* Jânio Rêgo
Do alpendre víamos a luz
tremulante da lamparina de pavio aceso com óleo de carrapateira, que elas
mesmas fabricavam, dizia meu avô Chico Petronilo, deitado na rede.
Pela manhã, na casa, nas
fruteiras do baixio, por onde estivéssemos, dava pra avistar o ponto vermelho
amarronzado da casinha de taipa encravada em meio ao verde do pé da serra onde
elas brocavam pequenos roçados para a precária subsistência.
A casa “das Mocós’ era tão
longe aos meus olhos de menino da cidade grande do Mossoró…! e eu construía mistérios
inenarráveis sobre as três mulheres que moravam sozinhas naquele mundéu
inacessível.
Eram negras, solteiras e sem
filhos. Rita a mais nova, Cosma a mais velha e Maria José ‘a dos peitos
grandes’.
Não eram simpáticas, nem
‘politicamente corretas’, diríamos hoje, as histórias que ouvíamos e falávamos
sobre elas…
Excluídas das excluídas,
vivendo numa comunidade rural em meados do século passado, eram espécies de
‘bruxas’ naquela rude contemporaneidade com remanescências semifeudais e
patriarcais.
Mas havia uma muda admiração
da comunidade por trás de todo o estigma que carregavam e que despejavam sobre
elas. Aquela autossuficiência miserável, produzindo o próprio sustento,
mulheres livres, fora dos padrões, impunham o mínimo do respeito que precisavam
para a convivência social sem sobressaltos.
Em outras vezes que voltei
lá, elas já haviam saído do pé da serra e moravam em uma casinha igualmente
pobre, mais próxima da cidade de Doutor Severiano.
Quando passávamos na estrada
dava pra sentir o cheiro do fabrico do óleo que além de combustível caseiro
(que a tecnologia atual transformou em ‘biodiesel’) era também usado como
remédio natural para diversas enfermidades naquela época em que a poderosa (e
perigosa) indústria farmacêutica ainda estava distante do sertanejo.
Naquela casa o cotidiano das
três irmãs ficou mais exposto, elas se tornaram mais reais, mas nem assim
desapareceu a sensação de mistério e magia que ainda hoje permanecem quando
retomo a infância que nunca sai de mim.
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