sexta-feira, 31 de maio de 2013

A TCHECA


Honório de Medeiros                    
 
                            Nossa guia, em Praga, a quem tínhamos contratado desde o Brasil, via internet, para acompanhar nosso pequeno grupo – éramos nove – sorri algumas vezes, brinca outras, e é bastante acessível, o que a tornava diferente, aos meus olhos, da maioria dos seus compatriotas, bastante carrancudos.
                        Pergunto-lhe a razão desse estado de espírito. “O clima”, responde, em tom de brincadeira. Decerto aprendeu a fazê-lo assim no Brasil, onde morou por seis anos, principalmente em Salvador, amou, casou, teve um filho com um baiano, e, em assim sendo, não poderia escapar incólume. Ela confirmou.
                        Em português com pouco sotaque, embora às vezes errado nas declinações mais complexas dos verbos, ela atribui parcela considerável desse estado de espírito do seu povo à transição do comunismo para o capitalismo, e à fragmentação das expectativas dos tchecos com a Democracia.
                        “Antes”, diz ela, ajeitando os óculos “nerd” no nariz delicado, “nós não tínhamos liberdade para decidirmos nossas vidas, mas havia tranquilidade quanto ao presente e futuro: saúde, educação, moradia, trabalho...”  “Penso que as gerações anteriores sonharam com um mundo melhor no qual a ‘quase’ igualdade permanecesse, mas houvesse uma melhoria para todos nas condições gerais e, ainda por cima, liberdade.”
                        “O tcheco, de uma forma geral, é invejoso”, continua, assumindo um pouco o “physique du rôle” da antropóloga que diz ser, com diploma fornecido pela mais prestigiosa instituição universitária de seu País. Faço um parêntese para observar que escutei essa mesma observação, em Lisboa, dada por um português em relação a seus compatriotas.
                        “Mas é um invejoso justo: ele inveja o que o outro tem, querendo que todos tenham igual.” “Com o capitalismo, aos poucos está surgindo uma sociedade acentuadamente de classes, sem que os problemas mais antigos fossem resolvidos.”
                        Anete, esse é, em Português, o nome da nossa guia, espana a neve que vai caindo, minúscula, lentamente, por sobre seu elegante casaco azul escuro, nos diz que “no comunismo a divisão de classes era de outra forma, ou seja, a elite partidária possibilitava aos seus acesso à burocracia que lhes assegurava um status diferenciado.”
                        Já fizeramos um círculo em torno de Anete e a escutávamos atentamente. “Havia um contraponto natural à elite partidária comunista: os, digamos assim, intelectuais, que assumiram o controle após a queda do comunismo, e que se disseminavam, por exemplo, nas universidades secretas, onde se debatiam livros proibidos e se propunham alternativas para o modelo político existente.”
                        “Hoje há muitos saudosistas do comunismo. A Revolução de Veludo, na opinião deles, tirou as vantagens do comunismo e não acrescentou nenhuma do capitalismo...”
                        Não há tempo para muita conversa. Anete tem um trabalho a fazer, e o faz com competência, demonstrando conhecer, com profundidade, a história do seu povo. Leva-nos a lugares muito interessantes e nos conta, detalhadamente, o passado de cada um deles. Mas é sempre hora de ir.
                        Quando os dias chegam ao fim ela se vai pegar seu filho levando essa estranheza comovente de ter vivido em um País tão exótico, para os tchecos, quanto o Brasil. É assim que eles nos vêm.
                        Não somente. Além de ter vivido no Brasil, Anete amou um baiano de Salvador, e, do fruto desse amor, teve um filho que carrega consigo, pelas ruas da República Tcheca, essa mistura também exótica de sangue brasileiro e tcheco. É estranho e comovente. Eu gostaria de lhe ter perguntado acerca de como acontecera sua história de amor. Melhor não, pensei, e me contive.
                        Mas ainda lhe fiz uma última pergunta: você voltaria a morar no Brasil? “Não”, disse-me. “O Brasil é muito bagunçado.” “Além do mais, este é meu povo, esta é minha história.” “Vou voltar lá muitas vezes; não quero que meu filho cresça sem conhecer suas raízes.” “Mas não.” “Eu não voltaria.”
                        Seguiu Anete, após as despedidas, levando nossos cartões, pois nos disse que viria no final deste ano ao Brasil, para as festas de aniversário do seu ex-sogro. Entrará em contato? Duvido. Entretanto, tudo é possível neste mundo de meu Deus. Afinal não aconteceu de uma tcheca vir a Salvador desenvolver um trabalho social, conhecer um baiano, casar com ele, e dele ter um filho? Quem sabe ela não nos surpreenda?
                      Venha, Anete, é como lhe disse: nós a receberemos com imenso prazer. Quem sabe eu tenha coragem de lhe perguntar como foi sua história de amor no Brasil...
                       

