sábado, 15 de outubro de 2011

UM EVENTO COMUM

Miss Marple, de Agatha Christie
robertarood.wordpress.com


Honório de Medeiros


                        “Um radialista”. Assim, secamente, Antônio Gomes me identificou o morto cujo enterro passava pela esquina onde estávamos postados em Cajazeiras, Paraíba. Até que o enterro passasse por mim não lhe dera atenção. Observara, fascinado, aquela fila coleante a se arrastar molemente, ocupando todos os espaços da rua. Era sempre assim, fosse enterro, manifestação, passeata política, desfile: um fluxo constituído por pessoas diferentes, mas iguais quando em grupo. O ser humano. Esse compósito de vilania e santidade se arrastando em grupo, ou a sós, do nada para o nada. “De longe, todo mundo é normal”: terá sido Wilde, quem o disse?

                        Antônio Gomes, como eu, estava de braços cruzados olhando o enterro, mas seu olhar era sardônico. Um olhar que combinava bem com o rosto magro, de feições indefinidas, comuns. Deveria ter sessenta e poucos anos. Cabelos grisalhos, abundantes, cortados curtos, displicentemente penteados para trás. Ao observá-lo tive a sensação de que ele parecia um elemento estranho à paisagem. Não combinava com Cajazeiras, uma cidade que, como muitas outras, sendo grande para os padrões do Sertão, disso nada extrai de bom, assim como não guardou o que de bom havia de quando era pequena. Era como uma questão de foco. Ele parecia deslocado não porque estivesse no centro da cidade, e não acompanhasse o enterro, mas, sim, por que estava ali como se fosse um estrangeiro em pleno Sertão, muito embora sua roupa, dele, não dissesse nada, nem os sapatos, nem qualquer adereço, até por que não os havia, excetuando o relógio que também era muito discreto.

                        “O senhor não é daqui.” “Sou e não sou. Nasci aqui há uns sessenta anos atrás, e voltei há uns poucos dias para vender uma terra que me coube por herança.” E me perguntou o que eu fazia em Cajazeiras. Falei-lhe de minha pesquisa acerca de Massilon e que acabara de voltar de Missão Velha, no Ceará, terra onde o Cel. Isaias Arruda “reinara” na década de 20 e da qual, com seu apoio logístico, Lampião partira para invadir Mossoró. Agora já estávamos sentados numa lanchonete que colocara aquelas mesas e cadeiras de metal com imensas logomarcas de cerveja na calçada. Mesas e cadeiras sujas, evidentemente. Como não era possível tomar um café respeitável, pedíramos água mineral. “Ah, o cangaço”, disse, e perguntou: “descobriu algo em Missão Velha?”. Sim, eu havia descoberto, mas não queria falar acerca de cangaço. Será que eu conseguiria transmitir oralmente, para aquele estranho, um homem educado, percebia-se facilmente isso, minhas impressões de viagem? Será que eu conseguiria prender sua atenção durante um tempo suficiente para lhe dizer uma crônica elaborada com fragmentos de imagens e palavras? O que significaria tudo isso quando cada um fosse para seu lado e um tempo razoável tivesse passado desde então?

                        O cariri é verde, muito verde para ser Sertão, comecei. E Missão Velha parece uma cidadezinha perdida no tempo, uma Macondo. Lá, quando chegamos, fomos direto para o coração da cidade. Estacionamos. Seria dia de feira? Não, é que o pagamento da “esmola oficial do governo federal” era naquele momento. As feiras, como eram antigamente, não existem mais. Não há mais cantadores de viola, coquistas, literatura de cordel, contadores de “causos”, vendedores de drogas milagrosas, rezadeiras, adivinhos, mágicos, circos mambembes... Há tipos estranhos, é impossível não haver: uma mulher de mais de sessenta anos, horrorosamente maquiada, vestida como uma adolescente, a carne sobrando por sobre a barra da minissaia, a abraçar freneticamente uma comadre a quem aparentemente não via há muito tempo e lhe responder em cima da bucha quando ela dissera “criatura, você já está com muitos janeiros, né?; “estou, mas você não fica atrás não, olhe as pelancas, não é, mulher?” E depois dessa resposta, se virou para o lado e tangeu o marido que empurrava um carrinho de sorvete caseiro, enquanto olhava: “vai, vai, que aqui é conversa de comadres”. O sorveteiro obedeceu, mas como vingança, ao passar por mim que observava deliciado a cena, levou a mão ao lado da cabeça, e fez, com o indicador apontado para si e desenhando um círculo, o comentário final: “é tudo doida”.

