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terça-feira, 14 de novembro de 2017

EVOLUÍMOS GRAÇAS À LUTA DO BEM CONTRA O MAL

Edward Osborn Wilson (*)

ENTREVISTA - 20/03/2013 (**)

Edward O. Wilson: "Evoluímos graças à luta do bem contra o mal"

O criador da sociobiologia explica sua nova tese sobre a seleção natural, resultado da tensão permanente nos seres humanos entre egoísmo e altruísmo

PETER MOON 

Edward O. Wilson é considerado o maior biólogo vivo. Especialista em formigas, Wilson, nos anos 1970, criou a sociobiologia, um campo científico que estuda as sociedades dos insetos. Desde então, somou a seu pioneirismo científico na Universidade de Harvard uma brilhante carreira literária. É o único autor a ganhar um prêmio Pulitzer por um livro de biologia. O último livro lançado por Wilson – aos 83 anos, quando se pensava que não tinha mais nada a dizer – propõe uma inovadora a visão científica da evolução humana. Segunda ele, a lógica que explica a formação dos formigueiros também se aplica à humanidade. Centenas de biólogos se insurgiram contra sua teoria. Seu maior crítica foi o também escritor e cientista Richard Dawkins. "Ele não é um cientista. É um escritor de ciência", afirma Wilson.

ÉPOCA – O senhor estuda formigas. É o maior especialista no assunto. Como a biodiversidade brasileira influiu em sua carreira?

Edward O. Wilson – Vou contar um caso curioso. Cresci em Mobile, no Alabama. Desde criança, colecionava insetos e borboletas. Certo dia, em 1942, achei uma formiga que nunca tinha visto antes. Descobri que não era americana, mas brasileira, da espécie lava-pés (Solenopsis invicta). Aquelas formigas eram invasoras biológicas. Tinham desembarcado no Porto de Mobile dentro da carga de navios vindos do Brasil. Desde então, a formiga lava-pés se tornou uma praga. Ela, hoje, infesta o sul e o sudeste dos Estados Unidos. Quem primeiro identificou a invasão fui eu. Foi minha primeira descoberta científica. Só tinha 13 anos. Foi por causa da lava-pés que acabei dedicando minha vida ao estudo das formigas.

ÉPOCA – Certa vez, o zoólogo brasileiro Paulo Vanzolini, ex-diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, disse que vocês são amigos.

Wilson – Sim. Conheço Vanzolini desde 1950, quando cursávamos o doutorado aqui na Universidade Harvard, em Boston. Lá se vão 60 anos de amizade.

ÉPOCA – Vanzolini (autor do célebre samba “Ronda”) é um famoso compositor de sambas...

Wilson – Claro! Ele vivia tocando violão aqui na universidade. Vanzolini é um grande biólogo e um grande homem. É especialista nos répteis do Cerrado brasileiro. Gosto dele, mas não o vejo faz anos, desde minha última ida a São Paulo. Estive no Brasil três vezes, entre São Paulo, Rio de Janeiro e Amazônia.

ÉPOCA – Nos anos 1970, havia um programa de perguntas e respostas de sucesso na TV brasileira, o Oito ou oitocentos?. Um dos grandes vencedores foi o biólogo Mario Autuori (1906-1982), ex-diretor do Zoológico de São Paulo. Ao longo de 17 semanas, milhões de brasileiros ficaram conhecendo tudo sobre o mundo das formigas. O senhor chegou a conhecer o professor Autuori?

Wilson – Sei quem ele era, mas nunca o conheci pessoalmente. Que bom que os brasileiros puderam conhecer um pouco sobre as formigas na TV brasileira! Elas são animais fantásticos. Há 14 mil espécies. Seu estudo não tem fim. As formigas são animais que desenvolveram uma organização social fascinante, que só rivaliza com a sociedade dos cupins, das abelhas e do ser humano.

ÉPOCA – O senhor explica a evolução de sociedades animais como as formigas com o conceito de seleção de grupo. O que é isso?

Wilson – Segundo o mecanismo da seleção natural de Charles Darwin, a evolução das espécies se processa quando os indivíduos com características vantajosas à sobrevivência da espécie acasalam e transmitem tais características às gerações futuras. Essa é a seleção individual, que ocorre no nível do indivíduo. Ela não se aplica às formigas. Entre elas, quem atua é a seleção de grupo. As formigas operárias não acasalam, logo não transmitem seus genes. A única fêmea que reproduz é a rainha. Ela é mãe de todas as formigas e transmite seus genes a todo o formigueiro. Segundo a seleção de grupo, às operárias não importa que jamais reproduzam nem transmitam genes. Elas evoluíram para contribuir para a sobrevivência do formigueiro.

ÉPOCA – Em seu novo livro, A conquista social da Terra, o senhor afirma que nem a seleção individual nem a seleção de grupo se aplicam ao ser humano. Em seu lugar, o senhor propõe uma nova teoria, a seleção multinível, uma combinação da seleção individual e de grupo.

Wilson – A seleção multinível é o principal motor da evolução humana. Ela é o produto do conflito entre as escolhas egoístas da seleção individual e as escolhas altruístas da seleção de grupo.

ÉPOCA – Como assim?

Wilson – A condição humana é produto da história, não apenas dos últimos 6 mil anos, mas de milhares de milênios. Cerca de 2 milhões de anos atrás, na África, nossos ancestrais do gênero Australopithecus tinham uma dieta vegetariana. Aos poucos, como comprovaram os paleontólogos, aqueles primatas foram tomando gosto pelo consumo de carne. A transição de uma dieta vegetariana para outra carnívora não poderia ocorrer em bandos de caçadores que fossem sedentários, como acontece com os chimpanzés de hoje. Seria mais eficiente manter um acampamento em que as mulheres pudessem tomar conta das crianças e mandar caçadores atrás da caça para alimentar o grupo. Apesar dessa divisão de tarefas, nem todos os caçadores nem todas as mulheres poderiam conquistar o direito de acasalar, ter filhos e transmitir seus genes. Mesmo assim, todos continuam contribuindo para a sobrevivência do bando.

ÉPOCA – O senhor diz que é o conflito entre altruísmo e egoísmo é o que define a condição humana.

Wilson – A seleção individual tende a promover o egoísmo e o interesse individual dentro da família, enquanto a seleção de grupo promove as características que fazem o grupo prevalecer. Entre elas, está a moral, o altruísmo, a coragem, a fidelidade e a lealdade. A seleção natural do ser humano é resultado da tensão constante entre esses dois níveis. A seleção individual é responsável pela maioria das coisas que definimos como pecado entre os seres humanos. A seleção de grupo é responsável por nossas virtudes. A generosidade, que originalmente se sobrepôs a nossos instintos egoístas mais primitivos, foi o principal ingrediente da evolução humana.

