como que de propósito, a casa só tinha duas aberturas acessíveis à moça, uma porta e uma janela, esta no oitão da casa. Intensificando a vigilância, o velho admitiu um auxiliar, que era um rapaz de confiança, que sempre mantinha em uma casa na fazenda, à frente da casa grande. Enquanto, à noite, o velho dormia perto da porta, o rapaz dormia perto da janela. 

Não havia outra saída. 

Em uma noite, porém, de grossa invernada com forte trovoada, coincidiu que o rapaz auxiliar da vigilância faltou; mas o velho dobrou o cuidado. A moça, que mantinha secreta correspondência com o noivo, tinha assentado fugir na primeira noite de tempestade que houvesse. Aquela seria a tal. 

Da sala de jantar, ficou observando, ocultamente, os menores movimentos do pai. Viu-o deitar-se, mas sempre atento à chuva. A certa hora o velho levantou-se o foi abrir a porta para olhar a chuva do alpendre. Compreendendo o gesto paterno, a filha a filha abriu a janela no mesmo instante em que o velho abriu a porta, de modo a confundir os dois em um só ruído. E deu certo. O pai não percebeu que a janela tinha sido aberta e que, por ela, sem perder um instante sequer, a moça se passara para fora, saindo para a chuva e a escuridão, não tardando a encontrar-se com o noivo, que a aguardava a pequena distância, com o cavalo de prontidão. Correram até a vila de Santa Luzia, onde chegaram alta madrugada, procurando abrigo na casa de residência do chefe político do Partido Liberal, adversário e inimigo do Cap. Justino. Aí foram guardados, trancados em um quarto, de modo a não serem pressentidos por ninguém, pois o velho Justino era geralmente temido. 

Ao amanhecer o dia, o Cap. Justino foi surpreendido com a realidade. A filha tinha fugido, realizando o plano que tentava frustrar com tanto empenho. E a revolta, na sua alma voluntariosa, que não admitia tal indisciplina, principalmente por uma filha, não teve limite. Determinou imediata perseguição ao casal de fugitivos, até encontrar para matar ambos, sangrados ou fuzilados. Convocou, no mesmo instante, todos os seus homens, e deu ordens severíssimas para saírem em perseguição ao casal, até encontrar e matar. Mas a chuva grossa da noite havia desfeito todos os rastros. Não era possível descobrir o rumo seguido pelos fugitivos. 

Mandou, então, gente em todas as direções; mas nada de notícias, ninguém vira os fugitivos nem deles tivera notícias. Parecia que a terra os havia engolido. 

Depois do terceiro dia, continuando as indagações e as ameaças, cada vez mais terríveis, o chefe da casa que lhes havia dado guarida, temeu pela segurança dos seus e pediu ao rapaz que se retirasse com a moça. Aguardaram a noite e fugiram a cavalo, por volta da meia noite. Tomaram rumo ignorado, o que foi fácil porque ninguém suspeitava que os fugitivos permaneciam em Santa Luzia. 

Cerca de um mês depois chegou a primeira notícia da filha; sem se denunciar onde permanecia oculta, mandou pedir ao pai autorização para casar-se, o que era indispensável na época. Não só recusou o pedido, como intensificou a perseguição, embora sempre improfícua, pela impossibilidade de ser localizado o casal fugitivo. 

Em face desta intransigência do velho pai, a moça passou a fazer vida marital com o noivo, mesmo sem o casamente, o que tinha evitado até aquele dia, com o seu rigoroso senso de honra. Houve diversos filhos desta situação. A perseguição, ou melhor, a ideia de perseguição continuou sem esmorecimento ao longo de 12 anos de vida que ainda teve o Cap. Justino Alves da Nóbrega. Sentindo a proximidade da morte, deixou ao filho mais velho, Martinho, a incumbência de manter a perseguição, por toda a vida. Mas, de ânimo moderado, Martinho Alves da Nóbrega, logo que o velho pai havia desaparecido, relaxou a recomendação, combinando em que a irmã se casasse como desejava. 

O casal veio a residir nas proximidades dos irmãos, perto da Salamandra, da Malhada do Umbuzeiro, da Noruéga, que eram as principais propriedades da família, herdadas do rancoroso pai. Viveram muitos anos. D. Marcionila, já viúva, ainda era viva até há poucos anos, tendo falecido depois de 1950”.

