* Honório de Medeiros
- Vai dar certo. Mas só três vezes.
- Três?
- Não se lembra? Eu lhe disse. Mais que três fica perigoso. Uma já é perigoso. Três é bom, se tudo der certo: a primeira para experimentar; a segunda para se saciar; a terceira para se despedir.
- Você é muito esquisito.
- Vai ver que é por isso que você me quer. Ou será que é porque eu sou inteligente, lindo, elegante, charmoso, cheiroso?
- Bicho besta...
- Então, topa? E feche essa porta, mulher, você sabe como são as pessoas neste escritório, basta um nada para fazerem um tudo.
- Topo. E vou logo lhe dizendo: topo mundo pensa que você me come, que come a estagiária.
- Isso aí não tem como evitar, mas tem como manipular.
- Lá vem você.
- Não esqueça tudo que conversamos, viu? Depois das três é cada qual pra seu canto, somente fica a amizade...
- Não precisa ficar dizendo isso o tempo todo.
- É só para deixar bem claro. Você sabe, eu não sou muito de acreditar que uma menina nova e bonita como você queira ir pra cama comigo, um cinqüentão, só porque tem tesão em mim. Se fosse mais velha, eu não dizia nada, mas é muito nova. Será que é froidiano, seu caso?
- Que porra é isso?
- Deixa pra lá.
(...)
- Por que você não atende minhas ligações?
- Não estou atendendo?
- Sim, mas faz muito tempo que estou tentando. E eu que não queria acreditar que você só ia sair mesmo três vezes comigo...
- Eu lhe disse! A gente conversou, tá lembrada?
- Você pode ter comido muitas mulheres, mas não entende nada de coração feminino. Não se mancou que eu estava mesmo afim de você?
- Eu lhe disse que não acreditava nessa história.
- Você não queria acreditar, só queria me comer. Quer dizer que não quer mesmo mais saber de mim?
- Eu lhe expliquei mil vezes. Não dá certo. Eu não vou acabar meu casamento e arranjar inimizade com meus filhos por conta de um caso. Eu lhe disse: não é bom para mim nem para você.
- O que é bom para mim só eu sei. Egoísta!
- Não é isso, eu bem que não queria essa história, você que insistiu, insistiu...
- Quer dizer que não tem jeito?
- Você sabe que não.
- Isso não vai ficar assim!
(...)
- O que é que você tem?
- Nada não, só estou meio chateado, meu amor.
- Com quê?
- A liberdade que uma estagiária lá no escritório vem tomando comigo.
- Como é que é? E porque não botam ela pra fora?
- Ela é muito competente e é quem faz o trabalho todo do sócio novo. Fica chato eu persegui-la. E perigoso. Vão pensar que eu quis dar em cima dela e ela não me deu bola. Você sabe como é escritório que tem estagiárias bonitas. Semana passada o pessoal estava falando em câncer de pele e eu disse que tinha muito medo desse negócio, e que tinha um sinal do tamanho de um feijão do lado esquerdo do pênis, vivia mostrando à dermatologista. Sabe o que ela me disse depois, no corredor?
- O quê?
- Então, doutor, muita mulher já viu esse feijão, não foi?
- E você?
- Dei-lhe um carão grande. Não gostei da intimidade. Por azar algumas colegas dela escutaram. E não gostei de como ela me olhou...
- Deixe isso prá lá. Mas cuidado, eu estou de olho...
- Não brinque com isso não.
(...)
- Pois é, você pode até não acreditar no que eu estou dizendo, mas eu tive mesmo um caso com seu marido e tudo só acabou porque ele me enganou, prometeu que ia lhe deixar e ia viver comigo, e o tempo foi passando e nada.
- Olhe, não acredito em nada disso que você está me dizendo, e até em respeito a ele eu vou desligar. Você procure tratamento especializado, seu problema é psicológico, talvez psiquiátrico.
- Vc está dizendo que eu sou doida, é? Pois eu vou lhe provar, p-o-pro-provar, que não estou mentindo. Você conhece bem os atributos do seu marido, não é? Pois eu vou lhe provar: ele tem um sinal, mais ou menos do tamanho de um feijão, do lado do pau. Agora me diga, tive ou não um caso com ele?
- Desista, querida. Ele me disse, um dia desses, duas coisas: que estava muito chateado com uma estagiária que estava se botando para cima dele, faltando com o respeito, e que descobrira isso quando contou, no escritório, que tinha muito medo de sinais, de câncer de pele, e que tinha um do tamanho de um caroço de feijão perto do pau, como diz você. Eu chequei a história. Me disseram que o sócio dele e a estagiária estavam na hora. Confirmei tudo. Você saiu do escritório porque é oferecida demais. Vive se oferecendo pra tudo quanto é homem que tenha dinheiro. Vá com Deus e mude de vida.
- E você acreditou nesse teatro? Não percebe que ele planejou tudo? Tem nada não: nada melhor que um dia após o outro com uma noite pelo meio. Acorde logo. Se demorar, você vai se lascar.
(...)
- Sabe de uma coisa?
- O quê?
- Eu acho que você comeu a estagiária.
- Você é doida, é?
- Intuição, meu filho, intuição! Mas como eu não posso provar nada...
- Se fosse verdade, o que você faria?
- Ah! Essa vai ser sua angústia. Agora eu lhe digo: você iria chorar lágrimas muito amargas...
- Crie juízo, mulher!
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