ÉPOCA – Bem e mal, direita e esquerda, capitalismo e comunismo. O que move a evolução humana é a luta constante entre ideias e sistemas econômicos e sociais antagônicos?

Wilson – Essa é uma hipersimplificação, é claro, mas há uma verdade essencial na afirmação. Sim, evoluímos graças à luta do bem contra o mal. Esse conflito tem guiado a evolução humana até hoje. Quando se pensa nisso como uma possibilidade, fica muito mais fácil descobrir como surgiram as contradições da mente humana, de onde vem a consciência e por que parece impossível viver em paz com nosso semelhante, quanto mais viver em paz com nossa própria consciência. Sei que essas afirmações são um grande salto para a psicologia – e que não são nem um pouco científicas. Na minha opinião, nossa espécie é fruto de pressões evolutivas individuais e coletivas. Juntas, elas criaram o conflito entre os melhores e os piores sentimentos da natureza humana.

ÉPOCA – Como pode comparar formigueiros com tribos e nações? Somos animais racionais dotados de cultura, não insetos.

Wilson – Seria um erro comparar formigas com humanos. O que comparei foram apenas os eventos na seleção natural que contribuíram para a evolução de formigas e do ser humano. As formigas vivem em sociedades extremamente complexas. Antes da evolução do ser humano, a sociedade das formigas era a mais avançada do planeta. A vida em sociedade evoluiu apenas 17 vezes durante os 4 bilhões de anos da história da vida na Terra. Entre as dezenas de milhões de espécies extintas e os milhões de espécies viventes, só 17 passaram a viver em sociedade. É o caso do homem e das formigas, mas também das abelhas e dos cupins. Homens são totalmente diferentes de formigas, mas as pressões adaptativas que levaram à evolução dos formigueiros podem ser comparadas às pressões instintivas que desembocaram na civilização humana.

ÉPOCA – Sua teoria da seleção multinível aplicada ao homem é rechaçada por centenas de cientistas. O senhor é acusado de ter uma visão reducionista e simplificadora da condição humana.

Wilson – Na ciência, quando são feitas perguntas importantes e se descobrem respostas originais, elas sempre causam controvérsia. Na minha carreira fui abençoado por contar com inimigos brilhantes, como o biólogo James Watson (ele descobriu, com Francis Crick, a molécula do DNA) e o paleontólogo Stephen Jay Gould. A crítica é parte essencial do método científico. Nos anos 1960, quando um grupo de biólogos – entre eles, eu – propôs que a cultura influencia a evolução de nossa espécie, os antropólogos se insurgiram. Disseram que estávamos loucos, que era impossível e que os genes não guardam relação alguma com a cultura. Hoje, ninguém mais duvida de que a cultura influencia a evolução biológica do Homo sapiens.

ÉPOCA – O biólogo inglês Richard Dawkins é seu crítico mais ferrenho. Ele afirma que ninguém aceita sua teoria, que o senhor não reconhece esse isolamento e, por isso, sofre de uma “arrogância absoluta”. Ele defende a tese de que seu livro seja “ignorado e jogado no lixo”.

Wilson – (Gargalhada) Desculpe-me por rir. Richard Dawkins não é um cientista. É um escritor de divulgação científica. Ele só escreve sobre o que os outros descobrem. Dawkins já foi cientista. Ele não entra num laboratório nem publica um trabalho científico há muitos anos. Ao criticar minha teoria, ele mostra seu total desconhecimento da teoria evolutiva. Repete o que seus amigos dizem. Ele não sabe o que fala. Dawkins está muito contrariado, porque o conteúdo de vários livros seus sobre a evolução humana perdeu o sentido ao não levar em conta a seleção multinível. Não gosto de desmerecer um escritor de sucesso como Dawkins, mas, ao criticar-me, ele foi muito além de sua própria capacidade de análise.

(*) Arte: www.theguardian.com
(**) Em http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2013/03/edward-o-wilson-evoluimos-gracas-luta-do-bem-contra-o-mal.html

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A CRISE FORJADA DA PREVIDÊNCIA

ENTREVISTA - DENISE GENTIL

A crise forjada da Previdência

Por Coryntho Baldez

Com argumentos insofismáveis, Denise Gentil destroça os mitos oficiais que encobrem a realidade da Previdência Social no Brasil. Em primeiro lugar, uma gigantesca farsa contábil transforma em déficit o superávit do sistema previdenciário, que atingiu a cifra de R$ 1,2 bilhões em 2006, segundo a economista.

O superávit da Seguridade Social - que abrange a Saúde, a Assistência Social e a Previdência - foi significativamente maior: R$ 72,2 bilhões. No entanto, boa parte desse excedente vem sendo desviada para cobrir outras despesas, especialmente de ordem financeira - condena a professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, pelo qual concluiu sua tese de doutorado "A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990 - 2005" (leia a tese na íntegra).

Nesta entrevista ao Jornal da UFRJ, ela ainda explica por que considera insuficiente o novo cálculo para o sistema proposto pelo governo e mostra que, subjacente ao debate sobre a Previdência, se desenrola um combate entre concepções distintas de desenvolvimento econômico-social.

Jornal da UFRJ: A idéia de crise do sistema previdenciário faz parte do pensamento econômico hegemônico desde as últimas décadas do século passado. Como essa concepção se difundiu e quais as suas origens?

Denise Gentil: A idéia de falência dos sistemas previdenciários públicos e os ataques às instituições do welfare state (Estado de Bem- Estar Social) tornaram-se dominantes em meados dos anos 1970 e foram reforçadas com a crise econômica dos anos 1980. O pensamento liberal-conservador ganhou terreno no meio político e no meio acadêmico. A questão central para as sociedades ocidentais deixou de ser o desenvolvimento econômico e a distribuição da renda, proporcionados pela intervenção do Estado, para se converter no combate à inflação e na defesa da ampla soberania dos mercados e dos interesses individuais sobre os interesses coletivos. Um sistema de seguridade social que fosse universal, solidário e baseado em princípios redistributivistas conflitava com essa nova visão de mundo. O principal argumento para modificar a arquitetura dos sistemas estatais de proteção social, construídos num período de crescimento do pós-guerra, foi o dos custos crescentes dos sistemas previdenciários, os quais decorreriam, principalmente, de uma dramática trajetória demográfica de envelhecimento da população. A partir de então, um problema que é puramente de origem sócio-econômica foi reduzido a um mero problema demográfico, diante do qual não há solução possível a não ser o corte de direitos, redução do valor dos benefícios e elevação de impostos. Essas idéias foram amplamente difundidas para a periferia do capitalismo e reformas privatizantes foram implantadas em vários países da América Latina.

