sábado, 25 de novembro de 2017

MOMENTO TRÁGICO NA HISTÓRIA DO ATUAL GOVERNO DO RIO G. NORTE

* Honório de Medeiros


Atos como esse, de uso da força policial utilizando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e de pimenta, contra servidores públicos que reivindicam pagamento de salários atrasados há dois meses, e que tentaram, sem sucesso, uma audiência com o Governador do Estado ao longo dos últimos dias, deixam cicatrizes definitivas na história de quem decidiu realiza-los.

São cicatrizes que não se apagam. Cicatrizes que resistem ao tempo e às circunstâncias. Cicatrizes indeléveis.

Principalmente quando a Sociedade, por seus líderes morais, ou mesmo em decorrência do senso comum, tem a percepção de que é justo aquilo que se reivindica, e não o é a atitude de truculência do Governo do Estado, mesmo que sob o amparo da Lei.

Pois não disse Santo Agostinho que "a necessidade não conhece Lei"?

A necessidade de comprar alimentos, remédios, pagar as escolas dos filhos, o transporte, as dívidas já contraídas para sobreviver e que se acumulam, essa necessidade não conhece Lei.

Mais ainda, a Sociedade percebe que é justa a reivindicação e injusto o tratamento dado a quem reivindica, quando tudo decorre de incompetência, de descaso, de alienação por parte daqueles que lideram o Estado.

Incompetência por não terem sido capazes os dirigentes, embora tudo estivesse à vista, de perceberem, tão logo chegaram ao Governo, a situação econômico-financeira na qual se encontrava o Rio Grande do Norte.

Descaso por não tomarem as medidas urgentes, inadiáveis, fundamentais, desde o início, para que não acontecesse o que está acontecendo.

Alienação por não entenderem o quanto tudo isso é muito ruim, é trágico, é terrível para todos os norte-rio-grandenses.

Não por outro motivo o venerável Pe. Sátiro Dantas, a quem tanto deve o  Rio Grande do Norte, ex-Reitor da UERN, do alto dos seus oitenta e tantos anos, deixa o seu repouso e, na redes sociais, apela:

"Falta-me força física, estaria ao lados dos colegas professores sofrendo essa humilhação. Apelo, ex-alunos diocesanos, desembargadores, juízes, promotores, advogados, deputados, homens e mulheres de influência residentes em Natal pratiquem o que aprenderam no velho Santa Luzia, exigindo justiça para a causa dos servidores públicos."

Mais claro não poderia ser.

No mesmo sentido foi o pronunciamento do Reitor Jairo José Campos da Costa, lá nas Alagoas:

"Venho, através deste texto, manifestar minha indignação contra o governador nefasto do meu estado de origem, o Rio Grande do Norte, Robinson Faria, que no dia de hoje, através da PM, agrediu, humilhou e jogou bombas e pimenta sobre os meus queridos mestres, professores da UERN, em Natal (...)"

E não somente. As redes sociais regurgitam repúdio, indignação, tristeza.

Ao cidadão comum não escapa, como dito, a percepção de que o movimento é justo, e a atitude do Governo, injusta.

Não esquece o cidadão, como lembrado no blogdocarlossantos.com.br, que em 2014 Robinson Faria, então vice-governador do Rio Grande do Norte, em plena campanha ao Governo do Estado, prometeu, em seu programa eleitoral, atualizar e cumprir rigorosamente o calendário de pagamento dos servidores públicos estaduais (*).

Das duas uma: conhecia a situação econômico-financeira do Estado e mentiu para o eleitor, ou não conhecia e o manipulou.


Mentira, manipulação, incompetência, descaso, ferem e deixam cicatrizes.


Nada como uma crise para as contradições virem à tona, e cada um de nós mostrar quem realmente é.


Cicatrizes terríveis essas que o Governador e seus auxiliares, responsáveis tanto quanto ele, carregarão consigo para o resto de seus dias.

(*) http://blogdocarlossantos.com.br/robinson-faria-promete-atualizar-folha-do-funcionalismo-do-rn/

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A DOR DOS OUTROS

* Honório de Medeiros

Ouço e leio os relatos que me chegam de todos os cantos e fico perplexo.