'A FAMÍLIA NÓBREGA' 

Autor: Trajano Pìres da Nóbrega 

1ª edição: 1956 

Pgs. 578 a 580"

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO E "GUERREIROS DO SOL"


* Honório de Medeiros

"O BRIO DE CRISTAL"

Em 19 de novembro de 2010 debati, com Frederico Pernambucano de Mello, acerca de sua obra-prima “Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço”, sob mediação da escritora Clotilde Tavares, na IIª Feira Literária da PIPA (FLIPIPA).

Debate não é o melhor termo para definir esse encontro. Trocamos ideias, eu como aprendiz, e Frederico Pernambucano de Mello como mestre de todos nós, estudiosos da Cultura e História Sertaneja, ambos pontuados pela inteligência brilhante de Clotilde Tavares, ante uma plateia atenta e participativa.

Eu acabara de lançar meu "Massilon" (Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins).

Mas indo ao que importa, penso que todos os livros do mestre são importantes, entretanto dois são canônicos: "Guerreiros do Sol" e "Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço". 

O primeiro é fundamental, e não há como estudar a cultura sertaneja nordestina sem o ler. Trata-se de obra tão importante quanto, por exemplo, "Os Sertões", de Euclides da Cunha, na opinião de muitos.

Discorrendo acerca do banditismo rural no sertão nordestino, lá para as tantas Pernambucano de Mello, em uma Nota Introdutória que compõe a introdução à 5ª edição revista e atualizada, na qual tive a honra de ser citado, observa:

"Num e noutro dos universos rurais nordestinos o banditismo teve lugar. Na mata litorânea como no sertão profundo. É claro que com diferenças. São dois mundos, afinal. Duas culturas. Dois homens. Duas sociedades. O coletivismo da tarefa agrícola domesticou o litorâneo. Afeiçoou à hierarquia e à disciplina, muito fortes nos engenhos de açúcar. O sertanejo permaneceu puro em sua liberdade ostensiva, quase selvagem. A pecuária não veio se cristalizar ali em trabalho massificado. Não embotou o individualismo do sertanejo. O seu livre-arbítrio. Ou a sobranceria. Veio daí o orgulho pessoal exagerado que apresentava. O brio de cristal. As próprias cercas não  chegam ao sertão antes do século passado. A visão do sertanejo era a caatinga indivisa. Com o homem se sentindo absoluto numa paisagem absoluta".

Talvez alguns não concordem, mas como não se render a essa tessitura finamente composta de "insights" tão precisos quanto envolventes acerca da alma do nosso sertanejo nordestino ancestral?

E prossegue a obra tão densa quanto formalmente atraente, a discorrer acerca da nossa história e cultura comuns, elencando hipóteses, apontando caminhos, propondo soluções, tudo em ritmo forte, que nos exige atenção redobrada e esforço investigativo incomuns para não perdermos o fio-da-meada.

Nela, por exemplo, já se menciona o impressionante tema da estética do cangaço, que viria a ser tema central da obra que pautou o debate.

Mas não somente, claro. Há a teoria do escudo ético; a tipologia dos cangaceiros; a psicologia do homem sertanejo nordestino arcaico; o arcabouço da violência que construiu o habitat próprio do cangaço; a relação seca/economia/cangaço; os fatores que influenciaram o fim desse ciclo tão próprio do nosso Sertão; a análise acerca da disseminação, nas terras sertanejas, do "ethos" da violência como apanágio da masculinidade, a partir do conflito entre famílias; o papel da nossa indiada no ensino de táticas de guerrilha que foram recebidas e aprofundadas pelos cangaceiros... 

"Guerreiros do Sol" recebeu elogios entusiásticos de Gilberto Freyre, em prefácio à primeira edição. De Ariano Suassuna. De Bernardo Pericás. Ouso dizer que Cascudo seria admirador da obra. De tantos outros, ao longo do tempo. Todos lhe aplaudindo sua importância singular.

Assim como eu, anônimo, mas que também sei aplaudir.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

VIOLÊNCIA: HÁ ALGO ESQUECIDO EM SUA ANÁLISE



* Honório de Medeiros

Em 13 de outubro de 2012 escrevi, e postei, em meu blog, um artigo cujo título era “O QUÊ LEVA O JOVEM AO CRIME”.