Jornal da UFRJ: No Brasil, a concepção de crise financeira da Previdência vem sendo propagada insistentemente há mais de 15 anos. Os dados que você levantou em suas pesquisas contradizem as estatísticas do governo. Primeiramente, explique o artifício contábil que distorce os cálculos oficiais.

Denise Gentil: Tenho defendido a idéia de que o cálculo do déficit previdenciário não está correto, porque não se baseia nos preceitos da Constituição Federal de 1988, que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de Seguridade Social. O cálculo do resultado previdenciário leva em consideração apenas a receita de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que incide sobre a folha de pagamento, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores. O resultado dá em déficit. Essa, no entanto, é uma equação simplificadora da questão. Há outras fontes de receita da Previdência que não são computadas nesse cálculo, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a receita de concursos de prognósticos. Isso está expressamente garantido no artigo 195 da Constituição e acintosamente não é levado em consideração.

Jornal da UFRJ: A que números você chegou em sua pesquisa?

Denise Gentil: Fiz um levantamento da situação financeira do período 1990-2006. De acordo com o fluxo de caixa do INSS, há superávit operacional ao longo de vários anos. Em 2006, para citar o ano mais recente, esse superávit foi de R$ 1,2 bilhões.

O superávit da Seguridade Social, que abrange o conjunto da Saúde, da Assistência Social e da Previdência, é muito maior. Em 2006, o excedente de recursos do orçamento da Seguridade alcançou a cifra de R$ 72,2 bilhões.

Uma parte desses recursos, cerca de R$ 38 bilhões, foi desvinculada da Seguridade para além do limite de 20% permitido pela DRU (Desvinculação das Receitas da União).

Há um grande excedente de recursos no orçamento da Seguridade Social que é desviado para outros gastos. Esse tema é polêmico e tem sido muito debatido ultimamente. Há uma vertente, a mais veiculada na mídia, de interpretação desses dados que ignora a existência de um orçamento da Seguridade Social e trata o orçamento público como uma equação que envolve apenas receita, despesa e superávit primário. Não haveria, assim, a menor diferença se os recursos do superávit vêm do orçamento da Seguridade Social ou de outra fonte qualquer do orçamento.

Interessa apenas o resultado fiscal, isto é, o quanto foi economizado para pagar despesas financeiras com juros e amortização da dívida pública.

Por isso o debate torna-se acirrado. De um lado, estão os que advogam a redução dos gastos financeiros, via redução mais acelerada da taxa de juros, para liberar recursos para a realização do investimento público necessário ao crescimento. Do outro, estão os defensores do corte lento e milimétrico da taxa de juros e de reformas para reduzir gastos com benefícios previdenciários e assistenciais. Na verdade, o que está em debate são as diferentes visões de sociedade, de desenvolvimento econômico e de valores sociais.

Jornal da UFRJ: Há uma confusão entre as noções de Previdência e de Seguridade Social que dificulta a compreensão dessa questão. Isso é proposital?

Denise Gentil: Há uma grande dose de desconhecimento no debate, mas há também os que propositadamente buscam a interpretação mais conveniente. A Previdência é parte integrante do sistema mais amplo de Seguridade Social.

É parte fundamental do sistema de proteção social erguido pela Constituição de 1988, um dos maiores avanços na conquista da cidadania, ao dar à população acesso a serviços públicos essenciais. Esse conjunto de políticas sociais se transformou no mais importante esforço de construção de uma sociedade menos desigual, associado à política de elevação do salário mínimo. A visão dominante do debate dos dias de hoje, entretanto, freqüentemente isola a Previdência do conjunto das políticas sociais, reduzindo-a a um problema fiscal localizado cujo suposto déficit desestabiliza o orçamento geral. Conforme argumentei antes, esse déficit não existe, contabilmente é uma farsa ou, no mínimo, um erro de interpretação dos dispositivos constitucionais.

Entretanto, ainda que tal déficit existisse, a sociedade, através do Estado, decidiu amparar as pessoas na velhice, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente de trabalho, na maternidade, enfim, cabe ao Estado proteger aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou temporariamente, para o trabalho e que perdem a possibilidade de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o mercado excluirá a todos nessas circunstâncias.

Jornal da UFRJ: E são recursos que retornam para a economia?

Denise Gentil: É da mais alta relevância entender que a Previdência é muito mais que uma transferência de renda a necessitados. Ela é um gasto autônomo, quer dizer, é uma transferência que se converte integralmente em consumo de alimentos, de serviços, de produtos essenciais e que, portanto, retorna das mãos dos beneficiários para o mercado, dinamizando a produção, estimulando o emprego e multiplicando a renda. Os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo para alavancar a economia. O baixo crescimento econômico de menos de 3% do PIB (Produto Interno Bruto), do ano de 2006, seria ainda menor se não fossem as exportações e os gastos do governo, principalmente com Previdência, que isoladamente representa quase 8% do PIB.

Jornal da UFRJ: De acordo com a Constituição, quais são exatamente as fontes que devem financiar a Seguridade Social?

Denise Gentil: A seguridade é financiada por contribuições ao INSS de trabalhadores empregados, autônomos e dos empregadores; pela Cofins, que incide sobre o faturamento das empresas; pela CSLL, pela CPMF (que ficouconhecida como o imposto sobre o cheque) e pela receita de loterias. O sistema de seguridade possui uma diversificada fonte de financiamento. É exatamente por isso que se tornou um sistema financeiramente sustentável, inclusive nos momentos de baixo crescimento, porque além da massa salarial, o lucro e o faturamento são também fontes de arrecadação de receitas. Com isso, o sistema se tornou menos vulnerável ao ciclo econômico. Por outro lado, a diversificação de receitas, com a inclusão da taxação do lucro e do faturamento, permitiu maior progressividade na tributação, transferindo renda de pessoas com mais alto poder aquisitivo para as de menor.

Jornal da UFRJ: Além dessas contribuições, o governo pode lançar mão do orçamento da União para cobrir necessidades da Seguridade Social?

Denise Gentil: É exatamente isso que diz a Constituição. As contribuições sociais não são a única fonte de custeio da Seguridade. Se for necessário, os recursos também virão de dotações orçamentárias da União. Ironicamente tem ocorrido o inverso. O orçamento da Seguridade é que tem custeado o orçamento fiscal.

Jornal da UFRJ: O governo não executa o orçamento à parte para a Seguridade Social, como prevê a Constituição, incorporando-a ao orçamento geral da União. Essa é uma forma de desviar recursos da área social para pagar outras despesas?

