quarta-feira, 16 de julho de 2014

DE PAI E MÃE: OS MEUS

* Honório de Medeiros

Para Elza Sena, onde ela estiver.

Para quem não gosta de adjetivos, aviso logo: não leia o texto.

Aliás, não sei por que essa neurose contra adjetivos. Um adjetivo é um instrumento: se mal usado, compromete; se bem usado, acrescenta.

Texto somente com substantivos é igual à mulher sem um toque de batom, um ajeitado no cabelo, um olho delicadamente delineado, uma gota de perfume. Falta poesia.

Pois bem, a minha mãe era extrovertida, determinada, solar; meu pai, por sua vez, introvertido, cismarento, noturno. Antípodas. Completavam-se.

Entendiam-se pelo olhar. Conversavam pouco entre si falando. Tinham longas conversas em silêncio.

Poucas vezes os vi amuados um com o outro. Anos depois, já maduro, minha mãe me confessou que muito cedo tinham feito um pacto: se brigassem não dormiriam sem se beijar e desejar boa noite. “Quebrava logo o gelo”, dizia ela.

Lá em casa as tarefas eram bem demarcadas: ela, administração; ele, o financeiro. Quem lidava, por exemplo, com o pessoal que vinha fazer algum serviço na nossa antiga casa às margens da Igreja de São Vicente, era minha mãe.

Dura, detalhista, sem papas na língua, amenizava tudo isso tratando os trabalhadores por igual e os convidando a partilharem nossa mesa comum.

Papai, discreto, observava tudo de longe. E ficava fazendo contas, controlando o parco orçamento doméstico, providenciando o pagamento.

Demonstravam afeto de formas bastante diferentes: mamãe abraçava, beijava, ficava arrodeando cada um de seus filhos e sobrinhos, perguntando, dando conselho, participando diretamente.

Papai somente me beijou uma vez, em toda a sua vida, quando me viu sair de casa, aos quatorze, em busca das ilusões da cidade grande. Beijou-me na testa. Marejou os olhos. Fiquei abismado. Engoli meu choro.

Amava de longe, de forma mansa, mas intensa. Chegava na hora certa, maneiroso, solidário. Mas não era de demonstrações afetivas.

Profundamente religiosos, assim o eram, também, de forma muito diferente: enquanto ela cria de uma forma bastante prática, manifestada por intermédio de sua participação em tudo que dizia respeito à Igreja de São Vicente, do coral às novenas, ele, pelo seu lado, movia-se silenciosamente nos meandros da fé.

Quando morreu, era Ministro da Eucaristia. E, ao contrário de minha mãe, era dado às orações solitárias, conversas particulares entre ele e os santos de sua estima.

Ambos de famílias antigas, tradicionais, sequer pegaram o fim do fausto familiar. Foram, desde o início, e com muita dificuldade, da pequena classe média: minha mãe funcionária pública, meu pai empregado de uma empresa familiar de beneficiamento de algodão.

No final, dois aposentados, contando cuidadosamente o dinheiro mirrado que o Governo depositava em suas contas bancárias no final de cada mês.

Mas nada relevante lhes faltou: a casa era antiga, mas boa, a mesa era farta, os filhos estudavam em bons colégios. Tinham, até mesmo, um fusquinha comprado zero quilômetro com o dinheiro do fgts da aposentadoria de meu pai. Eram respeitados e queridos na cidade que escolheram para viver e morrer.

Penso, hoje, que minha mãe foi feliz, vivendo sempre o momento presente, de sua forma intensa, visceral. O mesmo não sei dizer de meu pai.

Terá sido ele feliz? Acho que ter se afastado da sua viola amada, por injunções familiares, e trabalhado anos a fio no mesquinho e hostil ambiente da empresa onde era empregado acentuou sua melancolia de nascença.

Entretanto tinha orgulho dos filhos. E seus olhos claros, esquivos, brilhavam quando chegavam as boas notícias que cada um de nós lhe levava. Aparecia um sorriso rápido no rosto. E sua doçura natural se acentuava.

Desisti de me questionar acerca da existência de Deus. Qual minha mãe acredito e pronto. Ponto final. Penso como Pascal: em crer, mal não há.

Talvez haja, também, um fio de esperança a alimentar minha crença: a de que, em morrendo, possa reencontrá-los, sentir o abraço com cheiro de lavanda de minha mãe e o sorriso de meu pai em sua cadeira de balanço enquanto dedilha a viola.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A GESTÃO DA SELEÇÃO É UM ESPELHO DA GESTÃO DO BRASIL

* Honório de Medeiros

Posso não ter diploma de técnico de futebol, mas tenho cá minhas convicções e vou meter meu bedelho nesse assunto da seleção brasileira.

Uma delas é de que uma ruma de menino chorão não tem calibre para ganhar copa do mundo. Fiquei impressionado com o chororô deles. Que diabos foi aquilo? Sou de um tempo que homem não chora, engole as lágrimas, trinca os dentes e segue em frente. Não precisa de consolo.

E não adiante vir com conversa de psicólogo. Conheci muitos homens e mulheres de antigamente que não derramavam lágrimas como quem descasca dez cebolas de uma vez só, e eram pessoas equilibradas, íntegras, felizes a seu modo, em tudo e por tudo.

Fiquei perplexo com as lágrimas abundantes, os semblantes arrasados, o drama visceral dos nossos jogadores. Quanta fraqueza emocional... Nem as carpideiras do Sertão choram daquele jeito.

Outro fato que me impressionou foi a vocação brasileira para admitir e admirar sargentões do tipo Felipão, que transpira certezas sem fundamento e manipula os fracos com sua arrogância de botequim. O modelo Felipão anda por aí conduzindo a massa, lembra muito Lula, levando os bestas no bico, apresentando soluções superficiais e imediatistas para problemas antigos e estruturais, cheio de condescendência com os críticos.

Pois Felipão não teve a ousadia de querer impingir ao Brasil que a seleção jogou bem até o "apagão"? E que o "apagão" foi o culpado de tudo?

Para quem estuda Retórica, e analisa o quanto o corpo diz, é um copo cheio ver a mania que Felipão tem de dar uma palmadinha no rosto dos interlocutores quando fala com eles. Fez isso com Van Gaal. Fez isso com José Pekerman. Fez isso com outros. É ultrajante, medíocre, ultrapassado. Lembra certos políticos de quinta categoria, sem compostura, frequentadores de velórios e batizados. É o retrato de quem se esconde por trás de um ethos arcaico, distante de uma razão calcada em argumentos.

Por fim, é intrigante o quanto todo o processo pelo qual passou a seleção brasileira lembra nossa atual situação político-econômica. Assim como no Brasil, a elite que comanda os destinos da seleção é ultrapassada, comprometida do ponto de vista moral, manipuladora e limitada intelectualmente.

Na Argentina também é assim, mas lá tinha um técnico melhor preparado, e jogadores tecnicamente mais qualificados. Sim, e homens calejados jogando futebol...

Fatos são fatos, contra eles não há argumentos. Estão aí para quem quiser apreendê-los. Nesse sentido a gestão da seleção é um espelho da gestão do Brasil. Uma ilusão potencializada midiaticamente ante uma caterva de apaixonados aos quais falta, até mesmo, bom senso, a desmoronar às vezes lentamente, às vezes repentinamente, quando o tempo passa e a verdade aparece. Vejam a propaganda do Governo. Não parece que vivemos na Alemanha?

Quanto à questão tática ou estratégica, basta irmos aos jornais do exterior. Leiam o que os analistas de futebol de fora dizem do jogo de nossa seleção...