Nele eu dizia o seguinte:


“Uma das conseqüências possíveis relacionadas com a teoria da Antropóloga Alba Zaluar, Coordenadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências), ligado ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de que apenas a pobreza e a desigualdade social não explicam a ida de jovens para a criminalidade, é dar razão ao senso comum do povo quando clama pelo endurecimento da legislação penal.

A teoria, exposta em matéria assinada pelo jornalista Antônio Góis, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, apresenta como uma das causas do envolvimento de jovens com a violência a estrutura cultural que induz o surgimento do que ela chamou de “etos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”.

É algo decorrente da chamada “cultura machista”: os filhos homens são criados em ambientes que reproduzem condutas herdadas de desrespeito sistemático às mulheres, aos homossexuais, aos negros, às minorias, enfim, e valorização direta ou subliminar dos ícones da masculinidade distorcida; a música, a tradição oral, o lazer, a literatura, a própria postura passiva das minorias contribuem para a construção desse perfil medíocre e ameaçador.

A antropóloga lembra que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus (conjunto habitacional favelizado na zona Oeste do Rio de Janeiro) e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime.” É outra comprovação científica que respalda o senso comum: se apenas a pobreza fosse passaporte para o crime, não haveria Sociedade da forma como conhecemos. Melhor, não haveria tantos ricos criminosos. 

De posse do trabalho apresentado por Alba Zaluar talvez pudéssemos pelo menos iniciar a discussão em torno da ampliação das penas no Brasil. Quem sabe instaurarmos a prisão perpétua: não outra punição merece uma quadrilha de assaltantes recentemente presa em São Paulo, todos na faixa dos vinte anos, especializados em condomínios, que se tornaram conhecidos por torturarem suas vítimas, fossem elas novas ou idosas. Prisão perpétua com alimentação, saúde, lazer, tudo pago com trabalho – há tantas estradas para ajeitarmos, Brasil afora, tanta terra para ser arada...

E o maior empecilho, para aumentarmos a dosagem das penas no nosso país, para criarmos a prisão perpétua, é exatamente esse remorso social – quando não é a defesa em causa própria, como por exemplo, o caso dos nossos congressistas, grande parte respondendo algum tipo de processo – hipócrita que nos corrói a capacidade de enxergar o óbvio agora corroborado cientificamente. Sempre achamos, segmentos da elite, que a criminalidade tinha ligação direta com a pobreza. Recusávamo-nos a perceber, com o povão, que sofre nas mãos da delinqüência e nas mãos da polícia, que não era assim, afinal não se justifica que haja tortura e morte desnecessária em cada assalto realizado: a crueldade é um ritual de passagem na hierarquia do crime, dependente da admiração dos companheiros: quanto mais cruel, mais admirado, quantos mais homicídios, mais enaltecido.

Agora é tempo de ir atrás do prejuízo antes que seja tarde demais: contamos nos dedos as casas e condomínios onde não há cerca elétrica e cães, isolamento e medo. Fazemos de conta que não há guerra civil em São Paulo e Rio de Janeiro. Iludimo-nos pensando que o Estado é soberano em algumas áreas das grandes cidades do Brasil.”

Em 13 de junho de 2014, voltei ao tema, novamente em meu blog: 

“Diferente da corrente majoritária hoje nas análises sociológicas acerca das causas da criminalidade e suas consequências, defendo uma abordagem, acerca do tema, de caráter darwinista. 

Ou seja, penso que está mais que no tempo de superar a falida postura de atribuir às condições sociais, à pobreza, por assim dizer, o surgimento da criminalidade.

A pobreza não é causa, é um dos ambientes do surgimento da criminalidade. Para o senso comum, principalmente o brasileiro, é fácil entender essa hipótese: basta acompanhar, diariamente, o noticiário acerca da corrupção. 

Existe uma lógica perversa, típica, por trás da difusão e aprofundamento dessa manobra diversionista que é atribuir á pobreza o surgimento da criminalidade. É uma lógica de gueto, secessionista, da qual se apropriam os interessados em usufruir da confusão que ela origina.

Em relação ao reconhecimento desse "ethos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”, a literatura também se manifesta, mesmo que obliquamente, no sentido de reconhecê-la como uma das causas da criminalidade. 