Denise Gentil: A Constituição determina que sejam elaborados três orçamentos: o orçamento fiscal, o orçamento da Seguridade Social e o orçamento de investimentos das estatais. O que ocorre é que, na prática da execução orçamentária, o governo apresenta não três, mas um único orçamento chamandoo de "Orçamento Fiscal e da Seguridade Social", no qual consolida todas as receitas e despesas, unificando o resultado. Com isso, fica difícil perceber a transferência de receitas do orçamento da Seguridade Social para financiar gastos do orçamento fiscal. Esse é o mecanismo de geração de superávit primário no orçamento geral da União. E, por fim, para tornar o quadro ainda mais confuso, isola-se o resultado previdenciário do resto do orçamento geral para, com esse artifício contábil, mostrar que é necessário transferir cada vez mais recursos para cobrir o "rombo" da Previdência. Como a sociedade pode entender o que realmente se passa?

Jornal da UFRJ: Agora, o governo pretende mudar a metodologia imprópria de cálculo que vinha usando. Essa mudança atenderá completamente ao que prevê a Constituição, incluindo um orçamento à parte para a Seguridade Social?

Denise Gentil: Não atenderá o que diz a Constituição, porque continuará a haver um isolamento da Previdência do resto da Seguridade Social. O governo não pretende fazer um orçamento da Seguridade. Está propondo um novo cálculo para o resultado fiscal da Previdência. Mas, aceitar que é preciso mudar o cálculo da Previdência já é um grande avanço. Incluir a CPMF entre as receitas da seguridade é um reconhecimento importante, embora muito modesto. Retirar o efeito dos incentivos fiscais sobre as receitas também ajuda a deixar mais transparente o que se faz com a política previdenciária. O que me parece inadequado, entretanto, é retirar a aposentadoria rural da despesa com previdência porque pode, futuramente, resultar em perdas para o trabalhador do campo, se passar a ser tratada como assistência social, talvez como uma espécie de bolsa. Esse é um campo onde os benefícios têm menor valor e os direitos sociais ainda não estão suficientemente consolidados.

Jornal da UFRJ: Como você analisa essa mudança de postura do Governo Federal em relação ao cálculo do déficit? Por que isso aconteceu?

Denise Gentil: Acho que ainda não há uma posição consolidada do governo sobre esse assunto. Há interpretações diferentes sobre o tema do déficit da Previdência e da necessidade de reformas. Em alguns segmentos do governo fala-se apenas em choque de gestão, mas em outras áreas, a reforma da previdência é tratada como inevitável. Depois que o Fórum da Previdência for instalado, vão começar os debates, as disputas, a atuação dos lobbies e é impossível prever qual o grau de controle que o governo vai conseguir sobre seus rumos. Se os movimentos sociais não estiverem bem organizados para pressionarem na defesa de seus interesses pode haver mais perdas de proteção social, como ocorreu em reformas anteriores.

Jornal da UFRJ: A previdência pública no Brasil, com seu grau de cobertura e garantia de renda mínima para a população, tem papel importante como instrumento de redução dos desequilíbrios sociais?

Denise Gentil: Prefiro não superestimar os efeitos da Previdência sobre os desequilíbrios sociais. De certa forma, tem-se que admitir que vários estudos mostram o papel dos gastos previdenciários e assistenciais como mecanismos de redução da miséria e de atenuação das desigualdades sociais nos últimos quatro anos. Os avanços em termos de grau de cobertura e de garantia de renda mínimapara a população são significativos. Pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), cerca de 36,4 milhões de pessoas ou 43% da população ocupada são contribuintes do sistema previdenciário. Esse contingente cresceu de forma considerável nos últimos anos, embora muito ainda necessita ser feito para ampliar a cobertura e evita que, no futuro, a pobreza na velhice se torne um problema dos mais graves. O fato, porém, de a população ter assegurado o piso básico de um salário mínimo para os benefícios previdenciários é de fundamental importância porque, muito embora o valor do salário mínimo esteja ainda distante de proporcionar condições dignas de sobrevivência, a política social de correção do salário mínimo acima da inflação tem permitido redução da pobreza e atenuado a desigualdade da renda.

Cerca de dois milhões de idosos e deficientes físicos recebem benefícios assistenciais e 524 mil são beneficiários do programa de renda mensal vitalícia. Essas pessoas têm direito a receber um salário mínimo por mês de forma permanente.

Evidentemente que tudo isso ainda é muito pouco para superar nossa incapacidade histórica de combater as desigualdades sociais. Políticas muito mais profundas e abrangentes teriam que ser colocadas em prática, já que a pobreza deriva de uma estrutura produtiva heterogênea e socialmente fragmentada que precisa ser transformada para que a distância entre ricos e pobres efetivamente diminua. Além disso, o crescimento econômico é condição fundamental para a redução da pobreza e, nesse quesito, temos andado muito mal. Mas a realidade é que a redução das desigualdades sociais recebeu um pouco mais de prioridade nos últimos anos do que em governos anteriores e alguma evolução pode ser captada através de certos indicadores.

Jornal da UFRJ: Apesar do superávit que o governo esconde, o sistema previdenciário vem perdendo capacidade de arrecadação. Isso se deve a fatores demográficos, como dizem alguns, ou tem relação mais direta com a política econômica dos últimos anos?

Denise Gentil: A questão fundamental para dar sustentabilidade para um sistema previdenciário é o crescimento econômico, porque as variáveis mais importantes de sua equação financeira são emprego formal e salários. Para que não haja risco do sistema previdenciário ter um colapso de financiamento é preciso que o país cresça, aumente o nível de ocupação formal e eleve a renda média no mercado de trabalho para que haja mobilidade social. Portanto, a política econômica é o principal elemento que tem que entrar no debate sobre "crise" da Previdência. Não temos um problema demográfico a enfrentar, mas de política econômica inadequada para promover o crescimento ou a aceleração do crescimento.

Fonte: Jornal da UFRJ

domingo, 5 de janeiro de 2014

O CHAPLIN (REGINA AZEVEDO) ENTREVISTA BÁRBARA DE MEDEIROS

Regina Azevedo*

Entrevista originariamente postada em "OCHAPLIN.COM"
 
Bárbara de Medeiros nasceu dia 27 de fevereiro de 1998, em Natal. Com 13 anos de idade, escreveu – e publicou! – um drama psicológico chamado ”O Escritor de Sonhos” e conquistou muitos amigos, fãs, e, sobretudo, leitores vorazes. Hoje, beirando os 16 anos, ela conversa com a gente sobre literatura, projetos futuros e incentivo.
 
