sexta-feira, 16 de novembro de 2018

VIOLÊNCIA: HÁ ALGO ESQUECIDO EM SUA ANÁLISE



* Honório de Medeiros

Em 13 de outubro de 2012 escrevi, e postei, em meu blog, um artigo cujo título era “O QUÊ LEVA O JOVEM AO CRIME”.

Nele eu dizia o seguinte:


“Uma das conseqüências possíveis relacionadas com a teoria da Antropóloga Alba Zaluar, Coordenadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências), ligado ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de que apenas a pobreza e a desigualdade social não explicam a ida de jovens para a criminalidade, é dar razão ao senso comum do povo quando clama pelo endurecimento da legislação penal.

A teoria, exposta em matéria assinada pelo jornalista Antônio Góis, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, apresenta como uma das causas do envolvimento de jovens com a violência a estrutura cultural que induz o surgimento do que ela chamou de “etos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”.

É algo decorrente da chamada “cultura machista”: os filhos homens são criados em ambientes que reproduzem condutas herdadas de desrespeito sistemático às mulheres, aos homossexuais, aos negros, às minorias, enfim, e valorização direta ou subliminar dos ícones da masculinidade distorcida; a música, a tradição oral, o lazer, a literatura, a própria postura passiva das minorias contribuem para a construção desse perfil medíocre e ameaçador.

A antropóloga lembra que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus (conjunto habitacional favelizado na zona Oeste do Rio de Janeiro) e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime.” É outra comprovação científica que respalda o senso comum: se apenas a pobreza fosse passaporte para o crime, não haveria Sociedade da forma como conhecemos. Melhor, não haveria tantos ricos criminosos. 

De posse do trabalho apresentado por Alba Zaluar talvez pudéssemos pelo menos iniciar a discussão em torno da ampliação das penas no Brasil. Quem sabe instaurarmos a prisão perpétua: não outra punição merece uma quadrilha de assaltantes recentemente presa em São Paulo, todos na faixa dos vinte anos, especializados em condomínios, que se tornaram conhecidos por torturarem suas vítimas, fossem elas novas ou idosas. Prisão perpétua com alimentação, saúde, lazer, tudo pago com trabalho – há tantas estradas para ajeitarmos, Brasil afora, tanta terra para ser arada...

E o maior empecilho, para aumentarmos a dosagem das penas no nosso país, para criarmos a prisão perpétua, é exatamente esse remorso social – quando não é a defesa em causa própria, como por exemplo, o caso dos nossos congressistas, grande parte respondendo algum tipo de processo – hipócrita que nos corrói a capacidade de enxergar o óbvio agora corroborado cientificamente. Sempre achamos, segmentos da elite, que a criminalidade tinha ligação direta com a pobreza. Recusávamo-nos a perceber, com o povão, que sofre nas mãos da delinqüência e nas mãos da polícia, que não era assim, afinal não se justifica que haja tortura e morte desnecessária em cada assalto realizado: a crueldade é um ritual de passagem na hierarquia do crime, dependente da admiração dos companheiros: quanto mais cruel, mais admirado, quantos mais homicídios, mais enaltecido.

Agora é tempo de ir atrás do prejuízo antes que seja tarde demais: contamos nos dedos as casas e condomínios onde não há cerca elétrica e cães, isolamento e medo. Fazemos de conta que não há guerra civil em São Paulo e Rio de Janeiro. Iludimo-nos pensando que o Estado é soberano em algumas áreas das grandes cidades do Brasil.”

Em 13 de junho de 2014, voltei ao tema, novamente em meu blog: 

“Diferente da corrente majoritária hoje nas análises sociológicas acerca das causas da criminalidade e suas consequências, defendo uma abordagem, acerca do tema, de caráter darwinista. 

Ou seja, penso que está mais que no tempo de superar a falida postura de atribuir às condições sociais, à pobreza, por assim dizer, o surgimento da criminalidade.

A pobreza não é causa, é um dos ambientes do surgimento da criminalidade. Para o senso comum, principalmente o brasileiro, é fácil entender essa hipótese: basta acompanhar, diariamente, o noticiário acerca da corrupção. 

Existe uma lógica perversa, típica, por trás da difusão e aprofundamento dessa manobra diversionista que é atribuir á pobreza o surgimento da criminalidade. É uma lógica de gueto, secessionista, da qual se apropriam os interessados em usufruir da confusão que ela origina.

Em relação ao reconhecimento desse "ethos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”, a literatura também se manifesta, mesmo que obliquamente, no sentido de reconhecê-la como uma das causas da criminalidade. 

Leiam atentamente o trecho a seguir, pinçado de "Maigret hesita", do genial Georges Simenon, escrito em 1968: 

‘É provável que lá também encontrasse um pobre sujeito que havia realmente matado porque não podia agir de outro modo, ou então um jovem delinquente de Pigalle, recém-chegado de Marselha ou da Córsega, que eliminara um rival para se fazer crer que era um homem.’"

Inesperado e surpreendente é encontrar o relato feito por Frederico Pernambucano de Mello em sua obra canônica Guerreiros do Sol, o mais completo estudo sobre o cangaço, um tipo de banditismo rural que medrou no Sertão do nordeste brasileiro desde a metade do século XIX até meados do século XX, quanto ao entusiasmo que as façanhas dos bandoleiros exerciam "entre a flor em botão da mocidade".

Na obra Pernambucano de Mello cita Marilourdes Ferraz, festejada escritora de O Canto do Acauã, e sua constatação sobre "o notável poder de sedução que o cangaço exercia sobre os jovens, inclusive os das chamadas "boas famílias".

E complementa apresentando trecho do discurso do deputado estadual pernambucano Maviael do Prado, transcrito no Relatório sobre o ano de 1928, da Repartição Central da Polícia Estadual do Estado de Pernambuco, no qual aquela autoridade discorria sobre o assunto, enfatizando exatamente essa perspectiva.

Ai está o senso comum e a literatura mais uma vez mostrando de forma inequívoca por qual razão podem e devem ser pontos-de-partida para o conhecimento da realidade social.

Arte em Daily Echo 

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