Leiam atentamente o trecho a seguir, pinçado de "Maigret hesita", do genial Georges Simenon, escrito em 1968: 

‘É provável que lá também encontrasse um pobre sujeito que havia realmente matado porque não podia agir de outro modo, ou então um jovem delinquente de Pigalle, recém-chegado de Marselha ou da Córsega, que eliminara um rival para se fazer crer que era um homem.’"

Inesperado e surpreendente é encontrar o relato feito por Frederico Pernambucano de Mello em sua obra canônica Guerreiros do Sol, o mais completo estudo sobre o cangaço, um tipo de banditismo rural que medrou no Sertão do nordeste brasileiro desde a metade do século XIX até meados do século XX, quanto ao entusiasmo que as façanhas dos bandoleiros exerciam "entre a flor em botão da mocidade".

Na obra Pernambucano de Mello cita Marilourdes Ferraz, festejada escritora de O Canto do Acauã, e sua constatação sobre "o notável poder de sedução que o cangaço exercia sobre os jovens, inclusive os das chamadas "boas famílias".

E complementa apresentando trecho do discurso do deputado estadual pernambucano Maviael do Prado, transcrito no Relatório sobre o ano de 1928, da Repartição Central da Polícia Estadual do Estado de Pernambuco, no qual aquela autoridade discorria sobre o assunto, enfatizando exatamente essa perspectiva.

Ai está o senso comum e a literatura mais uma vez mostrando de forma inequívoca por qual razão podem e devem ser pontos-de-partida para o conhecimento da realidade social.

Arte em Daily Echo 

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

ESSÊNCIA IMUTÁVEL, FORMA EVANESCENTE

* Honório de Medeiros


Não há nada de novo sob o sol. Seguimos aparentemente em frente, para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, os meios que são nossa criação, mas dos quais somos reféns para lidar conosco mesmo, fenômenos e coisas, tornam-se cada vez mais complexos e fugazes, em uma espiral, um "vir-a-ser", como diria Nietzche, de proporções incalculáveis.

Essência imutável, forma evanescente.

Leio em "Os Crimes de Paris", de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. "Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Súrete, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura", dizem-me eles.

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o "Bureau de Reinseignements", ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome?

Inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre Arsène Lupin, O Ladrão de Casaca, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró que não existe mais. Como inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da"Comédie Humaine".

Em certo momento, lá para as tantas, Vautrin explica o mundo:

"-E que lodaçal! - replicou Vautrin. - Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral... Bonito, não é?"

Como diria minha mãe: "vão-se os anéis, permanecem os dedos..." 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

FAVOR DESEQUILIBRA


* Honório de Medeiros


Antônio Gomes é um homem singular. 

Quando está em Natal costuma tomar um café, no final da tarde, na doceria de um hotel com vista para o mar.

Lá Teresa o atendia sempre, e entre os dois terminou se estabelecendo uma certa amizade, na justa medida da reserva natural de Gomes.

Teresa me perguntou dia desses por ele. Fiquei surpreso com a pergunta, porque sabia que estava em Natal.

"Não andou por aqui?". "Não", respondeu. "Sumiu".

Coincidiu que o encontrei logo depois. Disse-lhe que Teresa andara perguntando por ele. 

Gomes sorriu e me confessou que não iria mais por lá.

"Mas o que houve?", perguntei.

"Fiz-lhe um favor, e o equilíbrio da relação desmoronou." "Ela agora acha que está em débito comigo". "A partir de então, por mais que não queira, sou aquele a quem se deve algo." 

E mudou de assunto.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

ROBINSON CONSOLIDA SUA POSIÇÃO


* Honório de Medeiros

Quase um bilhão de restos a pagar; 13º de 2017; salário de outubro de 2018; nenhum compromisso com o salário de novembro e dezembro de 2018; nenhum compromisso com o 13º de 2018.

Maior taxa de mortes violentas por cada 100.000 habitantes.

Saúde às moscas.

Economia moribunda.

Pá de cal no cadáver insepulto das finanças públicas estaduais.

Robinson vai se consolidando como pior dentre todos os que já ocuparam a cadeira de Governador do Estado do Rio Grande do Norte

Cadeira que foi honrada por Aluísio Alves, Monsenhor Walfredo Gurgel e Cortez Pereira.