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O CHAPLIN: Com quantos anos você começou a escrever?
 
Eu comecei a escrever assim que aprendi a escrever: com 6 anos de idade. Eu não me lembro de uma data especial na qual eu decidi ser escritora. Desde sempre quis fazer isso. Mesmo quando dizia: ”mamãe, quero ser bailarina”, eu queria ser bailarina e escritora. Pra mim, um escritor era uma espécie de mágico. E isso, acredite, é muito bom.
 
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O CHAPLIN: Vamos falar sobre família. Qual a participação de seus pais e familiares em tudo isso? 
Meus pais são muito interessados em leitura. Meu pai, aliás, é escritor. Desde muito cedo, fui incentivada a ler. Fiquei fascinada pela leitura. O incentivo a escrever veio automaticamente, depois disso.
 
O CHAPLIN: O que você lia aos 6 anos? E hoje em dia, quase 10 anos depois, o que você costuma ler?
 
Eu lia fantasia e gostava muito de histórias em quadrinho, em especial Turma de Mônica. Hoje em dia, continuo gostando de ambas as coisas, mas também leio muita ficção científica, biografias, terror e drama.
 
O CHAPLIN: O Escritor de Sonhos é seu primeiro livro publicado. Um drama psicológico, certo? Como foi o processo de escrita e criação desse livro?
 
Escrever é sempre doloroso. Escrevi esse livro em um único mês, o último do ano letivo, e fiquei como uma morta-viva: quase não comia, não falava – e eu falo muito! – e todo mundo percebeu como eu fiquei diferente. O processo foi extremamente desgastante: o antes, o depois e, claro, o durante.
 
 
 
O CHAPLIN:  Nem mesmo algumas das pessoas que leram o livro sabem definir o que REALMENTE a trama fala. Na sua cabeça, o que essa história conta?
 
“O Escritor de Sonhos” fala sobre um homem que mora num hospício, e, como ele não pode viver – porque ninguém vive num hospício; aquilo não é vida -, ele começa a sonhar. Com o livro, eu ambiciono questionar se quando a gente passa a viver através de sonhos, o sonho passa a ser vida, e a vida, um sonho. É basicamente isso.
 
O CHAPLIN: Você tem muito bloqueio de escritor? Como você lida com isso?
 
Eu tenho muito mesmo, mas procuro continuar escrevendo, de qualquer forma, mesmo que seja sobre o bloqueio, a falta de inspiração e tudo o mais. Sento à mesa e: vamos lá, Bárbara!
 
O CHAPLIN: Quando você escreveu seu livro, você fazia o 8º ano na ED (Escola Doméstica de Natal, uma escola tradicional que faz parte de um complexo escolar bastante renomado em terras natalenses). A escola te deu algum apoio?
 
Não. Apoio zero, inicialmente. Nem sabiam que eu estava escrevendo um livro, aliás. Mas os meus professores preferidos foram ao lançamento, porque eu os convidei, e isso foi muito importante pra mim. Alguns meses após o lançamento, a escola me deu a oportunidade de palestrar no Dia do Livro, e eu adorei, primeiro porque eu adoro palestrar e depois porque, na ocasião, eu conheci dois escritores que se tornaram grandes amigos: Jorge Enrique e José de Castro. Foi muito legal.
 
O CHAPLIN: E os planos para o futuro? O que você pretende fazer?
 
Eu estou editando meu livro Sindicato das Bailarinas Circenses, que é uma antologia de textos – poemas, contos, crônicas – inéditos ou já publicados no meio virtual. Mais além, só quero viver. É isso. E ser diplomata.
 
 
O livro de Bárbara está à venda na Saraiva do Midway Mall e você também pode comprá-lo através do e-mail barbie.bldm@gmail.com. (R$35)
 
* Poeta, performer em estudo e agitadora. fundei o iapois poesia, publiquei ''das vezes que morri em você'' (jovens escribas) e escrevo às vezes pro reginazvdo.tumblr.com. tenho um peixe chamado cachorro e amo bukowski.
 

sábado, 4 de maio de 2013

REGINA AZEVEDO: A POESIA É UM JEITO LINDO DE SER LOUCO!

Reunião do IAPOIS no Bosque dos Namorados
 
 
O Blog entrevista Regina Azevedo*, líder do IAPOIS:

 
1) Eis o meu ponto de vista: Percebe-se um poema pela forma como é lido, não pela forma como é dividido entre as linhas de um caderno e/ou pela quantidade de palavras terminadas num som em comum. Pra mim, ainda, é o mesmo que acontece com os poetas. Um cara pode, por exemplo, escrever vinte poemas por dia, usar a maior quantidade de rimas que conseguir achar em um rimador online e tudo o mais, mas só será um POETA, mesmo, quando souber ler seus versos. Um dia me disseram: ''Poeta tem que ter peito...'', e eu era muito jovem, então olhei um pouco pra baixo do meu pescoço, haha. Mas enfim.
2) A poesia é um jeito lindo de ser louco. Uma espécie de hospício-confessionário particular.
3) Quando planejo os eventos do Iapois, sempre digo aos outros membros do grupo: ''Não é pra ser perfeito. É pra ser feliz.'' - E pra se sentir infinito.
 
* Regina Azevedo tem 13 anos, mas o Blog pensa que ela é o passado, o presente e o futuro ao mesmo tempo...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

VILA-MATAS: O DESAPARECIMENTO E A BUSCA DA ESSÊNCIA LITERÁRIA

Enrique Vila-Matas
De rascunho.gazetadopovo.com.br

 Edições > 144 > Revista "Cult" > Entrevista com Enrique Vila-Matas

O desaparecimento e a busca da essência literária em Doutor Pasavento

 Wilker Sousa

Quando da recente morte de J.D. Salinger (1919-2010), muito se especulou acerca das razões que o levaram à sua longa reclusão na pequena Cornish, em New Hampshire. Após a retumbante fama advinda da publicação de O Apanhador no Campo de Centeio, Salinger deixou o frenesi nova-iorquino e optou pela tranquilidade de sua casa de campo, onde viveu de 1953 até sua morte. Escritores mais familiarizados com holofotes ou ainda aqueles que fazem da fama o substrato de suas carreiras por certo veriam essa atitude como um verdadeiro contrassenso. Em contrapartida, outros, como Samuel Beckett (1906-1989), o suíço Robert Walser (1878-1956) e o espanhol Enrique Vila-Matas, julgariam sábia a postura de Salinger. O primeiro, quando soube que ganhara o Nobel, fugiu; Walser passou os últimos anos de sua vida em um manicômio, onde escreveu microtextos, sem nunca publicá-los; e Vila-Matas faz do desaparecimento um dos eixos centrais de sua obra.