quinta-feira, 30 de maio de 2013

LIRA NETO DIZ COMO ENTENDER GETÚLIO VARGAS


                           
 
Honório de Medeiros
 
 
                   Como entender o camaleônico Getúlio Vargas?
                   No volume 1 do excepcional “GETÚLIO” (1882-1930), de Lira Neto, parece estar a resposta.
                   Borges de Medeiros, que andara às rusgas em relação aos Vargas, voltara a cortejá-los. São os idos de 1913-1915. Faz o convite a Getúlio para ocupar o importantíssimo, na época, cargo que ele mesmo ocupara, de Chefe da Polícia Estadual.
                   Getúlio analisa e recusa o convite.
                   “Mesmo rejeitando o convite”, conta-nos Lira Neto, (Getúlio) “tomou os cuidados necessários para que seu gesto não fosse interpretado por Borges de Medeiros como um acinte.”
                   Instado, pelos amigos, a se explicar, Getúlio Vargas o fez:
                   “Na luta, vencer é adaptar-se, isto é, condicionando-se ao meio, apreender as forças dominantes, para dominá-lo”, esclareceria ao amigo Telmo Monteiro.”
                   “Para Getúlio”, prossegue Lira neto, “aquela frase, de clara inspiração darwinista, passara a funcionar como uma espécie de mantra. Faria questão de repassá-la aos filhos, como uma fórmula explicativa da vida e do mundo.”
                   Vencer não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos – vencer é adaptar-se, repetiria certo dia Getúlio ao filho mais velho, Lutero. Como o garoto ficasse em dúvida a respeito do verdadeiro significado da sentença, o pai detalharia:
                   Adaptar-se não é o conformismo, o servilismo ou a humilhação; adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar.”
                   Essa informação, essencial para entender Getúlio Vargas, Lira Neto colheu em seu “DIÁRIOS” (2 volumes; São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 1995), e soube compreender sua importância.
                   Quanto à importância, muito embora essa informação, por si somente, a assegure, convém observar que dada sua relação com o pensamento de Lamarck, não propriamente com o de Darwin, pode ensejar rios de tinta enquanto dissertações de mestrado e/ou teses de doutoramento. Principalmente se a cotejarmos com as consequências epifenomênicas teórico políticas da existência de uma lei da evolução, qual seja o pensamento de Maquiavel ou de Gaetano Mosca, ou se cotejarmos com a vida de notórios manipuladores e sobreviventes de sua própria época política, por exemplo Talleyrand ou Fouché.
                   O certo é que Lira Neto, de forma brilhante, apreendeu a medula do aparentemente proteiforme Getúlio Vargas e a expôs no primeiro volume de sua biografia, uma obra já seminal. Nesse pequeno trecho lemos, oculto por uma vida intensa, complexa, onipresente ainda hoje, como pensava e agia o mais importante político brasileiro do século XX.
 