* Arte: Blog do Brito

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

CONCENTRAÇÃO: VOCÊ CONSEGUE?



* Honório de Medeiros

A ciência começa a comprovar algo que o senso comum já constatara: estamos ficando cada dia mais limitados na nossa capacidade de concentração, principalmente em tarefas de natureza abstrata, tal qual ler um livro.

Em "A Civilização do Espetáculo" Mário Vargas Llosa especula, a esse respeito, por vias transversas, enquanto descreve a banalização da cultura contemporânea na medida da nossa opção pelo entretenimento ligeiro, de conteúdo pobre e forma atraente, em detrimento da complexidade da anterior herança cultural comum.

Não aponta causa específica para o fenômeno, mas alude, obliquamente, à onipresença imperiosa, por trás dos panos, da incessante busca pelo lucro.

Em outra face da questão o filósofo americano Michael J. Sandel, autor do aplaudido "Justiça" menciona, em "O que o Dinheiro não Compra", corroborando Llosa, o poder avassalador do mercado a dominar tudo e todos, corações e mentes, e suas consequências no universo moral. 

Quem diz mercado, diz lucro.

Daniel Coleman, famoso psicólogo americano professor em Harvard, criador do conceito de "Inteligência Emocional", pondera acerca do déficit de atenção cada vez mais profundo em nossa civilização, decorrente da escravidão às redes sociais, a originar uma demanda, no futuro, instaurada pelo próprio mercado, de em relação a todos quanto sejam capazes de se concentrar em tarefas de médio e longo prazo.

E se quando o mercado reagir a catatonia (alienação) já estiver plenamente estabelecida?

Acerca do fenômeno da volatilidade das percepções, causa e consequência desta atual fase do capitalismo, discorre Baumant com excepcional clareza em suas obras, de caráter mais filosófico que sociológico. Somos uma sociedade evanescente, diz ele, na qual a transitoriedade de tudo, cada vez mais acentuada e veloz, será o único fator permanente.

Ou seja, mercado, lucro, redes sociais potencializadoras, volatilidade, déficit de atenção, tudo está interconectado.

Ainda em outra face - são mesmo muitas, para a mesma realidade - Moisés Naím especula acerca da fragmentação do Poder, como o conhecemos, em consequência dessa realidade volátil, evanescente, permanentemente transitória, efeito, entre outras coisas, dos meios por intermédios dos quais ela é alimentada e cresce, ou seja, por exemplo, a rede social e a interconectividade.

O que estaria por trás de tudo isso? Como chegamos a esse patamar? Que teoria explicaria esse fenômeno em sua inteireza?

A menção, feita por Llosa, Sandel, tanto quanto Michel Henry e Debord, estes aqui ainda não citados, mas que também especulam acerca de faces dessa mesma questão social, e a onipresença do mercado poderia dar razão ao Marx sociólogo, embora não a aquele do materialismo dialético. Ou à teoria da seleção natural de Darwin, do qual o capitalismo seria uma consequência, digamos assim.

Nesses casos bem vale o dito atribuído a Proust: "o tempo é senhor da razão."

Ressalve-se, apenas, que as tentativas para conter a alienação, quando e se acontecerem, promovidas seja pelo próprio mercado, seja pelo Estado, poderão encontrar um status quo irreversível. Isso acontecendo, tendo como causa um brutal nivelamento por baixo em termos de capacidade de apreensão, de cognição, de capacidade de pensar em termos complexos, perdemos todos.

Concretamente viveremos a realidade das escolas no Brasil, hoje: cada dia mais alunos, cada dia menos conhecimento.

* Arte em www.daladierlima.com

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

BUCHA DE CANHÃO


* Honório de Medeiros

Os inocentes úteis urram galvanizados enquanto a caravana dos donos do Poder de esquerda ou direita passa. São bucha de canhão para quem os manipula.

Esquerda ou Direita têm o mesmo propósito: a destruição do Estado.

Os donos da Esquerda por ambicionarem o Poder enquanto defendem, para os inocentes úteis, que vão construir o Paraíso sobre os escombros dessa destruição. Socialistas selvagens.

Os donos da Direita por ambicionarem o Poder enquanto defendem, para os inocentes úteis, que todos serão ricos sobre os escombros dessa destruição. Capitalistas selvagens. 