Em “A Arte de Desaparecer”, conto presente em Suicídios Exemplares (1991), o personagem Anatol pena ao ver publicado um dos romances que guardara em seu baú. Seduzido pelas possíveis benesses da glória literária, em contraposição ao tédio e ao anonimato de sua recém-chegada aposentadoria, o “escritor secreto” permite que um editor publique suas obras. Contudo, logo é tomado por arrependimento e foge, restando-lhe a conclusão de que “a obrigação do autor é desaparecer”. O conto, acredita Vila-Matas, seria a origem do tema em sua obra, assunto que desenvolveria com ainda mais força em Doutor Pasavento, romance publicado em 2005 e que chega neste mês às livrarias brasileiras. O livro é narrado por Andrés Pasavento, romancista que, após ser convidado a dar uma palestra em Sevilha, decide desaparecer subitamente. Para tal, converte-se no psiquiatra Doutor Pasavento, isola-se de seu universo habitual e passa a escrever sobre sua ânsia de viver à margem. O resultado é uma narrativa híbrida, cuja presença marcante do gênero ensaio e o diálogo com grandes nomes do pensamento e da literatura revelam o uso não gratuito da notável erudição de Vila-Matas. Na entrevista a seguir, concedida à CULT por e-mail, Vila-Matas fala sobre o romance, os limites impostos pela linguagem, e explica por que a glória do autor é o avesso da essência literária.

CULT – Por que o tema do desaparecimento é tão recorrente em sua obra?

Enrique Vila-Matas – Na realidade, o verdadeiro escritor deseja somente escrever; busca mais a solidão para escrever do que a aparição em público. A aparição midiática do escritor é a antítese da essência de seu ofício. Em Suicídios Exemplares há um conto que parece ser a origem dessa minha dedicação ao tema da necessidade de desaparecer. É o conto “A Arte de Desaparecer”, baseado, certamente, em uma história real, aquela do escritor secreto Gesualdo Bufalino. Esse narrador siciliano escrevia sem a intenção de publicar, mas foi descoberto por seu compatriota Leonardo Sciascia e convencido por ele a publicar um romance que tinha guardado – um romance genial, e aí começaram os problemas para o pobre Bufalino.

CULT – Ainda sobre o desaparecimento: a grande obra literária tende a perpetuar-se e, inevitavelmente, também aquele que a escreveu. Embora lutem o tempo todo para desaparecer, esse foi o principal paradoxo vivido por escritores como Walser, Salinger e também o Doutor Pasavento?

Vila-Matas – Serve para o Doutor Pasavento também. Mas, se é certo que a obra e o escritor, como você disse, tendem a se perpetuar, também é certo que no fim, através do tempo, a obra viajará irremedialmente sozinha na imensidão. E um dia a obra morre, como morrem todas as coisas, como se extinguirão o Sol e a Terra, o sistema solar e a galáxia, e a mais recôndita memória dos homens.

CULT – Há uma passagem no livro em que o narrador diz não escrever um romance. Em outro momento, exalta Sterne por ter feito de Shandy antes um ensaio sobre a vida do que propriamente um romance. Você acredita que o romance é um gênero em extinção? A tendência é caminharmos para experiências híbridas, de modo que se diluam cada vez mais as fronteiras entre os gêneros?

Vila-Matas – O romance não somente não desaparecerá como ainda terá vida longa, embora adotando formas diferentes daquelas que conhecemos hoje.

CULT – Beckett, que tanto lidou com os limites impostos pela linguagem, desejava alcançar o essencial para um dia poder descartá-la, desaparecer com ela. No que se refere à sua obra, você vive um impasse semelhante?

Vila-Matas – A essência da literatura são o silêncio e o desaparecimento? Beckett dizia que era preciso seguir escrevendo, mesmo que tudo já estivesse dito. Creio que faço algo parecido. Sou consciente de que toda a literatura moderna nasceu quando Montaigne confessou, no começo de seus Ensaios, que escrevia com a intenção de conhecer-se a si mesmo. Hoje já sabemos perfeitamente que tipo de consequências isso trouxe. Não muito depois de começarmos a “buscar a nós mesmos” na literatura, começaram a se desenvolver uma lenta mas progressiva desconfiança nas possibilidades da linguagem e o temor de que ela nos arraste a zonas de profunda perplexidade. É dentro dessa busca e perplexidade que eu escrevo todos os dias. Para levar a cabo essa busca, necessito me isolar, escrever, desaparecer em meu local de trabalho.

sábado, 7 de abril de 2012

JUCA KFOURI: "O PIOR DO BRASIL É A IGNORÂNCIA"


Juca Kfouri
Do ventosulazul.blogspot.com 

Sexta-feira, 06 de Abril de 2012 
Jornal de Debates
ENTREVISTA / JUCA KFOURI
“O pior do Brasil é a ignorância”
Por Marcos Caldeira Mendonça em 20/03/2012 na edição 686
Reproduzido de O TREM Itabirano nº 77, fevereiro/2012; título original “Juca Kfouri: ‘O pior do Brasil é a ignorância da população’”
         Um dos jornalistas esportivos de maior credibilidade no Brasil, o paulistano Juca Kfouri é um inflamado informador sobre a corrupção no esporte brasileiro. Formado em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), pertenceu ao Partido Comunista Brasileiro, militou na Aliança Libertadora Nacional e trabalhou nos jornais O Globo, na revista Placar, na TV Globo e TV Cultura, entre outras importantes redações. Atualmente, está no canal ESPN-Brasil, na rádio CBN e mantém o blogdojuca.uol.com.br e é colunista da Folha de S.Paulo.
O TREM, que segue a linha, hoje quase exótica, de só entrevistar quem tem o que dizer, puxou papo com ele. Juca Kfouri revela que tem vontade de ir embora do Brasil, explica por que não o faz e responde a indagações como esta: “O que faz mais mal ao país: a emissora da família Marinho, na qual o senhor trabalhou, o narcotráfico, os políticos corruptos ou a ignorância da população?”
Perguntado sobre o motivo por que os times de Minas Gerais, Nordeste e Sul são sempre prejudicados em jogos decisivos contra paulistas e cariocas, foi curtinho, mas ao busílis: “Porque os rios correm para o mar”.
A seguir, com exclusividade, JK.

Pesando tudo, o futebol mais ajuda o Brasil ou mais atrapalha o país?

Juca Kfouri – Nem ajuda, nem atrapalha. Só o faz mais feliz.