                        Mestre Antônio rira do episódio das mulheres e depois comentara que, às vezes, dizia a seus amigos do Sul, quando se demorava a voltar, que ali, no Sertão, para quem soubesse ver, ouvir, e extrair as conclusões possíveis, não havia escola nem teatro iguais, e, finalizando, aludiu ao personagem de Agatha Christie, Miss Marple, personagem insulada em uma pequena cidade inglesa, a resolver crimes Inglaterra afora a partir de sua peculiar psicologia aldeã, e à frase de Tolstoi “ninguém se torna universal sem escrever acerca de sua aldeia”, para encerrar nossa rápida e estranha conversa que lhe dava razão na justa medida em que, no coração de Cajazeiras, o teatro da vida nos permitira divagar, filosoficamente, acerca da condição humana, sem que fosse necessário nada mais além de um final-de-tarde, um encontro casual, e um evento comum.                 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

E ASSIM SERÁ!

Colégio Diocesano Santa Luzia, Mossoró, Rn, 1972 - 2012: 40 ANOS.

AINDA SOMOS OS MESMOS

Da esquerda para a direita de quem olha: Fred, Paulo Maia, Hélton, eu, Fernando Negreiros, Segundo Paula, Lenilson, Anchieta, Delevan, Jânio Rêgo

Por outro ângulo, da esquerda de quem olha para a direita: Segundo Paula, Lenilson Costa, Anchieta Medeiros, Delevam Gutemberg, Jânio Rêgo, Fred Câncio, Paulo Maia, Hélton, Honório de Medeiros, e Fernando Negreiros

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

AS SOCIEDADES PRIMITIVAS NÃO TÊM O ESTADO PORQUE O RECUSAM

Pierre Clastres


Pierre Clastres

"Como sociedades completas, acabadas, adultas e não mais como embriões infrapolíticos, as sociedades primitivas não têm o Estado porque o recusam, porque recusam a divisão do corpo social em dominantes e dominados."

"ARQUEOLOGIA DA VIOLÊNCIA" (Cap. VI, A Questão da Violência nas Sociedades Primitivas)

O MELHOR DO BRASIL É O BRASILEIRO

* Por Ricardo Sobral (ricms@uol.com.br)

Ainda bem que casos que tais não se dão no Brasil, na razão direta de inexistir no seio de nossa sociedade caldo de cultura onde floresçam. De modo que sequer se pode alimentar fundado receio de que possam vir a acontecer, em face das salvaguardas cívicas que nos protegem.

Podemos negar que temos partidos políticos fortes, bem definidos ideologicamente e atuantes, durante e depois de cada eleição? Basta ver que praticamente não se tem conhecimento de notícia de corrupção no País! Depois, registra-se que o Estado Brasileiro não adota políticas públicas paternalistas. Ao contrário, ensina a pescar, não entrega o peixe de mão beijada. Somos, pois, um povo consciente e laborioso, que cumpre fiel e resignadamente a sentença divina: viverás do suor do seu próprio rosto.

Não é sem propósito que nos recusamos a receber esmolas populistas institucionalizadas e detestamos apresentações “gratuitas” de bandas de forró. Por esses motivos, a máxima romana “dei-lhes pão e circo” jamais terá serventia por aqui.

Não é à toa que nos é atribuída a destinação de País do futuro.

Outra: se, por um lado, é certo que os tipos humanos estão todos na literatura universal; por outro, não é menos certo que Machado de Assis, Mário de Andrade e Nelson Rodrigues, não adotaram o brasileiro como modelo, quando pintaram Prudêncio, Macunaíma e Peixoto com todas as letras.
 
Delicadamente tenho discordado de um nobre e dileto amigo, useiro e vezeiro no afirmar que até hoje, depois de ler praticamente toda a obra de Cascudo, não entendeu ainda a frase a ele atribuída – O melhor do Brasil é o brasileiro.

Ora, somos um povo ético, honesto, trabalhador e sábio na escolha dos nossos dirigentes. Logo, o melhor do Brasil só pode ser o brasileiro.

Duvidam? Tirem daqui os nacionais e povoem o nosso território com os de qualquer outra nação. O Brasil quebraria em um semestre, do mesmo modo que eles estão quebrando seus países lá fora. Não é difícil, pois, alcançar a profundidade da assertiva.

Outro amigo fraternal, por sua vez, tem manifestado com freqüência sua tristeza por não ter seu País sido agraciado pelo destino com a mesma sorte grande.

Relatou-me um caso lá acontecido, dando notícia de um determinado decider minores que se declarou incapaz para a continuidade de sua missão institucional, mesmo ausente justo motivo agasalhador de sua infundada pretensão. Esperneou, fez o maior alarido, pugnou até mais não poder, sempre se afirmando incapaz. Após ter negado o pleito descabido, postulou promoção para decider more, por merecimento.

Lamento – retruquei. Caso semelhante é impossível ocorrer no Brasil, repleto de revoluções e prenhe de heróis, nenhum deles de espada virgem.

domingo, 9 de outubro de 2011

CARIRI CANGAÇO 2011

A arte de Clara de Paula:

Perorando!

A arte de Bárbara Lima:


Bárbara de Medeiros e Clara de Paula: ensimesmamento aos pés de Padre Cícero.

CARIRI CANGAÇO 2011

A arte de Clara de Paula:


Meninos dançarinos de Missão Velha, Ce.


A arte de Bárbara Lima:


Meu padrinho Padre Cicero, orai por nós!