São servidores públicos do Estado que estão devendo a agiotas.

Que estão devendo a bancos.

Que não têm dinheiro para pagar a conta da comida e da higiene.

Que não têm dinheiro para pagar as despesas com a escola da meninada.

Que não têm dinheiro para pagar a farmácia.

Que não têm dinheiro para pagar o transporte.

Servidores ativos, servidores aposentados.

Servidores que ganham mais, servidores que ganham menos.

Pois tanto os que ganham mais, quanto os que ganham menos, são iguais na hora de pagar suas contas, seus empréstimos, seus remédios, sua alimentação e higiene, as escolas dos filhos, suas roupas, o transporte que usam.

E a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a Justiça, nada, nada vezes nada.

Não se interessam pela dor dos outros. Fazem de conta que não é com eles.

E o Governador do Estado, nada. Nada vezes nada. 

Não se interessa pela dor dos outros. 

Mesmo se e quando a dor dos outros, às vezes, atrapalhe.

"SEU" LULA

* Honório de Medeiros          

Ali e acolá, em livros que somente alguns leem, seja por que deliberadamente os procuram, seja por um desses acasos da vida nos quais eles aparecem sem que saibamos como nem muito menos a razão, me deparo com seu nome.

Está posto em um pé-de-página, ou em algum parágrafo, incidentalmente, fugazmente.

Recentemente, ao reler a literatura norte-rio-grandense acerca da saga lampiônica em Mossoró – Raul Fernandes e Raimundo Nonato da Silva – lá estava seu nome, “en passant”, como teria dito, trazendo expressões próprias do jogo de xadrez, que amava tanto, até o cotidiano.

Foi exatamente o jogo de xadrez que me levou a conhecê-lo. Eu e vários de minha geração, a quem ele pacientemente ensinou a jogar. 

Tínhamos em torno dos oito anos e nosso mundo era muito simples: brincar no Colégio Diocesano, brincar no patamar da Igreja de São Vicente, brincar em casa nas raras vezes em que a rua nos era proibida por castigo ou doença. 

E brincar de aprender a jogar xadrez nas tardes provincianas de Mossoró, anos sessenta, na pequena casa onde Lula Nogueira - “Seu Lula” - vivia sozinho com o filho solteirão – uma figura misteriosa a quem quase nunca víamos e acerca de quem falávamos aos sussurros.

“Seu” Lula morava nessa casinha branca com área de entrada diminuta, porta e janela dando imediatamente para a sala, saleta, salinha que era de visita e jantar ao mesmo tempo. Do lado esquerdo de quem entrava dois quartos: o primeiro, com janelão para a rua, era o seu; o outro, do filho.

A sala emendava com uma pequena cozinha dela separada por uma mureta onde pontificava um filtro de água de cerâmica e um varal de madeira de empilhar pratos, meio escondidos por um pano.

Tudo muito normal, tudo muito comum, não fosse uma mesa oficial de xadrez colocada perpendicularmente à janela da sala para aproveitar a luz do sol, na qual ficavam postados, desde sempre, livros e revistas argentinas acerca do jogo, além de majestosas e manuseadas peças tipo “Stauton” para os embates enxadrísticos.

Embora possa me lembrar de “Seu Lula conversando de nossa rua, principalmente na roda de “Seu Napoleão”, onde o escutei, entre perplexo e admirado, certa vez, afirmar enfaticamente que somente morreria após a passagem do ano 2000, tais incursões eram raras.

Certo, mesmo, era passar em frente à sua casinha, fosse manhã ou tarde, e encontra-lo defronte ao tabuleiro de xadrez, mão esquerda com dedos polegar e indicador apoiando a cabeça, cigarro esquecido embora aceso entre os dedos médio e anular, enquanto a mão direita movia as peças para cima e para baixo, para um lado e para o outro, ou na diagonal, na tentativa de criar ou solucionar problemas enxadrísticos que já haviam lhe granjeado reputação nacional. 

Podia, também, ser o caso de estar, simplesmente, reproduzindo uma partida de xadrez de grandes mestres internacionais.

Depois eu, como os outros, fui embora. O mundo nos esperava. Nunca esquecemos – aqueles que fomos seus alunos – nosso professor de xadrez.