ARTE: chargistaclaudio.zip.net

quarta-feira, 29 de maio de 2013

CÂMARA CASCUDO, FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO, E O "ESCUDO ÉTICO"

Câmara Cascudo
 
 
Honório de Medeiros
 
 

Como sabemos, a famosa “Teoria do Escudo Ético” de Frederico Pernambucano de Mello está exposta em três parágrafos do capítulo 4 do clássico "Guerreiros do Sol", abaixo transcritos a partir de sua segunda edição:
"Muito se tem falado nos paradoxos da chamada moral sertaneja. No Nordeste, talvez melhor que em qualquer outra região, sente-se a existência desse quadro de valores - inconfundível em muitos dos seus aspectos. Chega a ser quase impossível, por exemplo, explicar ao homem do sertão do Nordeste as razões por que a lei penal do país - informada por valores urbanos e litorâneos que não são os seus - atribui penas mais graves à criminalidade de sangue, em paralelo com as que comina punitivamente para os crimes contra o patrimônio. Não se perdoa o roubo no sertão, havendo, em contraste, grande compreensão para com o homicídio. O cangaceiro - vai aqui o conteúdo mental do próprio agente - não roubava, "tomava pelas armas"."
"Dentro desse quadro todo próprio, a vingança tende a revestir a forma de um legítimo direito do ofendido. "No sertão, quem se não vinga está moralmente morto", repitamos mais uma vez a frase tão verdadeira de Gustavo Barroso, conhecedor profundo desse paralelismo ético sertanejo."
"Ao invocar tais razões de vingança, o bandido, numa interpretação absurdamente extensiva e nem por isso pouco eficaz, punha toda a sua vida de crime a coberto de interpretações que lhe negassem um sentido ético essencial. A necessidade de justificar-se aos próprios olhos e aos de terceiros levava o cangaceiro a assoalhar o seu desejo de vingança, a sua missão pretensamente ética, a verdadeira obrigação de fazer correr o sangue dos seus ofensores. O folclore heroico, em suas variadas formas de expressão, imortalizava-o, omitindo eventuais covardias ou perversidades e enaltecendo um ou outro gesto de bravura. Concretizada a vingança, por um imperativo de coerência estaria aberta para o cangaceiro a obrigatoriedade de abandonar as armas, deixar o cangaço. Já não teria mais a socorrer-lhe a imagem o escudo ético por esta representado. Como então realizar tal vingança, se o cangaço era um bom meio de vida?"
Já tive oportunidade de observar que o “escudo ético” não é propriamente um epifenômeno da cultura moral sertaneja nordestina, muito menos apenas do cangaço. Essa opinião é corroborada, como se pode depreender, a partir da entrevista de Anthony Daniels à revista "Veja" de 17 de agosto de 2011 - edição 2230, ano 44, nº 33 -, na qual o psiquiatra e escritor inglês, ao analisar a influência da tese do suíço Jean Jacques Rousseau de que o ser humano é fundamentalmente bom, e que a sociedade o corrompe, afirma que esta prejudicou profundamente sua noção de responsabilidade: "Por influência de Rosseau, nossas sociedades relativizaram a responsabilidade dos indivíduos."

Como digo sempre: a realidade está na mente, antes de estar na realidade. Trocando em miúdos: o racional antecede, em última instância, o real.
E continua: "O pensamento intelectual dominante procura explicar o comportamento das pessoas como uma consequência de seu passado, de suas circunstâncias psicológicas e de suas condições econômicas. Infelizmente, essas teses são absorvidas pela população de todos os estratos sociais. Quando trabalhava como médico em prisões inglesas, com frequência ouvia detentos sem uma boa educação formal repetindo teorias sociológicas e psicológicas difundidas pelas universidades. Com isso, não apenas se sentiam menos culpados por seus atos criminosos, como de fato eram tratados dessa maneira."
Exemplifiquei, em texto anterior, citando o exemplo ocorrido neste começo de século XXI, aqui no Rio Grande do Norte, e que já virou lenda, no qual se atribui a injustos mal tratos físicos da Polícia, o ingresso do célebre Valdetário Benevides Carneiro, líder do bando dos Carneiros, no crime. "Como não há justiça" teria dito em outras palavras Valdetário, "vou fazer a minha."
Ou seja: há o escudo ético, mas ele não é específico da moral sertaneja nordestina. Parece ser um epifenômeno decorrente da criminalidade, seja rural, seja urbana, não sendo suporte, portanto, para uma teoria que caracterize o epifenômeno do cangaço.
Por outro lado, especificamente no que concerne a essa famosa “teoria do escudo ético” de Frederico Pernambucano de Mello, é certo lembrar que Câmara Cascudo, em 1937, no seu “Vaqueiros e Cantadores”, já o expunha, no que diz respeito ao cangaço, quando no Capítulo denominado “Ciclo Social”, trata do “Cangaceiro”.
Para Cascudo, ao explicar por que a valentia, quanto aos cangaceiros, originava a “aura popular na poética” dos cantadores, necessário se fazia a existência, como pressuposto, do fator moral, que nada mais era que o “escudo ético”. Disse Cascudo:
“Para que a valentia justifique ainda melhor a aura popular na poética é preciso a existência do fator moral. Todos os cangaceiros são dados inicialmente como vítimas da injustiça. Seus pais foram mortos e a Justiça não puniu os responsáveis.
Teria lido Pernambucano de Mello “Vaqueiros e Cantadores”? Na bibliografia de “Guerreiros do Sol” o grande teórico do cangaço arrola, de Câmara Cascudo, “Tradições Populares da Pecuária Nordestina” e “Viajando pelo Sertão”. O mais provável é que ambos souberam perceber, com quase cinquenta anos de diferença, na história da violência rural sertaneja nordestina do final do século XIX e início do século XX, esse fato específico, qual seja, a justificativa moral para a entrada dos cangaceiros na vida bandida.