Tanto uns quanto os outros querem o mesmo, acham que os fins justificam os meios, usam praticamente as mesmas táticas e estratégias, e somente diferem naquilo que prometem para quando chegarem ao Poder. São totalitários. 

Michiko Kakutani, prêmio Pulitzer de 1998, crítica literária do “The New York Times”, por mais de quarenta anos, em A Morte da Verdade (Notas Sobre a Mentira na Era Trump), conta que Steve Bannon, estrategista e conselheiro de Trump, certa vez descreveu a si mesmo como um “leninista”. 

O mesmo Bannon, ainda segundo Kakutani, teria dito o seguinte: “Lênin queria destruir o Estado, e esse também é o meu objetivo. Quero acabar com tudo e destruir todo o establishment de hoje em dia.” 

Lênin deve estar rindo muito em alguma das grelhas do inferno, apesar das dores. Ele é o patrono dessa maré de pós-verdade que se tornou praticamente hegemônica nos dias atuais, calcada no uso da retórica violenta, incendiária, em promessas simplórias e desconstrução da verdade, tudo potencializado pela internet. 

O fundador da URSS explicou, certa vez, que sua retórica era calculada para provocar o ódio, a aversão e o desprezo, não para convencer, mas para desmobilizar o adversário, não para corrigir o erro do inimigo, mas para destruí-lo. 

Quem quiser ler um pouco mais, está em “Report to the Fifth Congresso of the R.S.D.L.P. on the St. Petersburg Split of the Party Tribunal Ensuing Therefrom”, segundo Kakutani. 

Pois é.

* Arte em blog.maxieduca.com.br

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

CONHECI UM SANTO


* Honório de Medeiros

Para meu amigo Francisco de Sales Felipe.

Eu tinha dez ou onze anos quando conheci um santo. Chamava-se Helder Câmara, era Arcebispo da Igreja de Cristo em Recife e Olinda. A ele fui levado pela secretária particular do Governador Nilo Coelho, que eu suponho ter sido, muitas vezes, um canal de comunicação entre a Igreja, o Poder Civil e o Poder Militar em Pernambuco, dada sua condição singular de amiga pessoal dos líderes dessas instituições. Fomos eu, ela, uma tia, funcionária da Sudene, minha mãe e minha irmã, em começo de noite, na sede do arcebispado. Estávamos de férias em Recife. D. Helder nos recebeu com aquele seu sorriso luminoso, tão característico, olhos pisados pela falta de sono, o corpo mirrado, frágil, em seu ascético gabinete. Para mim, naquela época, era impossível sequer imaginar que ali estava um gigante moral. Um dique que com a força de suas palavras, atitudes, e carisma, tantas vezes contivera e conteria o furioso redemoinho, em Pernambuco, das águas turbulentas da repressão pós 64. Pregava defendendo uma Igreja simples, voltada para os pobres, e a não-violência. Orador que galvanizava multidões, também era um escritor cultuado. Dele li o belo “Um Olhar Sobre a Cidade”, perdido em alguma das mudanças que minhas muitas vidas me impuseram. Mas dele guardei mesmo, em meu coração, em minha mente, sem nunca esquecer, não somente a benção que seus dedos magros desenharam sob a minha testa ainda infantil, como também uma frase sua, lida em algum lugar, que é a síntese, para mim, do seu apostolado, tão bela quanto densa: “me enriqueces quando discordas de mim”. Eis uma epistemologia em forma de poesia direcionada ao espírito dos homens de boa-fé do povo de Deus. Minha benção, padre. Quando me lembro do senhor, acredito na humanidade.

sábado, 6 de outubro de 2018

EIS COMO VOTAREI EM 7 DE OUTUBRO DE 2018


* Honório de Medeiros


Presidente – João Amoedo (30) 

Governador – Carlos Eduardo (12) 

Senador – Magnólia (777) 

Deputado Federal – Alayde Passaia (333) 

Deputado Estadual – Nina Souza (12123) 

* Faz parte de um compromisso comigo mesmo sempre declinar meu voto antes das eleições.