A ele ofereci, em silêncio, minha primeira medalha de ouro nos Jogos Estudantis do Rio Grande do Norte, disputando pela então Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte.

Basta, ainda hoje, ver peças tipo “Stauton”, ou mesmo um tabuleiro oficial, que volto no tempo para aqueles dias já longínquos quando um menino magro, tímido, e um ancião de mãos nodosas, emoldurados pela claridade solar que ultrapassava a janela da sala e escandia a fumaça dos muitos cigarros fumados ou esquecidos, jogavam intermináveis partidas nas quais somente a profunda gentileza do professor impedia uma humilhação contínua ao aluno.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

CABÉ, O PRIMEIRO CANGACEIRO NO RIO GRANDE DO NORTE E PRECURSOR DE JESUÍNO BRILHANTE (2)

Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências, pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

Se o “Termo de Casamento” informa que José Brilhante estava em Martins, no Sítio Retiro, no dia 25 de novembro de 1841, com dezessete para dezoito anos, o jornal “O Cearense”, datado de 22 de abril de 1850 lhe situa, aos vinte e cinco para vinte e seis anos, em Vila Viçosa, na Serra do Ibiapaba, Ceará, metido em uma confusão acontecida em março de 1849 , da qual resultou a morte de João da Costa Silva, José Francisco de Barros, e Vicente Alves Ferreira, todos inimigos seus.

Esse acontecimento será fundamental na vida de José Brilhante e provavelmente originou-se por questões políticas, vez que a versão do “Cearense”, jornal ligado ao Partido Liberal, era contrária a do “D. Pedro II”, ligado ao Partido Conservador, que seguia o Governo Imperial.

Da sua leitura depreende-se que “Cabé” era Liberal, assim como os Alves Calado no Rio Grande do Norte.

Para situar “Cabé” no contexto político de sua época, segue texto da “HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE” :

“Nas Províncias , como reflexo das idéias e tendências desses partidos nacionais , os partidos políticos se uniam em dois agrupamentos: Nortistas (também chamados de saquaremas) e Sulistas (ou Luzias). Essas denominações locais de nortistas e sulistas, ou saquaremas e luzias, como também eram usadas, não significavam, todavia, organizações homogêneas. Com programas semelhantes e processos idênticos, não possuiam nenhuma característica fundamental. A atuação política dos mesmos estendeu-se até 1853, quando começaram a desaparecer, após a política de conciliação. As denominações locais, foram, então, pelos nomes dos partidos Conservador (originado do Nortista) e Liberal (originado do Sulista), que se mantiveram até a queda do Império.”

No mesmo ano de 1850 “Cabé” já está em Maioridade, ou seja, Martins, fugindo dos problemas existentes no Ceará, como escrivão do crime, cível e órfãos, nomeado pelo suplente de Juiz Municipal, este pessoa do Presidente João Carlos Wanderley, informa-nos o jornal “A União”, de Pernambuco, datado de 7 de setembro.

 O juiz titular da Comarca era Amaro Bezerra Cavalcanti, que estava afastado do cargo, “refugiado em um cantinho remoto da Comarca”. Como João Carlos Wanderley governou de março a maio de 1850, é nesse período que ocorre a nomeação.

É o primeiro embate entre José Brilhante, “Sulista”, e Amaro Cavalcanti, “Nortista”.

Não se pode confundir esse Amaro Cavalcanti, na verdade Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, nascido em Pernambuco, em 15 de janeiro de 1825, com Amaro Cavalcanti, nascido em Caicó, em 15 de agosto de 1849. Este último foi irmão de Padre João Maria e Ministro da Justiça e Negócios Interiores do Governo Prudente de Morais. O primeiro foi Deputado Provincial em várias legislaturas e prestou relevantes serviços à campanha abolicionista, mas deixou a cena política com a proclamação do regime republicano.

Em Maioridade, diz o jornal, “Cabé”, tão logo chegou, matou um soldado do destacamento local e um paisano. Ocorreu assim: o Presidente da Província do Rio Grande do Norte, ao saber que José Brilhante era “criminoso de três mortes, mandou um reservado ao comandante do Destacamento dali para o prender”. “Cabé” matou o soldado do Destacamento e o paisano que o Comandante mandara para observar a gente que ele tinha consigo.