A diferença é que Pernambucano de Mello transforma esse fato em algo determinante para explicar o cangaço, enquanto Cascudo propõe que o mesmo fato é fundamental para a existência da poética sertaneja nordestina de mitificação do cangaceiro.

terça-feira, 28 de maio de 2013

ASSESSORES JURÍDICOS E GOVERNO ENTRAM EM CONFRONTO

Carlos Santos
 
blogcarlossantos.com.br
 
terça-feira, 28/05/2013
 
Sem afinação

Qual o segmento do funcionalismo público do Rio Grande do Norte, que o Governo Rosalba Ciarlini (DEM) ainda não bateu de frente? Parece que não faltam áreas de atrito.

Entre os integrantes da Assessoria Jurídica do Estado do Rio Grande do Norte, a avaliação dos governantes é a pior possível. Estuda-se estratégia de negociação mais salutar ou confronto, após reunião do último dia 13, entre componentes da categoria e os secretários José Anselmo de Carvalho Júnior (Controladoria) e Carlos Augusto Rosado (Secretaria-chefe do Gabinete Civil).
 
O ambiente foi o mais carregado possível, deixando os membros da Assessoria Jurídica profundamente decepcionados e revoltados.
 
O Blog de Rosalie Arruda resumiu um pouco o que foi a  reunião, mas sem detalhar o nível do diálogo, carregado, do encontro.
 
Os deputados estaduais Getúlio Rêgo (DEM) e Ricardo Motta (PMN) é que foram elogiados em nota oficial pelos assessores jurídicos, lembrou a blogueira.
 
“Na nota, a ASSEJURIS critica o governo atual e agradece aos deputados pela ‘ defesa intransigente dos Assessores Jurídicos do Estado, a qual, mesmo resultando infrutífera nos justos reclamos desses abnegados servidores públicos, representa um sinal de esperança à injustiça praticada ao longo do tempo por sucessivos governantes’.
 
Bate-boca
 
Os Assessores buscam a Reestruturação da Carreira e o governo não quer acordo.
 
Na reunião com os dois secretários, Carlos Augusto chegou a ponto de desdenhar dos membros da Assessoria Jurídica: “Não tenho culpa de vocês serem advogados”.
 
Adiante, ainda acrescentou: “Eu só estou recebendo vocês em atenção a Getúlio e Ricardo Mota”.
 
O ambiente ficou ainda mais carregado, apesar da intervenção moderada dos deputados, quando Carlos avisou:
 
- Não posso dar aumento porque tem uma liminar de Joaquim Barbosa (ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal-STF) proibindo qualquer aumento por conta do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal.
 
Nesse momento, um assessor jurídico tomou coragem e fez uma réplica dilacerante, mostrando que ocorrera aumento pros procuradores gerais do Estado “um dia depois do acórdão” citado por Carlos Augusto.
 