Clubes do exterior compram jogadores brasileiros ainda nas fraldas, empobrecendo muito nosso esporte. Como evitar essa evasão absurda de pé-de-obra?

J.K. – Somos exportadores de pé-de-obra porque ainda não entendemos que devemos exportar o espetáculo, não o artista. Simples assim.

Você leu Quando é Dia de Futebol, de Carlos Drummond de Andrade? Quem são os escritores que mais bem escreveram sobre o futebol brasileiro?

J.K. – Li, é claro. Carlos Drummond de Andrade é um deles. Paulo Mendes Campos é outro. Para ficar nos mineiros, por mais cariocas que pareçam, Estrela Solitária, de Ruy Castro [sobre a trajetória do jogador Mané Garrincha], é um dos melhores livros sobre futebol escritos no Brasil.

Graciliano Ramos escreveu em jornal que o futebol não teria sucesso no Brasil e defendeu que o brasileiro praticasse a capoeira e outros esportes mais nossos. O futebol é bem retratado pela literatura brasileira ou é tratado como tema menor por nossos escritores.

J.K. – Na literatura propriamente dita, ainda não tem o tratamento que merece. Mas hoje em dia temos uma biblioteca futebolística pra lá de respeitável, de excelência mesmo. E se Graciliano deu uma bola fora, fez por ter crédito para dar mil.

O que achou de a Academia Brasileira de Letras – casa mais estéril que útero de mula, segundo o polemista Fernando Jorge, colaborador dO TREM– homenagear o jogador Ronaldinho Gaúcho?

J.K. – Uma demagogia barata de um presidente da ABL [Marcos Vilaça] que adora bajular cartolas nefastos e que prometeu, e jamais entregou, quando membro do Tribunal de Contas da União, um parecer final demolidor sobre os Jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007.

Como a rivalidade no Brasil é acirrada, seria espetacular um campeonato de seleções estaduais, com esta condição: o jogador teria de defender o estado no qual nasceu. Assim, o futebol seria descentralizado dos principais eixos. Formar-se-iam grandes seleções no Nordeste, por exemplo. Para tanto, teríamos de ter organização e calendário muito bem planejado. O senhor considera interessante um campeonato assim?

J.K. – Não mais, infelizmente. O espaço tem de ser dos clubes, que investem demais para viverem sendo desfalcados por seleções.

No Brasil, se um time vai mal em três ou quatro partidas, a cobrança por bons resultados é imediata. Ou o time começa a vencer ou o treinador, sob protestos intensos, perde o cargo. Se igual cobrança fosse feita na política, que Brasil seríamos?

J.K. – Ah, se protestássemos diante dos palácios, como fazemos nos clubes de futebol, o país seria quase o que sonhamos que seja.

Por que os times de Minas Gerais, Sul e Nordeste, quando disputam partidas decisivas contra os do Rio de Janeiro e São Paulo, sempre são prejudicados por árbitros e auxiliares. Não há na história sequer um campeonato vencido por clubes de fora do Rio e São Paulo com erro capital do trio de arbitragem.

J.K. – Porque os rios correm para o mar...

Se o futebol adotasse a regra do futebol de salão, em que o jogador pode entrar na disputa e sair quantas vezes o treinador quiser, a durabilidade de um atleta seria ampliada para até uns 45 ou 50 anos. Temos craques com mais de 40 anos, mas que não jogam mais porque não suportam a correria do futebol moderno. Imagine, por exemplo, poder ter no banco um Zico cinquentão só para cobrar falta, ou um Éder. O que pensa dessa proposta, para privilegiar a habilidade e estender a carreira dos gênios?

J.K. – Considero uma boa ideia, dessas que o conservadorismo do futebol jamais adotará.

Copa do Mundo no Brasil: já calculou a conta da corrupção, do superfaturamento, da desonestidade?

J.K. – Nossos netos a pagarão.

Em todos esses anos de estrada jornalística, qual foi a melhor história que presenciou numa redação?

J.K. – Estava na redação da Globo em Barcelona, esperando com todos para botar no ar a chegada da tocha olímpica, que vinha de navio, na cidade. Eis que de repente um dos produtores escalados para vigiar o monitor que trazia imagens do porto catalão grita da sala de edição: “A xota está chegando, a xota está chegando!”. Ao cabo da gargalhada geral e irrestrita, ouviu-se a voz tranquila e sarcástica do saudoso Hedyl Valle Júnior: “Calma, pessoal, calma...”

Você trabalhou na TV Globo, conhece-a por dentro. O que faz mais mal ao Brasil: a emissora da família Marinho, o narcotráfico, os políticos corruptos ou a ignorância da população?

J.K. – A ignorância da população que elege os políticos que elege, que alimenta o tráfico e que confere hegemonias a quem não deve.

Por favor, fale sobre este assunto: a importância para um jornalista de que ele seja respeitado, tenha credibilidade.

J.K. – É só o que vale. O resto, como já disse o escritor Millôr Fernandes, é armazém de secos e molhados.

O senhor é conhecido pelo empenho jornalístico em favor da ética no esporte e na política. Ao jornal O Pasquim21, em 2002, disse que o Brasil é invivível. Já teve vontade de largar este torrão e morar em um país com menor grau de canalhice?

J.K. – Vontade já tive sim, mas tinha os filhos e era difícil. A vontade se mantém, mas agora tem as netas e ficou impossível.

Digamos que inventaram um equipamento pelo qual é possível falar e ser escutado simultaneamente por todos os brasileiros. Se fosse usar essa estrovenga para falar duas importantes verdades sobre o Brasil, o que escutaríamos?

J.K. – Que não temos, felizmente, o monopólio da corrupção, mas parecemos ter, infelizmente, o da impunidade.

***

[Marcos Caldeira Mendonça é editor de O TREM Itabirano]

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A CORAJOSA ENTREVISTA DA MINISTRA ELIANA CALMON

www. fatorrrh.com.br, quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Estado: A sra. vai esmorecer?


MINISTRA ELIANA CALMON: Absolutamente, pelo contrário. Eu me sinto renovada para dar continuidade a essa caminhada, não só como magistrada, inclusive como cidadã. Eu já fui tudo o que eu tinha de ser no Poder Judiciário, cheguei ao topo da minha carreira. Eu tenho 67 anos e restam 3 anos para me aposentar.


ESTADO: Os ataques a incomodam?


ELIANA CALMON: Perceba que eles atacam e depois fazem ressalvas. Eu preciso fazer alguma coisa porque estou vendo a serpente nascer e eu não posso me calar. É a última coisa que estou fazendo pela carreira, pelo Judiciário. Vou continuar.


ESTADO: O que seus críticos pretendem?


