sexta-feira, 25 de março de 2011

A MOÇA DA ROSA

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Honório de Medeiros


“Você vai viver muito”. Eu fora ali para escutar aquilo? Procurara na árida cidade sertaneja uma rosa para ver aquela mulher miúda, morena, ainda jovem, envelhecida por muitos partos desfolhá-la, jogando as pétalas uma a uma no chão, enquanto em tom monocórdio, os olhos vazios, insondáveis, aparentemente, só aparentemente pousados na atividade mecânica que as mãos executavam, recitava aquela ladainha própria dos adivinhos?

Olhei para ela e tive vontade de lhe dizer que já conhecia sua técnica imemorial, igual à de tantos outros espertalhões que trabalham com a fronteira do provável: “você vai viver muito; existe um parente seu que está muito adoentado; há um amigo seu que lhe inveja e torce contra você...” Algo, entretanto, me mantinha calado, talvez o constrangimento de ter caído naquela armadilha.

 Era um final de tarde modorrento e quente. Eu, pensei, poderia estar no ar condicionado lendo, esperando o frescor da noite para ir à caça. Poderia estar fazendo a ronda do final de expediente nas cercanias da praça principal. Poderia estar jogando conversa fora em qualquer calçada. Mas não, estava ali, em plena zona rural, em um Sítio qualquer, de uma cidadezinha ainda menor e qualquer, numa casa pequena e humilde e qualquer, em um quarto no qual somente existiam duas cadeiras e uma mesa redonda de plástico, um crucifixo de madeira e metal no qual um Jesus Cristo de contornos indefinidos parecia abstraído, na sua dor, do que ali se passava, um calendário antigo, de muitos anos atrás, com estampa de Nossa Senhora, e pétalas e mais pétalas de rosa a fazerem um contraste interessante contra o chão cinza de cimento batido.

Lá fora outros aguardavam. Todos unidos pela esperança de conhecer o futuro. Eles tinham fé, eu não. A adivinha prosseguia com sua litania: “você tem que ir embora para seu valor ser reconhecido; aqui é muito pequeno; não se envolva em questões de terra...” Claro, pensei imediatamente, numa realidade como esta, pleno Sertão, questões envolvendo terra é sempre lugar comum problemático. E saber disso e usar o que se sabe é apenas a esperteza típica desse povo que vive de enganar os bestas como eu.

 Imprequei contra o amigo que me trouxera e prometera atendimento imediato, graças a seu parentesco com a adivinha, a despeito da quantidade de pessoas vindas de todos os lugares, que aguardavam atendimento. Maldisse o calor, a poeira, as moscas, a pobreza aviltante do lugarejo. Desculpei a mim mesmo alegando que a curiosidade vencera a razão. Lembrei-me que aquela mulher nada cobrava por suas consultas – deixava a cargo de cada um dar ou não alguma coisa. O que eu daria? Dinheiro?

Então terminou. Ergui-me sem saber o que dizer. Estirei-lhe a mão que ela recebeu com outra flácida e fria. Enquanto me virava pude perceber seu olhar voltado para o meu. Já não estava mais vazio de expressão, parecia conter uma curiosidade definida. Ao tocar na tranca da porta escutei: “Doutor?” “Sim”, respondi voltando. “Não vá ao encontro daquela moça que está lhe esperando.” “Como?”, perguntei estupefato. Ela não respondeu. Saí. Recebi o olhar de todos. Queriam ver, na minha face, os vestígios de quem soubera seu futuro. Encontraram mais que isso: o abalo de quem teve um segredo sensível descoberto de forma totalmente inesperada.

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