Em 26 de setembro do mesmo ano o jornal “A União” continuou a dar notícia das estripulias de José Brilhante:

“Consta-nos ainda da Comarca de Maioridade que o facínora José Brilhante de Alencar, ali escrivão do cível e órfãos, por nomeação dos agentes do célebre João Carlos Wanderley, depois de haver, no exercício desse cargo, além de outras muitas depredações , violentamente extorquido a um cidadão que procedia o inventário de sua falecida mulher” (...) “depois de haver se retirado para fora da cidade em conseqüência das ordens terminantes de Sua Excelência , para que fosse preso por ter certeza de seus crimes, e reunindo em torno de si muitos facínoras armados”(...) “no meio deles entrou pela cidade em busca do Tenente para o assassinar, escapando ele felizmente de ser vítima! Queria dest’arte vingar a dúplice ofensa de haver ele tentado prendê-lo de ordem do Presidente da Província...”


Foi nessa época que “Cabé” descobriu, no “Cajueiro”, a “Casa de Pedra”, refúgio depois famoso pelo uso que lhe fez Jesuíno, seu sobrinho.

CONTINUA...

terça-feira, 21 de novembro de 2017

O PLANO CHINÊS PARA MONITORAR E PREMIAR O "BOM" COMPORTAMENTO DE SEUS CIDADÃOS

* Do BBCBRASIL.COM (*)

"O governo da China está testando um "sistema de crédito social". O objetivo é criar uma espécie de "ranking de confiança" da população. Oito empresas já estão participando do projeto piloto.

Imagine que todas as suas atividades e comportamentos são monitorados e pontuados em uma grande base de dados nacional: desde sua informação fiscal, até o tempo que você passa jogando videogame.

China lança avaliação Big Brother para todos os cidadãos

O cenário acima poderia ter saído do romance clássico de George Orwell, 1984, em que os cidadãos estão sempre sob vigilância de uma entidade chamada de "o grande irmão". Lembra também um episódio da série de TV Black Mirror , no qual cada atividade dos personagens rende "pontos" em um futuro distópico.

Mas não é ficção. Esta é uma política de Estado em planejamento na China.

O governo chinês está construindo um onipresente "sistema de crédito social", através do qual o comportamento de cada um dos seus 1,3 bilhão de cidadãos será pontuado em uma espécie de ranking de confiança.

Por enquanto, trata-se de um projeto piloto do qual participam oito companhias chinesas. Com a autorização do estado, elas emitem suas próprias pontuações de "crédito social".

Mas até o ano de 2020, todos os chineses estarão obrigatoriamente inclusos nesta enorme base de dados, e receberão pontuação de acordo com sua conduta.

Controle ou confiança?

Em um longo documento de 2014, o Conselho de Estado chinês explica que o plano do crédito social visa "forjar um ambiente na opinião pública em que a confiança será valorizada", acrescentando que "o sistema recompensará aqueles que reportarem atos de abuso de confiança".

A base de dados nacional concentrará uma ampla variedade de informações sobre cada cidadão. Será possível saber se uma pessoa paga seus impostos e multas em dia, se seus títulos acadêmicos são legítimos, etc.

Haverá também um grande grupo de pessoas que passará por um escrutínio ainda mais pesado, dependendo da profissão que exercem. A lista inclui professores, contadores, jornalistas, médicos e guias turísticos.

Críticos do projeto classificam o sistema de crédito social como "um pesadelo" e "orwelliano".

Mas há quem acredite que um sistema como este é necessário na China.

Os sistemas de crédito constroem confiança entre os cidadãos, defende Wen Quan, uma blogueira que escreve sobre temas de tecnologia e finanças.

"Sem um sistema, um estelionatário pode cometer um crime em um lugar e logo depois fazer o mesmo em outra região do país. Os sistemas de crédito tornam público o histórico de uma pessoa. (O sistema) construirá uma sociedade melhor e mais justa", diz ela.