Enfim, o diálogo não avançou. Ficou ainda pior se afunilar a discussão que ganhou dimensão de bate-boca.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

PROGRAMAÇÃO CARIRI CANGAÇO PARAYBA!

 

PROGRAMAÇÃO CARIRI CANGAÇO PARAYBA
Sousa e Nazarezinho

Sousa – PB
15 de junho de 2013 - Sábado
Local: Centro Cultural Banco do Nordeste
14:00h – Cerimônia de Abertura



14:20h - Mesa Redonda
Tema: Homem, terra, religiosidade, sertão e cangaço:
A construção histórica da figura do cangaceiro.
Coordenador da Mesa: César Nóbrega – Sousa/PB
Debatedores:
Lemuel Rodrigues – Mossoró/RN
Múcio Procópio – Natal/RN
Honório de Medeiros – Natal/RN



16:00h - Exibição do documentário:
“A violência oficializada no tempo do cangaço”
(Produção da Laser Filmes)
Debatedores: Aderbal Nogueira – Fortaleza/CE
Juliana Ischiara – Quixadá/CE



19:00h – Mesa Redonda
Tema: O cangaço na Parahyba
Coordenador da Mesa: Manoel Severo – Fortaleza/CE
Debatedores: Ângelo Osmiro – Fortaleza/CE
Bismark Martins – Campina Grande/PB
Wescley Rodrigues – Cajazeiras/PB


Nazarezinho - PB
16 de junho de 2013 - Domingo.
07:30h – Visita Técnica
A casa do Jacu e a casa de seu Abdias Pereira

08:30h – Cerimônia de Abertura
Local: Centro Social
09:00h – Exibição do documentário:
“Na cabeça do povo”
Produção: Helena Maria Pereira



09:30h – Mesa de Debate
Tema: O cangaço como caracterizador da cultura sertaneja e a importância da cultura material como elemento formador da
identidade de um povo.
-A memória do cangaceiro Chico Pereira
Debatedores: João de Sousa Lima – Paulo Afonso/BA
Paulo Gastão – Mossoró/RN

Exposição do Cangaço

...E em setembro:
Cariri Cangaço 2013
Crato, Juazeiro, Barbalha, Missão Velha
Barro, Aurora e Porteiras

O VIÉS DOS JUÍZES PELOS POBRES É LENDA, DISSE ELIO GASPARI EM 2007


Elio Gaspari
 
 
ELIO GASPARI

03/02/2007 13:43


Dois advogados da Universidade de São Paulo deram um tiro na testa da teoria segundo a qual o Judiciário está entre os produtores de uma "incerteza jurisdicional" que favorece o andar de baixo, inibe o crédito e o funcionamento do capitalismo em Pindorama. A trava foi apontada em 2004 num trabalho de três marqueses das ekipekonômicas: Pérsio Arida, Edmar Bacha e André Lara Resende, todos com carreiras de sucesso na academia e na banca. A "incerteza jurisdicional" derivaria, entre outros fatores, de um viés dos juízes, que buscam promover a justiça social em litígios relacionados com o crédito e o respeito aos contratos.

A teoria se amparou numa pesquisa feita junto à elite nacional. Dirigida por Bolívar Lamounier, ela mostrou que 61% dos juízes entrevistados preferiam decidir a favor dos fracos. Outra, específica, de Armando Castellar, com um universo de 741 magistrados, confirmou o achado: a defesa da justiça social deve prevalecer na defesa do consumidor (55,4%) e nos contratos trabalhistas (45,8%).

Lamounier e Castellar retrataram o que os juízes gostariam de fazer (ou gostariam que se dissesse que fazem).

Ivan César Ribeiro e Brisa Lopes de Mello Ferrão, da Universidade de São Paulo, testaram a premissa da tese e foram ver o que acontece na vida real. Estudaram amostras de 181 decisões judiciais de São Paulo e outras 84 de 16 estados. Lidaram com cálculos arcanos, como modelos de regressão e de análise binária, vulgo Probit. (Noves fora José Luís Bulhões Pedreira, morto em outubro, advogado que sabe matemática e raro como o selo Olho de Boi.)

