quinta-feira, 19 de maio de 2016

A ÁRVORE DO CONHECIMENTO


* Honório de Medeiros

O conhecimento pode ser imaginado como uma árvore cujo tronco repouse no chão ancestral onde o homem pré-histórico caçava, coletava e, graças à primitiva linguagem, bem como à incipiente capacidade cooperativa, se tornou uma espécie apta a sobreviver. Não é uma imagem precisa, tampouco absolutamente correta, mas cumpre seu propósito de ser assimilada.

Os problemas com os quais aqueles nossos antepassados se depararam e as soluções engendradas para ultrapassá-los formaram galhos, ramos, folhas, em ritmo cada vez maior e mais denso, em uma escala inimaginável. Cada folha, como se há de perceber, avança rumo ao infinito desconhecido por um rumo que sugere uma proporcionalidade inversa: quanto mais específico o conhecimento por ela simbolizada, mais ampla e profunda a vastidão a lhe servir de contraponto.

Se focarmos essa imagem em busca de nitidez podemos acompanhar, como parâmetro, o desenvolvimento da Matemática, desde os primitivos números naturais até o cálculo, hoje, de tensores hiperespaciais, essas projeções hipotético/geométricas interdimensionais. Podemos acompanhar, também, a evolução da linguagem como lembrada acima até a Babel dos tempos modernos, constituída de signos bem diferenciados – desde os sinais utilizados pelos surdos-mudos, passando pelo informatiquês e o idioma dos guetos, presídios, e subúrbios, até a lógica apofântica do sub-universo computacional.

Aliás, o mundo da informática é muito exemplificativo dessa teoria da árvore do conhecimento. No início, meados do século XX, um computador ocupava salas; hoje, os “chips” guardam quantidades colossais de informações. Que revolução não há de ser o surgimento do “chip” quântico!

A imagem da árvore do conhecimento é possível graças à Teoria da Evolução de Darwin. É, digamos, um corolário. Podemos perceber que o Conhecimento diferencia-se e se especializa na medida em que avança. Sabemos, hoje, quase tudo acerca de quase nada em cada “nicho” do conhecimento, embora tudo quanto descartado por não ter sobrevivido ao choque entre ideias forme uma contrapartida em negativo da realidade. Contrapartida que agrega: aquilo que descartamos não precisa ser outra vez cogitado.

Essa árvore é finita e limitada (conceitos distintos) no espaço e tempo conhecidos, mas infinita e ilimitada quanto as suas possibilidades de crescimento. O futuro, para onde ela avança, é construção do passado, e como cada estrada amplia a quantidade de lugares onde se há de chegar, cada problema resolvido no processo de aquisição do conhecimento implica na ampliação de universos de saber. 

Ou seja, o tempo, cada vez mais, dá razão a Darwin. E não há limite para o Conhecimento.

Funciona dessa forma em termos macros, mas também funciona dessa forma em termos pessoais. Cada avanço nosso implica em ampliar o universo daquilo que não conhecemos. É um paradoxo: quanto mais sabemos, mais há a saber.

É, por fim, o voo do solitário para o infinito: “É como se cada um de nós, estando dentro de um ambiente fechado, uma clausura, criasse uma saída e a utilizasse. Lá, do outro lado da saída, lhe espera um outro ambiente, também fechado, só que maior, bem maior. Sua tarefa, assim, é sempre criar outra saída, sair, entrar em outro ambiente ainda maior, criar outra saída, sempre, em uma escala exponencial...”

Em termos pedagógicos, diria Bachelard: "todo conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão."

terça-feira, 17 de maio de 2016

O TEMPO, DESTRUIDOR DE LEMBRANÇAS

SEU CHICO HONÓRIO E A IGREJA DE SÃO VICENTE


* Honório de Medeiros


O tempo, esse destruidor de lembranças, nem sempre consegue êxito quando é confrontado com os vestígios físicos com os quais se confunde a imagem de alguém muito amado. É isso que concluo enquanto passo em frente à Igreja de São Vicente e dobro à direita, vindo pela Alberto Maranhão, do centro de Mossoró, cumprindo o percurso tantas vezes trilhado em minhas vindas de Natal para visitar Seu Chico Honório e Dona Aldeiza, como são conhecidos meus pais na cidade onde nasci. 

Assim o é porque nada me evoca com tanta firmeza a lembrança do meu pai quanto essa capela, destinada a ser um bastião fundamental na defesa da cidade ante o ataque de Lampião no longínquo ano de 1927, na qual ele, durante tantos anos, exerceu com a lhaneza no trato e a humildade no coração que o caracterizavam, o ofício de Ministro da Eucaristia.

Nossa história, a história de minha família com essa Capela é antiga e densa. Minhas lembranças de menino são permeadas de acontecimentos nos quais a Igreja, seu patamar onde nós, as crianças dos arredores, nos reuníamos, durante o dia ou à noite, para todos os tipos de brincadeiras possíveis e imagináveis em uma cidade cujos delinqüentes eram todos conhecidos pessoais do Delegado e da população; seu interior, onde, à luz mortiça das velas, entoávamos as ladainhas cantadas na festa de Santo Antônio e aspergíamos os presentes com o incenso farto derramado dos turíbulos; as festas religiosas, as missas, tudo isso era o ponto central, o começo e o fim, o alfa e o ômega da nossa vida ainda fortemente delineada a partir dos laços invisíveis das relações familiares por ela albergados. 