Notas dadas a partir dos produtos comprados online

Uma das empresas que participa do projeto piloto é a Sesame Credit, a ala financeira do site de vendas online Alibaba, o maior do mundo hoje.

A empresa usa sua gigantesca base de dados de consumidores para criar rankings de "crédito social". A escala é alimentada pelas transações financeiras feitas com o sistema de pagamentos do Alibaba.

A companhia não divulga exatamente como calcula a pontuação de cada cliente, dizendo que se trata de um "algoritmo complexo".

De toda forma, a Sesame deixa claro que leva em conta que tipo de produtos seus consumidores compram online.

"Alguém que joga videogame durante dez horas por dia, por exemplo, seria considerado uma pessoa ociosa. Alguém que compra fraldas com frequência, por outro lado, deve ser pai (ou mãe) e seria considerado uma pessoa com um sentido de responsabilidade", disse Li Yingyun, diretor de Tecnologia da Sesame à revista chinesa Caixin , em 2015.

As autoridades chinesas monitoram o andamento do projeto piloto de forma muito cuidadosa. O sistema do governo não funcionará exatamente como o das empresas privadas, mas adotará características dos algoritmos desenvolvidos pelas empresas privadas.

Por enquanto, a participação no projeto é voluntária, mas a Sesame divulga o cadastro enfatizando os benefícios de obter um bom "crédito social". A empresa incentiva seus clientes a compartilhar a boa pontuação com os amigos e inclusive com potenciais pares românticos.

Para que serve a pontuação?

Pontuar bem no programa dá acesso a uma série de benefícios, desde descontos em hotéis ou aluguel de carros até acesso a apólices de seguro ou a obtenção mais célere de vistos.

Mas o que acontece quando a pontuação é ruim?

Esta é a parte "preocupante", segundo Rachel Botsman, autora do livro "Who Can You Trust" (algo como "Em quem você pode confiar", em uma tradução livre). A obra trata do sistema de crédito social da China.

"Se a sua pontuação de confiança cai abaixo de certo nível, toda a sua vida pode ser impactada. Desde a escola que seus filhos poderão frequentar até os empregos que você poderá escolher e o tipo de empréstimo bancário que você poderá obter", disse Botsman em um programa televisivo co-produzido pela BBC.

"As transgressões podem ter ocorrido na sua vida, mas o seu comportamento poderia ter impacto em seus filhos ou netos durante décadas", diz Botsman.

(*) https://www.terra.com.br/amp/noticias/mundo/asia/o-plano-chines-para-monitorar-e-premiar-o-comportamento-de-seus-cidadaos,236409ba15f05e8af541848f9fc8007e38619mu4.html 

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

DIREITO É FORÇA

* Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências, pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

Em “Servidão Humana”, Somerset Maugham assim começa um parágrafo: “Dizia para si mesmo que a força era o direito” (...)

Os anarquistas, bem como os libertários, pensam da mesma forma.

Os primeiros enxergam na presença do Estado - e, por conseguinte, na do Direito - o supra-sumo do mal. Os últimos aceitam-no minimalista, ou seja, reduzido a cumprir funções mínimas embora essenciais, como a segurança e/ou a eficácia das leis, sem, no entanto, afastar essa percepção ontologicamente negativa acerca do Direito.

Na realidade o senso comum também coloca essa mesma compreensão no cérebro do povo. Para o povo a norma jurídica existe unicamente para os pobres, porque quem é rico por ela não é alcançado.

O certo é que o verdadeiro significado da presença da norma jurídica na Sociedade - a razão pela qual ela existe - é extremamente fetichizado, mascarado.

Essa situação é decorrente da própria estratégia que determina sua existência: ela existe, mas, para existir, tem de ser enxergada de uma forma que lhe permita a sobrevivência.

Um engodo, em suma. Uma manipulação.

Note-se que lei, aqui, é a norma jurídica, não aquela causal - como a da gravidade ou a da conservação da matéria. A causal existe independente da vontade do Homem; a norma jurídica é criação humana.