As pesquisas geraram dois trabalhos, um assinado pelos dois e outro, mais extenso, de Ribeiro. Resultou que se dois litigantes buscam a proteção de uma mesma lei, aquele que está no andar de cima tem até 45% mais chances de sair vitorioso. Se o contrato favorece o forte, tende a prevalecer. Quando favorece o fraco, esgarça.

Ribeiro, que teve o seu trabalho premiado pelo IPEA, foi mais longe: quando uma das partes pertence ao andar de cima local, tem entre 26% e 38% mais chances de prevalecer do que um grande grupo nacional ou internacional. Ele chamou esse fenômeno de "subversão paroquial da justiça". Numa terceira constatação, mostrou que, quanto maior a desigualdade social numa região, maior é o conforto do poderoso. A chance de um cidadão de Santa Catarina conseguir a proteção de uma cláusula contratual num litígio com o andar de cima é três vezes maior que a de um alagoano. Em bom português: "Não existe o favorecimento da parte mais fraca, ou seja, não há nenhuma evidência da aplicabilidade da hipótese da incerteza jurisdicional de Arida".

Em São Paulo, o Código de Defesa do Consumidor não protegeu uma cidadã contra um banco no caso de um contrato de financiamento de veículo. Já no Maranhão, o mesmo Código amparou uma empresa local que não pagou uma dívida de US$ 2,3 milhões. A outra parte era forte, mas na Suíça.

Descrita desse jeito, a pesquisa pode parecer uma pretensiosa transformação do pesquisador em instância de revisão judicial. O valor do trabalho está nos cálculos nos quais se ampara, calafetando desvios da amostra, testando hipóteses e resultados.

No que se refere ao Judiciário, quem inibe o progresso econômico e social não é uma incerteza jurisdicional resultante de um favorecimento do andar de baixo. É a velha e boa "subversão paroquial" que privilegia o andar de cima do mundinho onde corre o litígio.

Serviço: os dois trabalhos estão na internet e são contra-indicados como leitura de fim de semana.

* Os juízes brasileiros favorecem a parte mais fraca? (Brisa Lopez de Mello Ferrão e Ivan César Ribeiro): http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/26

* Robin Hood versus King John: como os juízes locais decidem casos no Brasil? (Ivan César Ribeiro): http://getinternet.ipea.gov.br/ipeacaixa/premio2006/docs/trabpremiados/IpeaCaixa2006_Profissional_01lugar_tema01.pdf (A versão em inglês dá menos trabalho. Basta passar no google "Ivan Ribeiro Robin Hood")

 * Imagem da informedf.com.br

domingo, 26 de maio de 2013

CARNE MOÍDA

Regina Azevedo
 
 
Regina Azevedo
 
 
meus pedaços de pele estão no varal
da sua casa.

você me comeu
três vezes
ontem à noite;
e esqueceu de me avisar.

não tenha tanta vergonha,
se achegue.

que o primeiro se atire
se nunca comeu
um coração.
 
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reginazvdo.blogspot.com

ESPERANDO




Bárbara de Medeiros



Metade da nossa vida é perdida esperando. Esperando por pessoas, por acontecimentos, pela hora certa para ir atrás do que queremos. Esperando. Muitas vezes esperando pelo momento certo para esperar (eu sei, é confuso), mas é a vida. Não tenho como reclamar.

                            E agora aqui estou. Esperando por você. Ou melhor, simplesmente esperando. Por que a verdade é, eu não tenho mais o que esperar. As cartas já estão na mesa. O jogo acabou. Mas eu continuo encarando cega o rei de espada que você descartou. E lentamente, uma lágrima cai do meu rosto. Molha a mesa de madeira e eu pisco duas vezes, focando meu olhar em um ponto além da sua face de ferro.

                            Dois podem jogar esse jogo.

                            Lentamente, um sorriso abre-se em meu rosto. Um sorriso inocente, mas ele te desarma. E eu rio. Levanto-me, saio. Subo as escadas e olho pra você uma última vez, de cima.

O show deve continuar.


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barbarademedeiros.blogspot.com

maniadecritica.blogspot.com