Meu pai nos acordava cedo, a mim e a minha irmã, aos domingos, para nos aprontarmos e seguirmos para a missa na capela, que ele acolitava, juntamente com outros fiéis. Minha mãe, por sua vez, uma das responsáveis pelo coro, também compunha o grupo de moradores do entorno da Igreja que a faziam funcionar com a regularidade própria da face terrena dessa instituição milenar, a Igreja, sem a qual não é possível entendermos nossa civilização ocidental e cristã.

Durante a semana, noite após noite, reunIamo-nos sob sua inspiração para rezar quando o dia chegava ao fim e o sono nos aguardava, e, então, agradecíamos a Deus por tudo de bom que havíamos conseguido no tempo passado, desde a alimentação farta à saúde em ordem, seguido das intercessões para a obtenção de graças, mesmo que somente a manutenção da rotina feliz em que vivíamos.

Seja durante a semana, seja nos domingos, seja em que dia fosse, ainda hoje, a presença de meu pai, manso, discreto, polido, humilde, prestativo, com sua fé simples, inquebrantável, onipresente, foi e é uma referência moral da qual não me afastei, nem me afasto, e que norteia os exemplos e as conversas com os quais cuidei, e cuido, com as limitações próprias, da educação dos meus filhos. No meu casamento, um casamento feliz em todos os aspectos, o exemplo de sua relação com minha mãe, o respeito mútuo, o carinho permanente, a parceria sempre reiterada quando surgiam os obstáculos que a vida insistia em nos apresentar, estava sempre presente.

Conto para meus filhos, sempre que posso e a ocasião é oportuna, o pouco que sei de meu pai. Falo para eles de sua vida dura, no início; estranha, sob muitos aspectos; de renúncia, sempre, inclusive a uma parte de si, sua arte, o repente, a viola. Conto-lhes acerca de sua jornada espiritual, de sua crença ingênua no começo de sua vida adulta. Depois lhes recordo os anos de entrega à Igreja Católica, aos seus fundamentos, aos seus princípios, a tudo quanto, ao longo dos séculos, a manteve presente na história do Homem.

E quando, ao ir para Mossoró, entro na cidade, desço até o centro, pego a Alberto Maranhão, e passo em frente à Igreja de São Vicente, ao me lembrar dele, e de Dona Aldeiza, parece que os vejo: ele ao lado de Pe. Sátiro Dantas, atento, enquanto este oficia; ela, nos primeiros bancos, defronte ao altar, no qual se postava o coro.

Então o passado se confunde com o presente e a Igreja de Deus, a Igreja de São Vicente, tão presente na nossa história pessoal, ajuda-me a vencer o tempo, pois resgata, com sua presença ante meus olhos, minha vida de menino e adolescente, e a imagem sempre tão cara de Seu Chico Honório e Dona Aldeiza em minha memória.

AS FASES DA VIDA

* Honório de Medeiros

Até certo momento da vida nossa luta é para ser conforme a tribo, o grupo; depois, a luta será para estabelecermos diferença entre nós e esse grupo, a tribo; um pouco mais para a frente nós nos abrimos para percebermos aquilo que, nos outros, é único, e esse único nos atrai ou  nos causa repulsa ou indiferença; se nos atrai, fomos fisgados. Se não chega esse momento no qual é preciso estabecer nossa diferença para com o grupo, a tribo, então é preciso temer: há algo de errado na nossa vida, na nossa mente, na nossa alma.

domingo, 15 de maio de 2016

O JUSTO NÃO ESTÁ FORA DE MIM

* Honório de Medeiros

O nominalismo de Guilherme de Ockham questionou a possibilidade de as Coisas (“a Coisa-Em-Si”, “ o Objeto”, “o Ser”, “a Realidade”) dizerem, ao Sujeito Cognoscente, aquilo que elas são (suas essências).

Ou seja, nós é que, enquanto demiurgos, ordenamos, organizamos aquilo que nossos sentidos apreendem de forma caótica, a partir do nosso conhecimento pré-adquirido (Kant, Bachelard, Popper...). 

Podemos rastrear tal concepção, de certa maneira, até o relativismo sofista (Protágoras de Abdera, Antístenes versus Platão), mesmo até Parmênides.

O nominalismo também impede a fenomenologia de Bergson e Husserl e a pretensão de uma ciência cujo objetivo seja “compreender”: não é o termo “salinas” (lugar onde se cultiva sal) que me diz algo; eu é que digo algo dele, a partir do conhecimento que já possuo.

Não há essência a ser apreendida, Platão estava errado, os sofistas estavam certos.

Thomas Nagel (“Visão a Partir de Lugar Nenhum”; Martins Fontes; SP; 2004; 1ª edição; p. 137; nota) observa que “Chomsky e Popper rechaçaram as teorias empiristas do conhecimento”.

Nominamos relações, processos, evanescências; não há coisas a serem nominadas.

O Justo não está fora de mim, está em mim...