Assim é que, trocando em miúdos, dentre a maioria dos que escrevem livros de direito, melhor dizendo, de filosofia do direito, a lei, por exemplo, corresponde a um ideal de justiça a ser atingido e que, ao mesmo tempo, originou sua criação: o Congresso Nacional, tomado pelo mais vívido sentimento de Justiça, resolve aprovar uma lei que tem o objetivo de eliminar alguma maldade, corrigir algo errado.

Ou, para outros, a lei embora não reflita necessariamente algum ideal de justiça - porque, afinal de contas, há aquelas injustas, mas, quem sabe, necessárias - são, no entanto, resultado do Congresso, que é o resultado da vontade popular, e seriam, em assim sendo, essencialmente legítimas.

No fundo, o que se pergunta é qual a legitimidade da lei. Em que se baseiam os homens que a criam, interpretam e aplicam para exigir-lhe o cumprimento?

A resposta, hoje, mais moderna, ainda em vigor, é que a lei é resultado da vontade do povo, que a elaborou, analisou, votou e promulgou através de seus representantes, os congressistas.

Por essa linha de raciocínio, qualquer asneira que o Congresso aprove teria legitimidade, se e somente se vivermos em um regime democrático.

Esse democrático, por si só, já é questionável - afinal, eleições livres são mesmo livres? E onde os votos são comprados e a vontade do povo é manipulada através dos meios de comunicação?

Mas tal é apenas o começo da novela.

Supondo que se aceite o modelo em vigor neste País, o democrático, alegando-se que não há outro melhor, etc e tal, como se voltar contra uma lei quando ela é legal, ou seja, foi feita segundo os padrões formais, mas, no entanto, é injusta, segundo o sentimento popular?

Supostamente pressionando-se os congressistas para mudarem a lei. Essa seria a única resposta que o jogo democrático permite.

E ir por outro caminho - aquele que os “sem-terra”, por exemplo, utilizam para fazerem valer seu direito legítimo à terra?

Alguns diriam que essa não é mais uma questão jurídica, extrapola seu universo e invade o da política. Outros observariam que a lei é dura mais é lei, e mostrariam o caminho do Congresso.

Não há de faltar que diga, ao perceber que não interessa às elites resolverem o problema da terra: a força do direito é o direito da força.

E ponto final.

domingo, 19 de novembro de 2017

HISTÓRIA DA VIDA REAL

* Honório de Medeiros
Emails para honoriodemedeiros@gmail.com


Nas Seleções do Reader Digest que meu pai colecionara na década de 40 eu lia, entre menino e adolescente, uma seção cujo título era “Histórias da Vida Real”.

Não me lembro de outras “histórias”, exceto uma, que ficou permanentemente nas minhas lembranças, associada ao cheiro de papel velho e quebradiço das revistas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, as moças americanas eram incentivadas a participarem do esforço comum americano escrevendo para seus compatriotas combatentes mundo afora.

Um desses soldados começou a se corresponder com uma garota do interior de um dos estados americanos do Oeste.

Passaram-se os anos e as cartas, que começaram cordiais, mas distantes, assumiram um teor cada vez íntimo, com troca de confidências, sonhos, planos e tudo quanto diz respeito a, finalmente, se transformar em correspondência amorosa.

Tudo corria perfeitamente exceto pela recusa obstinada da moça em enviar, para seu correspondente, uma fotografia e o nome da cidadezinha na qual morava.

Todas suas cartas eram enviadas da Estação Central de Trem da capital do seu Estado.

Ele argumentava dizendo que gostaria de ter, perto de si, não apenas suas cartas e tudo quanto de bom elas lhe traziam, mas, também, uma imagem para a qual pudesse olhar naqueles momentos terríveis pelo qual estava passando.

Ela lhe respondia, justificando-se, que o amor, entre eles, começara pelo espírito, e assim deveria continuar até o momento em que, finalmente, pudessem se encontrar frente a frente, e uma fotografia poderia lhe dar uma falsa impressão que a realidade viria desmascarar.

Finalmente a guerra terminou. Ele lhe escreveu para combinar o encontro e ela lhe pediu que estivesse em dia e hora marcados, na Estação Central de Trem da capital do seu Estado, quando seria reconhecida por trazer, nas mãos, um ramo de rosas vermelhas.

Seria essa única forma de reconhecê-la que ele disporia: não sabia como era ela, em qual cidade vivia, e, mesmo, se seu nome era real ou fictício.