ELIANA CALMON: Eu já percebi que eles não vão conseguir me desmoralizar. É uma discussão salutar, uma discussão boa. Nunca vi uma mobilização nacional desse porte, nem quando se discutiu a reforma do Judiciário. É um momento muito significativo. Não desanimarei, podem ficar seguros disso.
 

ESTADO: O ministro Marco Aurélio deu liminar em mandado de segurança e travou suas investigações. Na TV ele foi duro com a sra.


ELIANA CALMON: Ele continua muito sem focar nas coisas, tudo sem equidistância. Na realidade é uma visão política e ele não tem motivos para fazer o que está fazendo. Então, vem com uma série de sofismas.


Espero esclarecer bem nas informações ao mandado de segurança. Basta ler essas informações. A imprensa terá acesso a essas informações, a alguns documentos que vou juntar, e dessa forma as coisas ficarão bem esclarecidas.


ESTADO: O ministro afirma que a sra. violou preceitos constitucionais ao afastar o sigilo de 206 mil investigados de uma só vez e comparou-a a um xerife.


ELIANA CALMON: Ficou muito feio, é até descer um pouco o nível. Não é possível que uma pessoa diga que eu violei a Constituição. Então eu não posso fazer nada. Não adianta papel, não adianta ler, não adianta documentos.

 
Não adianta nada, essa é a visão dele. Até pensei em procura-lo, eu me dou bem com ele, mas acho que é um problema ideológico. Ou seja, ele não aceita abrir o Judiciário.


ESTADO: O que há por trás da polêmica sobre sua atuação?


ELIANA CALMON: Todo mundo vê a serpente nascendo pela transparência do ovo, mas ninguém acredita que uma serpente está nascendo. Os tempos mudaram e eles não se aperceberam, não querem aceitar.


Mas é um momento que eu tenho que ter cuidado para não causar certo apressamento do Supremo, deixar que ele (STF) decida sem dizer, 'ah, mas ela fez isso e aquilo outro, ela é falastrona, é midiática'. Então eu estou quieta. As coisas estão muito claras.


ESTADO: A sra. quebrou o sigilo de 206 mil magistrados e servidores?


ELIANA CALMON: Nunca houve isso, nunca houve essa história. Absolutamente impossível eu pedir uma quebra de sigilo de 206 mil pessoas. Ninguém pode achar na sua sã consciência que isso fosse possível. É até uma insanidade dizer isso.


O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) age com absoluta discrição, como se fosse uma bússola. Aponta transações atípica. Nunca ninguém me informou nomes, nada.


Jamais poderia fazer uma quebra atingindo universo tão grande. Mas eu tenho anotações de alguns nomes, algumas suspeitas. Então, quando você chega num tribunal, principalmente como o de São Paulo, naturalmente que a gente já tem algumas referências, mas é uma amostragem. Não houve nenhuma devassa, essa é a realidade.


ESTADO: A sra. não tinha que submeter ao colegiado o rastreamento de dados?


ELIANA CALMON: O regimento interno do CNJ é claro. Não precisa passar pelo colegiado, realmente. E ele (ministro Marco Aurélio) deu a liminar (ao mandado de segurança)e não passou pelo Pleno do STF.


E depois que eu fornecer as informações ao mandado de segurança e depois que eu der resposta à representação criminal ficarei mais faladora. Estou muito calada porque acho que essas informações precisam ser feitas primeiro. Eu não vou deixar nada sem os esclarecimentos necessários.


ESTADO: Duas liminares, dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, ameaçam o CNJ. A sra. acredita que elas poderão ser derrubadas pelo Pleno do STF?


ELIANA CALMON: Esperança eu tenho. Agora, tradicionalmente o STF nunca deixou o seu presidente sem apoio, nunca.


Todas as vezes eles correram e conseguiram dar sustentação ao presidente. Qual é a minha esperança: eu acho que o Supremo não é mais o mesmo e a sociedade e os meios de comunicação também não são mais os mesmos.


Não posso pegar exemplos do passado para dizer que não acredito em uma decisão favorável. Estamos vivendo um outro momento. Não me enche de esperanças, mas dá esperanças para que veja um fato novo, não como algo que já está concretizado. Tudo pode acontecer.


ESTADO: O ministro Marco Aurélio diz que a competência das Corregedorias dos tribunais estaduais não pode ser sobrepujada pelo CNJ.


ELIANA CALMON: Tive vontade de ligar, mandar um torpedo (para o programa Roda Viva) para dizer que as corregedorias sequer investigam desembargador. Quem é que investiga desembargador? O próprio desembargador.


Aí é que vem a grande dificuldade. O grande problema não são os juízes de primeiro grau, são os Tribunais de Justiça. Os membros dos TJs não são investigados pelas corregedorias.


As corregedorias só tem competência para investigar juízes de primeiro grau. Nada nos proíbe de investigar. Como juíza de carreira eu sei das dificuldades, principalmente quando se trata de um desembargador que tem ascendência política, prestígio, um certo domínio sobre os outros.


ESTADO: A crise jogou luz sobre pagamentos milionários a magistrados.
 

ELIANA CALMON: Essas informações já vinham vazando aqui e acolá. Servidores que estavam muito descontentes falavam disso, que isso existia.


Os próprios juízes falavam que existia. Todo mundo falava que era uma desordem, que São Paulo é isso e aquilo.


Quando eu fui investigar eu não fui fazer devassa. São Paulo é muito grande, nunca foi investigado. Não se pode, num Estado com a magnitude de São Paulo, admitir um tribunal onde não existe sequer controle interno.


O controle interno foi inaugurado no TJ de São Paulo em fevereiro de 2010. São Paulo não tem informática decente.


O tribunal tem uma gerência péssima, sob o ponto de vista de gestão. Como um tribunal do de São Paulo, que administra mais de R$ 20 bilhões por ano, não tinha controle interno?


ESTADO: Qual a sua estratégia?


ELIANA CALMON: Primeiro identificar a fonte pagadora em razão dessas denúncias e chegar a um norte. São Paulo não tem informática decente. Vamos ver pagamentos absurdos e se isso está no Imposto de renda. A declaração IR até o presidente da República faz, vai para os arquivos da Receita. Não quebrei sigilo bancário de ninguém.


Não pedi devassa fiscal de ninguém.


Fui olhar pagamentos realizados pelo tribunal e cotejar com as declarações de imposto de renda. Coisa que fiz no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e no tribunal militar de São Paulo, sem problema nenhum. Senti demais quando se aposentou o desembargador Maurício Vidigal, que era o corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo.


Um magistrado parceiro, homem sério, que resolvia as coisas de forma tranquila.