Arte: Francisco Gomes da Silva

domingo, 30 de setembro de 2018

CHEGA DE SAUDADE


* Florentino Vereda

De passagem pelo Rio, resolvi assistir, mesmo de longe, a uma dessas manifestações que estão mudando a cara do País. Entre tantas placas de “”FORA...”, “BASTA...”, “QUEREMOS...”, uma me chamou a atenção : “CHEGA DE SAUDADE”. Tentei me aproximar da pessoa que a conduzia, mas a multidão me arrastou para outro lado. Só deu pra ver, pelos cabelos grisalhos, que era algum idoso.
Mais tarde, num desses bares de esquina de Copacabana, dei de cara com o tal manifestante, tomando um chope antes de voltar pra casa. Aproximei-me dele e comentei:

- Curiosa sua placa. Saudades de que?

- Senta, cara. Garçom, mais um chope. Olhou em direção do mar e acrescentou:
- Saudades do que poderia ter sido e não foi. Também fui jovem, protestei contra tudo que lá estava, também sonhei com um futuro. Cantava “”Apesar de você”” e acreditava que amanhã seria outro dia. A democracia era, para mim, a mulher com quem todos os homens sonhavam e com quem queriam viver o resto de suas vidas. Hoje a democracia com a qual vivemos é uma balzaquiana de 30 anos, sambada, rodada e prostituída, deformada por cirurgias plásticas intermináveis às quais chamam de emendas constitucionais, medidas provisórias e outros nomes bonitos que disfarçam a feiura de seus propósitos. Já se deitou com centenas de políticos, lambuzando-se nos leitos imundos do poder.

- Posso pedir outro chope?; perguntei.

- Claro. Ainda não acabaram com o papo de bar. Mas já não é a mesma coisa. De futebol, os grandes lances não são as “folhas-secas” de Didi, os dribles geniais de Garrincha e a elegância de Djalma Santos. Os craques de hoje são os cartolas, jogando nos carpetes dos gabinetes, tocando a bola e embolsando uma grana preta. Grana também é o que não falta para os jogadores que somam aos salários astronômicos as vultosas verbas de publicidade, de produtos que sequer usam na vida real. Em campo a vergonha campeia. Veja o Santos do Rei Pelé levar de oito dos deuses do Barça. E a Alemanha meter sete na caçapa da CBF. Saudades do tempo das “”casas simples com cadeiras nas calçadas”” onde vizinhos conversavam depois da janta, até o sono chegar. Hoje está todo mundo trancado em casa, diante da TV, vendo novelas com personagens ridículos, perversos e traiçoeiros tramando golpes e safadezas, coisas que serão imitadas posteriormente na vida real enquanto os anunciantes empurram produtos supérfluos e desnecessários a otários desprevenidos.

Chama o garçom, pede mais dois chopes e continua:

- Por isto, amigo, que ainda saio de casa e me junto à turba ignara, talvez com saudades da minha época de estudante. Vivemos hoje uma agoracracia. O povo está nas ruas forçando o Legislativo a legislar e o Executivo a executar. Não sei se vai dar certo. Sempre há os espertos. Vândalos e saqueadores misturam-se com sindicalistas, todos tentando arrancar algo do navio que está afundando. Políticos adotam como suas as ideias que jaziam adormecidas em berço esplêndido. Mas é melhor do que não fazer nada. Quem sabe, alguma coisa muda? A esperança verde é a última que morre amarela.

Arrisco uma pergunta, olhando nos seus olhos, se essas saudades são também de alguma mulher; algum amor da juventude, cuja chama ainda arde no peito, cuja lembrança ainda não se despregou da memória.

- Nada disso, amigo. Neste quesito dei sorte. Naqueles tempos conheci uma colega de universidade, lá no Calabouço, ali onde mataram Edson Luís. Juntos corremos da Policia. Juntos gritamos palavras de ordem. Juntos cantamos “”pra não dizer que não falei de flores.” Namoramos, juntamos nossas escovas e, desde aquela época continuamos juntos, dois companheiros e dois amantes. Pena que ela não queira mais sair comigo à noite. Anda com medo dos arrastões em bares e restaurantes. Fazer o que? Aliás, se o amigo me permite, vou embora. Ela está me esperando com açúcar, com afeto.

Levantou-se, pediu a conta, pagou as duas rodadas de chope (não admitiu a minha intervenção) e se despediu com um forte aperto de mão, dizendo:

- Boa sorte pra você, que mal vê a luz que mal se acende.

E sumiu no meio da multidão.