Meio-dia em ponto o trem parou. Ele saltou e olhou, ansioso, para todos os lados. Havia poucos transeuntes na Estação.

Ninguém que parecesse ser uma moça desacompanhada portando um ramo de rosas vermelhas nas mãos. Começou sua frustração. Será que fora enganado ao longo de todos os anos? Será que tudo quanto ela lhe dissera por carta, o amor que nascera, os planos construídos, eram mentiras?

Parado, a maleta aos pés, a expressão ansiosa, ele olhava em todas as direções tentando encontrar uma explicação para o atraso, tal qual um acontecimento de última hora, um obstáculo inesperado...

O tempo passou. Uma hora depois, convicto que tinha sido iludido, ele começou a se dirigir para o guichê de vendas de passagens. Pretendia ir embora o mais rápido possível.

Quando se aproximou do guichê viu, sentada, próxima ao local, uma senhora de aproximadamente sessenta anos trazendo, em suas mãos, um buquê de flores vermelhas.

“Então é isso?”, se perguntou. “Ela é esta senhora, e por essa razão não teve coragem de me enviar uma fotografia sua?”

Parado, perplexo, pensou em se esconder – não era possível aceitar que aquela senhora fosse sua amada!

“E agora?” disse a si mesmo, “deveria honrar o amor espiritual com o qual se comprometera e que independia de idade ou poderia justificar sua fuga alegando ter sido manipulado?”

Não resistiu. Aproximou-se. “Senhora, desculpe-me, seu nome é Lucy?”, indagou usando o nome usado por ela nas cartas.

“Não, ela me pediu para ficar aqui algum tempo, com essas rosas na mão, aguardando que viessem a sua procura; ela está ali”, e apontou.

Um pouco além, vindo em sua direção, com outro buquê de rosas vermelhas nas mãos, uma belíssima mulher lhe sorria, enquanto acenava discretamente. 

AS IRMÃS MOCÓS

* Jânio Rêgo

Do alpendre víamos a luz tremulante da lamparina de pavio aceso com óleo de carrapateira, que elas mesmas fabricavam, dizia meu avô Chico Petronilo, deitado na rede.

Pela manhã, na casa, nas fruteiras do baixio, por onde estivéssemos, dava pra avistar o ponto vermelho amarronzado da casinha de taipa encravada em meio ao verde do pé da serra onde elas brocavam pequenos roçados para a precária subsistência.

A casa “das Mocós’ era tão longe aos meus olhos de menino da cidade grande do Mossoró…! e eu construía mistérios inenarráveis sobre as três mulheres que moravam sozinhas naquele mundéu inacessível.

Eram negras, solteiras e sem filhos. Rita a mais nova, Cosma a mais velha e Maria José ‘a dos peitos grandes’.

Não eram simpáticas, nem ‘politicamente corretas’, diríamos hoje, as histórias que ouvíamos e falávamos sobre elas…

Excluídas das excluídas, vivendo numa comunidade rural em meados do século passado, eram espécies de ‘bruxas’ naquela rude contemporaneidade com remanescências semifeudais e patriarcais.

Mas havia uma muda admiração da comunidade por trás de todo o estigma que carregavam e que despejavam sobre elas. Aquela autossuficiência miserável, produzindo o próprio sustento, mulheres livres, fora dos padrões, impunham o mínimo do respeito que precisavam para a convivência social sem sobressaltos.

Em outras vezes que voltei lá, elas já haviam saído do pé da serra e moravam em uma casinha igualmente pobre, mais próxima da cidade de Doutor Severiano.

Quando passávamos na estrada dava pra sentir o cheiro do fabrico do óleo que além de combustível caseiro (que a tecnologia atual transformou em ‘biodiesel’) era também usado como remédio natural para diversas enfermidades naquela época em que a poderosa (e perigosa) indústria farmacêutica ainda estava distante do sertanejo.

Naquela casa o cotidiano das três irmãs ficou mais exposto, elas se tornaram mais reais, mas nem assim desapareceu a sensação de mistério e magia que ainda hoje permanecem quando retomo a infância que nunca sai de mim.